sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

217 - 697, SEISCENTOS E NOVENTA E SETE, NOVES FORA…… RUA !!! ………


Seiscentos e noventa e sete e mais quantos ? Outros tantos ? O dobro? O triplo ? Dez, cem, mil vezes mais ? Reiterada e regularmente vem à baila a questão, torneada, escamoteada, iludida, manipulada com pinças, do despedimento de funcionários públicos. As pessoas, e ao contrário do que se diz, afinal são ou não são números ? Nem são números nem são culpadas, sobretudo não são elas as culpadas, ainda que os poderes públicos tudo façam para nos fazer crer o contrário.

É hoje do conhecimento de todos nós a incompetência e a irresponsabilidade com que de há quarenta anos para cá tem sido gerida a coisa pública, e as admissões de pessoal não fogem a esta regra. As pessoas não são números, mas até quem tanto agitou este slogan não fez melhor que os demais neste item. As pessoas não são culpadas, são geridas, são guiadas, e são-lhes induzidas expectativas, de estabilidade e segurança num emprego, que é o caso que abordamos, e nessa base gerem as suas vidas, da compra de casa ao número de filhos passando pela compra de um carro ou de férias longe, movendo e alimentando por sua vez a economia, e os outros empregos…

Os desastres acontecidos já todos conhecemos, BPN, BPP, BCP, BESCL, etc. etc. etc. para mencionar somente os mais nefastos. Os desastres por acontecer amadurecem e crescem há anos sem que ninguém tenha coragem de os pegar pelos cornos. Pessimamente gerido, em vez de crescer o país encolheu, em vez de criar empregos tornou desnecessários muitos dos existentes, quando não acabou mesmo com imensos. Falências e encerramentos sucedem-se, obrigando ao aumento substancial dos gastos com subsídios de desemprego, enquanto em simultâneo diminuem as contribuições para a segurança social.

Outros impostos, os que recaem sobretudo sobre os que ainda têm emprego, aumentaram significativamente, sugam-nos, todavia nunca chegam e, apesar de todos os anos crescerem em volume, são porém insuficientes para fazer face à divida, aos juros, ao investimento publico, que caiu praticamente para zero há muitos anos, não criando emprego e destruindo devido à sua ausência alguns dos que existiam, contudo é a alimentar o elevado numero de funcionários públicos que quarenta anos de desregramento criaram que o absurdo mais se revela.

Mas serão culpados disso os funcionários públicos ? É evidente que não ! E sublinho que não ! Mas alguém é, e esse alguém meteu o país num beco sem saída. Em teoria, e numa situação extrema a colecta recebida chegará para pagar o funcionalismo público desde que este não faça nada, porque se fizer alguma coisita por pouca que seja originará despesa para a qual não existirá qualquer cabimentação.

Pescadinha de rabo na boca, a receita paga um exagerado número de funcionários públicos, desnecessários por excessivos, e aos quais ou dos quais não podemos esperar mais nada que não seja ficarem quietinhos e caladinhos, sem se mexerem, preferencialmente às escuras, para evitar o consumo de electricidade, sem fazerem ondas, sem gastarem papel, nem tinteiros, nem outros consumíveis para os quais deixou de haver há muito tempo dinheiros…

Um absurdo ? É ! Mas foi aqui que 40 anos de criminosa gestão nos conduziram. Com um pouco de sorte uma guerrinha civil reporia tudo nos eixos, pequenina, controlada, decerto resolveria a questão com poucos estragos, mas quem controla uma coisa dessas depois de iniciada ?  Por favor não comecem já a olhar-me de esguelha, nem a julgar-me.

Thomas Malthus, o “pai da demografia”, explicava as guerras como medidas higiénicas e repositoras da estabilidade e do equilíbrio dos excessos dos homens. Havia mais factores de equilíbrio claro mas não podemos contar com eles, as doenças, pestes, cataclismos, fomes, confesso que ainda alimentei alguma esperança que com a legionella as coisas se compusessem mas foi sol de pouca dura, como sabem foi prontamente debelado o foco.

Uma guerra civil é relativamente fácil de atear mas difícil de controlar, contudo purgaria muitos excessos, ódios, raivas, vinganças, frustrações, traumas, acredito ser de facto muito profiláctica, não sei se aos nossos excelsos gestores agradará tanto qualquer outra solução, preparemo-nos para o pior… volto a recordar que o mal não é o euro nem o escudo é a falta de produção, a entrada na moeda única foi uma manobra dilatória deles para esconder o que agora salta à vista de todos… mas claro que este é um assunto candente que vem sendo empurrado com a barriga para debaixo do tapete há mais de vinte anos, começou com os supranumerários do Ministério da Agricultura lembram-se ?

