sexta-feira, 2 de junho de 2017

000 437 - A MORTE DA PASSARINHA EM 3 PARÁGRAFOS


De imediato pensei que tivesse periquitos, ou canários, os rouxinóis e os pintassilgos não se dão em cativeiro, nem as passarinhas, digo as pardalocas, as fêmeas do pardal.

Juro ter sido o que me acudiu à mente mal a vi entrar de luto, quero dizer de preto, toda de preto, primeiro pensei cá para comigo quem teria sido que lhe teria morrido, depois, não vos confesso mas ri-me para mim mesmo pensando que podia ter sido um periquito, reparei na casaquinha preta, muito gira, muito à maneira, na saia preta, saia ou vestido, de qualquer modo preto também, com uns remates mui leves em dourado, se não era dourado pareceu-me tal, mas longe como estava e zarolho como tou ficando, a idade não perdoa e os quarenta já pesam, não será pois de admirar que faça algumas confusões, inda por cima com um remate tão ténue como aquele, mas que o preto lhe assentava a matar assentava, sobretudo a casaca, a casaquinha, ninguém poderia negar, e a saia, cá estou eu vendo mal, o vestido, digo o vestido, bom tecido, bom corte, bem passado, boa perna, bem torneada.

Reparei também visto estarmos perto do verão nas sandálias, não me recordo da cor mas eram abertas, o pé sem calosidades, conforme, isto é nos conformes, sem joanetes, não lembro as unhas mas suponho-as tratadas, como tudo o resto, a perna firme, há ali muita marcha, ou muita marcha ou muito ginásio, estou a rir-me para mim mesmo com os meus delírios, mas ela também não desarma, não larga o sorriso, até o café bebe sorrindo, todos os dias fico à espera de ver um fiozinho de café escorrendo-lhe por um dos cantos da boca, por um ou pelos dois, aposto que nem assim largará o sorriso, fica-lhe bem o sorriso, mas cá para mim tem um não sei quê,  pour moi a un je ne sais quoi de matreiro, é que não é só o sorriso, são também os olhos, como duas âncoras, ou antes como uma antena de radar, olhando tudo, tudo mirando sem saber nunca onde ancorar, ou se calhar sabe e não quer, esta coisa das tecnologias furtivas, stealthy, tem muito que se lhe diga.

Bebe a bica e furtivamente passa os olhos por um jornal ou revista escolhida aleatoriamente, pelo menos é o que me parece, lê sorrindo, decerto que não a notícia da explosão de ontem em Cabul e que despachou uma data deles, quase cem, já deixei arrefecer o café porra, fico de antenas no ar e depois é isto, e eu que detesto café frio, não consigo lembrar a cor do batom dela, será daqueles mui vermelhos que ficam marcados na chávena ?

 Uma vez num daqueles filmes do inspector ou detective Poirot desvendaram o crime pelo batom na chávena, já vi que não tenho merda de jeito para inspector, o que interessaria ver não vi, nem lembro, lembro o conjunto preto, saia e casaco, casaquinho, ou jaqueta, saia ou vestido, deixei-a abalar antes de confirmar, fiquei preso nas pernas e na bainha curta da saia, da saia ou do vestido, de qualquer modo permitindo que se vissem umas coxas fortes, fortes mas não musculadas, o que é demais não presta, vive a correr, tomou a bica em pé, muitas vezes a toma assim, mas nem sempre, se calhar será só quando está com pressa, fá-lo em pé e lendo, em pé e sorrindo, sempre à pressa, deve ter que ir apanhar a equipa, a malta das enciclopédias ou da herbalife, quantas mais vendas fizerem pela manhã menos calor apanham.

O sol já vai ficando uma fornalha e ainda mal começou Junho, pagou e desandou à pressa, vejo-a pela montra, vai buscar a carrinha, passa acelerada frente ao café, gosto de a ver ao volante, quando era rapaz também eu sonhei ser motorista, via-me em sonhos abraçado a um volante enorme e dominando o bicho, um camião de dez rodados com atrelado, eu usava ténis e era sempre a acelerar, Espanha, França, Alemanha, não recordo já onde fui parar mas uma vez na passagem para a Itália embora não usasse sandálias, estava de pijama nesse dia e num cruzamento ali mesmo na fronteira um tipo faz uma daquelas manobras de merda, perigosa, escapou-me o ténis do pedal, apanhei um susto e mijei-me.

