sábado, 6 de agosto de 2016

373 - REVELAÇÃO ... AQUI PARADO .......................

 

REVELAÇÃO... AQUI PARADO ... 

Aqui, olhando a casa e a travessa onde vivemos,
lembro-me de ti.

Recordo-te, 
em especial por aquelas conversas de crescidos que nunca tivemos,
recordo os verões e os invernos,
os verões em que o bom tempo te afastava e alheava de mim,
os invernos em que, se os dois em casa, era o inferno.

Eras totem de justiça e cortavas a direito, de caracter forte,
qual madeira de carvalho e eu,
na vida ainda como a manhã de orvalho está para o dia,
apreciava, via, e não entendia por que assim ser, ou deveria eu ser.

Foi perfeitíssimo desentendimento o que sempre cultivámos,
só depois de morto Édipo te fiz frontalmente frente,
alimentei personalidade dúctil, estava no ponto para esculpir,
um totem para endurecer, uma faca para afiar, um caracter para formatar,
uma selva por onde avançar cortando a direito,
como te vira fazer, sacudindo de mim as gotas orvalhadas,
comprometedoras, 
fechando um ciclo de enganadores equívocos.

Nem tu nem eu éramos faladores, contudo,
entendíamo-nos perfeitamente nesse nosso desentendimento,
e assim me fiz, ou me fizeste negativo de ti.

É tudo quanto te devo,
tudo quanto sou a ti devo,
a revelação dos haletos de prata,
o recurso a alguns ácidos alcalinos básicos,
ao tiossulfato de sódio, a soluções com sais minerais,
q.b. de sulfito de sódio, e água, bastante água,

ah !

e toda aquela oxirredução processada debaixo d’amena temperatura.

Sim, é tudo quanto te devo,
sim, tudo quanto sou a ti o devo,

algumas imagens numa velha caixa de postais que esquecida guardo,
numa gaveta que nem sei e raro abro,

como aconteceu hoje, como aconteceu agora  em que eu para aqui parado,
olhando a casa e a travessa onde morámos lembrando-me de ti pai,
de ti e de como poderiam ter sido as longas conversas que nunca tivemos,
e com as quais cresci,

e cresci, cresci, cresci,
para te enfrentar, cresci,
para te impressionar, cresci,
para te envergonhar, cresci,
para te esquecer, cresci,
cresci para me afirmar e para me afirmar esqueci,

verdade pai,
tanto que poderíamos ter falado.

Falado de como o crescimento não é mais que um processo químico,
revelação, reacção química influenciada por não raros factores psíquicos,
uma complexa trama ou núcleo de electrões vogando no tempo,
agitação excitada e constante d’uma solução, "persona lizada"...
medição afinada da concentração sob pena de diluição do agente sensível,
vigilância apurada da temperatura e da exposição, do metol, 
da hidroquinona, do fixador neutralizante dos karmas, 
da revelação de complexas fórmulas e auras,

não quereríamos um produto insolúvel, nem uma solução inviável,
pois não pai ?

Apostaríamos num composto à base de prata metálica trabalhada,
revelado com  puro acido acético glacial ou mesmo vinagre,
poderíamos também utilizar o ácido cítrico, somente em emergência,
seria necessário, imprescindível mesmo era que ficássemos sensibilizados,
pela reacção,  pelo resultado obtido, pela preservação do genoma,
sim o genoma, antes do nitrato de prata ou do azul da Prússia eu.

Eu.

Mas não foi isso que aconteceu pai,
o que aconteceu foi que fiquei para ali esquecido,

olhando a casa e a travessa onde morámos lembrando-me de ti pai,
de ti e de como poderiam ter sido as coisas que nunca foram,
e entretanto para te esquecer, cresci,
cresci e esqueci, verdade pai,
tanto que poderíamos ter falado.
mas já esqueci. 


Humberto Ventura Palma Baião, Évora, 06 de Agosto de 2016.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

372 - Tribute to Acácio Nobre, VEROSIMILHANÇAS

 “VEROSIMILHANÇAS” pintura de Humberto Baião - Évora 1999

A decisão fora por mim tomada algo solenemente há mais de trinta anos, provavelmente mais próximo dos quarenta que dos trinta, mestre Paulino tentara diversas vezes inocular em mim o bichinho da pintura e, gaiato ainda, quer mestre Cachatra quer mestre Palolo me haviam pedido por mais que uma vez, fosse ali ao Nazarett numa corrida comprar-lhes guaches, bisnagas, aguarelas, cervejas, óleos, acrílicos, garrafas de vinho de Borba, de Redondo e de Reguengos, pincéis, telas ou papel. Até o senhor Amado no seu ar seguro, peremptório e doutoral me afirmara por mais que uma vez:

- Não tens nada a perder Humberto, quem sabe se tens vocação !

