quarta-feira, 21 de julho de 2021

721 - LOUISE GLÜCK, Louise Glück, Figura frágil ...

       


Estou lendo Louise Glück, Prémio Nobel da Literatura 2020, uma poetisa americana difícil, não por ser americana mas por ser lúcida, madura e vivida, um radar da vida.

 Nascida em 1943 em Nova York, tendo agora 78 anos, não se pode dizer que não tenha vivido e sofrido as agruras do mundo, as mesmas que agora nos revela e lhe abriram os olhos e a mente.

 Não é poesia para jogos florais. Não sendo hermética é suficientemente fechada às primeiras tentativas de decifração, contudo ao abrir-se-nos é como se descobríssemos em cada poema pérolas encerradas em ostras esperando maravilhar-nos.

 É então que esse hermetismo nos surge com todo o esplendor, por vezes sintetizando num só verso toda a grandeza do mundo, tal a sua capacidade de síntese, de clareza e de exuberância.

 Louise Glück não deve ter tido uma infância nem adolescência fáceis, é sensível em demasia e as suas obras deixam-nos demasiadas provas da sua precoce e rara sensibilidade.

 Ver o mundo pelos seus olhos é aprendê-lo, apreendê-lo, conhecê-lo, decifrá-lo, percebê-lo, é como estar à sua janela ou à janela com ela, partilhando os redemoinhos da sua mente, os altos e baixos da sua condição, os sonhos, pesadelos e miragens que dali se divisam, num emaranhado de personagens e cenários que vão desfilando como quem desfia o fio de um novelo, qual fio de Ariadne conduzindo-nos à luz, ao discernimento, à maturidade, à introspecção, à intimidade, à bondade intrínseca que ela inculca em nós, mau grado o seu por vezes pontual pessimismo, por sua vez cultivado num cadinho de cepticismo esperançoso que só os poetas, quais alquimistas, sabem dosear a preceito.

  Muito prendada e muito premiada, Louise Glück desfia diante de nós a supremacia do indivíduo, da individualidade, de um modo simultaneamente austero e universal. Figura frágil, foi contudo encostada aos clássicos greco-romanos que encontrou forças para nos expor com toda a objectividade a fragilidade da condição humana.

  É autora de uma dezena de títulos, metade dos quais já tive o prazer de ler, por isso se não temes as trevas,

 atreve-te …

            

            

                                  

       












 

quinta-feira, 8 de julho de 2021

720 - O DEPOR DAS ARMAS, TEXTOS POLÍTICOS.


  O DEPOR DAS ARMAS

  # TEXTOS POLÍTICOS 26 #


               Olá boa tarde caros eborenses, caras amigas e amigos.

 

As próximas eleições autárquicas foram finalmente marcadas para 26 de Setembro, o que, atendendo ao cumprimento da legislação respectiva, obriga a que a entrega das assinaturas de propositura e as listas de elegíveis se processe até 55 dias antes da data do acto eleitoral. No caso do movimento AMARÉVORA – AMAREV, esse prazo tornou-se decisivamente curto e condicionante. O facto de muitos eborenses se encontrarem em férias é apenas um dos grandes obstáculos. Existem outros, entre eles não desejarmos ser factor de divisão da candidatura de direita que se propõe mudar o concelho.

 

A experiência tem-nos ensinado que tudo rola bem mais devagar do que esta equipa imaginava, pelo que de acordo com o sábio conselho de alguns amigos mais chegados ao movimento e, tendo em atenção igualmente a sensibilidade de todos os membros que nele militam, ou nas suas listas têm o nome, por unanimidade entendemos não prosseguir na nossa gesta, pois tal seria como lutar contra moinhos de vento…

 

Este esboço de candidatura independente foi contudo uma sólida e inesquecível experiência para todos nós, do ponto de vista politico, pessoal, humano e psicossocial. A solidariedade não é uma palavra vã, pelo que nos resta agradecer a todos quantos deram o seu contributo, o seu entusiasmo, apoio e compreensão.

 

Desejando que Évora e os eborenses retirem o máximo proveito deste acto eleitoral, agradeço a vossa paciência, sabedoria, complacência, tolerância, e discernimento. 


Obrigado.

Humberto Ventura Palma Baião 




domingo, 4 de julho de 2021

719 - MARTELO, MARRETA, E MARRETADA …

 

 É Natal e como sempre faço um balanço do ano que termina. No que a ti toca notei desvanecendo-se entre nós uma amizade que prometia, as tuas notícias são agora mais espaçadas e mais raras, como de quem já nada espera deste lado e pensará, muito justamente,

 

- Isto foi chão que já deu uvas.

