segunda-feira, 10 de abril de 2017

425 - JULGUEI-TE JÁ NO MONTE DE S. GENS *



JULGUEI-TE JÁ NO MONTE DE S. GENS  * …

Quem sabe um dia não lhe poriam Bento ? 
Ou Sofia ?


Esvoaçam gulosas as abelhas,
p’los campos e p’los montes,
elegendo lírios e flores de giesta,
num hino à vida, tal qual dois amantes.

Amantes para quem são um sonho os montes,
ou um monte, amor e uma cabana,
o devir, os momentos, os instantes,
onde descansem de sonho ou fantasia insana.

Até mesmo na cozinha, o pote, o mel,
finalmente crestado, lambido, xupado,
as cortinas das janelas um dossel,
a pele de carneiro baldaquino improvisado.

De joelhos se saciam no virgo néctar,
se embebedam, se enleiam, quais fiéis devotos,
cada um erguendo ao outro um altar,
mármore, 
mar de papoilas onde pousam gafanhotos.

Voam saciadas as abelhas,
sulcando as terras,
p’los montes e p’los campos,
par a par, olhando-se, parelha
rasgando horizontes amplos.

E quem sabe, um dia, 
se desse enxerto nascerá rebento,
chamado Bento,
ou da enxertia uma menina, 
a quem poriam Sofia. 

* Humberto Baião - Évora, 7 de Abril de 2017



domingo, 26 de março de 2017

000424 - MASSAGEM DE RECUPERAÇÃO...............


... Voltando a Júlia, voltamos a Júlia no sentido de observar o que faz ultrapassado o repúdio por Delfina, vamos encontrá-la bebendo um cacau quente na cozinha da pensão do Chiado antes de deitar-se, banho tomado, pantufas, pijama de verão et negligé, quando vindo de volta tardia surge aparecido não se sabe de onde um tal Benvindo e que mal entrou, vendo-a pessimamente sentada, não se contendo lhe disse:

- Menina, perdoe-me mas isso não é posição para estar à mesa nem para estar sentada, ou devo dizer minha senhora ?

Júlia virou a cara e olhou-o medindo-o dos pés à cabeça enquanto ele amenizava a entrada e se apresentava, Floriano Benvindo, enfermeiro de recuperação, às suas ordens, e que em boa verdade logrou a tranquilidade pretendida, ela acalmou o íntimo, perguntou se era hóspede novo ao que ele respondeu, novo sou mas já há umas seis ou sete semanas, tendo-se ela penitenciado por não ter dado por tal, a profissão sugá-la-ia, exigia-lhe muito, talvez demais, mais a mais estava na origem daquela posição estrambólica, a coluna toda torcida admitia, mas era o modo de sentir menos dores, estava mortinha por se deitar e tirar-se o peso de cima, de cima da coluna esclareça-se, tendo-se ele condoído, aproximado e, colocando-lhe as mãos sobre os ombros com os polegares apontados para nuca lhe perguntou:

 - Posso ?

         E quando do posso já as suas mãos de fada ou de mago a massajavam ligeira e levemente, ela sentiu de repente o alívio, sorriu para dentro, depois para fora soltando uma gargalhada e:

 - Isso faz mesmo efeito, e eu que não acreditava.