A minha mãe afinou e com razão, eu já devia ter uns dezasseis ou dezassete aninhos, mijar na cama com essa idade nunca em pequenino me fizeste uma dessas que vergonha, parece que a estou ouvindo ainda, ela que tenha cuidado com as sandálias, e com sapatilhas nem pense, quando mal esperar poderá escorregar-lhe o pé do pedal e truz, mijar-se toda, seria uma pena não ?

Nem imaginam enquanto o tempo passou, fiquei para aqui a olhar para os sapatos mas tenho que lhe dar corda e ir ao pão antes que se esgote, senão depois quem ouve a Luisinha sou eu, cabeça no ar, quanto mais velho mais parvo, e não seria eu a tirar-lhe a razão da boca.



quinta-feira, 1 de junho de 2017

436 - A SACRALIDADE DO PODER E A POSSE


A velha questão da origem do poder não é recente, nem sequer recua ou remonta à coroação de D. Afonso Henriques, o nosso primeiro rei. O meu bom amigo Vilaça diria tratar-se duma questão tão velha como o… e, para vos dar de imediato uma ideia geral diria ser consensual, isto é, ser tão velha quão a invenção de Deus pelo homem.

O poder só se conquista pelas armas, por transmissão dinástica ou através de eleições. Sempre houve desde a pré-história casos em que a origem do poder não deixava dúvidas, o ceptro ou a coroa de louros seria arrebatada pelo vencedor de uma luta, ou de uma guerra, dificilmente sendo o vencedor contestado ao tomar o poder para si e entronando-se ou fazendo-se entronar. 

Mais tarde encarregaria ou delegaria tal na classe dos sacerdotes ou não eram eles a entidade intermediária entre Deus e os homens ? Não podendo a divindade estar presente devido a mais urgentes afazeres, fazia-se que agisse por meio dos seus representantes, os únicos autorizados e capazes de interpretar augúrios e valorizar escolhas, fosse com base em vísceras de animais ou no palpitar de um coração acabado de arrancar. 

Actualmente existe também o recurso à leitura das borras de café ou à interpretação dos búzios e conchas atirados aleatoriamente para o areal de qualquer praia ao anoitecer, mas seja qual for a metodologia utilizada o fito será sempre avaliar os predicados do guerreiro a entronar ou do apaixonado a aceitar.  

Com o crescimento do clã, da tribo, do povo, cresce a necessidade da burocracia e dos cargos para a preencher, com a sedentarização surgem os agricultores, os pescadores e caçadores, ou mantenedores, depois a necessidade de quem defenda estes da cobiça de outros clãs, de outras tribos ou povos e aparecem os guerreiros, ou defensores. 

Daí a que surjissem os intermediários junto do divino foi um passo, o homem é místico, emergem os sacerdotes, os oradores e outras classes que a evolução conturbada do homem no planeta foi tornando necessária, os feiticeiros, os físicos e os boticários para nos tratarem da saúde, os barbeiros e os sangradores, os escribas e os mestres, os servos, os escravos, todos fazendo parte ou construindo uma estrutura ou organização piramidal, daí a frase “piramiza filho piramiza” que é como quem diz vai-te foder, desaparece daqui, pirâmide essa sobrecarregando as bases e terminando no pico com um só, que se arrogara e encarregara do direito de estar aí por vontade divina, fosse o divino quem fosse, para a circunstância qualquer um serviria e além de servir convinha…

No vértice o mais poderoso, o mais forte, o invencível, o que reinará sobre tudo e todos, o que tudo e todos possuía, inclusive o direito à vida dos seus inferiores. Ainda hoje assim é, ou é assim, daí enviarem mancebos para a guerra em defesa de interesses duvidosos, quando não próprios, de um grupo ou classe superior e possidente. 