 

Tu tens razão. Eu tenho culpas.

Dá voltas e voltas a vida e, quando pensava dar uma à minha, quando me preparava para monopolizar o teu sorriso permanentemente alegre e contagioso, quando contava com a tua eterna simpatia, empatia, e meiguice, quando sonhava pentear com os dedos os teus lindos cabelos em perene desalinho, abraçar-te, pousar o queixo no teu ombro, meter as mãos por baixo dos teus braços e sentir nelas o um coração batendo tanto quanto o meu, quando os dois, olhar fixo no horizonte sobre as ameias do castelo, colado a ti, a minha face na tua, tu aninhada num abraço sem fim protegendo-te do vento, do frio e dos olhares enquanto sonhava ver-nos flutuando sobre o espelho de água do Alqueva, até aprendermos a voar juntos, a flutuar juntos, uma, duas e muitas vezes, sempre. Todavia contive-me, para que não viesses a julgar-me oportunista, aproveitador, sacana ou traidor.

 


Eu lembrando uma manhã azarada e cumprindo palavra e promessa dadas ao Gouveia, morrendo no meu colo clamando p’la mãe, chorando a Fátima, forçando-me a juras que demorei quase cinquenta anos a cumprir, não esquecendo ter nessa mesma tarde tido a minha sorte ou o meu azar e quase o acompanhar. Não fora ela e hoje não estaria aqui sonhando-te, rangendo os dentes de raiva por o destino se ter atravessado no meu caminho quando menos esperava e p’ra ti já apontando, nada mais me restando que lembrar-te com carinho, o mesmo carinho que em ti encontrara, que de ti esperava e cuja perda me deixou em desespero.

 

Com inusitada frequência olho as tuas fotos, para que se não esfume em mim a imagem de alegria eterna que em ti vive e de ti guardo na memória pois dizem que na velhice é dela que nos alimentamos, de algum café, e pouca coisa mais… Deus te guarde assim alegre até ao fim, apesar das desilusões, dores e padecimentos que certamente também terás sofrido. Como daríamos valor aos bons momentos se não pudéssemos compará-los com os piores ? Na sua infinita sabedoria Deus deu-nos tudo, para que tudo possamos valorar e apreciar, comparar, e discernir.

 

Guardo comigo um lenço grande, comprido e colorido o qual por vezes bem apertado enrolo ao pescoço, como se alguém me abraçasse e, enquanto a caldeirada esfria, fecho os olhos e abandono-me absorvendo o seu odor. E sonho.


Há sonhos lindos. Há sonhos que podiam ter sido lindos.


Nunca esquecerei.               



                                                                                                                                                                                                                    


sexta-feira, 2 de julho de 2021

ESSA HISTÓRIA DO IMI NO CENTRO HISTÓRICO

 


      718 - ESSA HISTÓRIA DO IMI NO CENTRO HISTÓRICO

              # TEXTOS POLÍTICOS 24 #


Afivelei um sorriso rasgado quando atirei os bons dias p’ra cima da mesa do café, mesa à volta da qual todos conspiramos e cascamos tanto nos assuntos do dia quanto uns nos outros e em especial em quem não está, ou mais precisamente em quem nem está.


 O motivo da conversa do dia surpreendeu-me, pela algazarra, mas também e sobretudo por todos quebrarem em uníssono o hábito dos últimos tempos, calarem-se a tudo que metesse ou cheirasse a politica, porém o IMI, e as repercussões da aplicação do coeficiente de localização, isto é a avaliação do valor dos imóveis para efeitos de tributação, aqueceu os ânimos, ali todos eram proprietários de habitação própria sendo alguns senhorios, daí a celeuma levantada e as expectativas em redor da questão do IMI.

 

Agastado com o tema sentei-me e nem abri boca, quedei-me para ali a ouvi-los; que o IMI iria baixar alardeavam uns, que o IMI subiria alvitravam outros, puro eleitoralismo chutou um terceiro, quando mexem nalguma coisa nunca é para descer ó parvalhões, ajuizou um quarto. Alguns municípios nem o poderão descer mesmo que queiram, por estarem submetidos a programas de recuperação financeira como o PAEL lembrou a Anicas, enquanto me olhava como que pedindo a minha concordância ou confirmação, colando a coxa à minha numa atitude tão displicente quão desinteressada ou distraída, sabendo eu não dar ela ponto sem nó, desde que há meia dúzia de anos o Albertino a deixara viúva e ela paulatinamente recuperava os modos, o viço e a fogosidade de quando era muito mais nova (mau grado a prótese que lhe sabíamos na anca), com resultados muito positivos diga-se com toda a franqueza e em abono da verdade.

