Mas
o resto?
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
25 - SÓ UMA PROFESSORA MAIS, MAIS UMA ? ...
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
24 - SENTIDOS E EMOÇÕES...
Meu tio
Sofio, já velhinho mas nem tanto como pensarão, convocou toda a família com
aviso de recepção, para que não faltássemos à comemoração das suas bodas de platina. Não sei
quantos anos ele tem, e muito menos quantos comemora de casado, dado que está
decididamente brincando...
O que sei,
porque chegou em carta registada, é a data da sua morte.
Meu tio Sofio
tem um cancro terminal que alimenta e o devora há vários anos. Desta não é
para brincar, os médicos recomendaram-lhe o tratamento das partilhas e heranças
enquanto vivo de molde a poupar depois trabalhos aos que ficam. Diligente,
ele tem-se esforçado ao máximo, com o mesmo e rasgado sorriso com que sempre
enfrentou, palavras dele; - “ a puta da vida”.
Desta vez,
para comemorar as bodas e a sua partida próxima, promete uma festa de arromba e
uma maldição sobre os faltosos. Não vou
arriscar, o fato preto com que casei ainda me serve, servirá para a festa e
algum tempo depois para o funário.
Só quem conhece
meu tio Sofio acreditará nesta história, a primeira que conto de verdade de uma
pontinha à outra. Invejo-o. Não
porque vá morrer, mas pelo espírito com que enfrenta a coisa. Bazófia não
me tem faltado e sempre me tenho comparado em muitos aspectos ao meu tio Sofio.
Deixa ver se na hora H mantenho a mesma firmeza e disposição. Talvez ele
tenha perto de oitenta anos, ou nem tantos, mas garanto que já viveu pelo menos
centena e meia.
Ainda jovem
navegou para Angola em defesa daquela nossa colónia e por lá ficou após ter
saído à peluda. Bom mecânico de equipamento pesado, facilmente garimpou lugar
na Diamang Dundo, a sociedade mineira da Lunda e a maior empresa da África
portuguesa, onde, nesse lugar remoto, se poderiam ver as maiores máquinas
mecânicas, com quatro, dez ou vinte rodas.
Quando
militar, e porque os aerogramas do Movimento Nacional Feminino permitiam
gratuidade na correspondência e resposta certa, arranjou, como outros magalas
da época, uma madrinha de guerra na metrópole. Maria Ana se
chamava ela, e nem sei como calhou começarem a corresponder-se sem jamais se
terem visto, e sem que a escrita fosse o forte de qualquer deles.
Acho que o
Movimento Nacional Feminino incentivava as moças na metrópole a não negarem
apoio moral ás nossas tropas no terreno. Acho, e quase tenho a certeza. Conheceram-se
por carta, por aerogramas, trocaram fotos, julgo que ainda a preto e branco, e
tantas cartas trocaram que esgotaram o baralho e ás tantas iniciaram-se com um
outro de tal modo viciado, que lhes mexeu nos sentidos e revirou as emoções. Tão viciado
que se enamoraram, pediram em casamento e casaram, por procuração, sem que
alguma vez se tivessem visto, tocado ou falado.
Ele lá, ela
cá, que só depois de casada rumou a Angola para se juntar ao marido e exercer
no Hospital da Lunda, já que era enfermeira de profissão. Foi um
casamento feliz do qual resultou o meu primo Sandro, bom rapaz e bom “vivant”,
prova provada de que saiu ao pai, pai que antes de todos retornou a Portugal,
e, ou antes ou já depois, não recordo, correu mundo como mecânico especializado
de equipamento pesado e granjeou imensos conhecimentos, amizades e fortuna
pelas Arábias, Israel, Egipto, Jordânia, África do Sul, Estados Unidos e
Brasil, entre os que recordo, embora tivesse havido mais.
Mas esta
crónica não é sobre os países que meu tio Sofio conheceu, é sobre um casamento
com décadas e que a tudo sobreviveu apesar de ter tido origem num modo tão
informal. Discussões
sempre houve algumas, que eu saiba sem consequências, e divergências nem lembro,
pelo menos que tenham sido de fundo. Agora sim é
que ninguém cala a minha tia Maria Ana que lhe não perdoa ir-se embora assim
sem mais nem menos, sobretudo sem o consentimento dela.
Falei há dias
com eles pelo telefone, e juro que nunca os tinha visto tão animados com uma
festa. Eu tentando
manter uma conversa sóbria e formal, ainda que sem qualquer êxito !
– Berto! Não
faltem ouviste ! E traz a tua boina das farras ok ? E não faltem que não vos
perdoaremos !
– Deste lado
do bocal eu ria para eles e chorava para mim.
Por muito
alegre que seja jamais igualarei no espírito e na atitude a displicência de meu
tio Sofio perante a vida e sobretudo ante a morte.
