A
queda no Montijo de uma antiguidade ainda antes de se erguer nos ares, e um
golpe de estado atabalhoado, que foi numa noite meticulosamente investigado,
combatido e desmontado, levaram-me a entreter-me com este assunto, o do poder e
dos exércitos que o servem, estendendo voluntária e benevolentemente a minha
paciência e o meu altruísmo para com o Paulo e o Bruno, o primeiro um jovem
adulto que me pareceu pleno de bom senso, cordato, comedido, com boas bases e
que decerto muito aprenderá no futuro, o segundo um adulto jovem, meu ex-aluno,
que acha nada mais ter a aprender por já saber tudo e que acabou de matar o pai (o pai Édipo, não vá ele acusar-me de o estar a denegrir), portanto caminhando a passos largos para a emancipação. Quanto ao Paulinho,
não fora meu aluno mas praticamente andei com ele ao colo, daí a intimidade que
uso para com ele, espero não me leve a mal por isso.
Ambos
fazem carreira no exército, o primeiro suou para tirar formação superior e está
maduro para aprender o que é a vida, o segundo suponho que não teria encontrado
saídas profissionais e aproveitou o facto de ser bom paraquedista (neste
momento é dos melhores do mundo na sua classe), para se atrelar à boleia de um
grupo (militar) de representação das forças armadas e que levam o seu garbo e
prestígio daqui até além-fronteiras. Tal como o fazem os “Asas de Portugal” ou
os “Red Arrows” ingleses, da RAF, e os “Thunderbirds” americanos da USAF. Nestes jogos dos militares por
vezes é até induzida e acicatada a concorrência e rivalidade entre as diversas
forças de uma mesma nação, paraquedistas, comandos e fuzileiros, num despique
táctico para consumo popular e que desperta simpatias, vocações, e facilita a
mobilização dos mancebos para esses corpos de “elite” especiais. Por outro lado
os tempos modernos exigiram ou impuseram a necessidade de amenizar a carga
psicológica negativa dos exércitos, corpos vocacionados para a acção violenta
cujo lado negro há que disfarçar, enquanto em simultâneo se atiça nos jovens o
desejo de participação e mobilização no grupo, coisas que a psicologia explica,
e o grupo é um monstro ávido de carne para canhão. As forças armadas são um
consumidor por excelência de juventudes, ingenuidades, complexos, perturbações, taras e vidas.
A
talho de foice direi que só a IGG, primeira grande guerra, levou a eito duas
gerações de mancebos tendo deixado a GB, e a França, quase sem futuro, assunto que levou os respectivos parlamentos a ponderar a hipótese de levar a tribunal e à pena capital os
generais responsáveis pela chacina, emendo, pela condução da guerra, contudo,
todavia mas, porém, dado que pessoalmente nenhum deles matara ninguém, nunca
matam, quem o faz são os oficiais de patente inferior, e os sargentos e praças,
pelo que já devem estar a adivinhar o resultado de tal ofensa à classe
superior. Sim, pois, ficou tudo em águas de bacalhau, a classe superior eram
eles, mas vale a pena debruçarmo-nos detalhadamente sobre esse assunto do ponto
de vista histórico. O assunto é somente tratado em livros de história muito especializados
e particulares. Toda a informação sobre o caso foi apagada de arquivos,
bibliotecas etc. Este caso contrasta fortemente com a publicidade dedicada aos
julgamentos de Nuremberga após 1945. Na GB, e em França, este escândalo das chefias militares
durante a IGG e que após 1918 levantou acesa celeuma foi completamente abafado.
Enquanto
uns abafam as coisas outros fazem justiça na hora, cada um actua como mais lhe convém, a
verdade é que mais cedo ou mais tarde todos os países ou nações acabam
deixando-se envolver em derivas fundamentalistas, como o pode ser até a
insignificante "higiene e limpeza" (para a qual criámos uma policia peculiar, a
ASAE), tudo reflexos insípidos do politicamente correcto, reflexos da idolatria
das leis, que espelham e tomam vida própria, pairando sobre a própria
realidade, e que caiem, caímos, caindo-se no excesso dos formalismos legais,
culminando no culto da fatuidade, do homem vazio, da vacuidade, conduzindo os
países, as sociedades e as civilizações à decadência e deliquescência.
Esta
decadência, a história no-lo tem mostrado e demonstrado, leva a que as nações
mais fortes, e também com menos escrúpulos, estejam sempre prontas a devorar as
mais fracas e a espezinhar os valores que se oponham à sua ascensão ou
hegemonia, ao seu êxito, ao seu crescimento, para o que se borrifam na
sabedoria, veja-se na UE a supremacia que a Alemanha a todo o custo não se
cansa de tentar adquirir e ao qual nós portugueses somos sobremaneira sensíveis.
