sexta-feira, 7 de julho de 2017

000443 - EU ADORO AQUELES OLHOS * ................

  Stevie Ryan, eu adorava estes olhos  :/  R. I. P.  



Escolhi aquele ramo porque era espampanante, tinha muitas e variegadas flores, multicoloridas, não tendo sido caro, o que parecendo que não nos tempos que correm também conta, não sei dizer-vos se havia alguma promoção, lembro vagamente a recomendação da florista para que não lhes faltasse com água e ainda recordo que ao segundo dia lhes começaram caindo as pétalas.

Talvez fossem flores com alguns dias de colhidas, ou recentemente retiradas de alguma estufa e vendidas baratas para mais facilmente as despacharem, talvez, mas no momento estava mais preocupado com o que me restava fazer e para o que não me sobrava tempo, no entreacto tentava fazer com que ela me percebesse, enquanto a cabeça gizava todos estes pensamentos em catadupa, daí que quanto mais pretendesse explicar-me mais confusa ela ficasse, até devido à gaguez, ora se há coisa que nunca tenha sido foi gago, mas o olhar insistente dela estava a enredar-me, a atrapalhar-me, e como um vulcão arrancava-me das entranhas recordações felizes mas esquecidas, e insistia, parecendo esboçar um sorriso ante a minha confusa trapalhice, mas como não se ela insistia olhar-me com aquele olhar estrábico que, tal qual há quarenta anos um olhar assim me destrambelhara, nos idos de 73... 

Foi como se eu tivesse voltado hoje ao mesmíssimo dilema, seria para mim que ela olhava e sorria ou seria para o cliente aguardando vez a meu lado ? Também estes olhos eram lindos e espelho de uma alma pura, mas seriam eles igualmente e deveras enganadores ?


Há bem mais de quarenta anos atrás eu sentira-me confundido, atrapalhado, enganado, porém era mais novo, um jovem curioso e apaixonado, curioso e corajoso, disposto a descobrir o que se escondia por detrás daqueles outros olhos que em simultâneo nos cativavam e iludiam, porque sim, porque a verdade é que também eu fora ao engano naquele baile em que me pareceu ela não tirar os olhos de mim, de mim ou do Bernardo que se encontrava a meu lado, na galhofa, e às tantas me sussurrou na voz rumorejada que era a dele:

- Baião, vai tu à estrábica que eu vou-me à mamalhuda sentada ao lado dela.

e quando a música arrancou assim fizemos, inda que eu tenha sofrido um choque ao aproximar-me pois não tinha ainda chegado perto e já ela se levantava surpreendendo-me. Primeiro chocara-me por não compreender a razão pela qual se levantara ela quando eu ainda nem lhe pedira para dançar, depois por ter tido uma daquelas repentinas crises de auto-estima e ciumeira ao não conseguir olhá-la nos olhos pois que ao fazê-lo senti assaltar-me o dilema da rejeição, ela olhava para mim ou para o Bernardo que avançava a meu lado embora dois passos atrás ? É certo que pelo menos um dos seus lindos olhos me fitava expectante e convidativo, mas o outro parecia contradizer de todo a leitura que eu fazia do primeiro.

Porém era tarde para parar ou desistir, e soltando um lamento e um apelo mais parecido com o rumorejar do falar do Bernardo lá consegui balbuciar um:

- A menina dança ?

Pareceu-me ela ter respondido que sim, contudo estendeu o braço na direcção do Bernardo, que avançara entretanto os dois passos que o separavam de mim. Recordo perfeitamente ter pensado o pior que fui capaz, puta que a pariu pensei eu enquanto os dentes se me cerravam e o rubor me subia às faces alimentado por um sentimento de raiva todavia sustida ao sentir a sua outra mão, e o seu outro braço cingindo-me pela cintura, enquanto a meu lado o Bernardo se aventurava com a mamalhuda, aliás uma óptima rapariga a Olívia, que já lhe deu três rebentos e quatro décadas de felicidade, comemorados no dia em que a sua segunda netinha veio ao mundo.