Logicamente um assunto destes tem que ser tratado com pinças, ou luvas, claro que ninguém irá falar em despedimentos, lagarto lagarto lagarto, claro que tem que se lhe arranjar sempre um nome virtuoso, uma coisa a apontar para qualidade, assim como requalificação, a quem não fica bem requalificar os seus ? E quem não quer ser requalificado ? Mas para sermos sinceros o objectivo é sempre o mesmo, correr com os madraços, correr com os excessos, queimar gorduras ao estado, emagrecê-lo, alijar o peso que o contribuinte português já não suporta, antes o sufoca, a ele e à economia, de tal modo que está a conduzir a zero o investimento privado (o público já é = a 0) gerando um incontrolável desemprego e défice. 

E solução ? E remédio ? Há ? Claro que há mas vai ser doloroso, de qualquer modo não tomar a colher cheia irá doer muito mais. Vamos ter que cortar salários cima de um valor X ou Y, forçar plafonds nas pensões altas melhorando as baixas, estabelecer com a população, ou com o povo, um contrato social, definir quer cortes quer custos suportáveis e desejáveis, calendarizar metas e objectivos, indexar ganhos e distribuições, criar uma reforma justa e aceitável na fiscalidade de pessoas e empresas, divulgar rankings pretendidos e mobilizar todos para os alcançar, distribuir mais equitativa e justamente a riqueza criada e havida, reformar a justiça recuperando a guilhotina para julgar os senhores juízes se necessário, ser claro nos esforços pedidos a cada um, tudo preto no branco, escrito, assumido, assinado, acompanhado, medido, explicado, mas sobretudo apostar a sério no crescimento, sim, vou repetir, CRESCIMENTO, sem ele nada será possível, e crescer é fazer, cooperar, colaborar, é deixar de dificultar, deixar de bloquear, de boicotar.

Há milhares e milhares de funcionários públicos a mais nos diversos ministérios e serviços do estado, nas autarquias locais, todos sabemos onde, mas haverá mesmo ? Isto é, estarão mesmo a mais ou simplesmente teremos ECONOMIA A MENOS ? Trata-se de pessoas, não de culpados, são gente que somente deseja que lhe entreguem trabalho, mas, para isso teremos que crescer, crescer mais que 0,8%, muito mais que 1,5%, mais que 5 ou 6% ao ano. Por menos jamais nos salvaremos.

Uma última questão, a EU tem-se queixado, e por muito que nos desagrade, com razão. Induzem-nos a fazer o que devíamos ter feito sem encontrões, deles ou dela claro, mas já imaginaram quantos milhares de milhões os contribuintes europeus enterraram aqui para nada ? Sim, para nada, porque estamos pior agora que quando entrámos na CEE, temos dez vezes mais problemas agora que nessa época, e, o que o dinheiro que nos deram não fez por nós deixou de fazer por eles. Perdemos os dois, eles e nós, quem tem razão para reclamar ?




quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

ABRACADABRA .................................................



Não era a fé que me movia, nunca a tive, aliás, peço desculpa, uma vez houve em que me vi tão atrapalhado que supliquei perdão por todas as minhas faltas e roguei pela minha salvação daquele inferno, tudo prometi e todo esse empenho ficou por cumprir. Sou portanto devedor, devedor de mim mesmo, que me obriguei num momento de aflição para depois aligeirar o fardo, quando sobre as costas me não pesavam já os receios, os medos, os terrores.

Não era o caso agora, agora tratava-se de cumprir um mandamento tão velho quanto o mundo, tratava-se de dobrar-me sob o jugo de uma força maior que eu, de soçobrar perante o instinto inato que protege as espécies e lhes garante sobreviverem e multiplicarem-se.

Nesse momento mágico, como um crente ante sacra imagem, entrei em transe e, mais que a vergasta com que o desejo soe golpear-me nesse recolhimento, o corpo se me verga sob o truísmo encantado da minha devoção,

digo-to para que saibas desta fé em mim e me ofereças o linimento das águas desse cálice que sedento busco, sequioso, na mira de abafar as tormentosas chamas que me queimam e me não trazem nunca a quietude que desejo e só alcanço quando em ti me dessedento.

Compreende então que não suportando a angústia me ajoelhei ante ti numa penitência de mártir, te abracei como um náufrago suspenso do salvador, arrastando-o na espiral da morte, na vertigem dos abismos em que a redenção não é o meio mas o fim último da submissão, do gesto e da catarse.