Portanto, submetido a tanto convívio com os mestres e a tanto estímulo bem-intencionado sucumbi, jurei a mim mesmo que o havia de fazer, isto é pintar um quadro, ou no mínimo tentar, escolhido que fosse o tema e bem definidas a conjectura, a amálgama de cores, a textura da pincelada, muito especialmente o jogo de sombras e uma cuidada atenção ao trabalhar a luz do dito cujo.

Independentemente do motivo queria-o ou imaginava-o, isto é concebia-o mentalmente para que, se vinda num repente a inspiração, não me apanhasse desprevenido, essencialmente era essa a essência da coisa, havia que captá-la e fixá-la, se necessário com empatia, pelo que inspirei fundo e me abandonei aos mais intrínsecos pensamentos de um modo compenetrado.

Anos mais tarde ao contemplar casualmente as obras da colecção privada de Acácio Nobre* pressenti um forte e indelével impacto, embora o não tivesse sentido. Falando dum modo mais especifico fora provocado pela tela que lá me levara, uma obra com sete metros de comprimento por quatro e meio de altura, pintada exclusivamente do lado esquerdo, representando uma figura humana, mais concretamente uma mulher saindo duma porta de uma casa com dois andares que não se vêem, mulher que igualmente não vimos por já ter saído, mas cujo perfume paira ainda no ar deixando atrás de si uma improvável atmosfera cujas vibrações ainda sinto pois que, como é uso acontecer com os quadros de Acácio Nobre, alteram infalivelmente quer a densidade quer a dinâmica do ar envolvente.


“VEROSIMILHANÇAS” pintura de Humberto Baião - Évora 1999

A minha aposta no eclectismo e heterogeneidade dos padrões que me identificariam futuramente não radicou exclusivamente na simpatia que a persistência das imagens dos quadros que Acácio Nobre não pintou nos causam a todos. Na realidade Acácio Nobre foi um expressionista pioneiro cujo surrealismo ainda hoje nos impressiona, sendo aí que nasce a simpatia que por ele nutro, simpatia que me não canso de propagandear, já que ele foi para mim o único até hoje capaz de tornar o impossível possível e cujas obras (e espólio, hoje felizmente classificado e numerado) testemunham o rigor e o alcance das suas vanguardistas ideias, caso muito particular das que nunca foram sequer públicamente apresentadas.

Foi portanto sob a sua alçada, protecção ou inspiração que me acomodei durante todos estes anos de introspecção e afã, dedicados à imaginação, concepção, definição, conjectura, tema, cores e essência do quadro que ora vos apresento ou deixo à apreciação, sendo este meu labor que entrego nas vossas mãos para observação crítica e que mui sensatamente intitulei “Verosimilhanças”.

Espero sinceramente que apreciem e fruam o resultado deste meu incomparável e inimitável trabalho, cujo mérito, se outro não tivesse, seria o de, em respeito à memória de Acácio Nobre, testemunhar o esforço no sentido de o homenagear do modo que ele mais valoraria, tentando a concretização do impossível.

Nem por um momento sequer esqueci a máxima desse mestre, para quem a “arte é a nossa necessidade de abstracção, o nosso fascínio pelo impossível e motor da transformação da visibilidade… a união do conhecido e do desconhecido através do desenho… para quem as palavras são insuficientes, só o desenho as podendo completar.”

Exposta esta tão clara quanto simples questão vou ficar-me por aqui, deixo-vos todo o tempo do mundo para que possais apreciar e julgar a minha obra, por ora irei calar-me e recolher-me, sei bem quanto as massas me amarguram, gostam de máximas mas não gostam de filosofias.

“VEROSIMILHANÇAS” pintura de Humberto Baião - Évora 1999

* Colecção privada de Acácio Nobre, de Patrícia Portela, 156

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

371 - A VIZINHA JUSTA E O IMI DO COSTA ..........


Que bom que seria haver só domingos, eu por mim até prefiro os sábados, porém domingos ou sábados, é igual, é-me indiferente, a bem dizer a única coisa que muda são as mulheres, as mulheres e a paisagem quando olhamos pela Janela.

