Passadas foram as férias, é com gosto que regresso a
velhas amigas e amigos, até porque algumas me fizeram já sentir estar a faltar
às minhas obrigações.
Entre eles um que conheço há muito e por quem tenho
grande apreço, a quem os deuses por razões que ninguém sabe deram o castigo de
Tântalo, vê a vida escapar-se-lhe entre grades que o não cercam, mas que
vorazes lhe tolhem os passos do desejo, do sonho, da liberdade que a alma em
chama clama, surda, muda e moribunda, cega ao passar das horas, dos dias, da
vida.
Outro, que conheço menos bem e nem me lembra desde quando
nem porquê, não mais felizardo que o primeiro, padece do tormento de Sísifo,
tendo penado toda uma vida, carregando pesado fardo, numa gruta em que passou a
vida desfiando uma roca a que os fios do destino nunca permitiram compor mais
obra que a um artesão, ainda que suas mãos sejam capazes de milagres sem os
quais a técnica que tantas vezes nos deslumbra, pararia.
Boas almas a quem a vida enganou sempre, engana ainda e
enganará mais, mesmo que o não creiam, enredados em coisas tais como um dedal
de linhas amarelas ou num engenho capaz de tornear as peças mais singelas.
Não sou diferente, quem me dera, também eu carrego a
minha cruz. Quantas crónicas não compus eu já, que por pudor não coloquei nesta
janela semanal, tão só para que não me julguem mal.
Tântalo reparou na máscara que levava nesse dia, é
verdade, não era realmente eu mas era eu só, a quem os deuses forçam a tantos
papéis desempenhar, que me vejo grega para os desembrulhar. Sou mulher, sou
filha, esposa, mãe, terapeuta, voluntária, autarca, cronista e... É tão vasta a
lista... Que de assistente social a psicóloga, não há maleita que me não bata à
porta.
Não são máscaras que empunho no meu dia-a-dia, são
diferentes papéis a que o teatro da vida me obriga, e vos garanto que entre o
riso e o pranto, busco metodicamente que a comédia, o drama e o trágico que em
mim vivem, não vos arrastem no momento ou no lamento que calada sofro.
A vida é um palco, procuro dar o meu melhor mas por vezes
me interrogo, se vale a pena, se consigo, mas nunca se me esforço. Sempre dei o
melhor de mim, será que serei mais feliz assim ? Serei mais feliz no fim ?
A Personalidade é tão de cada um de nós como uma
impressão digital, é fruto de contactos e experiências pessoais, é feita também
de desilusões e ais, de frustrações, traumatismos e algumas doses de
contentamento por vezes tão banais que, melhor seria dar outro rumo à vida,
sair do palco, de cena, buscar noutras paragens suspiros e futuros que aqui de
reais têm somente difusos estigmas virtuais.
Nem só os amanhãs que cantam se ouvirão jamais, a
dignidade, a solidariedade, a igualdade, a competência, o mérito, o esforço, a
recompensa, onde param, quem os viu passar ? Onde ? Quando ? Não foi para ver
assim este país e dez milhões de almas que chorei de alegria em 74.
Que pensaram nesse dia Tântalo e Sísifo ? Que pensam
hoje, agora ? Valeu a pena ? Por que não se encerraram as portas do Teatro ? Por
que se arrasta a peça ? Por que há cada vez mais quem peça ? Quem nesta peça
corre tão depressa que ultrapassa os demais sem que repare no seu atraso ? Quem
cava as distâncias ?
As páginas da nossa vida teimam não correr, passar. Não
no palco mas nos bastidores, melífluos seres nos cortam cerce legitimas
ambições, quantas vezes manobrando com arte o silêncio, vendendo cara a
esperança...
Cada vez mais a natureza humana me decepciona. Como
marionetes nas mãos de redutores maniqueístas nos sentimos, alvo de crueldades,
intolerâncias, complexos, provincianismos, à mercê dos quais nos sentimos
pequeninos, sentimos não ser nada, não valer nada.
Valerá a pena a vida assim? Acho que não, vão por mim...
* By Maria Luísa Baião, escrito Segunda-feira, 2 de Setembro
de 2002 pelas 19:46 horas e provavelmente publicado no Diário do Sul,
rubrica "KOTA DE MULHER" nos dias seguintes.