 

Fingindo não perceber a coisa e evitando cruzar o olhar com ela, eu ia ouvindo uns e outros enquanto cofiava a barba, quer dizer o queixo bem escanhoado, gosto da barba feita à lâmina com a velha Gillette e de me perfumar depois p’ra ficar bem-disposto, disposição que nem o tema do dia logrou retirar-me, há gente que nem sabe o que perde por não ficar calada, enfim, parvoíces.

 

- E tu Baião ? Que achas desta dança do IMI, p’rá i tão calado, diz lá à gente o que

 

- Acho bem, nem poderia achar de outro modo, os que podem aos que precisam, isto já nem é IMI, é mais uma taxa de solidariedade, pelo que vou comer e calar, até porque é como tudo o resto, a tendência será sempre para subir e não descer, solidariedade meu, sabes o que é ? Faz a tua parte e cala-te.

 

- Eu fazer faço Baião, faz tu também o favor de levares isto a sério, e isenção de IMI no centro histórico o que dizes ? Também é coesão ? Também é solidariedade ?


- Olha que são, ainda que em princípio te diga que todos os impostos sejam uma violência, porém necessária nas sociedades que se querem civilizadas contudo, a partir de determinada percentagem passam a ser não somente autênticas obscenidades como acabam por desmotivar quem trabalha e quem investe, prejudicando a economia. Essa isenção no centro histórico é mais um erro disfarçado de solidariedade para com os desgraçadinhos. Qualquer casa localizada no centro histórico vale mais que quaisquer outras em idênticas condições mas fora dele. Já vale mais, já é uma mais-valia para o seu proprietário, quer a venda quer a arrende, rende sempre mais. Por quê isentá-la ? Porque não se isenta o outro desgraçado fora do CH ?  Isentar os prédios localizados no CH será meter os outros desgraçados a pagar por quem já é mais beneficiado.

 

- Desculpa lá Baião mas és um insensível, uma besta, por acaso sabes que há velhotes que nem dinheiro têm para recuperar as habitações que possuem no CH ? Velhotes para quem essas habitações, a pagarem IMI ou mais IMI se tornariam um encargo insuportável ? Algumas tão degradadas que nem conseguem arrendá-las nem ao menos repará-las, as rendas nem para isso dão…

 

- Olha filho, quem não pode arreia, não tenho que ser eu nem tu nem os demais contribuintes a patrocinar quem tem mais bens ou bens mais valiosos que o cidadão normal, vendam a quem possa recuperar os prédios, metam o dinheirito no bolso e não se encavalitem nas nossas costas. Esse tem sido o mal deste país. Quem beneficia é que deve pagar, e pagar mais que os outros, e não menos. Desde que o que haja a pagar seja justo claro e não o roubo habitual. Até por haver que estar atento a campanhas de fundos europeus destinados à reconstrução e recuperação de cidades ou zonas citadinas degradadas para nos candidatarmos a eles, de outra forma não vejo como possamos fazê-lo pobre como é o país e a maioria das autarquias. Autarquias que para guiar os idosos nesses meandros deveriam abrir gabinetes próprios que abrangessem projectos de arquitectura, financiamento, orçamentação e adjudicação a empresas que quisessem entrar no “negócio”. 


Boas vontades contam muito. Salvo erro foi assim que a câmara do Porto há uns anos recuperou toda a zona ribeirinha, e se não me engano também Vila Nova de Gaia trilhou idêntico caminho e hoje essas zonas estão um brinco ! 

 

- Olhem a conversa deste cabrão hoje, acordaste com o cu destapado foi ? Tas sempre mandando postas de pescada contra tudo e todos e hoje deu-te para a sobriedade e solidariedade foi ? Se fosses…

 

       Não acabou a frase nem teria sido necessário, percebi-o claramente e volto a dizer de mim p’ra mim não se poder dar confiança a esta gente, a Anicas adivinhando-me o pensamento fez-me saber estar do meu lado e, encostando mais a perna, com qual por três vezes consecutivas fez mais pressão sobre a minha, deu-me um sinal que eu entendi perfeitamente. Para ser sincero a vontade que me deu foi dar-lhe um leve toque de cotovelo para que saíssemos dali deixando a canzoada a ladrar sozinha, quer dizer falando sozinha. 


