JÁ HÁ POUCAS MULHERES BONITAS … 1
Com
a patinha, a minha Mimi puxou a cabeça decapitada da sardinha, filou-lhe as
unhas, enredou-se nuns restos do aparelho e das artes ao qual ainda se encontrava presa uma
linha, linha que vim a saber ao ajudá-la a desenvencilhar- se dela, estender-se
até Vilnius.
Sim,
daqui até lá, à Lituânia, não daqui ou do Festival da Sardinha de Portimão,
antes da vila de Olhão, vila tão afastada das revoltas matemáticas e repressões
ortodoxas como a sardinha anda agora dos nossos mares e das latas de conserva.
Haja decência pois a jurisprudência não tem aqui lugar.
Eu
não podia estar mais feliz, por ter encontrado este rio tumultuoso carregando a
história de enxurrada, história essa que eu amo e sobre cujas passadeiras vou
saltitando de surpresa em surpresa, sempre sob a excitação e temor de
escorregar nos lismos de alguma das pedras, ou torça um pé e me estatele no
caudal desta ficção onde receio ficar empalado, como acontecia aos soldados
americanos se calhava caírem e sumirem-se no fundo das armadilhas montadas
p’los vietcongs, afim de caçarem os modernos cossacos da infantaria alada que
os zurzia sem qualquer efeito e sem piada.
Tivesse
eu caído e certamente o doutor Francisco Fernandes Lopes me acudiria, tão bem
ou melhor que o Tamanqueiro acudira ao Olhanense ao qual pela primeira vez na
vida fez sorrir, pôs a sorrir. Sorriu o Olhanense então e sorriu agora, pois
confirmo com agrado quão estava enganado o prior Sebastião de Sousa, é certo
que passaram duzentos e sessenta anos mas como diz o bom povo, e não somente o
de Olhão, mais vale tarde que nunca e, pelo que sei, vejo e constato, não se
poderá dizer nunca ter ido a Olhão, pois se é de lá, nasceu mesmo lá…
HÁ CADA VEZ MENOS MULHERES BONITAS… 2
Como
não havia de ser ela de têmpera se filha da terra cuja grandeza João Rosa nas
suas crónicas nos canta e conta, em especial aquando da resistência aos franceses
por volta do ano da graça de 1800, ano em que os olhanenses, famintos,
estropiados, os quais ajudados por uma tropa-fandanga fizeram frente e
expulsaram do reino do Allgarve o inimigo.
Por
essa mesma altura e numa sincronia perfeita o pai de Bóris chacinava p’ra meter
na ordem a cidade de Vilnius, inda que nenhum documento ateste esta genealogia
mas tão caricata ligação seja romanescamente comprovada pela liberdade da
ficção e, em caso de dúvida metódica se possam invocar as leis de Mendel e
sobretudo a cartografia Ptolemaica* pois é sabido ter como base e ponto de partida
uma superfície isotrópica e uniforme, a qual por sua vez possibilita a
construção de posições abstractas, tais como as coordenadas terrestres, e uma
terceira dimensão que por sua vez contém os métodos da ilusão ou, como isto
anda tudo ligado, invoquemos sem a olvidar, a mais convencional simbologia dos
mapas.
Quanto
à questão espácio-temporal, a principal característica do mapa-múndi Ptolemaico,
a sua cartografia assegura que os elementos representados num mapa devam ser co-síncronos,
resultando numa separação entre o tempo e o espaço, da geografia para a
história, justificando mais que a jurisprudência, a liberdade de que gozam nesta saga os
elementos biográfico/geográfico/histórico/cronográficos, liberdade quasi
impossível de imaginar no espaço exterior ao romance.
Foram
tempos em que terão penado muito mas não quasi** tanto quão Mário de Sá
Carneiro, que se fora jovem sem esperar pelo mano-rei, quasi tanto sim quanto
os de Vilnius. Também aqui, em Portugal, o drama das invasões fazia esquecer a
fuga da corte para o Brasil, a incapacidade do rei, a inutilidade das cortes e
da nossa tropa na defesa do reino, a eterna dependência, agora dos ingleses, os
quais aproveitando a maré se penduraram em nós e inda hoje nomes sonantes como
Sandeman, Croft, Tawny, Andresen, Dow's, Graham's, Cokburns, Taylors, Warre's,
Crusted, Burmester, Offley, fazem as delicias do nosso paladar, seja como
aperitivos ou digestivos cuja antiguidade em muitos casos remonta à época das
invasões, antiguidade que as marcas publicitam com veemência ocultando-nos
somente o modo e proveniência das fortunas feitas com as vinhas “compradas” a
todos os desgraçados quantos as tinham nas margens do Douro.