Enviar jovens como carne para canhão em defesa duma pátria inventada para que melhor reinem não é dispor do direito à vida dos outros ? Possuir a vida dos outros ? Possuir os outros ?


A tomada de posse evoluiu naturalmente, da unção com uma lança ou uma caveira passou-se à unção com um ceptro ou uma espada. Nos dias de hoje é usado um recurso muito mais afiado e de maior amplitude, o discurso. Atestar o direito divino ao poder tornou-se crucial mas indispensável em especial nos casos de dinastias nascidas ou interrompidas. 

Vejam-se os casos de D. Afonso Henriques que a ele mesmo se armou cavaleiro com apenas 13 anos, em Zamora, 1125 pois já nesta altura só reis poderiam escolher e armar cavaleiros, ainda que apenas viesse a usar o título de rei somente em 1140 após aclamação na batalha de Ourique, prestando vassalagem ao Papa em 1143. O mesmo Papa que em 1179 através da bula Manifestis problematum reconhece finalmente o reino de Portugal, isto é deu posse a Portugal. 

Alguns anos mais tarde, por volta de 1305 oficial ou legal e unicamente aos reis seria permitido armar cavaleiros, o poder centralizava-se. No caso de D. João IV que sucedeu a D. Sebastião, morto em Alcácer-Quibir e pôs termo à dinastia filipina em 1640 não tomou posse, foi simplesmente aclamado como rei pelo povo e em cortes a 15 de Dezembro desse ano de 1640.

 Quem não for ungido em cerimonial será desvalorizado, ou nem se considerará empossado. Esta coisa da posse tem muito que se lhe diga e mais derivações ainda, o tomar posse, a posse em si, o possuir pode envolver ou abranger casos e situações surpreendentes, possuir a mulher por exemplo, é coisa que não estará completa sem o ámen dum sacerdote, ou do regedor, do notário, sem que ela seja ungida com o ceptro, a espada, a lança, o talo, daí dizer-se não estar o casamento consumado sem que a mulher seja atravessada pela espada, pela lança, possuída, penetrada, fodida. 

É um ritual machista e mundial este da posse da mulher de que nem as feministas se queixam nem a ele se subtraem, e pode como disse atrás revestir-se de derivações aberrantes ou absurdas, como por vezes acontece com o “ó filha não serás nunca inteiramente minha sem me dares esse rabinho redondinho e formosinho”… e a tomada de posse pela penetração meiga ou forçada ficará ao critério do macho possuidor, que o fará com mais ou menos dor ou meiguice e de acordo com a ideia muito própria que tenha da tomada de uma fortaleza ou de uma tomada de posse.


Portanto minhas meninas, quanto à história do “amor sou toda tua faz de mim o que quiseres” seria melhor que ficassem caladinhas no que à dádiva desses miminhos concerne, pois muitas enrabadelas acabam no hospital com dois ou três pontos de costura pelo menos, se não mais, dependendo do bacamarte do guerreiro ou do ceptro do rei. 

A penetração anal, longe de ser um acto de amor, é um brutal primevo e irracional acto de posse e submissão da mulher enquanto mero objecto da satisfação animalesca do homem, não diria do homem das cavernas mas diria do homem do talo, do homem das couves. Contudo tende em conta que este texto não tem por finalidade debruçar-se sobre a tentação, o pecado, a proibição ou o prazer, nem tão pouco atentar sobre fantasias, taras, manias ou desvios, cousas do âmbito da psiquiatria, da psicologia e da religião, as quais a pedido poderão ser exaustiva e sacramente abordadas noutra ocasião.

Ainda a propósito da sacralidade do poder, das cerimónias de tomada de posse ou de investidura acrescentaria que se em 1971 no Uganda tivessem investido um macaco em vez de Idi Amin Dada, (1920-2003) * toda a África teria beneficiado. 