Amemos
ou não, admiremos ou não os homens fortes, ou os tiranos da nossa
história recente e até da mais antiga, não é isso que está em causa, mas sim a
verificação de factos objectivos, da verdade, ora a verdade diz-nos que foram
ou são precisamente eles, esses tiranos ou homens fortes quem baliza, constrói,
conduz, faz, determina ou direcciona essa teia complexa que é a história. Sem
eles não haveria impérios, sociedades, civilizações, não existiriam tendências,
movimentos, influencias, ideologias, ideais, utopias.
Alguns,
senão a maioria, ou todos, gravaram o nome na história com sangue, seu e dos
demais, devido à força, aos excessos, a exageros, à torpeza e bestialidade, de
qualquer modo em virtude do seu mérito, mérito de líderes, mérito de
condutores, mérito de conquistadores. Deixo-vos uma lista deles, sem especial
simpatia por nenhum em particular, estamos, recordo-vos, a relembrar factos
objectivos, comprovados, verdadeiros. E a lista, incompleta e aleatória começa
por Gengis Kan, Alexandre, César Augusto, Napoleão, Nelson, Estaline, Salazar,
Hitler, Churchill, Franco, Pinochet, Cabral, o Gama, Shaka Zulu… Enfim, puxem
vocês pela imaginação que a cerveja está a perder o gás.
E
aqui chegados será hora de repensar o como, como é que esses homens manobraram,
como conseguiram, como foi que fizeram ? Naturalmente através do poder, com
recurso às vantagens que o uso do poder confere, com recurso à força, ao seu
uso exagerado, abusando dos parâmetros internacionais estabelecidos, se é que
os havia ou se já os havia. De qualquer modo existe sempre uma linha invisível
esticada, ou traçada pela moral, pela ética, pelo respeito que os demais nos
devem merecer. É aqui que a história entra em acção e quer Heródoto quer Homero
nos dão conta da organização do poder nas antigas cidades estado gregas, o
aparecimento da força organizada, o aparecimento dos primeiros exércitos de
Atenas e Esparta, dos ritos e rigores espartanos, os exemplos de organização,
abnegação e superação, “ A Retirada dos Dez Mil” uma verdadeira epopeia contada
por Xenofonte, ou “A Batalha Das Termópilas” em que os gregos liderados pelo
rei Leónidas, de Esparta enfrentaram o exército persa cinquenta vezes superior
e demonstraram uma coragem excepcional. São apenas dois exemplos impossíveis de
esquecer de entre milhares deles que a história nos legou.
Admiremos
pois o nascer da vontade, o nascer da organização, o nascer da força, do poder, pois assim nasceram
os exércitos como instrumento desse poder, dessa força, dessa vontade, um longo
braço, uma lança mais comprida, uma espada de lâmina mais afiada, uma
ferramenta, o exército como instrumento ao serviço do poder. Por todo o mundo
existem testemunhos, arqueológicos ou não, como o exército de terracota, na
china, de uma época cerca de 200 anos AC, dos de Cortez e Pizarro no México,
cerca do ano 1500, de Napoleão na Europa e que perdeu em Moscovo a campanha da
Rússia. Apesar da desigualdade e variedade entre todos estes exércitos
não existem entre eles diferenças substanciais, a noção subjacente às suas
géneses, a formação desses exércitos, do grego, mais defensivo que ofensivo ou
expansivo, muitas vezes punitivo, ao romano que tinha uma função bem diferente
e obedecia a uma estratégia bem delineada, o que nem acontecera com Alexandre o
Grande, outro conquistador, outro fazedor de impérios. Roma planeava, Alexandre
avançava e conquistava pensa-se que talvez e um pouco aleatoriamente, é verdade
que tinha um objectivo final cuja estratégia contudo parece nunca ter obedecido
a um qualquer plano. Alexandre não dispunha de Tv, nem de fibra óptica ou
canais por cabo, entretinha-se e alimentava o seu ego conquistando, avançando,
pisando, demolindo.
Ora
onde eu quero chegar é à conclusão de que os exércitos, longe do que os meus
amigos Paulo Figueira e Bruno Batista pensam, não são reservas de honor ou
viveiros de abnegação, são cilindros de amassar, triturar, torturar, e, ao
contrário dos exércitos (em sentido figurado) do AMI ou dos Médicos Sem
Fronteiras, avançam destruindo, cortando, decapitando, chacinando, matando.