Quer porque ele se ajeitasse no regaço ou ao peito da Olívia, ou porque a banda tivesse soltado um I Love You mais forte, a verdade é que me dera um encontrão que acabou de vez com as dúvidas tidas e me colocou sem equívocos nos braços da Mariazinha, o resto foi acertar o passo ou os passos, para que não nos pisássemos, cuidado que ainda mantemos e partilhamos como nesse primeiro dia.

Passados alguns anos vim finalmente a saber que não, que ela nem olhara nem estendera o braço na direcção do Bernardo, que sempre me amara desde a primeira hora, simplesmente antes de corrigir o estrabismo, na década de oitenta, consultáramos com êxito um excelso optometrista de Badajoz, um dos braços tinha tendência a seguir o movimento do olho torto, daí a confusão que se gerara na minha mente, ela avançara firme e decididamente na minha direcção, há meses que esperava por mim, há anos jurou-me, ainda que o braço, pelo motivo exposto tivesse erradamente apontado à esquerda.


Acreditei nela e perdoei-lhe, mas fora eu quem se mexera na busca do especialista de Badajoz, não gosto de dúvidas, prefiro certezas. Dessa equivocada certeza nasceu este exemplar amor, comemoraremos dentro de dias o nosso quadragésimo aniversário de casados, é certo que ela não tem as mamas da Olívia mas em compensação tem-me igualmente feito feliz, e tem um olhar e uns olhos lindos, amendoados, e lá no fundo, lá bem no fundo dos olhos, quando lhe espreito a alma, consigo ver ainda a beleza do estrabismo que me levara ao engano nesses olhos encantadores, arrebatadores, amorosamente dúplices, sensualmente dúbios, que ainda me iludem e cativam.



quarta-feira, 21 de junho de 2017

442 - SÓ NÉSCIOS Ó FIGUEIRA DE OLIVEIRA ...


Népia dissera eu, néscia entendeu ela, e vai daí cortou-me da sua longa lista de amigos repentinamente, sem mais nem menos, sem sequer ter sido eu a pegar fogo à floresta de Pedrogão. Não perdi nada por ser uma daquelas pessoas que nem estão para perder tempo ouvindo os outros, nascem já cheiinhas de certezas, de razões muitas, e muitos mais preconceitos ainda, uma tristeza, vivem prisioneiras das suas próprias convicções não dando pelas mudanças no mundo que as cerca, esta fez-me lembrar aquela história dos chinocas e da muralha, é o oposto de uma amiga que tenho ali para os lados de Azeitão, Arrábida ou Quinta do Conde, uma pexita que contesta tudo, reclama por tudo e por nada e, inacreditavelmente é uma optimista do caraças, pode haver maior contradição ?

Ah ! E acusa-me a mim de pessimismo e catastrofismo, fazendo-o com uma ligeireza que até um homem habituado a emborcar Moscatel dificilmente superará, pode lá ser ? Há dias lançou-me um desafio, colocar eu só notícias boas na minha página, boas notícias, notícias positivas, de louvar, de enaltecer, encomiar as coisas, não o desafio que me atirou porque:

Um – Como dizia um comandante que em tempos tive, no que está bem não se mexe, não vale a pena avaliar, falar de ou sobre, não vale a pena o tempo perdido com o que esteja bem, está bem está bem, e adiante, ou em frente que atrás vem gente, como diria a minha amiga Duarte.  

Dois – É com o que não esteja bem que deveremos preocupar-nos, sendo com isso que valha a pena perder tempo pois será tempo ganho, mas deixem que vos faça aqui um parêntesis como se fosse um marinheiro, já que ela vive á beira-mar, à beira da costa, e me interrogue qual a razão pela qual não sendo ela uma pessoa excepcionalmente bem-sucedida, tem problemas que apregoa aos quatro ventos e não fui eu que os andei cuscando, tem dores nas costas, no pescoço, nos joelhos, nos braços, nos artelhos, nas articulações e nos dedos dos pés, repito uma vez mais ser ela própria quem se queixa aos quatro ventos, não andei espreitando a sua ficha médica. Mas voltando à vaca fria, como pode uma pessoa tão optimista mas tão carregadinha de azares recomendar-me uma atitude positiva ? Nunca se terá questionado a si mesma?

