domingo, 26 de fevereiro de 2012

112 - AINDA O TEU OLHAR.............................



AINDA O TEU OLHAR.....

Olhos que procuro em outro olhar
de santidade e maldade,
sortilégios e sacrilégios de
insondáveis mistérios,
a desvendar os meus mistérios.

Charmoso , envolvente
que me deixa insegura
difusa, confusa,
olhar que me salva e absolve.

De sorriso torto, menino maroto
e sim... com jeito de peixe-morto
assanhado, safado, brejeiro,
meio moleque, cafajeste, debochado,
tipo Jack Nicholson.

Olhos de jade, da cor de mel
do mar, de ônix,
vivaz, inteligente,
de jogador de xadrez,
soberano, de divindade
filosófico, mitológico
olhos que cheiram a jasmim
e sabor achocolatado,
mal apagados, fumegantes
prontos para se rebelarem
em chamas tremeluzentes,
faíscam, chocam e entrechocam.

São excitantes, de puros pecados
húmidos, bem desenhados
puritanos, abismais, lascivos, mundanos
que provocam agitações intermitentes
e sensações calientes, perscrutantes, experientes
na arte de se projectar, no prazer de aparecer
sem culpas e desculpas,
na única certeza de sentir-se desejado
mais... mais… e muito mais...

Ardente e libidinoso, suspira, transpira e inspira
convites ao prazer,
useiro e vezeiro nas incursões
e excursões de sentimentos e sentidos
e no embate do corpo-a-corpo.

Olhos pirotécnicos, que queimam e incendeiam
num fogo invisível, volátil, faíscam, fagulham, ardem
deixando a carne exposta, derretendo o coração
sumindo, assumindo e consumindo
até virar fogo vivo.

Amo olhar o teu olhar, olho para te amar
ler, absorver e ouvir através deles
frases românticas e vulgares, aceitar o apelo da vida
aproveitando cada segundo vivido
sonhando esse sonho enquanto é possível
fadado a não durar muito.


Iluminam meus dias, quebrando a monotonia,
alimentando desejos ocultos, adormecidos
olhos inabitáveis, que me alheiam à realidade
lembrando-me de lembrar, onde e quando começou
o ponto de partida, o meio do caminho, e o final.
perdi-me nesse teu olhar brilhante,
incessante, de eterno viajante.



Nilza Rouquentin in: http://biarouquentin.blogspot.com/ - 2 de Janeiro de 2012 - 12:23h




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

111 - ELE INVENTAVA O FUTURO !!! ......................


Seria uma radiosa manhã como qualquer destas com que os últimos dias nos presentearam, pois foi numa ilusão de calor e num torvelinho de luminosidade que o vi, brilhando entre as verdes ervas orvalhadas dessa véspera de Verão.

Era a última matina de aulas antes das férias e, como habitualmente, eu e o Grilo percorríamos essa hora de caminho do bairro até à escola, como Tarzan percorreria um novo troço da selva ou Emílio Salgari uma novel aventura.

Onde cresceram prédios subíamos nós gatinhando, a íngreme ribanceira para, torneando a padaria plantada no meio de nenhures, aspirarmos profundamente o cheiro a pão acabadinho de fazer nesse alvorecer e vivermos mais uma aventura do far west, esgrimindo espadas de cavalaria ou revólveres de pioneiros em defesa da ponte ferroviária, último baluarte existente na pradaria e antes de nos embrenharmos na selva de betão da gente fina da cidade.

Foi nesse derradeiro pedaço do trajecto, na vereda de atalho para quem demandasse a padaria, que o vi entre as ervas brilhando ante os raios de sol ainda frescos mas já luxuriantes, refulgindo ante os meus olhos muito mais que o teria feito o tesouro do Barba Negra, tantas vezes por nós procurado naquele Caribe que, pelas 8:30, a realidade nos sonegava.

Sem temer as chispas que o sol nele libertava logo o limpei às calças remirei e guardei numa olhadela e manobra rápidas, antes que o Grilo reclamasse metade do achado e meti-o ao bolso onde decerto o seu lindo cabo vermelho continuou cintilando.