E chegámos onde pretendo chegar, à compreensão das atitudes do PR Marcelo Rebelo de Sousa, que diariamente desmistifica e dessacraliza o poder e fá-lo cada vez que dá um abraço, um mergulho, pendura uma medalha, atribui uma honraria, distribui uma comenda ou espeta uma condecoração no peito de alguém. Essas homenagens mais não significam que tomadas de posse, é como se alguém dissesse és cá dos nossos, doravante pertences-nos. Idem para os caricatos rituais académicos ou os deveras anedóticos protocolos das confrarias do vinho, da cerveja, do porco, etc etc etc … 

O poder e a honra andam de mãos dadas é verdade, e os nobres homenageiam-se uns aos outros, mas também se arrastam pelo chão mor do descrédito que com tanta prebenda sobre eles teimam fazer cair. É verificar o rol de homenageados e as malfeitorias perpetradas contra este país. Desde Oliveira e Costa a Bava, Granadeiro, José Socrates há para todos os gostos.

Cada vez menos serão as cerimónias e o lugar a fazer o “homem”, o estadista, cada vez mais será o homem a fazer o “lugar”. O anterior PR, uma figura hierática que todas as fotos atestam estadista, observado na sua dinâmica nada seria sem a majestade do lugar que ocupou e do cargo que lhe puseram nos ombros. Por dentro estava vazio, como soa dizer-se brincando, saiu de Boliqueime mas Boliqueime não saiu dele. 

Perdeu o BdP um bom economista de trabalhos em equipa ou de grupo, pois demonstrou à saciedade que deixado sozinho somente fez merda. Aquela cabecinha não tem nadinha por dentro, nada, nem couves, talvez a Maria tenha apreciado o talo.  


* Major-General do exército ugandense, ditador militar e o terceiro presidente de Uganda entre 1971 e 1979 que se autopromoveu a Marechal de Campo e cujo governo ficou caracterizado por violações dos direitos humanos, repressão política, perseguição étnica, assassinatos, nepotismo, corrupção e má gestão económica. O número de mortos durante seu regime ditatorial é estimado por observadores internacionais e grupos de direitos humanos como situando-se entre cem mil e quinhentos mil.

terça-feira, 30 de maio de 2017

000 435 - DE ANGOLA A CONTRAGOSTO…..........


No momento crucial a Tv apagou-se e, aleatoriamente começou saltando canais, por momentos pensei ter-me sentado em cima do comando, mas não, estava ali ao lado onde sempre o deixo, pelo que lhe lancei a mão na esperança de repor a ordem no televisor e não perder pitada do programa pelo qual esperava havia mais de uma semana, uma reportagem sobre o 27 de Maio de 77 em Angola e que acabei por ver em péssimas condições num pequeno televisor que tenho na cozinha, em cima do frigorifico, ao qual tiro o som na hora das refeições e dos noticiários, e me ajuda a engolir algumas noticias e uma ou outra colherada mal mastigada. Porém perdi a melhor parte da reportagem, ainda que a tenha entendido mais ou menos, o que nem foi difícil.

O plasma que avariara tinha já três ou quatro anos, tinha sido uma extravagância minha, sendo quase do tamanho de um campo de futebol, um espectáculo dispondo de quinhentos canais. Dispunha mas já não dispõe, ao mandá-lo reparar apercebi-me que a avaria era num deles, na placa que os controla, tendo-me o técnico dito ser coisa fácil de reparar e barata, comum naquele modelo. Um chante ligando o canal anterior e posterior ao avariado e a coisa estaria feita, eu que não me apoquentasse pois ainda ficaria com quatrocentos e noventa e nove canais.

- E esse chante não pode ser maior ? 

aventei eu a hipótese, farto de fazer zapping entre quinhentos canais dos quais alguns eram replicados mais de dez ou vinte vezes, fiz a pergunta na esperança de resolver ali esse outro nada pequeno problema.

- Poder ser pode, é só prolongar mais o fiozinho de solda do chante que percorrerá o circuito integrado, mas não ganha nada com isso, bem, olhe, mais caro também não lhe irá sair, aqui o freguês manda e o mestre diz que se deve albardar o burro à vontade do dono, ok, será feita a sua vontade, passe cá logo pelo fim da tarde.