Mas que belo almoço, um bom gaspacho, e um bom presunto de porco preto, bem fresco e melhor regado como manda a lei, é um bom vinho este, Castelo de Estremoz, quase vimos daqui as vinhas subindo a encosta da cidade, este vinho* tem uma particularidade curiosa que talvez seja culpada pela espiritualidade que nos pranta, as uvas são vindimadas durante a noite, para manterem a frescura e o aroma que sentimos neste néctar. (cortei vinho e meti néctar, soa melhor não soa?). Depois de totalmente desengaçadas e esmagadas as uvas fermentam em cubas de inox com temperatura controlada durante seis a oito dias e as castas Aragonez, Trincadeira e Castelão que o compõem e fazem dele um vinho tipicamente alentejano e são uma feliz conjugação de fruta madura e frescura que resultaria numa suave estrutura não fosse ser para mim um vinho um pouco áspero, como se não bastasse já a aspereza da língua por onde ele arrasta o atrito. Já a cerveja Sagres me provoca essa mesma sensação, daí que não a aprecie, gosto dos líquidos que estralam no céu-da-boca e depois escorregam bem pela goela. Mas era um almoço de amigos e às tantas já nem notava a rudeza ácida do vinho, bem bom apesar de tudo, o Caxias chama-lhe um figo e fê-lo acompanhar de farta comida tradicional alentejana, queijos e a mais variada doçaria conventual. Saímos dali mais docinhos que cordeirinhos.

Estava eu olhando pela janela, olhando as vinhas quando me ocorreu, e apostaria, que fazendo o mesmo estaria o Costa, só vendo prédios e mais prédios, a poente e a nascente verá um mar de prédios a perder de vista, e pensei de mim para mim que onde uns vêem um mar de prédios Costa verá um mar de tributos, vai daí ter-lhe-á surgido a ideia da tributação, tributação ponderada, justa, mais sol mais tributo, melhor vista mais tributo, melhor astral mais tributo, todavia uma tributação solidamente alicerçada em critérios subjetivissímos, isto é justa, justissíma.

Ainda acabrunhado ouço a canzoada a ladrar e entre ela um ladrar mais fino, assim como um chiar, é chiar de “poodle”, a minha vizinha Justa vai passear os cães, logo será sábado, nem preciso ser adivinho nem consultar um oráculo ou o calendário, nem sequer preciso levantar-me, os latidos dizem-me ser sábado, dia em que a vizinha Justa os leva bem cedo a passear, isto é a correr com ela, aposto que serão seis e meia da matina e nem um minuto mais, aposto que ela calçará os ténis rosa vivo e o fato de treino preto com a lista laranja eléctrico em S do ombro ao tornozelo. Gosto de ver aquele S, fá-la parecer mais alta e mais direita, mais desempenada (não devo usar o termo mais nova), com o peito mais atiradiço para a frente e as costas menos curvadas.  

Costa esfregará as mãos olhando os telhados, já o fizera quando das taxinhas sobre as dormidas e os turistas que entravam na capital, por isso nem entendo toda esta admiração agora, o homem foi feito para taxar, nem saberá fazer outra coisa, tal qual a minha vizinha Justa e a sua postura, que a ocupa e alimenta, aliás muitissímo bem para os quarenta e cinco ou cinquenta que contará, demasiado bem até, concedo que tem as rodinhas um pouco baixas mas o resto compensa, se compensa… 

Dizia eu que o Costa espreitará os telhados, e eu não me contenho sem espreitar a manhã pelos fuinhos do estore. Adoro quando ela põe aquela fitinha no cabelo, aquela ou aquelas, afinal condizem sempre com a cor das coleirinhas da Fakir e do Monhé, dois animais exemplares que nos dias de semana nem largam um balido, digo um trinado, digo um latido. A genica da vizinha Justa logo pela manhã tira-me do sério, aliás se não fosse isso seria o estacionamento no largo, nota-se logo que é sábado, menos carros, outros carros, e atirados para ali ao calhas sem quaisquer preocupações. Durante a semana e bem arrumadinhos cabem o dobro, bem, mas ao fim de semana os fiscais da EMEL não aparecem e a malta dá ganas à sua natureza interior, é como se alguém tirasse o interior às válvulas dos pneus d’uma bicicleta, descomprimimos, cagamos para tudo.