         Pelo que ele, deixe-se estar, solte-se não se contraia nem enerve, o stress retesa os músculos e ao fim do dia é natural que lhe doam, ela aliviada e agradecida tombou a cabeça sobre a mão dele, que deslocou as caricias para os cabelos que devagar devagarinho lhe afagou com os dedos em pente, a ponta dos ditos massajando-lhe o couro cabeludo, nada de admirar, enfermeiro de recuperação, digo fisioterapia, artista nas massagens, um perigo em certos dias, mormente em dias como hoje em que Júlia carrega consigo maior disposição para o abandono e está naqueles dias do mês que antecedem a TPM, logo mais receptiva, de espírito mais aberto à aceitação de novas experiências, daí a cabeça deixada cair não casualmente, não inadvertidamente mas premeditadamente, lubricamente, uma raposa cercando a presa, levando o Benvindo a ir, ou a vir, mas fazendo-o acreditar ter indo ou vindo pelo seu pé, quando não passou de uma marioneta que Júlia manobra através de fios invisíveis habilmente manipulados e mais valia que o pobre Benvindo quer vá quer venha se chamasse Roberto, Robertinho, como o teatrinho de fantoches em que ela o está a enfiar, a meter, a introduzir, não, nenhuma destas palavras pois carregam uma conotação fálica nada despicienda, vamos antes socorrer-nos de inserir, de qualquer modo ainda longe do vocabulário ideal mas mais profilático, o ideal será encontrar a palavra certa, a indicada, a precisa, precisa no sentido de perfeita, já que o vocabulário português é rico, riquíssimo de sinónimos, contudo tal qual no caso das chaves existirá uma para cada fechadura também agora existirá uma palavra mais atinada à situação e nesta seria avisado utilizar prioritariamente persuadir pois é disso que se trata, Júlia, jovem, madura mulher, sente o apelo da selva e tece pacientemente a sua teia, a teia onde ele jovem e maduro macho deixará de pensar e cairá, portanto trata-se de o persuadir a percorrer o caminho até ela, até à sua teia, e mais que apontar-lho, sugerir-lho por meio de gestos, atitudes, ações subreptícias, trejeitos em que as fêmeas são mestras e apuraram ao longo de milhares ou milhões de anos e que o cegarão até ser trespassado pela vontade delas, pelo desejo delas, tudo tão bem premeditado, conduzido, orquestrado e encenado que no final ele julgará que a trespassou a ela com o seu falo viril e desembestado, puro engano, ele nem viu a gigantesca estratégia que ela montara em seu redor envolvendo-o numa nuvem de feromonas as quais, de mãos dadas com as suas próprias hormonas o levaram ao cadafalso se cadafalso lhe podemos chamar, coisa tão boa pela qual todos suspiram e dão ais mas, voltando aos nossos pombinhos que brincam aos doentes e aos médicos, ou enfermeiros para o caso não interessa e nem pensem vir com conversa escusada um momento destes, um momento em que ela, matreira, diligenciará para que negligentemente o negligê lhe caia dos ombros deixando-os quase nus e ele possa livremente exercer o seu mister, a sua arte, e agora a cabeça que lhe tende para o outro lado enquanto solta uns suspiros, uns ais, é certeiro, não dissera eu? Ele embala, um suspiro daqueles é satisfação, é convite, não hesita nem teme, aquilo foi consentimento, encorajamento talvez, vai avançando cautelosamente, apalpando o terreno, medindo cada passo, não quer sair de terra firme, ela dá uma gargalhadinha e descontrai os braços, assim já ele poderá meter as mãos por baixo deles e chegar onde sabemos, ele contorce-se, o corpo cresce-lhe e já não lhe cabe onde o guardava, debruça-se sobre ela, beija-lhe os cabelos, sem o saber inspira-lhe profundamente as feromonas, bichinhos invisíveis que as fêmeas soltam aos milhões e se nos apoderam do cérebro, tomam conta da razão e adoram altas velocidades, ruboriza e sente-o, são as hormonas aos saltos mas nem ele Benvindo enfermeiro experiente agora dá por isso, ou dá mas não está capaz de somar dois mais dois, ela ergue-se, ele acompanha as linhas do seu corpo dos ombros às ancas, demora-se mas não pára na cintura fina para que ela sinta quanto ele aprecia a sua beleza, é esbelta Júlia, mas apressemo-nos e deixemos isso agora pois já as mãos dele sobem sequiosas aos sovacos, dali para o peito, puxa-a para si sopesando-lhe os seios, arfando hirtos, os biquinhos que ele tacteia com quanto carinho lhe é possível e o momento lhe consente porque um turbilhão tomou conta deles que se viram um para o outro que se abraçam que se beijam, tombam a cadeira em que ela se sentara, avançam para os quartos tal qual um caranguejo que anda aos tropeções, ou de arrecuas, ou de lado, deixemos a natureza cumprir o seu papel, centrem a fita, intervalo, desce o pano, é hora de fazermos um intervalo, de desentorpecermos as pernas, ir ao bar beber uma mini com umas pevides, fumar um cigarro ou beber uma bica, dois dedos de conversa, descer aos lavabos e dar uma mijinha antes de embarcar na segunda parte em que a cena abre simplesmente como é sabido de todos, os dois debaixo de um alvo lençol braços de fora, fumando um cigarro e desenroscando lentamente conversa cautelosa e ternurenta.

- De onde és tu meu lindo e querido garanhão ? De onde apareceste Apolo ?