Agradeci, solicitei então que fossem retirados quatrocentos canais, os cem ou noventa e nove que ficariam chegariam e sobrariam, seria até uma grande felicidade e maior gozo me proporcionaria. E cá está ele o belo e o bom plasma funcionando às mil-maravilhas e agora mais acessível e prático, tudo por uns meros quinze euritos.

Perdera mais, ou custara-me mais ter perdido parte da reportagem embora nada do que ela focou tivesse sido novidade para mim, ao fim e ao cabo a minha preferência e simpatia pelo MPLA terminara em 78, muito antes de findado o período negro que acabaria somente em 79, muito cedo me apercebera haver quem, para se manter no poder lançasse mão de todos os instrumentos e os fins justificassem os meios, como tal não admira que os resultados do massacre e os seus ecos cedo tivessem chegado até mim e me tivessem atingido, pois nele vi desaparecer dois parentes, ainda que não muito chegados. (a imprensa avocou cerca de 40.000 vítimas).

De qualquer modo os sms que nos últimos dias me têm feito chegar, as mensagens recebidas, as opiniões observadas, discutidas e trocadas, levam-me premonitoriamente a pensar estarmos perante um iminente episódio desses, uma vez mais destinado a manter no poder uma classe, uma casta, uma etnia, um clã, no caso uma família, já assim fora quando do massacre de Outubro de 92, em que no espaço de três dias, foram assassinados em Luanda milhares de apoiantes da União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) e da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), pensa-se que terá havido dessa vez umas 20.000 vítimas. Parece estar a tornar-se um hábito, sempre que o poder tremelica o MPLA despoleta uma purga…

Bastará que o Zé Eduardinho se fine, bata as botas, a transição não foi preparada, o regime está podre de corrupto e caindo por todos os lados, os mecanismos democráticos não estão nem foram preparados para agir apesar dos supostos quarenta anos de democracia, na eventualidade que se avizinha vai ser cada um por si, todos ao molhe e fé em Deus, tal qual aprenderam connosco. O que me falha, por há décadas não ser um operacional é uma avaliação do poder militar e da força da UNITA e da FNLA, ou as apreensões que a Africa do Sul alimente ainda que tenha a Namíbia como tampão de segurança, ou os temores de contágio da Zâmbia e as ambições do Congo que têm com Angola fronteiras directas.

Com Angola desestabilizada por uma luta intestina pelo poder esses reflexos estender-se-ão por toda a Africa, central e do sul, e a norte, no enclave de Cabinda (petróleo) a sua Frente de Libertação endurecerá a luta armada de libertação contra o MPLA, ao qual faltará uma cabeça para dirigir a luta contra os elementos ”subversivos” de Cabinda, podendo ser esta a oportunidade para este movimento de libertação gritar vitória. Com a desestabilização será mais que certo fazerem-se ouvir e sentir as mais variadas repercussões e congregarem-se impensáveis relações de forças cujos interesses, até agora camuflados, só então se farão então ouvir.

Desta vez não tenho a menor dúvida de que cortarão a mão a Danilo dos Santos, o filho do Presidente angolano que arrematou há dias num leilão em Cannes um relógio por 500 mil euros, isto se com a pressa não lhe cortarem logo o pescoço. Vai ser uma chacina, ou o MPLA segura e aguenta a rebelião mal o presidente morra, ou numa manobra preventiva antecede o mais que previsível ataque despoletando ele a chacina, a purga, novo massacre. Desta vez não restará vivo nem um único membro da família Santos dos três meses aos noventa e nove anos. Soubesse eu a força militar ou militarizada das milícias do UNITA e da FNLA, sedentas de vingança, e dir-vos-ia já a magnitude do massacre que se aproxima.