A vinda
dos franceses e a ida da corte para o Brasil haveria, qual cortina de fumo, de
fazer as vazas do actual euro e união europeia a quem culpamos de toda a nossa
desgraça, incompetência, inabilidade, oportunismo, caciquismo e espirito de
manada ou instinto de rebanho. É bom ter um bode expiatório a quem atirar as
culpas, eu disse culpas ? Essas nunca são nossas, Bóris dominava teórica e
perfeitamente a situação, D. Leonarda a pena e a paixão, só desconheço se como
a Bóris tanta erudição lhe terá vindo depois de beber até cair no chão.
Nada
que me preocupe, é fazer como eu faço após cada ressaca, duas saquetas de chá
preto da Tetley, um bule de água bem quente e esperançar não queimar a língua,
é prático, rápido e cómodo. Por alguma razão inventaram as saquetas de chá que,
calhando um dia ir a Olhão, levarei no bolso, meia dúzia chegarão, agora que a
tropa francesa abandonou Faro e a ameaça se esfumou há muito dessa vila linda
de céu azul de esmalte, só espero que o vento nesse dia esteja de levante,
talvez por lá esteja o mano-rei e lhe crave um cigarrito.
Que esteja ao menos D. Leonarda, provavelmente quem, inspirada por D. Catarina de Bragança, terá levado para o Algarve o hábito do chá, não me custa acreditar, imaginosa como é e já agora imaginando-a, após horas em redor de um fuso tecendo como Penélope teceu o seu velo, duas linhas riscadas por cada três alinhavadas até lograr ligar todos os factos ocorridos, não ocorridos e por ocorrer, provando à saciedade que isto anda mesmo tudo ligado, dera-se ao luxo de descansar passando então para a sala, visto serem quase cinco horas da tarde, e de seu natural o chá querer-se bem quente, de preferência a escaldar. Naturalmente irei aproveitar a ocasião para dar dois dedos de conversa, por que não, se há cada vez menos mulheres bonitas …
Que esteja ao menos D. Leonarda, provavelmente quem, inspirada por D. Catarina de Bragança, terá levado para o Algarve o hábito do chá, não me custa acreditar, imaginosa como é e já agora imaginando-a, após horas em redor de um fuso tecendo como Penélope teceu o seu velo, duas linhas riscadas por cada três alinhavadas até lograr ligar todos os factos ocorridos, não ocorridos e por ocorrer, provando à saciedade que isto anda mesmo tudo ligado, dera-se ao luxo de descansar passando então para a sala, visto serem quase cinco horas da tarde, e de seu natural o chá querer-se bem quente, de preferência a escaldar. Naturalmente irei aproveitar a ocasião para dar dois dedos de conversa, por que não, se há cada vez menos mulheres bonitas …
** QUÁSI
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa...
Se ao menos eu permanecesse àquem...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dôr! - quási vivido...
Quási o amor, quási o triunfo e a chama,
Quási o princípio e o fim - quási a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos d'alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ansias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indicios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sôbre os precipícios...
Num impeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
Um pouco mais de sol - e fôra brasa,
Um pouco mais de azul - e fôra além.
Para atingir, faltou-me um golpe de aza...
Se ao menos eu permanecesse àquem...
** Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'
MULHERES, AINDA HÁ BONITAS E SIMPÁTICAS … 3
Nunca
tive dúvidas quanto ao facto disto andar tudo ligado, nem dúvidas quanto ao dito do mundo
avançar pulando como bola colorida entre as mãos duma criança. Por isso me alegrou
sobremaneira a história de Madame S querendo transformar em Caterine tudo quanto
Rousseau demonstrara relativamente ao bom selvagem, esforço a desenvolver com
Caterine de quem se dizia ser filha do demónio, mas não somos todos ?
Sagaz
como ele demónio, Caterine aproveitou, aprendeu e beneficiou, com muito mais
pompa e circunstância, coisa raríssima, que a senhora presidente da dita acerca da qual não poderemos garantir tenha alguma vez tomado café na
Brasileira do Chiado, como não poderemos jurar ter Bóris deambulado pela selva
e roças do Brasil ou p’la foz do Amazonas.
Nestas
coisas de juras é D. Leonarda mui certeira pois raramente se engana, não constando
haver vez que não tenha tido mão ou se abanque com a banca, nestes pormenores
dos players e dos dealers uma mão lava a outra e as duas lavam a cara, é
preciso é que o marfim escorra, digo o money money, sendo bem conhecida a sua
mestria para fazer manilha e compor bouquets, inda que nunca se tivesse dado
por comerciar tulipas ou especular com bolbos.
Por
falar em tulipas e bolbos ocorreu-nos que por aquele ano de 1925 Bóris se encontraria
na Holanda e bem perto dela, na Alemanha, Hitler lançara por 12 marcos o seu
célebre Mein Kampf, o que gerou acesa polémica, enquanto D. Leonarda alheia à
controvérsia salpicava com uns pés de cravinho e uns pozinhos de noz-moscada o peru
que preparava para meter no forno, quando alguém indeterminado sorvendo os olores
em suspensão e com voraz apetite largou largo desabafo
destinado a acompanhar a tentadora ave a caminho do forno,
-
Uau ! Lá vai ele para Dachau !
tendo de imediato levado uma
cotovelada pois se estava em 1925 e de Dachau por agora nem sombras quanto mais
fornalhas.