Mantive aquele maravilhoso canivete durante anos, numa caixa de papelão por mim forrada a papel veludo e destinada aos meus tesouros, cuja maioria ainda guardo, apesar da sua manifesta inutilidade. O canivete foi mesmo dos poucos tesouros de que me desfiz, pois não resisti a oferecê-lo ao meu filho, quando fez meia dúzia de anos e o homem que eu fora despontava nele.

Mas ficou-me na consciência o peso dessa ocultação ao Grilo, pois ele nem era merecedor de tamanha desconfiança. Foi e ainda é a meus olhos, a pessoa mais séria que terei conhecido, mais sério mesmo que o Texas Kid, o Flash Gordon, o Tarzan, o Simbad, o Emílio Salgari, o Barba Negra, o Zorro ou o Tonto ou todos eles juntos vos garanto.

O Manuel Grilo era o Geppetto das estórias inventadas e das aventuras vividas. Ele inventava o futuro ! E eu boquiaberto, de orelhas assestadas, deslumbrava perante as visões que me descrevia e se propunha cumprir quando fosse crescido e de como eram viáveis e funcionariam !

Então ajudava-o a planear helicópteros de um lugar só ou gigantes dos ares, submersíveis para desbravarmos os charcos do Xarrama ou unidades maiores e bem capazes de defender a nossa costa dos mouros que, segundo o professor Pulga, sempre tinham tentado dominar-nos. E embevecido, era ouvi-lo inventando e descrevendo parafusos sem rosca e cardans funcionando com princípios que só hoje a física dos super-condutores e as baixíssimas temperaturas permitem ! Grilo era o capitão Nemo do Júlio Verne daqueles dias e bastas vezes me maravilhou com visões que somente muitos anos mais tarde, já homem feito, vim a observar noticiadas como acabadas de inventar ! 

Zingarelhos e aparelhos, invenções de cientista louco e aventuras de capa e espada eram o pão de cada dia nessas horas do percurso de e para a escola, recheado de ribanceiras, silvados, flores, valetas profundas de grosso caudal que submergiriam um qualquer ao mínimo descuido ! Nem Geppetto, nem Willy Fog e a sua volta ao mundo em oitenta dias, alguma vez superaram as aventuras vividas por mim e pelo Grilo nessas idas e vindas dos tempos em que havia Primaveras e Verões, Outonos e Invernos como deviam ser e não esta mariquice mesclada que agora nos dão, como esta politica que aceitamos pior que tomaríamos o óleo de fígado de bacalhau dado às colheradas na cantina escolar. 

A cada passo e a cada esquina reinventávamos o Flash Gordon, o Super-homem e a vida, o futuro e as soluções, a amizade, o amor e os sonhos, o mundo ! Lembro-me que tão amigos éramos que até a Lurdes dividíamos e namorávamos a meias e, para lhe chegarmos, transpúnhamos à vez o alto muro que separava os quintais onde vivíamos aventuras e aprendizagens que nem a Júlio Verne haviam lembrado ocasião alguma…

O Grilo seguiu a técnica que os seus sonhos tinham há muito delineado e é hoje um quadro altamente especializado, a vida separou-nos, mas continuamos amigos, eu entre os doutores e engenheiros deste país adiado e esperando que Platão e Sócrates (o filósofo) comecem de novo a fazer as perguntas que ficaram sem respostas e esquecidas nas gavetas dos supra-numerários…

A mim encontram-me por aqui, ao Manuel Grilo entre os meus amigos de sempre, sempre de óculos, tal qual o Geppetto de que vos falei… um bom amigo !

Abraço apertado e saudoso Manuel Grilo ! ! ! ! *










terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

110 - O MEMBRO..........................................................




Inexoravelmente vivo os “cinquentas” com todas as preocupações a que me vejo obrigado, não devo ser muito diferente de qualquer um de vós, a idade, reconheço agora, tudo dá e tudo tira, há muito o sabia, não queria era aceitá-lo.

Tal como não suporto já os excessos de quando tinha vinte anos, ou mesmo trinta, é sobretudo este membro o meu ponto fraco, e em simultâneo, quem me obriga a aceitar o que o espírito se recusa a reconhecer.

Atingida a meia idade, daqui para a frente é decair, mas com cuidado e devagar.

Já foi para mim motivo de orgulho este membro, motivo até de virilidade e afirmação, já foi, e é aí que está precisamente o mal, já foi..., já não é.