Chamem-me o que quiserem mas preto é preto, aprenderam connosco mas são bem piores que nós, piores no sentido instintivo, primitivo, animalesco, primário, ora se nós já não somos flor que se cheire, imaginem o que está para vir… É que estes pretos ainda não atingiram nem sequer o nosso estádio de desenvolvimento ou de evolução, que nem é dos mais elevados…

Não meto um pé em Angola há mais de trinta anos, mas tenho a minha rede informal de informações e contactos que, embora formalmente inoperacional mal e porcamente vai contudo funcionando. Aos tugas que estão em Angola recomendaria umas férias na “metrópole” de três ou quatro anos e nunca menos, outra recomendação importante é que regressem já, quanto mais depressa possível tanto melhor, porque depois da coisa estoirar será impossível, ninguém conseguirá entrar ou sair do país, fazer sair dinheiro então é melhor nem pensar, arriscar-se-ão a ser presos e quem sabe se posterior e secretamente abatidos por traição se o tentarem fazer, mais vale perder pouco que tudo, que muito, ou a vida. Vinde já porque depois haverá controles nas estradas de quinhentos em quinhentos metros, do MPLA, da UNITA, da FNLA, tudo controlará tudo e nada até que a situação exija a ONU. Se passarem um controle poderão não passar quaisquer outros, ninguém perguntará quem são os mortos nem quem os matou, nem haverá sequer quem os enterre.

Recusei há dias a ida como observador disfarçado de turista, de caçador de caça grossa, de jornalista ou de activista, recusei todos os convites e todas as opções, sou macaco velho e já tenho calo no cu, se alguém quisesse uma Angola pacífica não lhe tivessem dado a independência em 75, pelo menos nos moldes em que foi dada, mas que força tínhamos nós para mais que fingir ter sido magnânimos ? Sim, que poderíamos ter feito mais que fingir que nos impusemos e que contámos para alguma coisa ? Não sei se ainda se recordam do Mapa Cor-de-Rosa e da história de Angola à contracosta, ambição a que o ultimato inglês de 1890 pôs cobro e episódio que também terá cota-parte no despoletar da República em 1910, desta vez não vai ser de Angola à contracosta, desta vez vamos sair é de Angola a contragosto… 





segunda-feira, 29 de maio de 2017

434 - PETROMAX .......



… Depois de muito me conter julguei eu encostá-la à parede com um decisivo e peremptório:

- Eu sei escrever mas não quero fazê-lo…

- Então porque dizes isso ? Para me aguçares o apetite ?

- Para me travar os apetites. Temos que saber conter-nos.

- Fala de uma vez por todas ou cala-te para sempre.

- Sou incapaz de ficar calado. Está-me na massa do sangue.

- Doido insano.

- Doido ao quadrado, se pudesse amar-te-ia ao cubo, à terça, à tripla, à três composta, à quarta, à quinta, à sexta e ao sábado, domingo descansaria.

- Então fala caraças, decide-te.

- Se eu desatasse a falar seria até entornar o leite todo e partir a cantarinha. Seria té nunca mais me calar. E o respeito a que estou obrigado ?

- Então não fales homem do Diabo.

- Eu sou do Clube do Cupido e não do Diabo.

- Não me fecundes.

- Ta bem minha querida, adeus lindo amor do coração, por quem eu cortaria a cabeça e a daria a comer a um cão.