E
chamavam-lhe na família um mulherengo, imaginem !
Acreditem que
é verdade.
23 - UMA QUESTÃO DE NEURÓNIOS......................
Costumo
afirmar, na brincadeira, e somente junto do meu círculo de amizades íntimas,
que sou um santo. E nem me admira
que não abram a boca de espanto, conhecem-me… Dir-vos-ei o
que lhes disse a eles tantas vezes já, que somente não uso a auréola, não
porque a não tenha, mas por ser incómoda, por demasiado pesada e me ficar
ligeiramente apertada, o que ao fim do dia se torna extremamente doloroso, mas
sobretudo por ser demasiado exuberante e dar imenso nas vistas, razão pela qual
a guardo na bagageira do carro para não enferrujar, mas estar sempre à mão.
Ninguém
desconhece quantas vezes ser a brincar que as verdades se dizem, por isso os
amigos são para mim tão condescendentes quanto o melindre da questão o exige. Até eu já me
convenci do facto, em tantas ocasiões uma mera suposição é afirmada que se
converte numa verdade aceite, sobretudo quando sou eu mesmo quem melhor me
conhece as virtudes e os defeitos, e cujo saldo reputo de singularmente
positivo e me incita a superar-me a cada dia que passa.
Por vezes,
muito remotamente, uma ou outra alma lá reconhece pública ou pessoalmente que
sim, que se não sou santo andarei lá muito perto. Agradeço, intuo a
responsabilidade inerente, que assumo ou assimilo, e continuo a minha saga
procurando não desiludir quem quer que seja e mostrar-me digno da confiança em
mim depositada. Vem isto a
propósito de uma estranha ajuda solicitada por amiga minha, nem jovem nem
mulher madura, a Beatriz, pedido a que anui não tanto por me considerar à
altura do repto, mas por ter já há muito constatado não primarem as pessoas, na
generalidade e actualmente, por predicados que bons anos atrás faziam parte da
formação ou do saber de qualquer um.
Queixa-se ela
não conseguir atrair sobre si as atenções de um macho e jovem adulto por quem
se apaixonou, mau grado os esforços que tem desenvolvido nesse sentido, só
faltando mesmo declarar-se-lhe, coisa que ela não quer fazer por entender dever
ser o macho a detectar os sinais e a tomar então a iniciativa. Não vou aqui
discutir feminismos nem machismos, igualdades de direitos ou de géneros, apenas
evidenciar um pensamento e os inerentes comportamentos, atendendo a que estão
em causa os caracteres e personalidades dos envolvidos, a Beatriz e o Bernardo,
nomes fictícios mas que para o efeito servem perfeitamente.
Há muito me
dera conta que, pelo lado masculino existe um deficit de cavalheirismo, de
etiqueta, de romantismo, para não dizer mesmo até educação e formação, coisa
que mal nenhum faria a que homem fosse e por certo deixaria as damas
felicíssimas. Não, isso não
acontece, e ao invés, infelizmente, chegam-me quotidianamente queixas de falhas
de educação raiando a alarvice, o que, convenhamos, nada dignifica os machos
das nossas urbes. É certo que
eles também protestam quanto à falta de feminilidade actual do sexo oposto, ao
deficit de sensualidade, ao abuso pelas mulheres de terminologias pouco dignas
do seu estatuto, enfim, penso que também os compreenderão. Verdade que
falo de generalidades, excepções sempre haverá ou tudo estaria negro mas, o que
me chega aos ouvidos, mais não é que fruto do analfabetismo funcional e da
iliteracia que tanto teimam vingar entre nós e onde, para nosso azar,
encontraram terreno fértil.
Amiga com quem por acaso uma vez abordei a questão falou-me em neurónios, que, ou não funcionam, simplesmente não existirão ou terão as conexões tão falhadas quanto um fusível queimado. Talvez ela tenha razão, eu é que não entendo nada de entomologia, de electricidade ou electrónica, e de neurologia ainda menos.
Amiga com quem por acaso uma vez abordei a questão falou-me em neurónios, que, ou não funcionam, simplesmente não existirão ou terão as conexões tão falhadas quanto um fusível queimado. Talvez ela tenha razão, eu é que não entendo nada de entomologia, de electricidade ou electrónica, e de neurologia ainda menos.
Mas que a
Beatriz tenha que quase se deitar aos pés do marmanjo por quem se perdeu de
amores, ou que ele não vislumbre nela os mínimos sinais de uma paixão, são
indicadores preocupantes do modo como o nosso mundo se encontra. Que a Beatriz
não possua as inatas e velhas artes de sedução e tenha que se socorrer de mim,
celibatário confesso e ignorante nas coisas do amor devido ao tão grande
desfasamento prático de que padeço, se bem que me honrem, mostram-me
sobremaneira o estado de desespero em que se encontra e o desânimo que sobre
ela se abateu.