E o pior é que, contra toda e qualquer lógica, tenho alguns pruridos em consultar um médico, sei que não me vou sentir à vontade na sua frente, já que para agravar tudo o meu médico de família, é uma médica.

Que lhe vou dizer ?, que de há uns tempos para cá este membro não é o mesmo ?, que não se ergue como antigamente ?, que não suporta metade do esforço que suportava até há bem pouco tempo ?.

É difícil aceitarmos certas coisas, sobretudo aquelas que mexem connosco, com a nossa psico, com o nosso mundo interior, a nossa intimidade.

Este membro anda realmente a dar-me a volta à cabeça, e quanto mais penso nisto, piores parecem ser os resultados e os sintomas.

É tão grande a minha apreensão que chego a sonhar que o dito membro foi cortado cerce, então acordo sobressaltado, encharcado em suor, temendo o pior, mas aliviado por tudo não passar de terror onírico, talvez baseado nas minhas recalcadas e subconscientes preocupações diárias de macho latino.

Tenho abordado o assunto com alguns amigos mais chegados, que além de não acusarem os mesmos sintomas, ainda que partilhem comigo a idade, não deixam de comentar a gravidade do sucedido (comigo) e serem peremptórios em afirmar não desejarem por nada deste mundo estar na minha pele.

Ás vezes ponho-me a pensar se haverá alguma hipótese de fazer com que este membro volte a manifestar a força, o vigor, a resistência de antigamente.

Sei lá, a medicina hoje está tão evoluída, a Fisioterapia tem taxas de sucesso tão elevadas. É que para mim seria um milagre, um milagre que me faria rejuvenescer dez anos, se não mais.

Já me disseram que há agora uns comprimidos que são uma maravilha, mas não sei, sou um pouco avesso a essas coisas dos comprimidos, sou mais adepto dos métodos naturais, mesmo até na alimentação.

Não desejo isto ao meu maior inimigo, o problema não são as dores no membro, que melhor ou pior se suportam, mas a falta de força, que leva por vezes a que não consiga suportar esforços que dantes eram pura brincadeira.

Até um par de calças o maldito membro não consegue já suportar sem deixar cair !

E o relógio ? esse tive que o passar para o outro pulso.

O meu membro superior esquerdo anda a preocupar-me deveras. São as dores nas articulações, em especial no cotovelo, são as dores provocadas pelos movimentos de rotação ao nível do pulso, são as dores no antebraço quando comprimo os dedos.


Para tornar tudo mais negro, os bíceps, de que me orgulhava, estão (está) uma sombra do que eram, e eu, que me orgulhava de derrotar a todos no “braço de ferro”, precisamente com aquele membro !  


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

109 - VARANDIL ... JANELA DE MONSARAZ ...


Subi um dia há muito tempo já ao varandil, agora com acesso vedado mor dos perigos de abatimento do piso e que me pareceu não comportar mais que meia centena de pessoas, contudo há cinquenta anos eu furava pelo meio de umas boas centenas delas, todas dançando e foliando nesse dito varandil, como ainda hoje é chamado o espaço que cobre a agigantada cisterna de Monsaraz e que agora me parece tão pequena, a cisterna e esse espaço, não essa terra, terra onde nasci e vivi estórias de encantar. 

Meditando, me acudiram à memória os meus tempos de adolescência, em que, nesse terraço, mas num outro mundo diria, tive a minha iniciação. Ali passei então muitas das minhas férias estivais quando rapaz, ali deixei agarradas ao xisto rude das pedras, paixões e recordações vividas em dias de festa, ou não, a que se juntam as memórias de umas gasosas e outros tantos pirolitos.

Nas noites limpas e frescas todo mundo buscava o varandil, dele se avistavam, e avistam, terras de Espanha e Portugal. Badajoz e Elvas contam-se entre as mais importantes de todas as que a nossa vista dali consegue alcançar, agora com a moldura enriquecida pelo espelho das águas reflectidas do grande lago de Alqueva.

