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domingo, 15 de novembro de 2015

289 - O CARLOS GARDEL DO ISIS ……...................


Amigo meu solicitou-me um dia destes, cortêsmente, uma breve explicação sobre este personagem. Verdade que, entretido com outras coisas li superficialmente a sua mensagem e dei comigo pensando de mim para mim o que quereria o caramelo saber sobre Carlos Gardel... Por quê ?

Com delicadeza chutei-o para depois, para ocasião em que o vagar e a disposição sobrassem e a paciência sobejasse, as duas coisas, o que não deixa porém de ser uma e a mesma merda. No day after ou no outro acedi a responder-lhe e fui novamente olhar a sua mensagem. Afinal a rapidez e leviandade com que eu a lera induzira-me em erro, não era sobre Carlos Gardel que ele manifestara curiosidade, mas sim sobre Carlos Martel, o que alterava todas as premissas em especial a da oportunidade do tema e a pertinência da observação.

Essa mudança de apelido mudara radicalmente o panorama, de um cantor de tangos, naturalizado argentino e dançarino, para uma das figuras de maior relevo da história medieval europeia que, por um triz milagroso evitou que hoje todos nós adorássemos Alá… Como sabemos da história o islão ocupou a Península Ibérica, teve califado em Córdova e os pés assentes nas terras transtaganas (as a sul do Tejo), terras de onde só foi expulso no reinado de D. Afonso III, o Bolonhês, em 1249.

Reza a história que por volta do ano de 700 da nossa era, e pujante na península, o islão tentou a expansão para a Europa, tendo avançado pelos reinos francos, actual França, após ter conseguido ultrapassar com êxito a barreira natural e defensiva que os Pirenéus constituem. Contudo o sucesso perdeu-os, perdeu-os a eles homens do islão, e digo que o sucesso os perdeu pois de sucesso em sucesso, reinos francos adentro, foram indo cantando e rindo até se confrontarem com as tropas de Carlos Martel que em Tours, ou em Poitiers, aqui as opiniões dividem-se, lhes infligiu uma memorável derrota.

Digo que as opiniões se dividem porque então, como agora, as opiniões podem ser tantas quantas as cabeças que as emitem ou formulam. À falta de jornais e televisões, máquinas fotográficas, telemóveis e selfies que provem a veracidade da coisa, os de Poitiers puxam pela brasa à sua sardinha, fazendo os de Tours o mesmo. Um pouco à imagem do nosso Vasco da Gama, 1.º Almirante-Mor dos Mares da Índia, que nos afirmam ser natural da terra dos bons vinhos, a Vidigueira (e o Gama era um apreciador do néctar dos deuses), enquanto outros afirmam com a mesma convicção ser o Gama natural de Sines, terra e águas onde terá aprendido as lides de marear e a não temer o rei Neptuno nem o mar tenebroso, certeza que inequivocamente conhecemos.

Apesar de também eu ser um apreciador dos vinhos da Vidigueira, se me perguntarem direi que sob o patrocínio deles o Gama não teria ido mais longe que o sofá da sala, já quanto a Sines, chamo à colação António Sérgio * e Orlando Ribeiro ** (obrigado professora Elsa), não terei a menor dúvida em aceitar as explicações destes dois grandes mestres em como a vila piscatória terá sido o seu berço, seu do Gama. A morte ocorreria em Cochim, India, nas vésperas de Natal do ano de 1524, cidade que foi a sua honrosa tumba. Em 1539 os restos mortais foram transladados para Portugal, mais concretamente para a Igreja de um convento carmelita, conhecido actualmente como Quinta do Carmo, próximo da vila alentejana da Vidigueira. Aqui estiveram até 1880, data em que foram trasladados de novo para o Mosteiro dos Jerónimos. Há quem continue defendendo que os ossos de Vasco da Gama ainda se encontram na vila da Vidigueira, e daí a polémica existente quanto à sua naturalidade.

Mas voltando a Carlos Martel e ao sucesso que perdeu os islamitas, tal deve ficar-nos na memória como exemplo para que não sejamos invejosos, ambiciosos ou materialistas. Os soldados do islão irromperam pelos reinos francos numa campanha vitoriosa que contava anos e anos de lutas, e anos de lutas significam anos e anos de proveito de saques, de despojos, que é como quem diz toneladas e mais toneladas de despojos, a sua riqueza, a sua fortuna pessoal. Resumindo, desfizeram-se do essencial (armamento) para manter o acessório, que contudo lhes garantiria uma reforma digna. No ano de 732 Carlos Martel investiu contra um exército de soberbos a quem faltava o elementar, o tal armamento, e apesar da diferença numérica chacinou-os obrigando-os a recuar para aquém Pirenéus, até hoje.