- Sou Alentejano de Monsaraz, nasci naquela vilazinha bonitinha rodeada de mar, das águas de Alqueva, e tu minha princesa, ou devo chamar-te Deusa ? ...


quarta-feira, 22 de março de 2017

423 - DUM SÓ GOLPE, COMO A UMA GALINHA *

  Eles

Cumprira a missão de que fora incumbido, não desiludira quem nele confiara, só isso poderia explicar o seu ar feliz, morreu nos meus braços e juro que nunca vira, nem voltei a ver, tão lindo morto, tão feliz morto. Morto mas feliz, e se eu vi gente morrer, e morta… Chorei claro, não sem antes ter gritado umas quantas ordens, mas chorei.

Naquele tempo, situação e lugar não havia nem houve nunca autópsias, nem o feliz morto a teve, mais a mais sabia-se do que tinha falecido, exaustão e desidratação. O soba ordenou a meia dúzia de homens que providenciassem o enterro e designou mais dois que levassem à família e aldeia do morto a triste nova e, descontada a azáfama causada pelas notícias por ele trazidas e que originaram um pandemónio, a vida continuou. 

Também ali havia que enterrar os mortos e cuidar dos vivos, não sendo banal a morte era contudo uma coisa normal, com a qual todos nascemos como nascemos com cor nos olhos, não se saber quando chegará só nos alivia e apimenta a vida, não nos exime dela, morte. Como disse não era banal morrer-se, sendo até muito chorada e lamentada qualquer morte, porém jamais temida. Como se pode temer algo que temos certo desde o primeiro minuto, desde o primeiro choro, desde o primeiro grito ?

Sessenta dos melhores de entre nós voluntariámo-nos para aquela missão, “Galinha do Mato” era uma missão arriscada mas imprescindível, essencial à nossa sobrevivência colectiva, do seu êxito dependeria o bem-estar futuro e a vida de todos na aldeia. Com o passar do tempo os recontros recrudesceram de intensidade deixando há muito de ser recontros para tomarem a regularidade e a dimensão de confrontos, urgia portanto acautelar, prever, assegurar, prevenir, garantir uma posição forte, e todos tinham ouvido bem, eram expectáveis entre dez a vinte por cento de baixas, feridos graves teriam que ser deixados ao seu próprio cuidado, Deus e o destino saberiam que fazer, seria uma operação temerária e, por certo implacavelmente perseguidos na retirada, todavia a vida tem destas coisas, força-nos a estas opções, a vida é feita de escolhas, escolhemos a segurança de todos, a segurança da aldeia, o preço poderá ser alto, só quero a meu lado quem esteja disposto a pagá-lo se necessário.

Não que por esses dias se morresse feliz, mas a morte era companheira diária e inseparável, estava presente em tudo que fazíamos, por isso nunca se pisava em falso, tudo era previsto, antecipado, estudado, planeado, e a estratégia decidida. Cada um sabia exactamente o que fazer e o que dele se pretendia, e todos conheciam o objectivo final e comum, todos sabiam que se arriscavam para o mesmo fim, o bem comum, o bem de todos, sabia-se por que se morria caso se morresse, e como tal ninguém dava um passo em falso, ninguém se desviava do plano traçado, a sorte de cada um dependia de todos e a de todos estava nas mãos de cada um.

A marcha fora penosa, no deserto caminhámos de noite descansando de dia, ao sexto dia parámos, teria que ser dado descanso ao corpo antes de lhe exigirmos o máximo, e limpar armas, rever planos, mandar batedores, esperá-los e ouvi-los, recapitular tudo de novo e de acordo com as novas por eles trazidas, sopesar as forças em presença, redefinir estratégias e tácticas, assinalar alvos e perigos prioritários, combinar uma saída de escape para fuga ou retirada, comer e beber q.b. e dormir antes do esforço final.

Toda a semana caminháramos a pé, numa operação daquele melindre veículos podiam ter-nos traído, são difíceis de esconder, são observados a longa distância e deixam rastos visíveis do ar, deixam fumos, óleos, sobretudo “gritam” mal sejam tocados por qualquer radar, por isso preferimos a marcha, mesmo carregados, e agora tratava-se também de limpar, olear e municiar as armas, ao sétimo dia esperáva-nos um trabalho de monta, o Senhor tinha descansado, mas cabia-nos fazer um bom trabalho nesse dia em que Ele decerto teria os olhos colocados em nós, como tal cada um recolheu-se em si mesmo e rezou as suas orações.
Vós

O regresso dos batedores constituiu uma surpresa de arromba, nada, não havia nada, nem um poste de pé, o próprio vento apagara todas as marcas, só a areia e a terra do chão, ainda empapadas em óleos assinalava o lugar, não fora isso e ninguém diria ter existido ali uma base do SAA, uma base perigosa, uma base ofensiva, uma base de onde partiam todas as surtidas que a nossa aldeia e todo o sul tinham sofrido no último ano. A desolação foi total, mas foi debaixo dela que o regresso se fez, por razões que todos compreenderão esta caminhada pareceu maior e mais cansativa.