Pensando nisto senti o tempo recuar, até aos meus doze, treze ou catorze anos. Entre outras, grata me é a recordação de uma boneca loura, de tranças até à cintura, e por mor de quem eu aprenderia toda a catequese. Por mor dela ganhei também, a paciência e o coração que tenho hoje, grande, enorme, capaz de albergar toda a gente. Tudo porque me abriu os olhos para a amizade, o amor, a dádiva, a entrega, a solidariedade, a comunhão, coisas em que me iniciou, ela, que a menarca tornara mulher de um dia para o outro, a mim, adolescente imberbe e tímido, devedor eterno da sua sabedoria. 

Com ela tudo aprendi, a suavidade no trato e nos gestos, o comedimento nas palavras, a diplomacia dos contactos, o cavalheirismo, a etiqueta para com o sexo oposto, pois que, como me dizia, os géneros eram três, a saber; masculino, feminino, e as mulheres, pelo que havia que ter sempre em conta que essa coisa que ainda hoje dá pelo nome de gramática, era manifestamente insuficiente para regular as relações entre estas espécies.

Hoje tudo isto parece inconcebível, hoje, que tantos advogam o contrário daquilo em que formei carácter e personalidade, feministas fazem por ser tão rudes quanto os homens, e estes, maioritariamente se entretêm cultivando um marialvismo mais ibérico que latino, e um machismo que os poderá levar a Hollywood mas dificilmente ajudará a conquistar um coração tão especial e sensível como o que qualquer mulher guarda que nem tesouro, isto quando os modernos machos não se arrogam de um feminismo libertário e libertino que tenho muitissíma dificuldade em aceitar.

Certa gente não entende pois que, passados tantos anos, muitos, eu mantenha tão arreigados hábitos, ainda que aparentemente fora de moda, e, num tempo em que para mim já nada contam esses pormenores, rodeado que me encontro de problemas mais prementes, questões mais candentes e assuntos mais importantes a que dedicar atenção e energias, correndo embora o risco de um epíteto desqualificativo por antiquado, cá vá rodando as rodas da minha nora e fazendo com que os alcatruzes não assomem vazios, mas, pelo contrário, sempre cheios de amizade, alegria, jovialidade, esperança, graça, deleite, gáudio, e um espírito sempre em festa, que eu procuro continuar disseminando por onde passo.

Contudo e mau grado de quando em vez esqueço estes ensinamentos sábios e erro, como qualquer mortal, pelo que desculpa peço já a quem tenha melindrado. Não sou pretensioso, mas a segurança em excesso e o facto de ser extrovertido, em muitas ocasiões contribuem para que me julguem mal. Entre um pirolito e outro, coisa que muita gente nunca viu nem saberá o que é, ou foi, lembro ainda essa amiga que nem meia dúzia de anos namorisquei, a quem tanto devo e nunca mais vi.

O Processo Revolucionário Em Curso, o celebérrimo PREC, fez com que nos tivessem esquecido mas também nos separou e, advogados poderosos, já depois de toda a sua família resguardada no Brasil, recuperaram as herdades perdidas que rapidamente venderam aos espanhóis, tendo sido a primeira transacção do género, hoje tão contestado, de que tive conhecimento. 

Mas enquanto nos esqueciam, preocupados com greves, manifestações e ocupações de terras, nós crescíamos a olhos vistos, curiosidade e vontade sempre espicaçando a nossa sede de descoberta, de tal forma que nas suas mãos me fiz homem e dela fiz mulher a sério, coisa que muito nos honrou e a ela devo, numa dívida de gratidão inesquecível e imperecível.

Quantas vezes, com quanta saudade a recordo só eu sei, já nem lembro bem a sua fácies, quarenta e tal anos se passaram, mas a beleza que irradiava, a doçura que exalava, tocaram-me de forma tão profunda que, em cada mulher a revejo, em cada mulher a considero, em cada mulher a venero e lhe agradeço o tanto que lhe fiquei devendo. Com ou sem razão, a ela devo tanta da felicidade de que hoje desfruto, mau grado a avalanche de problemas com que, como qualquer de vós me deparo, uma coisa não faço, pré ocupar-me ou seja acumular, arranjar ou tornar problema qualquer coisa que racional e rapidamente possa ser resolvida.

Razão tinha uma ciganita que há muitos anos me leu a sina;

- Deixa lá, o que interessa está para vir, não te aconteceu ainda, não te preocupes pois com o que foi, não tem qualquer importância, repara nesta linha da tua mão, vida e amor a perder de vista ! Sortudo ! Passa para cá não uma mas duas moedas !