Até hoje ou de véspera, em que bem vestidos e alimentados e melhor municiados chegam de avião a Paris, ou já por lá vivem nalgum apartamento arrendado, como fizera o 44, para no dia seguinte estarem fresquinhos e robustos a fim de continuarem a sua gesta. É tudo uma questão de logística, a logística ditou a sorte de Carlos Martel, a logística ditou a desdita de Paris.

Há pormenores, particularidades, detalhes, elementos e circunstâncias de que raramente nos lembramos, ou desconhecemos, mas que se revestem de crucial importância. Naquela época não se viajava de avião, nem de TGV ou ferryboat, naquela época os exércitos arrastavam-se penosamente sobre estradas por construir, em carroças rudimentares puxadas por cavalgaduras e carregadas de trigo, aveia, cevada, favas, alfarroba, tecidos, panos, toldos, tendas, vasilhame, pregos, ferramentas, pedras de esmerilar, fogões, fogareiros e forjas, carne salgada e fumada, cestos de costura, temperos, ervas medicinais, poções, amuletos, etc, etc, etc …

As carroças lá seguiam guinchando, ladeadas de carpideiras profissionais, “parteiras”, “enfermeiras”, poetas e trovadores, jograis e escribas, os soldados atrás carregando todo o seu armamento e o seu espólio, ou os seus despojos, e atrás destes as mulheres, as suas e as outras, e as crianças, os sapateiros, os ferreiros, os físicos (médicos), os ferradores, e evidentemente o putedo, as putas, a mais velha profissão do mundo e presença incontornável pois havia que manter o exército permanentemente animado e entusiasmado, nem todos eram casados ou amigados e o casamento como hoje o conhecemos nem sequer tinha nascido por esses dias… Quem já viu o filme “Aníbal e os Elefantes”, ou leu “A Viagem do Elefante” de José Saramago, terá uma ideia da dificuldade com que os exércitos se debatiam enquanto marchavam.

Hoje, apesar dos esforços de Carlos Martel, agraciado pelo Papa Gregório III e a quem este concedeu o título de Herói da Cristandade, hoje dizia eu, com passaporte ou sem passaporte, movemo-nos quase à velocidade da luz se comparando com essa época recuada, depois de jantarmos num restaurante de luxo, num qualquer boulevard perto da Ópera do Fantasma, ou do Bataclan, retiramos as ferramentas da mala do carro e vamos “trabalhar”… o mundo está a ficar impossível…

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

ÉVORA, ÉVORA ERA MAIS, MUITO MAIS.......


135 - ÉVORA, ÉVORA ERA MAIS, MUITO MAIS.......


Enquanto a água corria na banheira e me escanhoava, o vapor adensava-se e, no espelho, não já eu de espuma branca na cara, qual Pai Natal, mas um outro, perdido em divagações, sobras de um passeio dominical pelas ruas solarengas da urbe, moribunda, que nem esta quadra animou.

As ruas, que outrora um caudal de gente animava, são agora desolação e abandono, porta sim porta não, quando não porta sim porta sim, um comércio fechado, uma habitação devoluta, painéis garridos, “trespasse”, “venda”, “aluguer”, que não logram apesar do agressivo colorido, quem lhes responda.

A cidade perde identidade a galope, tem vindo a descaracterizar-se em céleres passos de caracol, sobra-lhe agora em indiferença o que dantes lhe faltava em solidão. Nem a brancura ou o asseio são já apanágios seus mas, como diz o adágio, mal não há que sempre dure nem bem que jamais se acabe.

Aguardemos, aguardemos e oremos, sentados.  

E aqui onde vou agora era o “Augusto Cabeça Ramos”, ali o “ J. J. Gonçalves”, sim, porque dantes as firmas e as lojas eram pessoas e tinham pessoas, com quem tratávamos olhos nos olhos. Ali, onde o chinês, dantes o “Archiminio Caeiro Ldª”, naqueloutro chinoca a “Mafeuropa Ldª” Máquinas E Ferramentas Da Europa, uns passos adiante a antiga “CUF”, quase pegada ao Turismo.