Sou um homem feliz, não me considero resignado nem formatado, sou um cidadão informado e interessado, participativo, motivado, gozo de boa saúde, e não sendo um homem rico considero-me um rico homem. Vivo em paz comigo mesmo e a verdade é que devo tudo isso a um treino aperfeiçoado desde mui cedo, que passa essencialmente por não perder tempo com o que não valha a pena nem com o que esteja bem, a não ser um breve instante de confirmação a fim de evitar desilusões futuras ou percalços em que o tiro possa sair pela culatra. Não sou rico mas também não foi com o intuito de enriquecer que fui treinado ou formado.

Grosso modo fui educado para avaliar situações, e avaliar é ponderar a sua lógica, a sua razoabilidade, o seu contexto, inferir dos perigos escondidos, aquilatar dos esforços e meios necessários para atingir cada objectivo, pensar que percurso e cronologia melhor se adaptam aos fins, apreciar a viabilidade, o custo, o risco e o proveito para que no fim, apurado o saldo, se deduza do interesse ou da vantagem, da possibilidade ou inviabilidade nas e das dificuldades, e tudo isto à priori, nunca depois da cagada feita que é o mesmo que dizer depois de metido o pé na bosta.

Naturalmente, quando no fulgor da lareira e da excitação que o Santo António lhe provocou, ela me sugeriu que casássemos logo ali ante o apóstolo evangelista pregador das Testemunhas de Jeová, que também gozava a noite, eu fiz uma rápida mas adequada avaliação da situação e, atendendo a que a vida nem sempre é como a queremos ou desejamos, e crendo que todo o momento pode ser uma oportunidade de superação, de renovação, uma oportunidade de recomeçar, de mudar, pensando em mim e no meu potencial de realização pessoal, sabendo porém como sei que nem tudo que luz é ouro, relembrando erros, asneiras, vitórias e sucessos passados, em especial as decisões que há mais de quarenta anos me garantiram a sobrevivência, a mim e aos homens e mulheres sob o meu comando, não pude deixar de tomar a deliberação adequada e, como nos momentos cruciais, de perigo, uma sentença alicerçada num juízo ancorado na intrépida coragem que sempre me caracterizou e ao longo de anos me fizera ganhar a confiança das gentes sob minha responsabilidade. Tomando o ar mais compungido que pude lhe respondi que um dia falaríamos nisso mas não agora, pois agora e se ela não se importasse eu me retiraria, de momento encontrava-me acossado por forte cólica renal, de tal modo que nem me permitia pensar claro.

E assim me furtei a desgraçar duas casas de família que isto há coisas em que um homem tem forçosamente que armar-se em egoísta confesso, e nada melhor que trazê-las pensadas e na ponta da língua… Naturalmente quando critico uma situação sei o que critico, já avaliei prós e contras, contexto, meios e fins, já tenho uma solução a propor, um modo e os passos correctos para processar essa resolução, definidas as acções a tomar quer a montante quer a jusante, relembrando que, em cima do joelho, ou nos joelhos, só devemos fazer uma coisa que toda a gente sabe e me escuso de desenvolver aqui. É assim ou não é ó Oliveira da Figueira ?


segunda-feira, 19 de junho de 2017

441 - METE-LHE CUSPINHO NA PONTA *...............


“Brigadeiro e adido militar, o Chino deve andar agora perto dos setenta anos, mas não parece, os pretos enganam a gente, mesmo com essa idade alguns quase não fazem rugas. Hoje levei-o a almoçar à minha terra, o grande lago deslumbrou-o. Conto-lhe das minhas primeiras paixões no varandil sobre a cisterna, diz-me constrangido que casara com Néli. Mostra-me uma fotografia de ambos tirada poucos meses antes dela falecer. Um grave problema de rins demasiado tarde associado a paludismo levara-a, um caso extremo e galopante. Ele também fora acometido pela malária mas safara-se devido a ser Major General e a saúde dos membros da forças armadas estar primeiro. De seguida emborcou instantânea e repetidamente dois copos de Reguengos reserva, o sorriso matreiro e os dentes brancos, impecáveis, voltaram-lhe à cara numa caricatura simultaneamente inebriada e feliz.

- É a vida, a vida não pára m'ermão.