Por isso te abri como a um sacrário, ávido de maravilhar-me no teu santo graal, como quem sucumbe ao encanto duma odalisca, ao aroma adocicado das amêndoas, ao sabor agridoce de travo suave dos pêssegos rosa, por isso me quedei como se ante um cibório, não antevendo mas vivendo os prazeres do êxtase, vogando no paraíso prometido por todos os profetas em todos os sonhos e em todas as vidas.

E feliz sucumbo à minha voracidade, por ser aí que finalmente me perco e me encontro, porque então, sim, só então sublimo a tentação que me arrastara, sôfrego, ao âmago de ti, por em ti encontrar o carrasco e a salvação dos tormentos em que me deleito e suplício, qual cilício e cura desta paixão que me consome.

Somente isso explica a profusão de beijos com que, enlouquecido, numa fúria aparente, cubro o objecto da minha fé, da minha devoção, da minha entrega, ciente de ser este paroxismo avassalador que simultaneamente me subjuga e liberta da sensação, em mim somatizada, que me guia e me cega enquanto se não cumpre o destino, a sina, o fado, e os lábios te tocam, a língua te procura, porque a sede é tortura consumindo-me as entranhas.

Apazigua-me esta dor o néctar dos deuses, ou d’uma flor, é vibrando que o procuro, e então, num estremecimento, guloso, sorvo-o num estertor, alarvemente, esquecido do tempo e do lugar, esquecido de mim precisamente quando eu um outro, quando e se ousas derramar sobre mim essa taça, ou me obrigas, também tu já toldada, já possuída da mesma fé, da mesma devoção, a beber do cálice a cicuta da vida, por sentires e saberes que só a ressurreição nos limpa do pecado se por amor nele mergulhámos.

Cega-se, cega-se e só a mente em turbilhão nos acompanha, não guia, acompanha, enquanto a língua tacteia o caminho, o cruzamento, enquanto a boca clama, voraz, o veneno e a paz, o tudo e o nada …

E antes que tudo termine caio a teus pés, prostrado, numa pausa redentora, porque agora sim, estamos prontos, pois a noite é nossa e chegada a hora de nos cumprirmos,
                 
                   seja...




terça-feira, 23 de dezembro de 2014

216 - NUMA ESPLANADA DA DINAMARCA... *


O sol arrancava, apesar do frio intenso, reverberações e reflexos das mesas polidas da esplanada, e a Mara, enterrada num gorro que lhe dava até aos pés batia as mãos uma na outra pra esconjurar o maligno. Não era hábito vê-la ali tão cedo, escondia os olhos nuns óculos maiores que ela e sorria optimista, como sempre.

- Olá Mara ! tu já por aqui ? E a tua dor de dentes ?

- Olá Umberto bom dia, estou melhor, mas nem dormi por isso me vês aqui tão cedo e contra o que é o meu hábito. Já agora explica-me lá uma coisa que disseste ontem, aquilo de na Europa os nossos descobrimentos terem despoletado paixões.

- Eheheh ! Fizeste-me rir, por momentos pensei outra coisa, essa é fácil, gosto que tenhas estado atenta, então tu pensas que na Europa quer o Iluminismo quer a Revolução Industrial aconteceram por acaso ? E por acaso sabias que na Europa dos séculos XVI em diante, em especial no séc. XVII em vez de dizerem “bem feito” diziam “feito à portuguesa” ? O Iluminismo tem uma  costela nossa...

E era verdade, aquelas nossas façanhas por todos os mares e por todo o mundo estavam a revolucionar muito mais que a cartografia, também a zoologia, a medicina, a geologia, a botânica, o magnetismo, as correntes, os ventos, em cada dia derrubávamos tabus, preconceitos e idéias feitas  desde a antiguidade, e comprovávamo-lo ! De bússola numa mão e a experiencia noutra !

A descoberta do Telescópio, que Galileu Galilei (1564 – 1642) na esteira do desenvolvimento da óptica e do microscópio aperfeiçoou, foi fruto das ideias iluministas que exigiam então que tudo fosse comprovado e feito com pés e cabeça, “feito à maneira portuguesa”, repudiando tudo que era saber escolástico e não tivesse sido submetido ao experiencialismo de que os portugueses se arrogavam. Essa opção de Galileu permitir-lhe-ia desenvolver os primeiros estudos das leis dos corpos celestes, (comprovados, isto é submetidos a prova e não meramente pensados, a prova que faltara a Copérnico) estudos de que enunciou o princípio fundador cujas ideias se repercutiram posteriormente na mecânica de Newton.