Enquanto
o sedutor peru caminhava para o crematório, D. Leonarda, munida de um pequeno copo
de brande invertido desenhava com canela em pó argolinhas nas travessas de
arroz doce. A todos D. Leonarda convidara para a sua mesa, o que prova não
estar fora de moda a solidariedade dos olhanenses, confirmando-se continuar sendo
o sentimento de igualdade mais forte ali que em qualquer outra parte ou lugar.
Bebemos à saúde de Bartolomeu Constantino, da sua 36ª pena de prisão, erguemos
de novo os copos em honra do causídico Afonso Costa a quem as circunstâncias não
permitiram concretizar o desejo de se bater em duelo de pistolas com o juiz
pronunciador de tão despropositada pena, e numa outra rodada relembrou-se
Manuel Zorra The Sea Fox and your adventures, no momento em que alguém inopinadamente alvitrou
haver ali parecenças com a vida corajosa e aventureira de Linda de Suza avec sa
valise de carton, alentejana de Beringel, mas a ideia foi abandonada por extemporãnea com uma
critica cerrada de,
-
Hoje não acertas uma
por a dita senhora não ser
sequer ainda nascida à data em que estávamos querendo inclui-la na rodada e
beberricada homenagem.
Ficaram-se
os convivas por Raúl Brandão e pelo novel fenómeno do Cinema Paraíso, tendo
nascido em Olhão com duas salas concorrentes digladiando-se como os núbios nas
arenas romanas, bárbaro mas necessário ao contentamento do operariado de
oitenta fábricas conserveiras que o fim da guerra de catorze / dezoito havia de
arrebentar. E implodidas as fábricas de conserva a conversa escorregou no óleo de
olive derivando para a beleza cubista do bairro operário * cubista e obra do
arquitecto Carlos João Chambers de Oliveira Ramos, bairro em cujas soteias o
siroco se sente soprar mais forte, incendiando espíritos e enlouquecendo homens
e mulheres. Por desmancha-prazeres alguém invocou o modelo ROC, fabricado em
Palmela pela W, que também já fabricara o EOS, modelo cuja designação expressa um
carácter jovem, caprichoso e despreocupado, vivendo amores intensos mas efémeros
como era próprio da deusa com esse nome, fábrica que também produzira e produz
o modelo Scirocco, rápido como o vento ghibi que sopra do norte de África, mas
o diálogo ficou por aqui pois uma vez mais o infeliz que o conduzia “não
acertava uma” …
Portanto,
e não direi hoje soube-me a tanto por não termos iniciado ainda o repasto, por
agora estamos sentados em redor uma mesa quadrada, travessa do peru fumegando e
largando eflúvios de especiarias, naperons cobrindo as travessas de arroz doce decoradas
com arabescos de canela, as rolhas saltando nas garrafas e os berlindes
sumindo-se nos pirolitos, será caso para dizer que lá fora talvez, a julgar pela
paz que embala o sono das cadelas, mas não ali, ali não vive gente brava, bruta
ou repentista, ali vive pelo menos uma mulher bonita e simpática, porque sim, porque ainda as há assim.
*
(Bairro Operário mais tarde destruído, e projectado outro com idênticas
características para a firma construtora Lucas & Ventura da qual faria
parte um cunhado do mesmo arquitecto, Carlos Chambers Ramos que dera iniciativa
à arquitectura modernista em Portugal, este seu projecto que por razões talvez
económicas nunca chegou a ser construído, O Bairro Municipal de Olhão.
MULHERES
BONITAS, AINDA AS HÁ SIM … parte 4
Continuo
embalado na história de Boris o mano-rei, e finalmente encontro quem reconheça
a guerra como um tempo de oportunidades. Em boa verdade desde que o mundo é
mundo tudo foi conseguido pela força e exceptuando os tempos da poesia trovadoresca
e dos cavaleiros em defesa das graciosas damas, dos pobres e dos oprimidos, de
que D. Quixote de La Mancha é o expoente máximo, não me recordo de quaisquer
épocas em que não tenha sido assim. A guerra abate pruridos, rebate
burocracias, cria urgências, supera-as, faz surgir personagens decididos e
desenvencilha-se de todas as teias que os parlamentos tecem, o
mesmo fazendo com as redes que deitam, e nunca ao mar, tomando-se por mor da guerra e em
minutos decisões que de outro modo demorariam meses ou anos a ser tomadas, e fariam
acreditar estar feito o que nem iniciado estivesse.