Vontade não me faltou, e tenho a certeza que nem à Anicas faltaria, mas um homem tem que manter a sua honestidade, coerência e integridade, um homem tem que saber estar e saber comportar-se, que diriam todos da nossa atitude ao ver-nos abalar os dois ao mesmo tempo ? Só quem não os conheça errará a resposta, e quem os não conhecer que os compre…

 

Refreei-me evitando polémicas e nem respondi ao alarve.

 

- Vejam ali na Tv. a nota de rodapé que está passando, alertou com urgência o Faustino, «o desemprego mantêm-se em 9,4%…», e enquanto se mantiver alto, e mesmo baixo que seja, se não produzirmos mais os impostos jamais descerão, IMI incluído, o país, os ministérios e os municípios, estão pejados de funcionários públicos aos quais é preciso pagar, e depois de se lhes pagar não sobra um tostão nem para mandar cantar um cego, isto meus amigos, pagar impostos, é solidariedade como disse e bem o Baião, contando que essa solidariedade dê também para o que é sumido nos bancos falidos, na divida cega, na fuga aos impostos, na corrupção generalizada de que ninguém tem provas nem culpas, nos milhões que a incompetência queima e a irresponsabilidade faz desaparecer…

 

- Ora, mas ao menos consomem, mantêm a economia funcionando, não é o que se diz agora ? Que é necessário aumentar o consumo interno ? Estes consomem, ao menos consomem, se estivessem desempregados seria duas vezes pior, repenicou a Teresa do alto do seu poleiro e que o facto de ter sido sindicalista lhe consentia e a obrigava.

 

- Ó minha menina, naturalmente tens razão, condescendeu o Faustino já agastado, desempregados seria duas vezes pior, então do mal o menos, e sempre seriam mais dramas quando eles nem são culpados da trampa em que os nossos políticos nos atolaram a todos, mas se fossem funcionários do sector privado estariam a produzir e igualmente a consumir, estás vendo a diferença ? É que o óbice da coisa ou das coisas é precisamente a não produção !

 

- Ora essa, então não produzem ? Voltou a Teresa à carga.

 

- Claro que produzem sosseguei-a eu, pouco e mal embora a culpa não seja deles, eu diria que o funcionalismo público funciona “abaixo da capacidade instalada”, mas sim, produzem, ou induzem, algures a montante e a jusante sempre ajudarão a algum consumo, e a alguma produção, mas com o investimento público e o privado quase inexistentes que têm para fazer ? Os homens ainda se podem dar ao luxo de coçar os ditos cujos, e elas ?

 

Foi demais, fui longe demais e talvez a tenha ofendido, virou-me as costas sem retrucar e desandou…

 

Mas é a verdade, não por sua culpa mas alimentamos um funcionalismo público pesado, quantas vezes burocrata, ineficaz, que por vezes complica em vez de aclarar, e cujo consumo, tal como o privado, não poucas vezes é canalizado para fábricas alemãs, francesas, italianas e japonesas de automóveis e motas, material para fotografia e reprografia, consumíveis e uma plêiade de importações que nos afogam, é a nossa sina, a nossa solidariedade funcionando e o estrangeiro agradecendo...

 

Contradição ? Mas se o país vive delas, está cheio delas ! Que dizer quando na Tv. nos apresentam a recuperação do ramo imobiliário como se de sucesso ou de construção civil se tratasse ? São compras e vendas, na sua maioria especulações, comprar por cinco e vender por dez, aplicar o dinheiro que foge aos juros e que no banco não rende, ou a ser sumido nos bancos falidos e nos que irão falir, o imobiliário é não somente o novo IEFP mas é sobretudo o colchão do aforro luso, são aplicações ou investimentos financeiros destinados a dar segurança ao capital.

 

          Essas aplicações de capital não passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos nossos políticos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que nos vendem estes factos…

 

Anda daí Anicas, tá na hora de almoçar e estou fartote de aturar estes palermas.

 

Temos que falar…



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quinta-feira, 1 de julho de 2021

717 - ORADA, NA PLANÍCIE DOURADA * ..........