               E vai contente ! O futuro é contigo !

- Será que ela tinha razão, será que já esqueci essa cigana  e ando por vezes perdendo tempo com problemas que o não são ?               

               

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

108 - QUE ESPERAR DE TUDO ISTO ? NADA ! ....




Tenho uma dívida de gratidão para com os meus amigos mais chegados. Não imagino por que carga de água levam-me a sério e assolam-me pontualmente com questões que só me honram. Por me serem colocadas mor das vezes num ambiente de conspiração, de secretismo, como se eu fosse o detentor da verdade.

 

Envaidecem-me e enobrecem-me. Como não gostar deles sabendo vós quanto gosto de ser considerado, que sou um homem de paz e que desavenças não são comigo, salvo um diferendo que se arrasta há anos no Registo Civil, já que teimam não autorizar-me a mudança de nome por motivos nada justificados, sabido ser que nessa cena toda a razão me assiste.

 

A questão é simples e explica-se em poucas palavras, eu quero desistir do nome de Humberto e passar a chamar-me Narciso, nome mais bonito, sonante e conforme o meu modo de ser, mas aqueles burocratas não aceitam a mudança. Mais fácil é, segundo me parece, mudar de sexo. Quisesse eu ser Miquelina e tudo me seria facilitado por aquela gentalha.

 

Desta vez a questão que  os rapazolas e amigos me colocaram foi crucial: 


- “Que nos espera enquanto portugueses” ?

 

Nem tive que pensar, resposta fácil:

 

- Nada.

 

- NADA? Exclamaram incrédulos em uníssono.

 

- Nada, repeti e confirmei.

 

- Mais uma bejeca César, copo gelado, tenho os neurónios por excitar, os gaiatos hoje nem dão para começar.

 

- Não nos lixes Baião, tu tens sempre uma teoria qualquer sobre tudo que seja, e agora vens-nos com essa ?

 

- Mas os meninos pensam que sou bruxo ou quê ? Que as invento ? Que sou o oráculo de Delfos ? Nem sequer tenho idade p’ra vosso pai mas saibam que se fosse haviam de passar mais vinte anos na escola ! No mínimo ! E nem sei se vinte anos chegariam, do modo que as coisas estão, calhando nem valeria a pena.

 

- E tu Brites? Que é daquela tua mulatinha ? Vamos começar por ela ?

 

- Vai-te lixar devasso do camandro, pensas ke tou pa te aturar ? Porque não deixas a moça em paz ? - Nem aqui está !

 

- Calma rapaz ! Só falei nela porque tudo começou mais ou menos aí, em África, há bué de anos. Sabes qual é o mal menino ? É que vocês levantam o pelo com facilidade mas só têm olhos para a FHM, a Play Boy, a Carla Matadinho, as mamas da Elsa Raposo e merdas dessas, e nem lêem nem quem, nem o que deviam, e depois a mim é que colocam de serviço para duas ou três explicações breves né ? Pagam-me ?

 

- César, aponta todas as que beber na conta destes moleques e eu falo a noite toda, de contrário nada feito.

 

- E tu mete a mulatinha no cu porque nem estava sequer pensando nela, nem preciso ouviste ? Mete isso na cabecinha e não me dês lições que dispenso e nem preciso, e se tiveres que me dar alguma coisa, pois que seja essa mulatinha linda ! kkkkkkkkkkkkkkkk !!!!!!!!!!!!!!!!!

 

- Fogo que ainda se arranja aqui uma guerra !

 

- Merda ! Porra ! Então não é ela que vem entrando pá ?

 

Fogo ! E quem ia adivinhar ?

 

- Acabou a tourada caraças, caluda ! Respeitem a senhora tá ?

 

- Voltemos ao assunto, que aliás é fácil de rematar, vocês do secundário não recordam Orlando Ribeiro, Fernando Pessoa, António Sérgio, Agostinho da Silva, ou tipos mais recentes, Eduardo Lourenço e o seu “Labirinto da Saudade”, o excelso jornalista escritor Fernando Dacosta, que entre muitos outros publicou “O Viúvo”, ou o nosso mais recente e ilustre filósofo, José Gil, um moço um nico mais velho que nós ?