Aqui declaro
por minha honra estar disposto a tentar um milagre, mas a Beatriz e o Bernardo,
terão que, em ocasiões alternadas, vir passar comigo as noites de uma dúzia de
sextas-feiras e aceitar as despesas por conta. Onde me
encontrar saberá ela, há muito frequento regularmente o mesmo bar e associação
entre as 22 de sexta e as 2 da manhã de sábado, no mínimo.
Estou pensando
seriamente imprimir umas pagelas com a minha imagem, endereço electrónico e nº
de telemóvel, que acham da ideia?
domingo, 20 de fevereiro de 2011
22 - MENINA PRECISA-SE...
Como tudo
está mudado ! Nunca pensei que volvesse pastelaria ! E tantos anos aqui
passados, jamais o tempo me apagará as recordações dessa época. Quase diria
terem sido os melhores anos da minha vida. Ali era a minha secretária, acolá a
do senhor Justo, coitado, que será feito dele? Olha! Nem de propósito ! A bolsa
que trago hoje foi oferta dele ! E que boa tem sido !
Coitado, não
aguentou esta crise, e era tão bom homem, sempre carinhoso comigo, se precisava
de alguma coisa ou não, e, verdade seja dita, mais nenhum homem reparou, como
ele reparava sempre, mas sempre, no baton que trazia, se trazia ou não, e se
não trazia porquê ? Que se passava ?
Sempre
solícito, se eu estava doente ? Se era desgosto ? Se eram aqueles dias ? Que
amor de homem, nada lhe escapava, se eu mudava ou deixava de usar um anel, a
mais pequena alteração no rouge, nada lhe escapava, era incrível !
E a megera
com quem era casado ? Era e é coitado, nem vale a pena dizer que nunca o
mereceu, nem merece, e os olhos que me mandava cada vez que vinha ao
escritório, até me arrepiavam ! Que mulher horrível ! Má, ciumenta,
desconfiada, nunca vi como aquilo ! O senhor Justo era precisamente o contrário
! Atencioso, carinhoso, merecia melhor, tirando o bafo no meu pescoço, que
devido ao tabaco eu detestava, até ao fim nunca tive a apontar-lhe a mais
pequena coisa, antes pelo contrário.
“PRECISA-SE
MENINA”… precisada ando eu, menina é que ora está bem, há quantos anos isso foi
?
Parece que a
minha sorte anda ligada à do senhor Justo, desde que ele adoeceu e fechou o
gabinete que não consigo arranjar trabalho, mas servir ? Fosse o senhor Justo o
homem que foi se ele alguma vez me deixaria andar a servir ! Era o deixavas !
Recordo tão
bem ! Ali era a minha secretária, acolá a do senhor Justo, sempre virados um
para o outro, e foram anos, sempre tão meu amigo, confesso que hoje estou
arrependida de o ter ofendido, eram outros tempos, se não era uma menina era
pouco mais, não devia ter ainda trinta anos, e recusar-lhe o apartamento e o
carro que me quis oferecer… hoje acredito que a minha recusa o tenha ofendido,
hoje acredito que ele não estava a brincar, que me amava mesmo, jamais o tempo
apagará as recordações dessa época, foram os melhores anos da minha vida.
Como o teria
feito feliz !
E nem teria
sido preciso muito, bastava ter sido diferente da megera com quem é casado,
coitado, nem vale a pena dizer que nunca o mereceu, nem merece, nem alguma vez
merecerá. Fomos tão felizes, podíamos ter sido tão felizes, amei-o de verdade,
tão bom homem, sempre carinhoso comigo, sempre solícito, nada lhe escapava, tão
atencioso, tão carinhoso, e eu, feita parva, ainda o ofendi com a minha
arrogância, não me perdoo.
Tão felizes
fomos aqui !
E já nem há
homens como ele, isso não há, não há e há muito tempo ! Ainda lembro aquela
vez, era Inverno, já passava das seis, ele estava a vestir-me a gabardina, de
repente faltou a luz, e lá fora já noite, e tão escura, os estores descidos, e
derrubámos os papéis todos da secretária ! Só no dia seguinte os apanhámos, foi
tão bom, foi desde esse dia que vi quanto ele me amava, devia ter deixado o
quarto, hoje tinha o apartamento, talvez não estivesse tão mal, tão só, ele
sempre quis o melhor para mim, eu é que fui parva.
Olha no que
deu a minha mania da independência.