Além
de com as guerras ser excitado o génio inventivo e, sabendo toda a gente ser
mais fácil destruir que construir e muito mais rápido, as guerras apresentam a grande vantagem
de que qualquer reconstrução mobiliza de longe muito mais gentes que a
destruição ou a simples construção. Uns estudiosos de Oxfordshire calcularam
certa vez entre 1919 e 1939 que os mortos num conflito potenciam as
oportunidades dos sobreviventes numa razão de um para três, o que significa que
os vinte milhões de mortos na IGG primeira grande guerra * terão directa ou
indirectamente beneficiado as vidas de 60 milhões de seres humanos espalhados
pelo globo. Imaginem agora as vantagens e bem-estar trazido a todos nós pelos mais
de 2 biliões de vidas caídas em todo o planeta durante a IIGG, segunda grande guerra… **
Não
sabemos se Boris percorreu ou não todo o globo. Como bastas vozes afirmam não o
ter ele feito em 80 dias, nem em mais ou menos tempo, teremos que lhes dar
crédito, às vozes, não a Boris que embora sumido vai deixando um rasto pela GB,
Holanda, Andorra e Maiorca, catrapiscando, seduzindo, desposando e iludindo
matronas e não matronas, bancos, hotéis e ingénuos incautos, ordinary people vitimas
de sua própria ignorância, e vero acusado do aproveitamento de tendências
veladas ou declaradas de androginismo. Quem sabe, quem por essa época ligava a essas
coisas como hoje, hoje que sem a mínima dúvida todos dariam superior e suprema importância
à sua farda de capitão do exército e talvez, quando muito perguntassem se do
Exército de Salvação, da REAPN, do Banco Alimentar ou da Refood, sei lá, tudo
dependendo certamente das dragonas, até do brilho dos botões do dólman que o
pessoal perde-se por pormenores ricos de trivialidade ofuscante e vacuidade fortemente
acentuada.
Portanto,
desde factos e acusações de se deitar com noivas, viúvas, solteiras ou com os
respectivos maridos, nada que incomode Boris, a potência nunca lhe faltava,
acompanhava a Revolução Industrial e a técnica, o modernismo, apontando sempre para
cima para o futurismo. Ele nem era homem que se negasse ou que se ficasse fosse
para o que fosse, fosse uma orgia a dois, a três, uma pedrada de haxixe, ou uma
requintada e esotérica volta ao volante da Cadillac, a linha mais
individualista da época, pois a religião cristã protestante que abraçara na
Holanda corria-lhe nas veias, a par de uma perversão congénita talvez aprendida
com Albertina, a perceptora francesa que cuidara de sua mãe em menina e dele
mesmo trinta anos mais tarde quando fora criança. Quem vai ou consegue agora apurar
as origens de tão íntimas inclinações ou suspeitas ? Sigmund Freud seria homem para fazê-lo e
embora vivo por esses anos, logo contemporâneo de Boris, não consta que se
tivessem cruzado nem nada nos garante tivesse Freud já desenvolvida a sua
teoria da introspecção psicanalítica.
Devido
a estas debilidades e outras contrariedades do seu currículo a verdade é que os
espanhóis lhe lançaram a mão em Andorra, depuseram-no para logo o colocarem na
fronteira portuguesa, chegando a Olhão procurando barco para Marrocos, não
suspeitando ou mal suspeitando este nosso amigo de personalidade russa estar a
sair duma confusão para se atirar de cabeça dentro de outra muito maior, a qual
faria da sua vida uma montanha russa, passe a antanáclase.
Os
dias passados em Olhão viriam a ser astuciosamente observados, depurados e registados
por curiosa olhanense dedicada às palavras, à escrita, à literatura, ao romance
e poética. Não que buscasse protagonismo ou apresentasse tendências exibicionistas,
mas ninguém o sabia ou adivinhava então, que a partir desse momento quanto ela iria
contribuir para que a até aí atribulada vida de Boris se viesse a equiparar
contudo à de um menino de coro.
Doravante
e nas suas mãos, suas dela olhanense de gema, clara de ovo de serpente e
segundo testemunhas péssima na prática de parapente, que nunca fez, nunca
ninguém a vira fazer, todavia excelsa manipuladora de alfabetos, símbolos
gráficos, da semiótica das letras e dos algarismos, a vida de Boris iria ser
catapultada para o infinito.
Cão
de fila como Boris era, mulherengo como o sabemos, nada lhe recusou abrindo-lhe
o passado e o futuro. Não sabemos quanto terá pesado na disponibilidade,
simpatia e empatia de Boris o facto de se encontrar diante de, ou confrontado com
uma mulher bonita, mas que fique registado que até em Olhão, ou apesar de Olhão,
ou mesmo em Olhão ainda há mulheres bonitas, ainda as há sim …
SE
AINDA AS HÁ BONITAS ? CLARO QUE SIM
parte 5
A
produção, ora aí está. Já José Mário Branco a cantava em 79, inda que não adivinhasse
estar fazendo futuro, nem Boris comprometido com ela. A produção, a grande
mentira dos gulags, dos gulags e fora dos gulags. O gulag fez Boris lembrar-se de
Marie Louise, a mim recordou-me a “A Vigésima Quinta Hora” do romeno Constantin
Virgil Gheorghiu e as atribuladas atribulações pelas quais Boris está passando,
p’la loucura do mundo, agarrado a um baralho de cartas em volta duma fogueira,
ou abraçando um molhe delas que apesar de tudo lhe vão chegando às mãos e lhe
garantem a sobrevivência e o amor de Marie Louise.