 

- É que eu sou um curioso do catano e não só pela mulatinha do Brites…

 

- psssshiu ! Falem baixo porra ! A gaja inda ouve e vem-me aqui lixar o juízo, sabem bem como ela é, um qualquer complexo, ou o caraças, qualquer merda pensa logo que a estão a desvirtuar.

 

- Se fosse a desvirginar ainda admitiria a gritaria … mas onde é que isso já vai…. Caluda.

 

- Olhem que o Brites ouve porra ! Ou ela, o que é pior !

 

- Bem, agora só lembro os gajos que vos referi, haverá mais, outros, mas todos eles são unânimes, duma forma ou de outra, a explicarem as razões da nossa razão como povo, ou melhor, das nossas características, o que quer dizer que explicam o porquê da nossa falta de razão, de racionalidade, da nossa incapacidade.

 

Todos sabemos ter Portugal dado mundos ao mundo, a gesta das descobertas e das especiarias, os entrepostos de Malabar, Mina, Ormuz, Benin, Arzila, Goa, Damão e Diu foram apenas momentos e pontos da nossa grandeza e riqueza. Um tempinho pa emborcar esta né César ?

 

Como o foram mais tarde, Ambriz, Cabinda, Molembo, Angola, Moçambique, Cabo Verde e toda a costa ocidental de África no tempo do comércio triangular com o Brasil e mais tarde com a América do Norte, continente que povoámos de escravos cuja venda nos enriqueceu.

 

Não estou a inventar, está nos livros, mas saberão vocês que o reino que Portugal era então, não contava mais que três milhões de almas ?

 

E como foi que tão poucos fizeram tanto ?

 

Simples. Na generalidade foram embarcados nas naus os pedintes, alcoólicos, vagabundos, ladrões, presos, condenados e toda a escória possível de imaginar que, livres e com possibilidade de enriquecimento rápido, se tornaram tão ferozes que tomaram praças sem um único tiro, já que nem perdiam tempo a tirar os anéis e pulseiras ou fios preciosos aos vencidos, a quem de imediato cortavam um ou mais dedos, um ou os dois pulsos, o pescoço, levando tão longe nessa época o horror aos portugueses como hoje o manifestamos quanto à responsabilidade, à solidariedade, à produtividade, à seriedade.

 

Aventureiros por natureza, com o reino cheio de escravos, que chegaram a constituir grande parte da população, em algumas zonas um terço, noutras por vezes mais, o país caiu no laxismo, os costumes no abastardamento, na licenciosidade, na falta de disciplina e de valores morais, na ociosidade, enfim, aí começaram os nossos males, os quais se estenderam como devem aperceber-se, até aos nossos dias.

 

Isto é ciência certa meus moleques, pois a escravatura só foi abolida em finais do séc. XIX, pelo que o que nos espera é nem mais nem menos o que a história já nos revelou sobre civilizações clássicas assentes no esclavagismo, os egípcios, gregos, os romanos e a queda desse império a que pertencemos, e se julgava imortal.

 

Creiam-me, os homens de valor, como os Castros, os Almeidas e os Albuquerques por lá ficaram, pela estranja, por cá o reino ficou povoado de ociosos, dos quais descendemos e cujo nome honramos, pelo que, caros amigos, não querendo ser escravos mas esperando fazer dos outros tal ou que como tal se comportem, resta-nos orgulhosamente fenecer-mos ás nossas próprias mãos.

 

Sendo uma opinião muito minha, baseia-se contudo em factos verídicos do nosso passado próximo.

 

Somos oportunistas por natureza, corruptos por vocação, malandros por opção, tachistas devido a um forte instinto de compadrio e sobrevivência, (noutros povos é a coesão social a garantir este aspecto das suas vidas), insensíveis por ambição, calculistas devido a ausência de escrúpulos, más-línguas por puro prazer e maldade, velhacos, biltres, calaceiros, daí a minha resposta quando colocada a questão;

 

- Que nos espera ?

 

– Nada - Pois nem eu acredito que Deus seja tão distraído que nos assegure o futuro sem que tenhamos que, como todos os outros povos, pagar as favas pelo pecado que O levou a expulsar-nos do Paraíso.

 

Vá, agora contestem-me se tiverem razões.