Derivando para “Alconchel” o “H. Vaultier Ldª” e já esta abaixo, igualmente tomada pelas forças do mandarim, a inexistente “ Angelino & Figueiredo”, e tantos, tantos outros que povoavam a cidade, tais como o “Raul Cruz Sucs”, a “ Casa Valadas; lubrificantes correias vedantes e outros utensílios úteis para uma lavoura moderna “, logo pegada a “Kermesse de France , Phragrancias de Europa para a mulher ideal“, assim mesmo, com ph, montra em vidro negro biselado a dourado decerto da mesma idade, dois passos adiante o J. B. Andrade que fechou sem deixar saudade,

ainda hoje recordo tudo menos a mulher ideal, que nunca conheci, se me gravou na mente quando do meu exame de acesso à escola preparatória e nunca mais, casei com uma santa mas a mulher ideal nunca, ainda hoje sonho conhecê-la, não passa de um sonho, já nessa época a Europa só sonhos, e a única verdade que lembro é a mesma senhorinha linda que desde esse exame segurava  o leme ao balcão da loja, magra como um fuso e elegante que nem bailarina de can-can,

            Paris, loucura, anos vinte, “Casa phundada em 1927”, ta explicada a coisa, a coisa e o estilizado novecentista de uns lábios e de umas pernas no vidro da montra e cujo significado demorei  séculos a entender, os lábios retintos de vermelho da velhinha, 
teria sido bailarina ? aprumada, arranjada, linda, já não há velhinhas assim, um dia plof e a loja para trespasse, mais uma… 

Adiante o “Benjamim e Cª”, o Manuel das lãs, os manos “Silva & Irmãos Ldª” import export, o “Fernando dos Prazeres Filhos e Sucs Ldª“, e tantos a quem já nem a lembrança lhes vale. E podia passear-se pela cidade no meio de toda esta gente, falar-lhes, tratar com ela, argumentar e contra argumentar, ir-lhes à cara se necessário. Os dinheiros guardávamo-los no “Banco do Alentejo”, os seguros na mão da “Pátria, Cª Alentejana de Seguros”, e, em caso de reclamação tínhamos à nossa frente quem, e não um número verde, azul ou vermelho para onde ligar. 

Havia sempre um balcão onde nos encostarmos e bater o punho, e não um “sítio” indeterminado num ainda mais indeterminado e invisível lugar. Éramos enganados com uma palmadinha nas costas e um sorriso nos lábios por gente com quem nos cruzávamos todos os dias e não por tubarões petulantes e arrogantes, nem por empregados empertigados como o gerente bracarense do Santander, como hoje somos, porque dantes de Espanha só os caramelos de Badajoz, e empertigados só os “Fidalgos” e os “Janotas” por lhes ser apelido de família, ou os forcados, porque enfrentar uma fera lhes fazia e faz crescer um rei na barriga.

Hoje empresários invisíveis têm ao seu serviço rapariguinhas de shopping piores que as que Rui Veloso pintou há trinta anos, e capatazes, manageros ou lacaios como nunca houve, ignorantes mas convencidos, cuja soberba ou travamos logo à primeira investida ou vomitam todas as alarvidades que os cursos de formação e de gestão de desempenho lhes meteram no bucho sem lhes darem tempo para os ruminarem.  

Gosto da minha cidade, mas nunca mais as centenas de camionetas cheias de gente como quando o “Juventude” e o “Lusitano” defrontavam o “Benfica” e o “Sporting”. A seguir ao “Vingt-cinq de Avril” os tractores e “roulottes” da luta agrária ainda uns lamirés mas nada que se parecesse sequer...

Depois as pessoas foram abandonando a cidade que os políticos chamaram a si, e foi o desastre completo. Hoje, nem cidade nem pessoas nem políticos mas tão somente uma excelente cagada.

Nem já um vómito é.

E cegos teimam ver o que ninguém mais alvitra enxergar.

A cidade fechará para obras mais vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos, até que as moscas abalem e as pessoas regressem, repovoem o povoado, e então de novo os nomes nas fachadas, em Itálico, Courier New, Times New Roman, Gothic ou Garamond, novamente a cidade pululará de viço, as ruas dos mercadores, dos lagares, dos caldeireiros e da moeda regurgitarão de gentes e eu, satisfeito c’o meu oráculo, continuarei indolente, sete palmos de terra por cima, dormindo o sono dos justos no cemitério dos Remédios.

Sem remédio.


:P