Índices
de produção, a grande mentira dos gulags, e do mundo, o grande equívoco dos tempos
modernos. Curiosa e divertidamente quem mais e mais exigia quer índices quer
produção soçobrou primeiro e os gulags são hoje uma recordação indecente e,
quem sabe, uma promessa… ou uma ameaça pairando num mar de possibilidades
porque em potência a possibilidade está lá, sempre lá esteve, e estava lá
quando ela pequenina e levada pela mão percorria os corredores das celas de
Peniche, o nosso gulag de imitação e onde os inconformados com a tradição eram
encerrados, quais monges, nas celas húmidas, frias e escuras de onde somente os
seus sonhos partiam livres, levados pelo vento, esperando ser arrastados para o
país dos sovietes onde outros gulags e outros homens por sua vez eram
encarcerados e se evadiam sonhando com outras paisagens, outros países, o que
confirma ser o mundo um mar de enganos onde só os que não sonham escapam a tais
enleios, onde só os que não sonham se escapam a ser enleados… Nos gulags tudo o
art.º 58 permitia, entendo, nós temos o fado do 31 …
“Antes
estrangeiro e acusado de espionagem que russo acusado de traição” não haja
então dúvidas de que o homem é o cão do próprio homem, o homem é o carrasco do
homem, e qualquer homem em qualquer parte do mundo pode ser preso por ter cão e
por não ter. Sabemos que Boris não tinha cão, nem culpas, mas que interessa
isso à engrenagem quando entra em funcionamento a trituradora ? Mais que o
homem o alvo é a dignidade, cientificamente manipulada, pela fome, pelo
desprezo, pelo ostracismo, pela indiferença, pela escravatura, pelo degredo,
pela prisão, pelo exilio, por arbitrariedades e iniquidades. Sobreviver aos
gulags deste mundo, sobreviver a Caxias, Aljube, Peniche ou Tarrafal é ser
erigido em colosso, metamorfoseado em monumento.
E os
dias fluíam, até que repentinamente,
-
Louvado sejas oh eterno Deus de Israel !
que isto é mesmo assim, o
infinito é o mesmo, o universo é só um, mas os deuses chegam e sobram, dá um
para cada bairro, cada rua, e está explicada a questão, a religião é o ópio do
povo e por ali, onde nasceu o refrão nascia também a submissão, a igreja
tornara-se ortodoxa, não porque recusasse os dogmas ou a primazia papal mas
para melhor servir os seus amos na terra que os céus estavam reservados ao
Sputnik, cuja aparição estava presa por
uma questão de dias, e ao que mais viria...
Pausa, passa por momentos
Bóreas, fala mais alto e tudo gela e arrasa até se recolher à sua caverna na
Trácia, não sem antes deixar um manto de neve que nem um limpa neve dos mais
modernos limparia em duas semanas. Mas calma não divaguemos, estamos em 1956,
não em 2018, o Paizinho morrera há três anos, e Bóris juntamente com outros
prisioneiros estavam a dias de ser libertados por Nikita Khrushchev como prova
de boa vontade pela visita de Konrad Adenauer à URSS no ano anterior, ano em
que alguém temendo que pudessem ser libertados do campo e voltassem à RFA dois
SS prisioneiros denunciados por Heinrich
Muller, mais conhecido pela alcunha Gestapo Müller e líder da Gestapo, autoproclamado
comunista e queixando-se ter sido por eles torturado em Berlim, estava eu
dizendo, alguém temendo fossem libertados lhes limpou o sebo.
Porém
não será ainda desta vez que Boris encontrará a liberdade, e numa daquelas
reviravoltas em que a história é useira e vezeira aparece escalado, juntamente
com o seu amigo Anatole (não o de França) para desentupirem as latrinas do
gulag. Podia ser pior diz o outro, ao menos assim congelada a merda não deita
cheiro. E enquanto trabalham teorizam, sobre as ironias do destino, a ironia e
o sentido de humor de Deus., a ressurreição, a perversão, acabando por apostar
quem sobreviveria mais tempo nos gulags, se os ateus se os religiosos, o que
felizmente chegamos a saber pois D. Leonarda, a narradora, no-lo diz.