A vizinha Justa tem daquelas trelas de onde se tira um saquinho para apanhar a caca dos cãezinhos, a vizinha Justa é exemplar, toda ela, é exemplar, é um modelo, um modelo modelar, já o Costa, um bom contorcionista e ilusionista, seria um presidente de Junta exemplar, quis o destino fazer dele autarca modelar, daí até PM foi erro de casting, cada um com as suas tamanquinhas, cada macaco no seu galho, e realmente não lhe vejo arcaboiço para ministro, nem de primeira nem de segunda, do trapalhão anterior nem sequer vou falar, esse quanto a mim nem para apanhar a caquinha dos cães serviria, erros de casting, desde que se foi o Carlos Castro que o país anda assim aos trambolhões, faquires, Houdinis, emplastros…

Modelar é a Justa, essa sim, sei do que falo, o prédio faz um angulo recto e da minha janela vejo a janela da casa de banho dela, por onde o sol entra de manhã bem cedo tudo tornando radiante, contudo essa parede de tarde nem apanha sol, talvez lhe baixem o IMI, ela merecia, ai se merecia, sim tem as rodinhas baixas mas é elegante. Mereceria claro, justificar-se-ia.

A chaleira ! Nem a ouvi apitar merda ! Lá se entornou o chá outra vez, e aquela porcaria mancha-me o esmalte do fogão de um castanho dificílimo de tirar. Lá estão eles de novo com a história do IMI na televisão, taxem, os pombos caralho ! A cidade está cheia de pombos porra ! E cagam em cima de toda a gente foda-se, ainda são piores que o Costa, dos pombos e do Costa ninguém se safa, é a nossa sina…

Vou calçar os ténis e buscar a pedaleira, vou-me até à Ericeira ... 



segunda-feira, 1 de agosto de 2016

370 - Made-up Dianas - A Exposição .............................


Fui lá, estive lá. Foram precisamente dois minutos para ler o folheto, mais três para dar um giro pela igrejita que é pequenita e olhar a dúzia de postais tornados cartazes que para ali estavam arrumados em duas paredes, o resto do circuito fi-lo às escuras e às moscas. Tempo perdido, mais ganhara nem ter lá ido. Aproveitei e bebi a bica na Zoka, o mata-mouros estava de férias pelo que a coisa me saiu barata.

Projecções, extrapolações de lugares comuns, e, observação à parte, já tudo é considerado arte e todos se consideram a todos artistas, tal como Erdogan e Maduro, dois democratas de estirpe, ou como Daniel Ortega, e Donald Trump, os democratas agora na berra, ou na berlinda, e dando que falar de novo.

Lá estava o livro pequenino, o das presenças, dos visitantes, eu diria antes dos militantes. Uns gatafunhos, uns desenhos, uns bonecos, de crianças certamente, a julgar pelo traço, pela caligrafia, pela idolatria, e um boneco maior que me pareceu de um fariseu. De qualquer modo poucas assinaturas, poucas presenças e, virando-me para a menina que jazia à entrada em vez do Marco mata-mouros o anjo da guarda, indaguei eu;

- Tem vindo muita gente ?

“Que venham mais cinco” respondeu-me ela, e logo;

- Não trouxe um amigo também ?

Oh ! Não ! Respondi desprendidamente…

- Vim só eu e as minhas tamanquinhas, é você a Maria Faia ?

Não era, continuando por lá, prostrada, cantarolando milho verde, milho verde… Aos poucos fui-me afastando da entrada, não fosse ser visto ali e conotado com a coisa, até que o cante da sua voz se sumiu ou se fundiu com a que eu ouvia, ouvia e oiço sempre que penso, e eu penso rápido. E lá abalei, não correndo mas pensando nada entender dos critérios subjacentes às escolhas que ali são mostradas às nossas gentes.

Serei eu o culpado desta falta de discernimento ? Talvez seja (sem o saber), ou talvez tenha um gosto requintado, ao menos não digo que sim a tudo, não papo tudo, pois nem tudo que luz é ouro, nem eu sou carteiro para andar fazendo a distribuição ou a apologia de postais que tais e, a ser gostaria de ter sido o Carteiro De Pablo Neruda, esse sim, pois ao menos coube-lhe um glorioso fim.