Amei-o, não
posso garantir mas acho que a meu modo o amei. Ter-lhe-ia dedicado a vida, mas
como, se ele era casado ? Tenho a certeza que a nossa separação, mais que a
crise e a falência o prostraram no estado em que está, como teríamos sido
felizes ! Foram os melhores anos da minha vida, acabar ao lado daquela megera,
que pena, dizer que nunca o mereceu é pouco, nem alguma vez merecerá.
Fomos tão
felizes, podíamos ter sido tão felizes.
sábado, 19 de fevereiro de 2011
21 - PALESTRANDO COM INTENSIDEZ...................
Caríssimos amigos, desejo em primo testemunho expressar
quanto me é grato encontrar-me esta noite entre vós, e o prazer que me é
concedido pelo facto de no vosso seio ter sido acolhido.
É evidente que a minha presença aqui tem que ver
exclusivamente convosco, sois vós o motivo dela, é para vós que me dirijo,
humildemente, em atitude de gratidão, de reconhecimento pelo que hoje sou, pelo
homem em que me tornei, pelo ser humano em que me haveis transformado, pela
felicidade que me haveis trazido.
Recordo, quando ainda pequeno, o deslumbramento que em mim haveis provocado, primeiro com as imagens, posteriormente com a lúdica abstracção da
criação delas, partindo de linhas simples que aprendera a decifrar.
É grande como podeis constatar o conforto que sempre, ou
desde cedo me haveis prodigalizado, as aventuras proporcionadas, os desafios em
que me haveis estimulado a participar, as metas que a cada dia haveis colocado à minha frente para atingir, o saudável e pausado crescimento dessa forma
obtido, a maturidade calma e segura cuja culpa a todos vós atribuo e agradeço.
De vós me alimentei a vida inteira, em vós encontrei a fonte
da eterna juventude e o pote recheado de ouro da sabedoria. Foi através do
arco-íris nele enraizado que, saciado de vós, ousei imitar-vos, pois já me não
bastava nutrir-me do que sois, uma vez a necessidade satisfeita exigia que me
transformasse, que fosse mais um entre vós, que sempre me haveis rodeado do
melhor que sinceridade, amor e amizade podem facultar e, em cujo seio me
acolhi, cresci e debutei ainda bem jovem.
Parte de mim está hoje aqui convosco, a outra parte sou.
Muito de mim cresceu à vossa imagem e semelhança, o resto de
mim tornou-se naturalmente ou metamorfoseou-se sacramente no que sois, no que
somos.
É portanto chegada a hora de reconhecer quão grato me sinto e
sou, porque entre vós, porque como vós, partilhando uma avidez, uma ânsia de, a
vosso exemplo, outros contaminar ou influenciar, como comigo haveis
diligenciado, e único modo de vos compensar ou perante vós quitar tamanha
divida e gratidão.
Modesto, tento imitar-vos, singelo, ouso timidamente entre
vós estar e permanecer. E nem me conheço mais grata ou maior ambição que esta de me
elevar pelo valor e mérito que convosco aprendi a cultivar, a par da humildade
e da simplicidade que somente o saber ensina e a luz aponta.
Convosco em mim as trevas viraram fulgor, as incógnitas
soluções, as variáveis certezas, as dúvidas fundamentos, as consequências
causas, a insegurança probidade, a hesitação um rumo. Inimaginável se tornaria sem este meu testemunho quanto vos
devo e quanto de benéfico em mim resultou de vós.
Jamais renegarei ou esquecerei tudo quanto a vós devo, da
meninice ao homem em que me tornei ou me haveis tornado.
E, num tempo em que as amizades leais escasseiam, nunca vós
haveis regateado o altíssimo valor que em minha feição sempre experimentei e do
qual me servi, numa dádiva que sempre pressenti desinteressada mas cujo merecimento nunca
deixarei de reconhecer ou serei capaz de amortizar por muitos anos que viva.
Hoje sinto-me orgulhoso, entre os meus, e, ao sentir-me
rodeado por vós, um conforto inexprimível me envolve, e, como que num abraço,
vos confesso o reconhecimento de que a minha vida tem sentido, tem causa e
consequência, tem motivo validade e razão, porque hoje tenho por adquirida a
certeza de ter que ser perante mim e para mim que esta satisfação, esta
avaliação de como sou e quem sou tem forma, conteúdo, substância e importância.
Obrigado.
“PALESTRA AOS LIVROS” – Apontamento da palestra proferida
por mim na Bibliocafé INTENSIDEZ em 28/02/2010
http://abarrigadeumarquitecto.blogspot.pt/2008/10/intensidez-bibliocaf.html
http://porosidade-eterea.blogspot.pt/2008/07/intensidez-bibliocaf-em-vora.html
http://www.holaportugal.net/es/e/intensidez-bibliocafe-20105
http://abarrigadeumarquitecto.blogspot.pt/2008/10/intensidez-bibliocaf.html
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