Contudo
não é difícil de adivinhar, todos sabemos que quem ri por último ri melhor, ou
ri mais, Boris não era religioso e quanto ao sentido de humor ficava-se muito
atrás de Anatole (não o de França) do qual humor e ironia eram apanágios. Que isto
seja suficiente para ficarmos sabendo que, ateus ou religiosos no final serão
os amantes do humor quem sobreviverá pois o crente sente-se abandonado por Deus
enquanto o ateu se agarrará a qualquer esperança a qualquer homem, e isso será
o bastante para lhe evitar o derrame de lágrimas e manter um sorriso na cara,
seja ele irónico ou não pois como todos nós sabemos não há idiota que não
afirme a pés juntos que sorrindo a vida ganhará novo sentido.
Posto
isto, a disponibilidade e clareza com que a história nos foi contada, poderemos
afirmar que ainda há narradoras simpáticas, empáticas, e vá lá, bonitas, no
caso merece o elogio, até porque o mundo seria muito mais triste se houvesse
dúvidas quanto a isso, se ainda as haverá ou não bonitas, claro
que sim.
……………………….
Continua ………………………
A
MAIS BONITA DA RODA … parte 6
Deliciava-me
eu lendo O Centro Do Mundo estiraçado
no banco do jardim, olhando o parque das crianças desde há muito sem as ditas,
quando me fixei na quadrícula de grossas cordas entrelaçadas, em treliça
cúbica, cujos pontos de contacto nos vértices se encontravam reforçados por um
nó plástico, colorido, forte, rijo e duro, não fossem as criancinhas ao trepar,
faltar-lhes o pé, caírem, voarem, estatelarem-se, e fez-se luz ! Ali estava
formalizada a vida de Bóris, no espaço quadrangular das possibilidades
potenciais, articulado, preso ou seguro por aqueles nós plásticos, quais pontos
cardeais, e em cada um deles um facto histórico, em cada um uma verdade, interligando-se
entre si como uma teia, uma rede, uma quadrícula.
Estava
ali a resposta ao Miguel Fernandes Duarte * Abstracta e na minha frente apresentava-se
a estrutura do romance que Bóris arrastava desde Vilnius finalmente explicada
aos gentios, exposta. Quase me levantei para a apalpar, verificar se era
verdadeira, confirmar, porém uma rajada de vento suão trouxe até mim o cheiro
nauseabundo duma qualquer cabeça de sardinha voltando a fazer-se luz ! Isto
anda tudo ligado, o romance por Bóris trazido terá encalhado na cabeça degolada
duma sardinha numa qualquer rua de Olhão e aí estava a questão explicada,
explicadinha, porque como toda a gente sabe um romance não surge do pé para a
mão, nem espera por nós ao virar de cada esquina, mas garanto-vos, uma cabeça
de sardinha é outra coisa, é outra loiça, não sendo ideia minha essa da cabeça
da sardinha é todavia ideia que se aproveite, inda que falha de um banho-maria
ou nem estivesse mergulhada em azeite de oliva.
Mas
voltando à vaca fria, que é como quem diz à mão de vaca, com grão ou sem grão,
a verdade é que a agitação do mundo por incrível que nos pareça chegava ao
gulag, dando a Bóris e a mais umas centenas, ou milhares, esperanças de verem
deferido o requerimento solicitando clemência e clamando por inocência que há
muito preenchera endereçando-o a Moscovo sem que lá tivesse chegado, aliás
nenhum deles fora sequer enviado. Nem o isolamento natural e forçado dos campos
de prisioneiros abafava os rumores arrastados pelos sussurros do vento, o
Paizinho morrera em 53, portanto havia dois anos ou três, seguira-se-lhe Béria,
um bera que fora acusado, julgado, sentenciado, condenado e executado na mesma
manhã, tempo demasiado para quem tão pouco valia bem vistas as coisas. Nikita Khrushchev
já prometera soltar uns presidiários alemães como prova de boa vontade pela
visita à URSS no ano anterior e consequente legitimação do regime e devida a Konrad
Adenauer.
No
lager, digo no campo, digo no gulag ninguém sabia, mas sabemos nós ao
dominarmos o ritmo do pinga-pinga dos factos nesta história em que as páginas
estão seguras por eles factos ou penduradas deles por pioneses, dizia eu, aqui
vai mais um facto ignorado pela população prisional mas por nós conhecido, o
Sputnik estava para ser solto, atirado, lançado, sê-lo-ia exactamente no dia 4
de Outubro do ano seguinte, 1957, pelas 7:28 da tarde, portanto acumulavam-se
os indícios e os augúrios que alimentavam a esperança dos prisioneiros como
quem alimenta uma fornalha, perdão, retiro o vocábulo fornalha, estamos ainda
muito próximos de 45 e a palavra carrega uma simbologia péssima, negativa, o
que contudo não retira um grama ao ânimo que estes desgraçados sentiam
atiçar-lhes o sangue nas veias e as expectativas.