            Esta é para mim a realidade lúdica, irónica e humorística que me liga culturalmente à cidade invocada na exposição Made-up Dianas, não lhe acho piada, nem de ironia a acho digna, antes me fazendo rir muito, tudo me faz rir e a tudo acho imensa graça. Assim tão céptico e exigente, devo ser somente eu e os Meninos da Graça, os tais muito apegados à igreja da Graça* e a Graça claro, que ficou para tia, olha que gracinha …

Em hegemonia vêm depois as referências, as tais que eu atrás referenciava quanto aos critérios que nem entendia, e entre eles lá vem o cante que, conforme premonitoriamente** afirmara há quase um ano atrás, agora pau para toda a obra e os restantes, que até teriam graça não tivessem caído tão em desgraça, a costumeira invocação de mortos, o Templo Romano, a Sé Catedral, Capela dos Ossos, o aqueduto, a Fonte das Portas de Moura, tudo coisas com bué da time em cima, feitas há séculos, mas que esprememos até ao tutano por não termos outras, nem maiores nem mais pequeninas. E como não podia deixar de ser o apelo gastronómico, a bolota, lembrando as pérolas a porcos, e o vinho claro, a única coisita cuja produção, volume e preferência tem aumentado nesta dimensão patrimonial e matrimonial a que estamos subjugados ou circunscritos.

É o património pátrio que elegemos a dogma, é a ortodoxia caseira como nossa mátria, é o pai Geraldo Geraldes o Sem Pavor, é a mãe Diana, deusa da caça e da lua, do luar e dos aluados, é António Aleixo e Este Livro Que Vos Deixo, são os bonecos da BIME, são as mantas de Reguengos para vender aos esquimós e rasgar pelo meio, metade para os velhos a outra para os novos como manda o adágio, são as botas do meu pai com quem eu me pareceria se as calçasse, e é a Igreja de S. Vicente e o quanto eu riria de novo caso lá voltasse.

Mas na hora de preparar esta crítica, a arte absorvida subverteu-me o pensamento, a sementinha ficara e germinou, quero dizer a imaginação brotou, e ao digitalizar as figurinhas catitas para o cabeçalho do texto tive uma lembrança engraçadita. Primeiro fotocopiei as doze figuras com as quais, colando-as numa cartolina fiz duzentos postais, todos devidamente legendados, "Made-up Dianas, by Susana Marques, especialista em cartazes" e coiso e tal, como manda a lei. No mesmo dia os remeti para amigos em férias um pouco por todo o mundo, Cancun, Andorra, Cannes, San Remo, Saint Tropez, Mónaco, Biarritz, Maiorca, Havana, Rio, Bali, Olhão, Londres, Alvito, Bósnia, Amieira, Suécia, Beja, Croácia, só para os mais chegados, só para aqueles que realmente se preocupam minimamente comigo e com quem mantenho alguma amizade pessoal e intimidade, só mesmo para os que de vez em quando me dão provas disso e:


- Como estás amigo Baião não te trates não ! ***

E quem diz Baião diz Baiãozinho, que isto tudo depende da proximidade e por falar em proximidade, ainda nesse dia ou no outro alguém atrapalhadissímo e ligado à comissão de festas da aldeia de Ferreira de Capelins me contactou:

É o senhor Baião ? Temos as festas à porta e um dos artistas em cartaz emigrou, estamos à rasca para o substituir, o senhor é o agente da Susana ? Que é que ela toca ? Que é que ela canta ou faz ? Andamos procurando alguém disponível e não muito carote. Agradecidos. Podendo diga alguma coisa com urgência. Ligue directamente ao senhor regedor ou ao presidente da junta que é também o presidente desta comissão.

Depressa esqueci este equívoco e lancei-me de novo aos postais, que recortei em tamanho A5, repetindo a operação anterior e tendo-os colado em cartolina com meio milímetro de espessura, e de seguida cortado cada um deles em vinte irregulares bocaditos e metido tudo dentro da caixa de uma camisa em cuja tampa colei uma imagem A3 a que acrescentei a legenda “MADE-UP DIANAS PUZZLES”. Depois foi passar uma fitita com um lacito e deixar a netita deslumbradita ! 

            A Susanita teria gostado ! Ela é tão dedicadita ás criancitas ! 

           

     






























                                          

sexta-feira, 29 de julho de 2016

369 - O ENGENHEIRO, GASSET E EINSTEIN ..........