Fosse eu um Centauro e não falarias assim para mim, agarrar-te-ia p’los cabelos, dar-te-ia montaria e cavalgaria contigo p’los céus como Pégaso, enfrentando as alterosas ondas dum mar sereno onde te levasse e te deitasse até que, quando afogado nas suas profundezas eu finalmente respirasse e explodisse num banho de luz incontido p’lo negrume negro da profundidade do mar oceano que calhasse navegar e de tal modo essa luz me cegasse que eu visse miríades de pirilampos marinhos e grinaldas de coloridas anémonas voando no lugar das nuvens que esta felicidade afastara das alturas e eu, surpreendido pela beleza dos dias, o inusitado da situação e p'la felicidade vivida, abrindo a boca de espanto como peixe a quem faltasse o ar, me aferrasse à tua garupa, às tuas ancas, ao traseiro, aos quartos, colado às tuas coxas, procurando a firmeza de tudo quanto apregoas no lugar e procurando-te a fornalha incandescente, teimando uma e outra vez e cada vez mais fundo, almejando suprir esta avidez esta ânsia, esta fome e numa reviravolta de esperança e redenção, de fé e devoção, pudesse de ti tomar posse e entregar-me como se num rodeo montando um cavalo marinho eu lhe apontasse puxando as rédeas, o caminho da mais brilhante estrela do mar e lhe ordenasse que a buscasse, enquanto nós dois, mergulhando naquele céu de felicidade, por ser no fundo que está a virtude e a verdade, a luz e o clímax que ambos buscamos mas não encontramos, como se só o fizéssemos à luz de um Petromax, ao invés de dispararmos neste mar em que vogamos perdidos, uma pistola de sinais e rebentássemos bem alto na escuridão que nos tolhe um petardo de cor e luz cujo fulgor nos ocultasse, pois se há coisa que não quereria era sermos encontrados precisamente agora que estamos perdidos neste sonho sonhado de desejo consentido e com sentido mas travado, pois não quero que me dê um pandangaio, quero morrer farto mas não de enfarte, quero a fome de ti morta matada devagar e tu degustada devagar devagarinho como manda o Martinho e eu, feliz e contente tenha tempo até para palitar este dente que, como uma dor imaginada, como um espinho doloroso cravado na minha mente, moendo-me a consciência e esgotando-me a paciência que não tenho e se me esvai por não ferrar-te quando o que eu mais queria e tu o sabes, seria fecundar-te, deixar florir em ti a flor deste amor cujo rancor me incita a, de tempos a tempos regar-te o pezinho, alimentar-te o ego o brio o in e o id, de mansinho pois nada mais me resta que desejar-te, cobiçar-te, ambicionar-te, usar-te, ter-te, esclareça-se amar-te, não vás tu pensar julgar-te eu objecto de arte, ou artefacto, handcraft, fait à la main, sim talvez, porque não ?

Deus distraído e alguém te fez, bela e sem senão, não fora esta nossa diferença que desde a nascença nos separa e depois de ao quadrado, ao cubo ou à terça ou tripla ou três composta e depois de te fruir, gozar, ter, depois de me lamber e degustar-te como um doce um docinho que mais poderia acontecer a não ser retribuíres-me em cuidados paliativos, visitar-me uma vez por semana, por quinzena, por mês, por trimestre até que finalmente uma linda coroa de flores, um caixão baratucho e na lápide:

- Aqui jaz o Silvestre, era bom rapaz mas apagou-se…








quinta-feira, 25 de maio de 2017

433 - NO BRAGANÇA OU NO PINTASILGO ............


Não o via havia cinquenta e cinco anos ou talvez mais um ou dois, ou menos dois ou três, mas não há duvida, tem o mesmo cabelo e os mesmos olhos de menino alegre que lhe recordava, aliás das poucas coisas que nele recordava. Isso e os bibes impecáveis, que também já não lembro se brancos, se azuis aos quadradinhos miudinhos, ou verdes, também os havia verdes.

O outro tinha um bibe desses, o Kito, verde aos quadradinhos, e ainda lembro a avó Inácia Ferradora, irada, a única vez que a vi zangada comigo:

- Tu fazes-me o favor de tratar o teu primo por menino ?

E eu moita-carrasco, era Kito para aqui Kito para ali, éramos da mesma idade, ou quase, seis ou sete anos, ou oito, a esta distância eu sei lá precisar. O menino Kito era o netinho preferido dela, filho da minha tia Lenita e do tio João, João Sebastião, doutor de línguas, outra estirpe, acho ter sido a partir daí que nunca mais gostei desse meu primo, hoje ter-lhe-ia chamado ódio de classe, mas não, nem ódio nem classe, não gostava dele mas nunca lhe tive ódio, nem ele classe, acho que tanto privilégio o estragou, deve ter sido isso que fez dele um parvalhão, eu por cá continuei na minha luta de classe, uma idiotice este século em que classe e classicismo ninguém tem, conhece ou cultiva.


Não o Júlio, não isto é, também era menino, o menino Julinho, mas não era parvo, brincávamos como iguais, conheci o pai, médico, bom tipo, embora não me lembre da mãe, decerto uma senhora de predicados, foi ela quem me sentou à mesa uma vez e me serviu arroz branco com manteiga, nunca tinha visto tal coisa, nunca comera nada daquilo, Monsaraz e Portugal por volta de 1960 eram o cu do mundo, e mesmo eu que depois ia lá passar as férias grandes ido de S. Miguel de Machede não seria o espingardeiro que sou hoje.