 

César, mais uma e bem fresquinha que a garganta me secou amigo…






quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

107 - UM POLICIA COM OLHO DE LINCE...


É bem conhecido de todos aquele ditado que nos diz que “há que estar com um olho na mula e outro no cigano”, o que eu nunca pensei foi que tal se me viesse a aplicar, de um modo que nem tempo tive para perceber se era eu o cigano. 
Rodava um destes dias na periferia da cidade quando ouvi zunir o telemóvel, não estive com meias medidas, fiz o que todos, ou quase todos fazemos, puxei do dito e atendi a chamada. Apercebi-me de repente que em sentido contrário, se aproximava de mim um polícia em potente moto, o que me levou a gritar alterado; 
- Albertina ! Vou desligar que vem aí a polícia ! E, acto contínuo, desliguei o telemóvel e joguei-o para debaixo do banco do carro. Mas o maldito polícia, que tinha olho de lince ! A mais de cem metros de distância já se tinha apercebido que eu ia falando ao telemóvel ! Ainda não se tinha cruzado comigo e já me mandava encostar, o que fiz, e foi só o tempo dele virar a mota, colocar-se ao meu lado, cumprimentar-me cortês e cordialmente, e com a mesma presteza afirmar peremptório; - O senhor estava falando ao telemóvel ! - Quem ? Eu senhor guarda ? Mas se eu nem tenho telemóvel ! Eu ia era coçando a orelha porquanto uma dor de ouvidos não para de me afligir senhor guarda, razão pela qual me teria visto com a mão no dito cujo. E estávamos nisto, ele sem acreditar em mim, eu pensando nas insondáveis razões que me levavam a querer aldrabar um polícia, logo eu que por muitas razões não o deveria fazer. Há quem trema só de um polícia lhe chegar ao pé, ou ao ouvir uma sirene troando, a verdade é que ainda hoje me interrogo sobre aquele meu inusitado procedimento. Contudo a história não acabou aqui, o melhor estava para vir, já que enquanto dirimíamos argumentos, o maldito telemóvel recomeçou a tocar lá do fundo para onde o tinha atirado ! Imaginem a minha atrapalhação ! Tentei dar-lhe um pontapé, calá-lo pela violência ! Mas nada, o maldito objecto teimava em comprometer-me ! O polícia ria, disfarçadamente mas ria, devia pensar para com ele que se apanha mais depressa um mentiroso que um coxo, o que não deixava de ser verdade. Até que às tantas me disse; 


- Vamos lá ! Atenda homem ! Pode ser uma coisa urgente ! Agora está parado, não há problema ! 
Atrapalhado engoli em seco, acabei por admitir o delito, pedir-lhe desculpa, envergonhado, dizer-lhe não compreender a minha reacção instintiva, que tão grosseiramente me levara a mentir, o que ia contra os meus próprios princípios. 
- Passe lá a multa senhor guarda, o senhor tem toda a razão, e muita sorte tenho eu, porque se fosse multado cada vez que ao volante pego no telemóvel, não haveria dinheiro que me valesse. Eu fui (então) sincero, e ele até foi simpático, numa multa que podia ir a mil euros, jogou pelo valor mais baixo, acreditou no meu sentido arrependimento. Ali ficámos depois falando um pouco disto e daquilo, ficámos até amigos, creio, rimos mesmo do sucedido, indo depois, cada um à sua vida, embora eu ainda hoje me interrogue das razões inconscientes, freudianas, que me levaram a tal atitude. 
O certo é que por mais introspecção que faça não encontro resposta para a minha esperteza saloia. Que me ajudem as almas das psicólogas que, curiosas mas mudas e caladas, nunca deixam de espreitar estes meus ditos. Passados poucos minutos, estacionado numa estação de serviço, liguei à Albertina a quem contei a história, e a quem apresentei a conta pela chamada comprometedora que me veio a custar cinquenta euros... 
- Foi simpática, como o polícia, mas nada feito, e de igual modo acabámos os dois rindo do ocorrido. 
Que mais havia a fazer ? Pagar a multa e seguir em frente. 
E agora que me perdoem, mas esta crónica fica por aqui, mais curta que o habitual, pois tenho o telemóvel de novo a tocar, estou cheiinho de pressa, desculpai-me se o tempo é escasso, mas as amizades são tantas !...