- Pois, realmente tem lógica, nunca pensamos nisso sabes Umberto, nunca idealizamos os cenário em que as coisas aconteceram. La dynamique de choses.

- É a realidade Mara, por essa altura na Europa o que não pudesse ser comprovado experimentalmente não tinha futuro, daí o aparecimento de microscópios e telescópios e tantos outros instrumentos de precisão, que medissem, comprovassem, atestassem, permitissem ver, pesar, ir mais longe com o pensamento…

Isaac Newton (1643 – 1727) não surgiu do nada, lera Copérnico (1473-1543, coisa impossível sem ter existido Gutenberg) e Johannes Kepler (1571-1630)  e formulou a lei da gravitação universal e as três leis que fundamentaram a sua mecânica celestial clássica. Newton avalizou-se tendo demonstrado a consistência entre o sistema por si idealizado e as anteriores leis formuladas por  Kepler (1571-1630), que também era amante dos telescópios e que por eles firmou digamos que as primeiras leis de mecânica celeste e do movimento dos planetas. Observador atento foi até o primeiro a demonstrar que os movimentos de objectos, tanto na Terra como noutros corpos celestes são governados pelo mesmo conjunto de leis naturais. As leis da Física, essenciais para percebermos as órbitas, a atracção universal e a gravidade.  

Claro que tudo isto, todo este saber, não caiu do céu, e se a idéia de mundo antes dos portugueses era muito limitada, até se acreditava ser ele plano, os nossos navegadores foram muito além dos fenícios, foram mais longe que a rota da seda, deram ao mundo uma outra noção dele mesmo, maior, diferente, e sobretudo despoletaram novas ideias e perspectivas, novos métodos, novos modelos e novas descobertas. Algumas descobertas se deverão decerto a causas fortuitas, casualidade ou sorte, outras somente com muito trabalho foram paridas, caso por exemplo de Thomas Edison (1847 – 1931) que durante uma vida registrou 2.332 patentes !

- Não é o teu sogro que é engenheiro Mara ? E terão nascido por geração espontânea os engenheiros ? Ou terá sido todo este movimento que despertámos que levou à procura de soluções, que reuniu o artesãos mais habilitados e com mais engenho ? Estou a ver latoeiros, carpinteiros, ferreiros, todos armados em engenhocas, primeiro de roda de uma panela fervendo a que salta a tampa, depois em redor de uma máquina a vapor, mais tarde transmitindo a experiência aos aprendizes, posteriormente em escolas, liceus, universidades, institutos, tornando-se eles mesmo modo de vida. Foram mais longe que Aristóteles (384-322AC) e Leonardo da Vinci (145-1519) mesmo a brincar poderão ter imaginado não achas ?

Thomas Edison o “pai da lâmpada” era um engenhocas, não a descobriu, comprou uma patente e melhorou-a, tornou de gabarito mundial uma invenção pela qual ninguém dava dois tostões furados nem durava duas horas, Edison melhorou-a e fê-la durar 1200 horas !  Mas o material cuja incandescência era o ideal para o filamento brilhante e duradouro obrigou-o a repetir a experiência 2.678 vezes até atingir a tentativa vencedora ! Realmente a sorte protege e premeia os audazes, e os trabalhadores e persistentes acho eu.

Edison, a quem devemos tantas descobertas, não foi um inventor prolífico, mas tendo-se apercebido cedo da vantagem que era (em especial materialmente) o encontrar soluções novas para problemas velhos explorou-a. Foi o primeiro instigador, em moldes novos, do laboratório de investigação científica moderno, que fez produzir e render, a cujos técnicos e engenheiros foram dados problemas concretos a fim de lhes descobrirem soluções práticas virtuosas, económicas e fáceis de aplicar ou usar.

Mas atenção Mara, acrescente-se que naquelas terras jamais se empurraram os problemas com a barriga, muito menos para as calendas gregas ou para debaixo do tapete. Parece-me que, ao contrário do que aqui se passa, noutras partes do mundo não é comum esperar 30 ou 40 anos para se resolver um problema ou suprir uma necessidade. Que te parece ?

Curiosamente o português, regra geral, vê-se a si mesmo e ao país em tons superlativos, nunca se sentindo acossado porque nem conhece os outros, os outros países, os outros povos, as outras cidades, outros mundos, outras realidades. Vive e convive bem com as suas curtas, limitadas e peculiares certezas, as quais jamais viu, vê ou verá como uma enxúndia, antes e sempre como o melhor dos mundos, ao qual nem o reino da Dinamarca ** alguma vez se comparará.