Quando puxei o engenheiro para o meu grupo de amigos estava longe de julgar quanto haveria de arrepender-me. Puxei-o numa atitude altruísta e desinteressada, ciente das minhas debilidades e limitações abissais quanto ao ramo da ciência em que ele é expert, é engenheiro, doutorado em física e acredito que homem para discutir a teoria quântica com Einstein. Foi tendo em mente o muito que com ele poderia aprender que o convidei para o meu grupo de amigos. Completar-nos-íamos, em simultâneo dar-lhe-ia igualmente uma oportunidade de comigo aprender também alguma coisa. Inclusão era o meu móbil, tanto mais que ele se mostrava avesso a entender o mundo que o cerca, ainda que, numa atitude encorajadora eu o tenha confrontado, isto é, elogiado, desafiado, provocado, devido facto de, sendo ele engenheiro, o achar capacitado para discutir com Einstein os tais segredos do universo e me custar a aceitar a parca ou limitada visão que apresentava para apreender o complexo mundo em seu redor, refiro-me agora não ao mundo físico mas o mundo social.

Foi essa a ideia que presidiu à intenção de o ter puxado para o meu circulo de amigos, um pouco por interesse confesso, e não somente para colher vantagens da sua presença no grupo mas também para enriquecer os debates e, como já disse, dar-lhe oportunidade de alargar horizontes e opiniões no campo social, mais concretamente no campo das ciências sociais e humanas, área em que lhe poderia ser útil de molde a quitar o que dele esperava obter.

Mas esta experiencia de inclusão do amigo MP na minha roda de amigos está em risco de soçobrar, tão pouco porque desvalorizei o factor pessoal que, de forma inerente e inevitável afecta no laboratório este tipo de experiencias por mui bonitas que as teorias nos surjam. As suas facetas individualista, egocêntrica e egotista afectam-lhe irremediavelmente a visão de conjunto, impedindo-o de ver para além da sua pessoal obstinação, situação ou posição. Trata-se lamentavelmente de um facto gravoso que afecta as suas análises, por muito cuidado e atenção que ponha no desenvolvimento do método científico a que a jaqueta de engenheiro o obriga.

Depois é a confusão total, incapaz de ter nas mãos provas e bases sólidas que sustentem as suas hipóteses, desenvolve extensas teorias despidas de exactidão, logo de significado, o que atesta nele uma grave lacuna e afectará a sua capacidade de raciocínio e de síntese. Aliás ele mesmo o admite, ou confessa. Incapaz de sintetizar, isto é de ir do geral para o particular, nunca poderá arvorar-se em alguém cuja análise nos mereça sequer compreensão, quanto mais confiança. Esta coisa da condução do pensamento, da dedução, da indução, não é para todos, e muito menos para quem nitidamente acuse carências de formação e, tal e qual hoje em dia nada funciona bem sem o contributo das várias ciências, ou disciplinas, a chamada interdisciplinaridade ou equipa multidisciplinar, também igualmente numa roda de amigos o protagonismo e participação de todos eles se torna cada vez mais imprescindível.

Fechar-se na sua concha ou excluir-se, colocar-se à margem e ignorar os amigos, nem irá beneficiá-lo nem favorecê-lo, aliás se continuar teimando na sua atitude de sobranceira auto-exclusão é dar-lhe espaço, deixá-lo ir, certamente aprenderá por si. Há dois mil anos atrás já Séneca, nas suas “Cartas a Lucílio” (existe uma edição barata e muito boa da fundação Calouste Gulbenkian), afirmava, na primeira delas, ter o homem, para “ser”, que perder a esperança e o medo, precisamente as duas variáveis à volta das quais o meu amigo MP vive preocupado. Para ele tudo se resume a si mesmo, às suas esperanças, frustrações, medos.

Aconselho-o a ler primeiro Séneca, e depois a meditar na forma como Einstein, tal como ele um físico, conduziu as complicadas deduções e induções que das suas análises resultou uma síntese, não extensa, nem confusa, nem mal elaborada ou pior apoiada, como o são as anarquia e barafunda de quanto pensamento o meu amigo MP produz. Porém ainda antes uma coisa simples, meditação, reflexão e contemplação mental sobre a teoria e pensamento de José Ortega y Gasset, que nos ensinou ser o homem indissociável das suas circunstâncias, e as nossas circunstâncias, as nossas e as de MP são uma democracia desigual e disfuncional, instalada num país onde bandidos e oportunistas ditam as leis e a vida por cima do mérito e da equidade. 

Quanto ao físico que foi Einstein, atentemos na sumula do seu pensamento, que resumiu àquela coisa tão pequena, tão engraçada, tão linda, tão virtuosa, tão sublime, em que Einstein condensou tanta enormidade e complexidade universais, E=Mc2