ORADA, NA PLANÍCIE DOURADA *

 

No penúltimo Domingo quilometrei até Orada, pacata freguesia, esquecida e escondida na prestes dourada planície alentejana. Palmilhei mais do que queria, má sinalética, não lembrando nem fazendo jus àquela poética freguesia de cheiros, paladares, manjares e, me deixou ir embalada, até me ver perdida, quase em Messejana.

 Um amigo e um marido me arrastaram, mau grado o tempo, que os Deuses nesse dia escureceram e molharam. Perderam, pois não dei nem o dia nem o passeio por malfadado. Lamentei não ter podido molhar a provadeira num azeite que cismava, contemplado em duas enormes taças, por ele douradas, por ele abençoadas, fazendo crescer em nós água na boca, quedei, sem meio de molhar a sopa e degustar, tão rico paladar que só no Alentejo nos é dado apreciar.

 Mas vinguei-me e tive apesar disso e para isso esquecer, querer, vontade e poder para me empanturrar. Foram glórias, foram bolos, foram doces, queijos, vinhos, foram enchidos, foram vitórias, foram pastéis, foram rissóis, foram sóis. Fartei-me, deliciei-me, até quase arrebentar. Nem botei quantia astronómica para ensacar recordações que, verdadinha verdadinha, nem duraram quinze dias, mas me doiraram a cozinha, com cheiros e néctares de dar a volta à cabecinha.

 Gastronómica foi a lição, pois assim a queria um Guarda Verdades que, sabedor dos segredos que quer ver guardados por todas, nas nossas mãos pôs o pão, também esse, como os doces, velhas receitas de abadias e conventos que, novas técnicas e novos hábitos em advento, queriam, teimam, atirar ao esquecimento.

 O Guarda Verdades sabe o que muita gente ignora, que a gastronomia alentejana nos põe a andar à nora, somente porque, e não mente, as ervas alimentares e aromáticas, são coisa emblemática, que não só enriquecem os pratos, como fazem bem aos asmáticos.

 As ervas são pois coisa prática, enriquecem a merenda, curam a ciática, a úlcera hepática, a gripe asiática e, coisa enigmática, curam sorumbáticas, fleumáticas e, não sei se não farão igualmente bem a gente fanática.

 A história do Alentejo está pejada de misérias e pilhérias e, o alentejano, rei do improviso, do definitivo provisório ou do provisório definitivo, há muito aprendeu a dourar a pílula, misturando aos catacuzes e outras ervas tais, sabores e cheiros que, se numa primeira fase o ajudavam a comer o pão que o diabo amassava sem ter que fazer cruzes, acabaram tornando a nossa gastronomia digna de manjares reais.

 Cardos, beldroegas, espargos, foram mágica e eficazmente salpicados com orégãos, poejo, louro, qb de hortelã da ribeira, miscelânea de sabores, cheiros ou odores e amores.

 Numa coisa o Guarda Verdades se enganou, ele não promoveu só uma terra esquecida, promoveu em simultâneo, e espero que continue a promover, uma ciência olvidada, uma terrina pejada de tradição e prazer, que no fundo será o mesmo que dizer, não ao fast food, enquanto houver para comer qualquer gamela d'Orada.

 Que o Alentejo é terra rica, todas há muito o sabemos, quem queira beber da bica limpando ao lenço o suor, é mais difícil achar, porque os tesouros desta terra dão mais trabalho a desmatar que ir ao fundo das minas p’ró mero ouro arrancar.

 Actividades, emprego, crescimento sustentado, desenvolvimento integrado, investimento, finanças, coisas fáceis de dizer, mas, perguntem ao Guarda Verdades, que anda metido nestas danças em que andanças se meteu. Por certo mais trabalhosas que no campo arrancar mato. Descobrir um património, fazer de um gentio campónio ou guardador de rebanhos, que são coisas para antanhos, nem que lhe acenem com panos, com riquezas, com proventos, porque escolherá atalhos que o conduzam à cidade mesmo que o levem ao chão.

  Já não há moralidade e, nem Garcia da Horta e sua imortalidade o convencem da verdade. Para o ano lá estarei, com comitiva a preceito e sabedora que os "serviços" vão estar muito mais a jeito.

 

By Maria Luísa Baião, escrito terça-feira, ‎11‎ de ‎Maio‎ de ‎2004, ‏‎pelas 22:10 h e provavelmente publicado nos dias seguintes no Diário do Sul, coluna Kota de mulher.