Eu teria quinze
anos e a Arminda uns dezoito, ligeiramente mais alta e encorpada tentava
impressionar-me dando às asas, digo aos braços, tentando assim aumentar o
tamanho do peito, tinha um peitinho pequenino, uma coisa miudinha, linda,
lembro-me tão bem. Parecia um anjinho de pele branquinha dando às asinhas e eu dizia-lho.
Aos quinze anos já tinha um bom rol de paixões vividas e consumadas, embora com
a Arminda fossem só devaneios e arrebatamentos de rapazes, digo de jovens, pois
nunca tomei sequer um café com a Arminda. Um dos aromas de que gosto e sempre
gostei é o do café, adoro-o, adorava-o e quando ia a passando, calhando haver
uma cafetaria era fatídico, entrava para uma bica escaldada.
Quanto à Arminda
sempre gostei dela por outro motivos, se bem que ela depois de casar com o senhor
Óscar se tenha enchido de brios e nem quando ele morreu ou mesmo depois de
ultrapassada a dor da perda me tenha voltado a querer. Hoje compreendo-a, o
senhor Óscar não deixara filhos, a mercearia enriquecera-o, se bem que já fosse
rico à data em que a fundara pois que para tal tinha adquirido o Palácio do
Farrobo* e, num golpe de sorte o estado veio a adquirir-lho para nele instalar o
actual edifício do Registo Civil e Tribunal tendo feito dele, Óscar, num golpe
de sorte e dum dia para o outro um homem rico. A mercearia veio a ser
inaugurada menos de cem metros mais abaixo, ou mais à frente, na vertente da Rua de Machede** virada para o pequeno Jardim do Bacalhau, na
verdade um muito melhor local que o inicialmente pensado Palácio do Farrobo. Anos mais tarde, após muitas sovas e cheia de filhos, Armandinha cedeu e, muitos dos eborenses se lembrarão ainda, o espaço foi por ela dado de arrendamento para loja de louça de barro que, à direita de quem subia a dita rua se manteve aberta durante quase duas décadas.
Era esta
riqueza ou esta herança que a Arminda acautelava, não se deixando levar nem tão
pouco por devaneios embriagados no mar de fardos de bacalhau por onde tantas vezes
vogámos. Um parêntesis para vos dar conta do meu melindre, já que a Arminda me
colocou de parte com receio que a viesse a enganar ou a tornar-me oportunista
por mor da herança dela, para no fim acabar nas mãos dum magala do Regimento de
Artilharia 16 que lhe batia e detestava o fiel amigo. Mas enfim,
arbitrariedades da vida. Gostar da Arminda teve sempre muito a ver com o facto
de eu adorar o olor das mercearias antigas, daquelas que tinham feijão e grão a
granel, e arroz, e açúcar, em cubas de madeira na loja e que demolhavam os
fardos de bacalhau, nesses tempos humedecido de propósito para pesar mais sendo
guardado num armazém das traseiras, bacalhau que depois um facalhão de eixo, tipo
guilhotina, articulado e preso ao mármore do balcão cortava em postas bem
pesadas.
Passados bem poucos
anos passeando-me eu pela baía de Luanda sou agarrado por trás com alguma violência
por um tipo que não demorei a identificar pelo cheiro, era o escurinho, o monhé, o menino Teles de
Menezes, o magala que arriava na Arminda e que fora mobilizado por castigo. Sempre
cheirara a caril dos sovacos. Esturrara grande parte da fortuna dela e numa
sova maior que lhe dera saíra-lhe a sentença em rifa. A queixosa fora directa ao comandante
da unidade que depois de aplicar um correctivo ao magala providenciou para que
ele entrasse nos eixos tendo-o despachado para a longínqua Angola… Antigamente
não havia condenação penal da violência doméstica é certo, mas existiam meios
muito mais expeditos de acabar com ela de um minuto para o outro, hoje a
democracia, os tribunais e os advogados enfernizam e eternizam tudo…
Foi assim que
a Arminda primeiro se viu livre de mim, um gaiato, para se entregar nas mãos de
um homem feito, com mais três ou quatro anos que eu, cinco no máximo, que por sua
vez fez dela uma mulher a sério, uma mulher com sofrimento e tudo, coisa de que
eu jamais teria sido capaz. Não me salvei porque nunca pensara converter-me de alma
e coração às delícias da Arminda, como sempre concordáramos nunca passou dum
devaneio de juventude, um amor de perdição pelo seu cheirinho a bacalhau, uma pele
tentadora e macia como grão-de-bico cozido e um hálito permanente a menta e a café. Sinceramente
nunca me vi como marçano, nem sequer sonhei com tal coisa, mas com a Arminda foi
outra loiça…
Uma postinha de pescada da melhor…
Uma postinha de pescada da melhor…
** http://monumentosdesaparecidos.blogspot.pt/2012/01/palacio-do-farrobo-evora.html
Jardim do Bacalhau