Até o nosso modo de ensinar e aprender história, até de a estudar, é compartimentado, mais baseado em factos e datas que nas suas causalidades e relações ou dependências, o que nos limita, é o chamado estudo diacrónico. Há que perceber causas e efeitos, inter-relações e interdependências, há que saber em simultâneo o que fazia ou acontecia no outro lado do mundo e acreditar que tal nos surpreenderá. Este é o modelo de estudo sincrónico, de sincronismo, em sintonia, em simultaneidade.

Para aprender temos que perceber que mecanismos, que condicionalismos, que determinismos permitiram avançar, evoluir ou recuar, regredir, pois assim será possível comparar, avaliar a justeza da nossa visão do mundo e qual a sua implantação nele, melhor que isso, qual ou quais benefícios dela resultaram. O mundo é injusto, pois é. Mas o mundo não pára, nunca parou, nem esperará por nós, teremos que correr para o acompanhar.

A expulsão dos judeus em 1500 (desde a reconquista e em especial com D. Manuel I) e dos jesuítas em 1760 (D. José I e Marquês de Pombal) cavaram dois buracos negros na nossa cultura. Somente muitos anos mais tarde reformas com algum significado foram tomadas, de modo incipiente e (in) discutivelmente muito contestadas as lançadas por Salazar durante os 40 anos do seu reinado. Veiga Simão quando ministro de Marcelo Caetano em boa hora e meritóriamente reformou o ensino em 1973, tendo sido parcialmente travado com o eclodir do 25 de Abril. Infelizmente, e mesmo que incompleta, nenhuma outra reforma viria posteriormente a alcançar o mérito da sua.

Mas Thomas Edison sobre quem me debruçava não foi um fenómeno isolado. Como ele muitos em todo o mundo cooperaram e beneficiaram de trabalho conjunto. Henry Ford por exemplo, não foi o inventor da linha de montagem, antes o primeiro utilizador prático das teorias de gestão de Frederick Taylor (o mentor do Taylorismo) o pai da organização do trabalho que se consubstanciaria na célebre cadeia de montagem.

Henry Ford foi perdulário a pagar aos seus colaboradores (a par de outras atitudes muito criticáveis), Edison chegou mesmo a pagar-lhes os prémios em acções da sua própria companhia ! Quanto mais trabalhassem e rendessem maior benefício ou proveito retirariam do esforço do seu próprio trabalho. Além de que se criavam interdependências que a todos beneficiavam, Henry Ford tinha entre os seus operários (bem pagos) muitos clientes dos modelos que eles próprios fabricavam, contribuindo para o consumo da produção e o desenvolvimento da economia e do bem-estar de todos.

Aposto já terem percebido que só trouxe à colação todas estas histórias para que concluam que em Portugal se faz tudo ao contrário, com quem nada faz a beneficiar de quem trabalha, com quem menos faz a dificultar, quando não a impedir os que desejam trabalhar, de evoluir, e produzir.

Ao contrário dos que tudo fazem para criar valor, somos excelentes a destrui-lo. É olhar os jornais e ver os exemplos destes dias, uma dúzia de oportunistas sumindo pelo cano o trabalho de décadas de todo um povo. Sem que ninguém se ofenda. A desresponsabilização e a irresponsabilidade estão dando frutos em grande. E que frutos ! Haja calma que ainda há algumas coisas de pé, contudo temo que a nossa peculiar ignorância deite todos a perder. Já demos novos mundos ao mundo sim, mas foi há quinhentos anos e com outra gente, outra gente que por lá ficou, por cá ficaram os invejosos, os videirinhos e oportunistas, os parasitas e todos os grunhos que melhor ou pior irão continuando a fazer estragos…

Até ver… porque o português não é, está, ou parece, pois o ser o estar e o parecer na cultura portuguesa são modos intrínsecos mas visceralmente distintos de a viver…

* Atenção; este texto vem na sequência do anterior, e como tal deve ser entendido.
** Alusão à peça trágico satírica de William Shakespeare, Hamlet 

E
Esculturas de João Concha - Évora 

domingo, 21 de dezembro de 2014

215 - UM CAFÉ, UMA MESA, UMA ESPLANADA...

                                        

Enquanto mirei e remirei as páginas da revista o Sezídio confirmou-me que sim, tinham reduzido o tamanho das letras, e sem óculos já lá não iria. A Dolores ofereceu-me prontamente os dela mas recusei, um homem deve resguardar o orgulho, fosse eu visto com aquelas armações cor de rosa cheias de brilhantes e teria pela frente dois ou mais anos de luta para restabelecer a auto-estima. 
     