Ao sétimo dia do regresso encontrávamo-nos a uma légua da aldeia quando amanheceu, e de imediato toda a gente pôde ver a dispersa mas alta coluna de fumo que se erguia para a sua banda, um batedor esclareceu, «aquilo ser fumo velho, ser fumo com dois dia, dois pa três pá», entreolhámo-nos e num ápice carregámos mochilas e tudo que havia a carregar, o pequeno-almoço ficaria para depois, por agora era meter uma bucha para enganar a fome e dar corda aos sapatos.
Eles

Quanto mais nos aproximávamos maior era a devastação visível, o panorama, a aldeia fora alvo de um ataque em peso na nossa ausência, da aldeia e do aquartelamento nada restava em pé, a brutalidade do ataque tinha apanhado todos completamente de surpresa, tinha sido uma autêntica chacina, pelo calibre dos cartuchos hélicanhões tinham participado, nem foram respeitados velhos nem mulheres, nem crianças e, quando conseguimos efectuar uma contagem minimamente credível calculámos duzentos e quarenta, havia corpos irreconhecíveis, partes de corpos, bocados aleatórios espalhados por toda a parte, era impossível contabiliza-los tal o modo como alguns ficaram, andei quase um mês passado da mioleira, inda assim faltariam cerca de vinte pessoas, teriam tido tempo de fugir ? E porque não regressaram já ?

A vida convive diariamente com a morte, é para a vida que devemos preparar-nos por ser ela o milagre, a morte está certa, pode surgir com mais pressa, ou mais vagar, estar demorada, mas é garantidamente a única certeza e garantia que a vida nos consente. Desperdiçar a vida e temer a morte é um absurdo. Meses atrás aquele negro que em meus braços recebera uma morte feliz salvara-nos a todos, durante dois dias correu para nos avisar, todos lhe ficámos devedores da vida, devido a si o acampamento fora desmontado e abandonado, e quando alguém viera da mata por nós tivera uma desilusão tão grande quão a nossa meia dúzia de dias atrás, encontrara a aldeia deserta, abandonada. Mas desta vez ninguém soubera, ninguém correra a avisar, a matança fora pérfida e excepcionalmente bem planeada. 

A vida é isto, quantas vezes me lembro que se estou vivo o devo a essa grande derrota e desilusão que sofri, eu e mais cinquenta e nove, viver é manter a morte numa corda bamba, a vida é um fluxo, um refluxo, poucos pensam nela mas deviam pensar, muitos pensam na morte quando precisamente esses deviam esquecê-la, descansar, ignorar o devir…

Naturalmente logo houve quem garantisse ter eu uma estrelinha, que já fora a uma guerra e saíra dela vivo, que haverá gente para quem a estrelinha não brilhe tanto como a minha. Gente há que me achará maluco, que achará andar eu ainda passado da mioleira, porém sou bastante certinho e confiável, quero dizer que podeis confiar em mim, que sou pessoa de palavra, normal, sem taras, ainda penso antes de agir, planeio as coisas, não avanço às cegas, prevejo, penso, medito e decido, só depois ajo, e não me afasto um milímetro do que planeei.

Ok, concedo não ser fácil, nem eu caso único, há bué de pessoas que o conseguem, ainda assim entendo que não devemos ser tão rígidos quanto a enfrentar a morte, sim, para alguns será mais fácil enfrentar um exército com uma arma nos braços, para outros puro terror. Como tudo na vida a coragem perante a morte aprende-se, como se aprende a calma, aprende-se e cultiva-se ao longo de uma vida, através da experiência, da sabedoria, da leitura, porque no que concerne à morte, a única coisa que te permitirá será regatear e impor-lhe digidade, a morte aceita-se ou não, nunca será uma questão do momento mas de atitude, sempre foi e será uma questão de atitude perante a vida. 

Carpe diem.

Nós

terça-feira, 21 de março de 2017

422- NOS BRAÇOS DE DAMIÃO COSME.................