Desconheciam
eles que naquele ano, talvez naquele preciso momento decorria em Moscovo o XX
Congresso do PCUS e o paizinho, já o podemos escrever com letra pequena sem
medo de represálias, era denunciado, incriminado, tratado abaixo de cão, e por
várias vezes foi sujeito a ressurreição p’ra que de novo o pudessem matar e
matá-lo melhor, enterrando-o pela quinta, sexta ou sétima vez, porque antes da
oitava já toda a gente concluíra que o paizinho fora um fenómeno histórico, nascera
antes de tempo e falecera tarde demais, salvara a mãe Rússia mas deixara-lhe os
alicerces minados, assentes em areia movediça, lama desnatada a que faltava a
firmeza da ética, da moral e muitos outros cimentos os quais fariam com que ela
não durasse muito, e não durou, em 89 caiu, o muro soçobrou como um castelo de cartas
e com ele a URSS e seus satélites, como se assolada por um tsunami arrastando
tudo, mesmo tudo.
Devido
a isso ou porque o dia estivesse mesmo muito frio ninguém no campo
trabalhava nesse dia e todos estavam estranhamente alegres, expectantes. No
pátio coberto de neve alguns prisioneiros juntavam-se em grupinhos e as conversas de uns
sobrepunham-se por vezes às conversas de outros grupos mais próximos, num deles
um maltrapilho queixava-se da sua sorte, a pena ia já em doze anos e nem sabia
quando terminaria, tudo porque alguém o denunciara e acusara de ter chamado
contra revolucionário a Karl Radek ** prisioneiro a quem de pronto outro dos
interlocutores respondeu,
- E
eu estou aqui vai para dez porque jurei que Karl Radek não era nenhum
contra-revolucionário.
gerou-se no círculo um
silêncio só compreensível por quem vivesse paredes meias com o absurdo e, como
se o terceiro elemento se calasse e nada dissesse um dos outros dois espicaçou-o,
e tu ? Tu o que dizes, que tens para contar ?
- Eu ? Nada, eu sou o Karl
Radek.
Se
isto não é um absurdo, se a ideia aqui condensada não é um ponto importante
onde escorar um romance não sei o que seja, nem o que possa sê-lo. Como poderemos
esperar que Boris, ou mesmo D. Leonarda nos contem uma história certinha se
este mundo está num total desacerto, se nem Boris nem ela jogarão com o baralho
todo, pois é ela mesma quem nos diz, Olhão
estava cheio de peculiaridades, e só quem não saiba o que isto é pode
ignorar o mal que faz, peculiaridades são piores que pedras nos rins, ou
quistos no fígado, peculiaridades só os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki
teriam mais e mais fortes que o pessoal de Olhão, os quais para além disso
ainda aguentam com o calor se calha estar de levante, ou será sotavente, agora
perdi-me, estou confundido.
De
tanto piar às tantas julgo estar no ritmo certo mas quando calha e por dá cá aquela palha dou comigo a dançar
com a mais feia quando, em boa verdade, contínuo dançando com a moçoila mais
bonita desta roda.
** https://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Radek
A RAPARIGA DÁ COMIGO EM
DOIDO, parte 7 e última
Bóris
sabe, só ele sabe por que desapareceu, já por uma ou duas vezes apalpara
terreno e não conseguira apoio ou sinal positivo, encorajamento, de modo
relutante ela fizera frente a ambos os avanços, fizera-lhes orelhas moucas, não
que desgostasse de música pois se lhe falassem de literatura ou se debruçassem
sobre a arte do romance ninguém duvidaria que tal matéria seria música para os
seus ouvidos. Porém Boris estava nos antípodas das suas preferências, nele
detestava as polainas, as meias brancas, a bengala, com castão ou sem castão, o
gesto de cruzar ou descruzar as pernas, as calças de vinco vincado, o raccoon
coat e até o ar demasiado asseado.
Para
culminar Boris não gostava de cães, em boa verdade as cadelas dela também o
detestavam. Era demasiado, a sua personalidade nunca deixaria de chocar com a de
Bóris e ela mulher madura, segura de si e após tantos anos e finalmente bem
instalada na vida, comodamente diria, não estaria com disposição para mudanças
comprovadamente contundentes com o seu volúvel, sensível e metafísico caracter.
Chegara a uma idade em que mudanças de hábitos de elevado teor incomodam mais
que o prazer que porventura possam proporcionar, pelo que, mulher de costumes
arreigados, negar-se-ia sempre a trocar o saquinho de pevides e a alfarroba
pelo balde de pipocas, pormenor aparentemente subtil mas que Boris contudo não
percebera.
Optimista
e confiante Boris depressa a esqueceu, e não tendo conseguido barco para
Marrocos foi parar nem sabemos como à Alemanha de Hitler e ao país dos
sovietes onde acaba por ser encarcerado, conforme a história que os meus amigos
e amigas acabam de ler. Afogado no mar de atribulações que a segunda guerra
mundial fizera encapelar supomos que a esquecera, nesse particular Boris não
seria muito diferente de qualquer outro, nem do portuga que se julga tudo e
todos e afinal não é ninguém, nem sabe ser ele e nem é.