Naturalmente abro uma excepção para o “Exército de Salvação” claro. Devo aqui
fazer notar que ao mesmo exército podem em tempos diferentes corresponder
diversas facetas, assim, por exemplo, o movimento de libertação MPLA
transformou-se após a independência num exército ao serviço de um grupo, uma
classe, e hoje não liberta, antes domina as populações. Este exemplo é válido
para milhentas situações. O exército russo libertou o povo do jugo czarista
para se transformar no Exército Vermelho, que libertou a Europa do jugo nazi,
para voltar a dominar (e não a libertar) para lá da cortina de ferro, com os
exemplos negros que a história aponta da invasão da Hungria (1956) e da Checoslováquia
(1968). Quantas e quantas vezes movimentos e exércitos de libertação viraram exércitos de
ocupação e de subjugação das populações… Neste item um parêntesis para o
exército colonial português que, de dominação se transformou em exército de
libertação em 25 de Abril de 1974, como classificá-lo agora deixo ao cuidado de
cada um pois a mim cheira-me a comida, a lateiros, a oportunistas e classistas
que o povo já esmifrado com impostos alimenta sem proveito. Todos sabem que sou
defensor da neutralidade, ao menos não faremos figuras como a que fizemos na
India portuguesa em 1961…
Ah e a abnegação ?!
A abnegação, a honra, isso são particularidades ou peculiaridades que de modo
singular podem acometer qualquer um em qualquer momento e em quaisquer lugares,
não são de modo nenhum atributos exclusivos dos exércitos ou dos militares,
embora não negue que o convívio nas matanças, a camaradagem como vocês diriam,
forje amizades sólidas e profundas. A abnegação, os actos heróicos, quantas
vezes não viram eles de sentido, Nasser, Saddam Hussein, Kadhafi, para citar
somente estes, há décadas avançaram na frente de exércitos libertadores, veja-se
onde depois essa libertação foi desaguar ou descambar… O mesmo se pode dizer do
Exército Bolivariano de Libertação, que Hugo Chávez enfrentou e Nicolau Maduro
está prestes a provocar dando azo a um banho de sangue… Estava a esquecer o
exército internacionalista e proletário cubano, o tal que foi para Angola
ajudar o MPLA mas que nunca faria o mesmo pela FNLA ou pela UNITA, exército que
foi acusado de tudo e de mais alguma coisa, como se os contrários não fossem
iguais ou piores… Curioso é constatar como todos eles se auto apelidam ou
intitulam de “libertadores” ou “populares” quando na verdade se limitam a cumprir
a função para que foram criados, defender uma classe, uma casta, uma etnia, uma
elite… Quanto ao internacionalismo cubano, não se arreliem, tem forças que o
equilibram, da Alemanha à Suécia há sempre gente disponível a apoiar com
milhões alguma veleidade que os ocupe, uma fundação, um país, um filantropo, um
banqueiro … Contra os contras, a favor dos contras, contra os afegãos, a favor
dos afegãos, contra os palestinianos, a favor dos palestinianos, contra o
islão, a favor do islão, contra os turcos, a favor dos turcos, haverá sempre
gente que matará a fome com o pré da tropa, que não discutirá ordens, que julgará
estar lá como reserva moral da nação, que acreditará fazer parte de um grupo de
homens abnegados, íntegros, honrados, patriotas, já em gaiato eu via isso nos
filmes a preto e branco que metiam a Ku Klux Klan ao barulho contra um xerife
sem estrela…
Os
exércitos não são, como vedes, mais que tenebrosas máquinas de poder, veja-se o
exemplo do uso que Pinochet dele fez, ou Estaline, para não me alongar em
exemplos em que a história é fértil. E os valentes soldados ? Os soldados, até se
aproximarem dos postos mais elevados nunca passarão de simples mandaretes,
paquetes, marçanos bem pagos, ferramentas, instrumentos a mando de outrem,
claro que a estratégia, ou antes a táctica está em fazer pensar a esses
subordinados que são a reserva moral da nação, que são os patriotas dispostos a
morrer pela pátria, que são o exemplo de cidadania, de integridade, quando no
fundo não passam dos criados de quarto das classes possidentes, há sempre uma
classe no poder, o poder nunca anda em roda livre, veja-se o que se passou há
bem pouco tempo com o exército e os militares turcos, carne para canhão nas
mãos de um louco oportunista…
Nem
todos se podem chamar Napoleão, ou César, ou Nelson, ou Hitler…. Alguém tem que
ir a correr fazer os recados que lhe mandarem….