O que é e que força tem um braço, ou um de ferro, digo um braço de ferro, ou um abraço, que tamanho, que alcance ? Fiquei matutando nisto depois da Moura, rindo, ter dito darem os meus braços quase  duas voltas em seu redor. O efeito desses abraços já o sei, ela faz-se pequenina, encolhe-se, de modo que o meu amplexo quase a submerge. Magrinha, pequenina, fazendo-se leve levezinha, sente-se segura na minha conchinha diz ela, e raro será não a levar nos braços quando tal acontece, depois, na cama larga, mete o nariz debaixo do meu sovaco ou no meu pescoço e, fechando os olhos esconde-se.

Ficara alegre quando a deixei ao sol na varanda, com a Cuca  lambendo-se junto aos vasos de Physalis, Uva Crisp, framboesas e morangueiros, as suas últimas coqueluches. Ela ao sol e eu fugindo dele, mudei-me para o lado direito da fila de bancos onde o sol não castigava inda que fosse cedo. A viagem até ao sul demoraria umas três horas, ou mais, tempo suficiente para ficar esturrado caso não me acautelasse. Ali ia eu embalado pelo doce balanço da carruagem, o comboio já não cantava pouca-terra- pouca-terra- pouca-terra, nem acusava o toque-toque do passar dos carris, pois não se ouvia, mas o balanço ficara, seria por isso que lhe chamavam pendular ? Fosse ou não por isso eu resistia ao balançar e à sonolência, olhos fechados, pernas esticadas, a mente agarrada à admiração da Moura pela extensão dos meus braços, pela extensão ou pelo aconchego, curioso é também o limite onde com ela chego, quase quase no limits.

Campos, vacas, ovelhas, cabras, um cão e um pastor, um pastor chamado David, reza a história ter dado uma coça num tal Golias, um grandalhão, uma coça é como quem diz, foi mais uma chapada psicológica, com mão, chegou-lhe as mãos à cara digo eu, porque segundo parece foi o braço que lhe valeu, o braço, um braço comprido, a funda e uma pedra com a qual segundo testemunhos lhe vazou um olho, seria no meio da testa, teria sido, seria o gigante um ciclope ? O certo é que o grandalhão tombou, grandes braços devia ter aquele David, e fortes.

Sim, que isto da força com que a pedra é arremessada depende muito dela, do seu peso, mais que da sua forma, do comprimento da funda e naturalmente do comprimento do braço, alavanca e fulcro, lembram-se ? A força que a funda aproveita é a mesma que afasta os planetas que o sol segura e Newton explicou, simplesmente física aplicada, física e pontaria, treino, a funda tornada uma simples extensão do braço, quão extenso ? Vinte, trinta metros, menos ? De qualquer modo mais que a lança do homem pré-histórico que teria no máximo dois metros, dois e meio, inda assim melhor que somente o braço, um metro o braço não ?

Melhor que a descoberta, aproveitamento ou invenção do fogo pelo homem de Neandertal foi a invenção do arco e da flecha, que alcance tem um braço armado com um arco, alcance útil, certeiro, que abata uma fera, um animal, uma ave, quinze metros ? Não seria mau não, talvez as próteses para o braço tenham começado por aí, pela lança, pela funda, pelo arco e flecha, depois a cana de pesca, a besta, a catapulta, a espada, menor distância mas mais prática, mais eficiente em determinados cenários, tão eficiente que os romanos a encurtaram, tornaram bastante curto o gládio, mais manobrável, mais mortífero, mais eficiente, mais apropriado, permitindo um melhor desempenho, incutindo maior despacho à empreitada.

Abraçada a mim como costuma abraçar-me nunca eu seria capaz de atingir a Moura com uma lança, muito menos com uma flecha, dificilmente com uma espada, mas com um gládio seria trigo limpo, era só puxar a culatra atrás, perdão o braço, recuar o cotovelo e apontar-lho, o gládio, avançá-lo e senti-lo entrando-lhe pelas entranhas, pelo ventre macio, mole, não tem barriga a Moura, Deus me perdoe, olha para o que me deu o sono, trespassar a Moura, não que nunca a tenha trespassado, mas noutros sonhos, noutras aventuras, adoro aquela miúda, magrinha, pequenina, levezinha.

