sábado, 9 de fevereiro de 2019

577 - AGRADECIDA, MUI, by Maria Luísa Baião *…



Prezo muito a amizade. Se sincera, sólida, desinteressada, é do melhor que podemos dar e fruir. Recebo frequente e felizmente muitas provas e testemunhos nesta órbita. A todas e todos agradeço as palavras, solidariedade e consideração, mas sobretudo o gesto de simpatia e empatia, retribuo-vos declarando-vos, como não poderia deixar de ser, a minha pública amizade.

Toda a minha vida tem beneficiado desse vosso conforto, tudo tenho feito para que não vos fique devedora ou vos desiluda. Sem querer minimamente ferir susceptibilidades, da amizade mais chegada ao simples conhecimento ou simpatia que me dedicam, desejo hoje prestar um vero agradecimento a uma pessoa especial que, embora ultrapasse o que legitimamente devo esperar, abertamente me admira e considera, e o afirma, coisa que várias vezes me fez ruborescer, deixar pouco à vontade e julgar imerecidos, quando não despropositados ou exagerados os seus elogios.

Surpreendentemente trata-se de uma amizade com a qual a propósito dos mais díspares assuntos nem sempre me encontro de acordo. Contudo, valha a verdade que tal só nos tem trazido proveito, pois é da discussão que nasce a luz e tantas vezes o reconhecimento de uma ou outra posição, encerrando e enriquecendo o capítulo, a razão.

Nacionalista e regionalista convicto, tem contribuído para o meu esclarecimento e formação em domínios nem sempre por mim compreendidos na sua particular dimensão. Autodidacta e homem de longa vivência e experiência, é, como eu, socialista empedernido, se não mesmo lícito afirmar-se sermos ambos mais socialistas que o socialismo admitiria nas suas balizas, tantas vezes redutoras quanto o podem ser os limites de qualquer ideologia, já que vertemos opiniões regidas pelo próprio pensamento e fruto da avaliação da evolução do “homem” na nossa sociedade.

“Urbana”, como tantas vezes me apelida, tem sido através das suas teorias e explanações que melhor tenho entendido a estrutura agro-rural do Alentejo e do país, tanto quantas as implicações da estrutura fundiária que mantemos e a imbricada relação com o nosso bem-estar, qualidade de vida e em última análise a estrutura social que desde o 25 de Abril temos produzido.

Tanto devo a esse rural rústico, todavia como vêem, não será impunemente que me apelida de “urbana”. Chegou o momento da vingança. E não espere que lhe peça perdão por isso porque não tenho intenção de o fazer. Fica avisado. Não o quero só para mim, podem lê-lo aqui nas páginas deste diário ou numa simples ida ao Google, digitando “alentejoagrorural” e reconhecerão com quanta dedicação e paixão deixa transparecer aspectos por tantos considerados prosaicos, contudo oferecendo-nos veras lições de história, sociologia, agricultura, e, pasme-se, até de gastronomia da nossa terra, o que, juro, é do melhor que Portugal tem.

Pois esse meu amigo, que se vai mantendo jovem apesar dos muitos anos que tem, com este exercício para o espírito, a escrita, cada vez mais me convence das razões da sua razão, se com esta afirmação consigo ser específica. A sua “doutrina das especificidades” como lhe chamarei, aliada a outras vozes e leituras que capto, levam-me hoje a crer que, a par de algumas vozes que se vão ouvindo já, a nível mundial, não estar provado que a para tanta gente famigerada globalização, fruto de um liberalismo selvagem que virou moda nas últimas décadas um pouco por todo o mundo, seja um elemento positivo para o equilíbrio social e económico dos países do mundo, do globo.

África, América latina, oriente asiático, têm beneficiado com tal moda ? Adquirimos-lhes mais produtos ? Produzem mais ? Ou viram crescer o desemprego e a miséria ? Vendemos-lhes, nós, países ricos, mais produtos e serviços ? Conseguimos ou estamos em vias de conseguir um maior alcance que as intenções, pois disso não passaram, que se anteviam no moribundo ou já enterrado diálogo Note Sul ? Há menos fome e menos pobres, menos excluídos no país e no mundo, agora que antes ? Por que não advogam tanta democracia e liberdade propaladas pelos países ricos, a liberdade de circulação das pessoas ? E a Turquia ? E a queda demográfica europeia ?

Cobiçamos-lhes as matérias-primas, fixamos os preços dos seus produtos nas nossas bolsas, de Tóquio a Nova Iorque, enchemo-los dos nossos produtos acabados e arrecadamos as respectivas mais-valias. Enriquecemos com a pobreza que espalhamos. Ganhamos tanto menos quanto mais deslocalizamos, e alegremente vamos hipotecando o nosso equilíbrio e harmonia social. Até quando ?

Virá o dia, como diz o Francisco Pândega, em que a miséria será tanta que nada mais nos restará que voltar à ruralidade de subsistência e de impotência que nos mina ? Oxalá esse pesadelo nunca vire realidade, oxalá. O tempo o dirá, acredito que a nossa amizade durará para além da constância com que tal pesadelo sub-repticiamente se instala e contra o qual tanto se bate.


* By Maria Luísa Baião,‎ escrito ‎ quinta-feira, ‎29‎ de ‎março‎ de ‎2007 pelas ‏‎10:24 horas e provavelmente publicado no Diário do Sul, rubrica "KOTA DE MULHER" nos dias seguintes. Homenagem ao meu amigo Francisco Pândega que alimenta com a sua sapiência o bloguealentejoagrorural”, link  http://alentejoagrorural.blogspot.com/