Mas
não ela a quem ele ficara atravessado na garganta como uma espinha de sardinha,
talvez da mesma sardinha que aparecera degolada numa tarde ensolarada e num
passeio térreo da linda vila de Olhão. Ela não conseguira esquecê-lo e mal
pôde, mal teve vagar, oportunidade, vá de indagar, perguntar, questionar, porque
no final é isso que nos diz, e conta, todo o arrazoado exotérico de personagens
convocadas a dar seu testigo e a quem eram colocadas sempre as mesmas questões,
todas elas em redor do inesquecível Boris.
Desta
investigação, destes testemunhos
resulta um desfilar das gentes e memórias de Olhão, através de cuja edição e
apresentação pública estou em crer ter D. Leonarda feito mais pela sua linda
vila que todos os planos quinquenais e presidenciais da autarquia, passados e
futuros. Do turismo à curiosidade poucos recusarão conhecer o roteiro por Boris
Skossyreff percorrido em Olhão, D. Leonarda mostrou-se perita em excitar-nos
tanto a curiosidade quão a atenção.
Eu
sabia os algarvios contrabandistas, todavia não os conhecia dedicados à pesca
de bacalhau nos mares árcticos e de cuja faina D. Leonarda faz uma descrição
perfeita, soberba, e que se estende dos tempos em que eram praticada com base na arte xávega até aos tempos nos quais o futurismo era príncipe consorte e rei,
tendo esquecido unicamente o admiral Tenreiro de má memória, o que nada me
admira dadas as inclinações detectadas e cuidadosamente veladas.
Este
meu caudal palavroso tem um fito, aliás dois fitos e uma fita, o fito de me
entreter lendo, uma leitura critica, e em simultâneo elaborar uma tão completa
quão possível sinopse da obra em causa, se é justo que, dada a extensão
atingida continue chamando-lhe sinopse, mas como designá-la ou classificá-la
? Pequeno ensaio ? Não me fere a ideia,
nem distorce a intenção, colocar ao peito de D. Leonarda uma fita de cor bem
viva atravessada à tiracolo e agradecer-lhe, parabenizá-la, homenageando-a pela
sua louvável, extravagante, inusitada, esquisita e excepcional obra.
Infelizmente
nem todos conseguirão alcançar o maravilhoso prodígio desta criação, a beleza
de Ana Cristina Leonardo, que conheço aparentemente bem, sei onde pára, o que
faz, até já a lobriguei nalgumas fotos, e na Tv, sei que as adora e adora
passear as cadelas, perdoem-me a redundância, e sei pois acabei neste momento a
leitura d’O CENTRO DO MUNDO, obra
sobrenatural, portentosa, construída pacientemente como quem completaria um
Lego, obra que a partir de pequenos factos históricos, dispersos, aleatórios,
por vezes propositada e ficcionalmente deturpados a fim de sobrelevarem pela
ironia a própria história forçando-a a um humor a que ela dificilmente cede ou
se acostuma, dizia eu ter D. Leonarda construído um romance pujante a partir de
nadas, de nanhas como se diz na minha terra, ou, para utilizar a sua própria e
peculiar linguagem, hodiernamente partindo de Pokémons, construindo uma teia,
tecendo uma história pícara onde factos dispersos mas veros se entrecruzam com
a ficção, originando uma fórmula estruturante de longe muito mais
impressionante que o Atomium, de Bruxelas, consulte-se a Wikipédia, porque isto
anda tudo ligado e porque é assim que se faz a ficção, já a fissão é diferente
e consegue-se de diferente modo.
D. Leonarda
demonstrou-nos à saciedade ser possuidora duma beleza única, admirável, e superiormente entendida em literatura a ponto de nos
demonstrar e fazer compreender que o romance, a ficção, a sua génese e
construção, é sobretudo ter a ousadia e a capacidade de erguer uma casa, em
Olhão ou não, cubista ou não, começando-a pelo telhado mas conferindo-lhe
unidade e solidez. Muito se poderia dizer acerca desta sua superlativa obra. Já
uma vez tinha dito de Ana Cristina Leonardo ser ela uma autêntica enciclopédia
ambulante* mas como sou do Boavista e jogo no Olhanense hoje fico-me por aqui
pois não desejo que tomem por exagerado o meu testemunho. Até por D. Leonarda nada
me pagar, nem me dever nada, nem eu a ela devo mais que um grande muito
obrigado por este fantástico romance, inventado, criado aparentemente do nada,
e diria eu que num novo velho género, uma nova escola, nova tendência e muito
mais que o realismo mágico, pois desta vez confrontamo-nos com o fantástico
maravilhoso ou o maravilhoso fantástico que passará doravante a ser conhecido e
reconhecido pelo romance género “al-gharbio”.
Obrigado Ana Cristina Leonardo.
* https://mentcapto.blogspot.com/2016/03/323-carta-aberta-ao-expresso.html
***** https://mentcapto.blogspot.com/2018/07/519-mulheres-inteligentes-apanha-las.html
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