É curioso, agora que penso nisto concluo que toda a nossa evolução mais não tem sido que um esforço enorme em estender o braço, em chegar mais longe, chegar onde os outros não cheguem, o longo braço da lei, o braço da morte, o braço do terrorismo, até do terrorismo de estado, a verdade é que quanto mais longo o braço mais gente morre, mais gente morta, mais e mais depressa, mais eficientemente, com maior rentabilidade, rendibilidade, no fundo trata-se de ser ou não ser competitivo e de fazer render o braço, o comprimento do braço.

Os meus braços são mais curtos mas chegam onde chegam os teus, sussurra-me por vezes a Moura encavalitada em mim, abraçada a mim, o peito pressionando-me as costas, aquecendo-me, mimando-me, depois na ponta do braço a mão percorrendo-me, agarrando-me e reinando comigo, pouca-terra- pouca-terra- pouca-terra, como se tivesse na mão um brinquedo, um comboio a vapor, até lhe sentir o xxxxxxsssssss, como se uma válvula libertando a pressão, expelindo vapor, soprando, apitando, ela rindo, eu doida, doidinha, sim, os braços dela chegam onde chegam os meus, os braços e as mãos, compridas, espalmadas, magras, de unhas cuidadas, umas vezes encarnadas outras vermelhas.

O braço da justiça, o braço da Moura, o braço do amor, o barco do amor, bem e depois, depois da alabarda seguiu-se a pólvora, o mosquete, o canhão, o fuzil, o rifle, a carabina, a metralhadora, o revólver, a pistola, e a tudo isto meteram rodas, ou asas, ou meteram tudo isto num barco, num submarino, Neil Armstrong (Nelo Braçoscompridos) o primeiro homem na lua, o comprido braço da ciência empunhando um V1, ou V2, e Titans, e Saturnos, o meu braço é maior que o teu, mas eu mijo mais longe, e eu mais alto, isto enquanto outros simplesmente se mijam, ou se fodem.

Coimbra, este comboio descendente já deve ir a meio da jornada, jornada ou caminhada, é relativo, tudo é relativo pois foi isso mesmo que disse Einstein, e dispensou os Armstrongs, mas não os V1 nem os V2, nem os Titans, nem os Saturnos, nem a balística, não lhes deu asas mas deu-lhes átomos, átomos e núcleos, neutrões, neutrinos, protões, positrões, tudo capaz de nos apertar os colhões em segundos, e agora  ? Agora ou sim ou sopas, dez marcas de tabaco em trinta segundos, quem diz marcas de tabaco diz de automóveis, ou de cervejas, estamos agarrados pelos tomates, não abraçados nem mimados, mas fodidos percebem ?

Entroncamento, dois terços do caminho feitos, percorridos, andados, entroncamento, cruzamento, púbis, umbigo, adoro beijá-la no ventre, liso, a pele macia, fofinha, cheirosinha, primavera, maçãs verdes, flores, lindos campos, sol, tulipas, lírios, tulipas não, tulipas são as que ela gosta ter à cabeceira numa jarra, numa floreira, à mão, para me oferecer quand je arrive, quando me abraça, e só larga ao despir-se, despe-se sempre com pressa, a correr, como se os dias, e os braços, tivessem fim…

Aproximamo-nos da Funcheira, o comboio soluça e pára num estertor, olho pela janela os campos reverberando, resplandecentes, a uma sombra dois cavalos, uma charrete, alguém segura um pano, um panejão onde se lê “Damião Cosme”, sou eu, esperam-me, óptimo, uma rodada de abraços e pomo-nos a caminho, chegarei a tempo de jantar. 


segunda-feira, 20 de março de 2017

421 - UM CAMPO DA COR DOS TEUS OLHOS ...


              UM CAMPO DA COR DOS TEUS OLHOS ...

Gostava levar-te onde o campo fosse da cor dos teus olhos,
e não houvesse besouros assustando-te,
nem vento sibilante despenteando-te.

Só nós dois, olhos nos olhos,
coração no coração,
pele com pele,
emoção.

Delírio entre os lírios do campo,
onde houvesse giestas e flores de colorida pétalas,
e voassem abelhas sobre o mel e as colmeias,
inebriando-me o teu olor florido de maçã.

E tu, uma flor aberta,
me oferecesses essa flor, um ramo, um ramalhete,
deixando-me alegre, girando como torniquete,
ébrio e feliz,
farto, satisfeito, peito pleno, plexo, amplexo.

Pele com pele,
peito com peito,
coração com coração,
coração no coração,
batida, batimento, vida,
minha vida,

tu …




Humberto Baião - Évora, segunda feira, 20-03-2017 - 15:17h