Da varanda da casa do Julinho viam-se, por cima das muralhas, os campos em volta, hoje ver-se-á um mar salpicado de ilhotas, um mar novo, ilhas novas, quando naquele tempo tudo em Monsaraz era velho, de novo somente duas ou três ruas esventradas por onde andavam passando os canos que levariam água a duas ou três bicas, uma nas traseiras da igreja matriz, ao lado da cocheira da Ruça, a burra do meu pai, a minha burra, a nossa burra, outra a meio da rua ida da casa da Inquisição em direcção à entrada da vila, a rua da taberna do Bragança, havia uma outra taberna na rua principal da qual não lembro o nome, Pintasilgo, seria a do Pintasilgo, talvez, fui lá tanta vez e não me lembro, passaram cinquenta anos, é muito tempo.


Ou num ou noutro, ou no Bragança ou no Pintasilgo, mais neste que naquele, gostava de ir á noite ver televisão, a avó Inácia deixava-me ir se durante a manhã lhe tivesse enchido as tarefas e os cântaros de água, que ia buscar à bica atrás da igreja, do outro lado da vila portanto, com duas latas daquelas que vinham dos USA para a Misericórdia, como dádiva, e cheias de queijo flamengo para os pobrezinhos, os pobrezinhos não são uma modernice d’agora. Aqueles tipos dos States foram sempre uma cambada de fascistas prontos a convencerem-nos da sua bondade, mas a verdade é que até as luzidias latas eram aproveitadas, levavam dois furinhos e uma asinha em arame, havendo dias em que faria dez viagens com cinco litros em cada lata, era trabalho infantil que a avó coordenava como ninguém, ela que criou treze filhos, mais filhas que filhos. Não deixava de ser exploração infantil avó/neto, classe a classe dentro da mesma classe, hoje seria inadmissível tal abuso, ainda chamar menino ao Kito vá que não vá mas burro de carga ?

Mas este que reencontrei cinquenta e cinco anos depois e cuja mãe não lembro mas ainda ouço foi quem o baptizou:

- Menino Julinho almoço !

E nós dois entretidos na brinca para logo puxado por ele subirmos rindo-nos a escadaria do quintal até á varanda e à cozinha, os olhos galgando as muralhas e estendendo-se até à raia de Espanha, o vau da Guadiana, tendo sido esses mesmos olhos inocentes que reencontrei agora, os mesmos cabelos finos a quem o pai de vez em quando desfazia a compostura, mão na cabeça abanando-a, sacudindo-a e:

Menino Julinho menino Julinho …

seguindo caminho com a mesma alheada firmeza com que se aproximara de nós, vida de homem, vida de gente grande, não, ali nunca houve coacção que me forçasse a qualquer submissão ao menino com quem repartia brincadeiras e me olhava com os mesmos olhos que hoje lhe vejo na foto que o trouxe até mim, meio século depois.


E enquanto eu rejubilava por ter reencontrado este querido e velho amigo de quem direi que o simples facto de existir me contenta e deixa feliz, soube que aqui ao lado Vinícius Júnior, jogador contratado pelo Real Madrid ao Flamengo, de apenas 16 anos e que terá custado cerca de 45 milhões de euros, poderá valer 200 milhões. A uns endeusam, a outros expulsam, outros há sem eira nem beira, enquanto uns riem outros choram, e outros caem em Manchester…  Ontem ali, a norte de Londres, confiando em amigos e jogando com a existência, outro ser, outra vida, sem preocupações quanto ao facto de os amigos existirem ou não, desiste de existir, desiste de si, arrastando consigo o caos e deixando em agonia a utopia que nos alimenta as ilusões e o viver, acreditando que, numa nuvem talvez maior, mas como a que fora vista na Cova de Iria o esperariam setenta e duas virgens antes de acabar o dia…