Maldissemos o economicismo exagerado dos nossos dias e desenterrámos Gutenberg (1398-1468) e o dia em que colocou os olhos numa velha prensa de esmagar uvas, pois não lhe terá ocorrido o rol de transformações que a sua atitude induziria e o mundo sofreria mor dessa sua idéia maluca. A prova ? Ali estava eu enrascado e lendo só os títulos…

A Cármen aproveitou e desatou a língua, que até aí os livros, lindos mas raros, manuscritos, iluminados ou animados por belas ilustrações, eram coisa rara de se ver e fora do alcance do comum mortal. Ele, Gutenberg, fora claramente o percursor, ou seja, foi quem no-lo deu, ou libertou, todo este mar de informação em que soçobramos. Disse ela aproveitando o ensejo, era bibliotecária na universidade e passavam-se semanas sem que lhe ouvíssemos um suspiro que fosse.

Criou os tipos e os caracteres, alinhou-os, entalou-os e pressionou-os contra uma folha de papel, espremeu-os com a velha prensa do lagar das uvas e obteve num só mês, mais livros do que aqueles que os monges tinham copiado nos últimos duzentos anos. Afirmou ela abrindo os braços solenemente e sorrindo. Tinha bons dentes e ninguém diria já ter festejado os cinquenta.

Logo o Couto, que trabalhava numa gráfica nos adiantou que aquela iluminada ideia acarretara um mar doutros problemas, que a racionalização do tamanho da folha de papel e o seu aproveitamento ditaram letras cada vez menores, que os padres e frades de cada paróquia, por norma gente entradota, sofreram as primeiras vicissitudes às mãos da miopia. Contudo, atalhou o Neves, de pronto e como os de Olhão, os vidreiros da ilha de Murano, em Veneza, há muito conhecedores das propriedades das lentes logo ali viram, disseminado entre os milhares de religiosos e velhos da Europa, um mercado nada despiciendo e vá de produzirem em profusão umas meias esferas de vidro, a modos de meias lentes, que deslocadas ou arrastadas por cima das pequenas letrinhas as ampliavam até atingirem a dimensão de um rato fareleiro se necessário fosse. Uma espécie de lupa primitiva e sem cabo.

O Francisco atalhou, aflito e temendo que se lhe acabasse o tempo, quase sem voz, quase incapaz de respirar, vá lá, adivinhem, sim, trabalha aqui no bairro, na Óptica Marilux, atalhou ele que, apercebendo-se desse facto, os italianos, golpistas e oportunistas desde a Roma antiga, como sempre, aproveitaram para inventar ou criar os primeiros óculos, industria que ainda hoje dominam a nível mundial, confirmando que as descobertas são como as cerejas ou como as conversas, atrás de uma vem sempre outra melhor ainda.

- É ou não é Rui ?

E puxando da bomba da asma inspirou fundo, fechou os olhos e recostou-se. Bem, o Rui, tal como eu, pasmava de ouvi-los.

Terá sido pouco tempo depois que um holandês, melhor será dizer flamengo (nessa altura ainda não havia Holanda, confirmou o Bastos) um flamengo experiente fabricante de lentes, apresentou a descoberta casual, acidental ou estudada, desculpem mas não sei explicar-vos os pormenores, do primeiro microscópio de que reza a história. Na verdade sei somente que se tratou de uma casa reputada no ramo das lentes havia muitos anos, e onde, colocando uma lente à frente de outra, fazendo-as convergir ou divergir, no essencial constataram o aumento exponencial das coisas mais ínfimas, mostrando na ocasião ao mundo um outro mundo, micro, até aí ocultado ao ser humano que pela primeira vez viu e se espantou com o universo das bactérias e micróbios. E nisto olhou com olhos de carneiro mal morto a Cármen, como que pedindo a anuência dela ao que dissera. Cá para mim não restavam dúvidas, aqueles dois andavam enrolados era o que era.  Vendo-a sorrir o Bastos continuou.

Desconheço ter este flamengo alinhado as lentes de modo convexo côncavo, convexo convexo, côncavo convexo ou côncavo côncavo, sei que as alinhou e que ganhou com isso rios de dinheiro. Todavia decerto não foi esse o incentivo que, anos mais tarde, levou um outro italiano a dar-lhes alinhamento tão diferente que longe de ter visto bactérias lobrigou Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno, e nem imagino que mais terá conseguido ! Imaginem as voltas que a partir daqui não terão dado a óptica a biologia, a microbiologia e a astronomia ! Ah ! E também o fabrico de papel.