Alargando os colarinhos, o cinto e os sapatos balbuciou algo como nunca se ter habituado a mais nada que não a farda. Fora guerrilheiro toda a vida, não conhecia mais que a guerra e a mata, nem tempo tivera para aprender uma letra, bem vistas as coisas tem mais cicatrizes que medalhas. Brindámos, rimo-nos do secretismo de antigamente. Agora o Facebook conhecia-nos todos os segredos. Não nos descobrira e juntara passados tantos anos ?

- Brindemos à savana, às picadas, ao Calaári, aos computadores, facebooks, internetes e MPLA ! … Propôs ele…

Ergui o copo recusando-me a brindar, ele sabia bem quais e desde quando vinham as minhas divergências e dissidências com o MPLA. *

- Se lá estivesses serias general ou brigadeiro m'ermão ! À tua !

Fingi nem o ter ouvido, olhei o lago e embrenhei-me no ensopado de cabrito, carne muito parecida à da pacaça observou ele, talvez sim, talvez não” … *

Afinal é Tenente-General o Chino, ficara nas FALA entre 1975 e 2002 mas já integrado nas FAA, onde deram entrada os guerrilheiros proeminentes dos antigos exércitos da UNITA, as FALA, e da FNLA, o ENLA , contribuindo para a mistela resultante as FAA.  Há cerca de um ano almocei com ele, mas somente agora soube o que então viera fazer a Évora... Não mo dissera por saber a minha reacção, tu doutor preto ? Estivera sob as minhas ordens de 1974 a 1978, uma boa peça... Estive com ele o ano passado, lembro este preto e surpreendo-me, pouco mas surpreendo-me, pouco por estar ligado ao governo, é Vice-chefe de qualquer  coisa, ainda há dois anos não sabiam uma letra  agora estão tirando um doutoramento, ele e o outro... Outra boa peça que conheci mas não comandei... 

Surpreendente esta faculdade está a facturar em grande, a fazer branqueamento, a branquear os pretos, uns párias, provavelmente assassinos, ou não os conhecesse eu... Não tarda enveredará pela lavagem de dinheiro, foi isto que pensei, mas porquê a nossa terra, porque aqui querem facturar a todo o custo... Esta crise está a encobrir o branqueamento dos angolanos endinheirados sob a capa da solidariedade, esta faculdade está a legitimar um regime corrupto e gente mais que duvidosa... A crise , a nossa crise e a ganância da faculdade, como é que alguém faz um doutoramento sem antes ter feito qualquer licenciatura ? Nem o nome sabiam assinar aqueles dois ! Molhavam o dedo numa almofada de carimbo e deixavam a impressão digital, agora preparam-se para ser futuros doutorados ! Nem sei se leve a notícia a sério… Acordos de formação entre nações e quem manda na nação deles são eles, as dificuldades são para os de cá, qualquer dia os de fora viverão cá melhor que os nacionais, vamos ver o que vai passar-se quando o dos Santos se passar, ai vou ver vou... A faculdade nem irá receber o que esperará, se calhar nem vai receber nada de nada.

O poder está na ponta das espingardas.... Aqueles dois nunca tiveram estabilidade nem vagar para aprenderem a ler e a escrever... Agora são generais e dentro de dias doutorados ... Em 1974 ainda lutavam na mata, nas fileiras da UNITA, eram guerrilheiros e um deles bom atirador de morteiros, depois de 74 e durante quase trinta anos foi a guerra civil, nos acordos de paz para a independência aceitaram integrar as fileiras das FAA, ou era isso ou teria sido mais que certo terem desaparecido do mapa no massacre de 27 de Maio de 1977, uma purga levada a cabo pelo MPLA e que decapitou UNITA e FNLA deixando um rasto de perto de cinquenta mil mortos ou desaparecidos, e nos últimos dias muito badalado na imprensa mercê da efeméride. **