- E evidentemente as tintas os lápis e as canetas borrachas etc. etc. e tal … Atirei eu que ainda tinha que cuidar de comprar pão e com pena minha teria que ir-me embora, de modo que balbuciei, como que introduzindo o fim à conversa:

- Uma mente preparada vê antecipadamente o passo seguinte e desbrava o futuro dando que fazer ao presente pessoal. Improvisar é aqui, neste cantinho à beira mar plantado. Por isso mesmo, nessa sequência lógica outros surgiram posteriormente nessa esteira, Nicolau Copérnico por exemplo, (1473-1543), cuja teoria lançou com base em observações suas e em muito matutar de cabeça que os descobrimentos portugueses despoletaram por todo o mundo, e mundo nessa altura era quase só a Europa, mas sem provas que fundamentassem o seu modelo do universo. (Heliocêntrico, teorizava o Sol no centro do sistema solar).

      Copérnico somente aprofundou essa visão como a mais susceptível de verdadeira se comparada com o clássico modelo Ptolemaico que defendia o modelo Geocêntrico. (A terra no centro). Quisesse ele mais e teria que fazer como os portugueses, esses sim, mudavam o mundo do avesso mas davam provas do que diziam com o seu experiencialismo. Foi ou não foi rapaziada ? 

- Tinhas que vir ao de cima com a tua mania que és esperto e sabichão. Bem malta vou almoçar, ou vamos almoçar que pelo menos eu não estou para aturar o Umberto, este gajo é uma seca.

- E não é que se foram todos ?


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

214 - MARGARIDA A ESTRELA VOADORA...


Claro !
É Ela !
Era trapezista no circo Shen !
Mas como é que demorei a reconhecê-la ?
Está tão diferente !
Foi isso.

Não que não continue linda, entendam-me, talvez até mais linda agora mulher madura, as feições melhor definidas, uma beleza natural e muito longe do excesso de maquilhagem com que subia aos trapézios.

Isso e o ter a cara permanentemente escondida atrás de uns óculos de sol enormes ludibriaram-me durante algum tempo, até àquela foto sorrindo em que a comissura dos lábios me chamou a atenção.

Era ela. Tinha que ser ela. Quantas vezes no passado lhe mordiscara aquela comissura quando, perdidos um pelo outro, nas tardes sem matiné e sem treinos nos espojávamos na roulotte dos bastidores, perdidos de loucos, perdidos de paixão, perdidos por cem, perdidos por mil...

Quantas vezes ? Nem já imagino quantas. Muitas. E depois, repentinamente desaparecera, deixando-me tal mágoa e crise no âmago que custei a debelá-la. Ainda hoje sinto horror a tudo que seja cutelaria, a qualquer uma por mais pequena que seja, mesmo a de cozinha. Foi trauma ou feitiço que se apoderou de mim.

Revivo quando sustinha a respiração e até o olhar, temente que o mínimo movimento desviasse a trajectória certeira daquela dúzia de facas uma só que fosse e que ele, de olhos vendados e surdo ao clamor assustado da multidão nas bancadas, atirava certeiro, infalível, à roda louca em que tu, que te não limitavas aos trapézios, te deixaras prender pelos pulsos e tornozelos desafiando a lei das probabilidades e o bom senso, fazendo-me suar, mão na boca, aflito, até que o girar da roda parasse e te soltasses sorridente para, numa vénia estudada, agradeceres à chusma a suspensão do respirar que te permitira superior concentração e arrojo e, dissimuladamente me atirasses com as pontas dos dedos um beijo. Só então me atrevendo a limpar o suor da testa e a abandonar as cortinas do camarim onde embevecido me ocultava p'ra te olhar durante uns deslumbrantes cinco anos, todas as noites exactamente pelas vinte e duas e trinta e também aos sábados e domingos, meticulosamente às dezoito e quarenta e cinco. Jamais esquecerei.

Sim, recordo como hoje aquela tarde em que, respondendo a um anúncio me apresentei como candidato a tratador de tigres e leões, vendo-me antecipadamente como um famoso domador e sim, o lugar foi meu e admitido logo no dia seguinte, o que fez com que me exaltasse de tal modo que logo ali dei início à celebração do novo mister, antevendo uma carreira coroada de sucessos e glória. Tomei então consciência de quanto tinha pesado e sido preponderante a minha experiência anterior, de que estava farto e há muito abjurara, especialmente saturado do oficio de magarefe carniceiro no talho da Manutenção Militar que, por ignorância, abraçara aos dezassete anos de idade.

Hoje tenho a certeza, teres sido tu e os teus superlativos elogios à minha destreza e rapidez a esquartejar bodes velhos, badanas, burros mancos e tudo quanto me traziam afim de alimentar os tigres e leões que conquistaste a minha atenção primeiro, a devoção depois e esta assolapada paixão que então desassombradamente me fizeste viver desde esse primeiro momento de retoiça quanto o desaforo e a coragem com que, a trinta metros de altura, saltavas de um trapézio para outro, olhos vendados, as lantejoulas do fato cuspindo reflexos debaixo dos holofotes rasgando a escuridão e o silêncio, para no fim nem esperares pelas palmas, e nos sumirmos enrolados por trás dos panejões, tu refulgindo tal qual um peixe de escamas doiradas chispando no azul marinho de um mar solarengo, eu de torso salpicado por goticulas de sangue fresco do jantar das feras e que, excitada, lambias e sorvias sofregamente como se a salvação se encontrasse na perdição a que nos entregávamos e eu fosse a tua redenção.

Eras tu. Agora já não tenho qualquer dúvida. És tu, a Guidinha, a quem jamais perdoei ter fugido com o atirador de facas e que agora, perturbado pela tua beleza e descoberta, melhor dizer redescoberta, me vejo incapaz de te odiar como odiei nestes últimos dez anos, vividos como um silício em permanente azedume, ora toldado ante a tua imagem e perfeição, ora esperançado numa anunciação de paz celestial que me redimisse do inferno a que condenaras o meu viver, porque sim, és tu, ou tu ou tão sublime encarnação que bastaram dois segundos para que todo eu tivesse mudado e me sinta de novo apaixonado como na primeira hora, buscando as camisolas de manga cava que juraria ter guardado nesta gaveta e afinal nem nesta nem nas outras, recuso-me assumir tê-las sumido na raiva que de mim se apoderou quando me trocaste por aquele atirador das facas, aquele reles e sonso faquir, abandonando-me cego de fúria e de ódio.

Naquele dia numa perseguição inconsequente, procurei-o de cutelo na mão, sorte a dele não o ter encontrado ou as feras teriam tido nessa noite rancho melhorado. Não imaginas Margarida do que era capaz desvairado por tamanho choque e alucinado por tamanhos ciúmes, sorte tua também não ter atinado com o teu paradeiro naquele dia minha grande puta, minha cabra, meu amor, minha querida, minha vida, perdoa-me, não sabia o que fazia.

Calmo como estou agora, reconsiderando ante ti, penitencio-me roído de culpas e remorsos, e juro-te meu amor, uma só palavra tua e a minha alma será salva, estala os dedos e num ápice ter-me-às arrojado a teus pés, coberto de sangue a fim de saciares a tua sede, mas deixa que te diga meu amor, minha paixão, minha kerida, minha vida, não tentes fazer-me o mesmo porque não terei contemplações, afianço-te que submergirás ao meu abraço e a minha mão enrolará em duas voltas esses lindos cabelos em que tantas vezes e tão loucamente me enleei, e no primeiro golpe atirarei ao teu pescoço, garanto-te que ainda manejo o cutelo com a destreza de antanho e te degolarei à primeira, sem arrependimento nem dor, sabes que seria incapaz de te magoar ou fazer sofrer minha kerida, a minha paixão é a mesma coração, somente o meu amor por ti se agigantou.

Por isso minha querida, meu amor, nem tentes, nem sequer penses, nem te atrevas a voltar a abandonar-me meu sonho. Lembras-te do Pasha e do Zulu sempre com o pelo tão luzidio Guidinha ? Lembras-te como só sossegavam à hora de serem alimentados quando era eu a fazê-lo amor ? Lembras-te do palhaço Rikinho que desapareceu de um dia para o outro e nunca mais voltou nem foi visto em lado algum coração ? Recordas o engolidor de espadas ucraniano que nem o arsenal de punhais levou e a quem nunca mais ninguém conseguiu pôr a vista e cima minha doce paixão ?

Não te quero perder de novo minha queridinha, estive dez anos sem ti e não quero voltar a perder-te meu amor, espero sinceramente que o teu regresso tenha sido por mim meu sonho. Aguardarei mais uns dias Guidinha, vou vigiar-te de perto, vou rever polir e afiar a cutelaria, estou um pouco destreinado é certo, mas ainda serei capaz de dar conta de qualquer recado em meia hora e continuo a ser o melhor com o cutelo.

Adoro-te filha, amo-te minha filhinha, e Deus é grande, pensa bem amor, faz por ti Margarida.....