Um professor retornado corrido de Angola após a independência dessa província ultramarina, ou colónia, serve de barriga de aluguer a estas manobras (declaração de interesse, foi professor do meu avô e, ao contrário do que sucedeu com alguns outros, a este nunca lhe viram um rasgo de inteligência) um outro docente, um académico dinamarquês deu algumas aulas aos pretinhos em inglês, isto para pretos que nem sabem falar correctamente português, outras sessões são orientadas por um outro professor português da faculdade que conhece bem os generais, já lhes dera aulas  no mestrado, portanto os pretos serão mestres, esta só pode ser para rir, e substituiu à última hora numa entrevista antecipadamente combinada o barriga de aluguer, que se recusou a aparecer, esta figura, um catedrático de História, angolano de nascimento e investigador da África Austral, pessoa responsável e nada ignorante daquilo em que anda metido, será o principal promotor, instigador e responsável desta parceria tipo telescola e, segundo ele próprio diz, por solidariedade e por ter alguma experiência da juventude (suponho que no contacto com os pretos), pois alegadamente terá vivido em Angola e em Moçambique, e como tal dispôs-se a levar avante este rentável, excelso e modelar projecto... 

           Provavelmente terá sido nos seus tempos de juventude um acérrimo crítico das politicas colonialistas do Estado Novo e de Salazar, porém não lhe noto agora pruridos em ombrear com um regime do mais corrupto que há ao cimo da terra, onde uma família e meia dúzia de afilhados escravizam todo um povo, vinte milhões de pobres numa população de vinte e cinco milhões. Nunca com o sistema colonialista os angolanos terão sido submetidos a igual pressão, a liberdade está a ficar-lhes cara, os angolanos nem ganham para relógios de quinhentos mil euros, muito menos para comprarem empresas um pouco por todo o mundo… Quanto ao resto, contradições de um catedrático ignorante da geopolítica africana da qual se diz expert, e mais ainda de geoestratégia africana ou até mesmo mundial, ou do contexto, do caldo de cultura marcial-social em que se formaram estas altas patentes, criadas na mata.

Em caso de dúvidas não me peçam esclarecimentos a mim, o Alentejo, o concelho e o distrito estão cheios de rádios locais, jornais locais e jornalistas locais, façam favor de se lhes dirigir, são esse que têm obrigação de informar ou infirmar, questionar, e em nome da população e do contribuinte perguntar para onde corre a faculdade, tão lesta a atrelar-se à EMBRAER, depois às tecnológicas do Grupo Nabeiro, e agora finalmente à cabeça de um projecto, na vanguarda, na liderança, liderando um projecto de parceria não com uma qualquer faculdade europeia de ponta mas com um projecto de telescola, ou tele-escolinha com uma faculdade angolana que de faculdade só terá o nome, diz-me com quem andas…

O Banco de Portugal reforçou, a partir de 16 de Fevereiro de 2014 as medidas destinadas a prevenir o branqueamento de capitais e a lavagem de dinheiro ou o financiamento do terrorismo. As transferências bancárias por multibanco ou Internet passaram também a ser alvo de vigilância. Os novos requisitos do supervisor impõem a identificação de todos os depositantes de numerário em contas de terceiros, e análise das operações para apurar se têm traços que as tornem suspeitas de esquemas ilícitos, o BdP veio também clarificar a extensão e o grau de responsabilidade dos órgãos de administração das instituições no que respeita à prevenção da utilização do sistema financeiro para branqueamento de capitais, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Contudo os bancos já fazem a comunicação ao procurador-geral da República e à UIF quando têm suspeitas, especialmente quanto às transferências bancárias com recurso a meios de comunicação à distância, multibanco e Internet. Nestes casos, os bancos identificam o ordenante e o beneficiário e verificam a veracidade dos dados pessoais, o que, a ser cumprida a legislação, me deixa mais descansado quanto ao futuro das negociatas em que a faculdade alegadamente parece andar envolvida, já não se trata de “vender” doutoramentos honoris causa, pode estar em causa muito mais que isso, felizmente existem jornais e jornalistas…

É que se dantes o poder estava na ponta das espingardas agora parece ter-se deslocado para mecanismos mais sofisticados, mais do uso de determinadas classes, fica claro que a luta de classes não mudou, quem mudou de campo foram os protagonistas, dantes mui democráticos e agora mais secretistas, e por que não dizê-lo, mais fascistas…


sexta-feira, 16 de junho de 2017

440-ONDE MIJA UM PORTUGUÊS MIJAM LOGO...

Recanto e antigo mictório à entrada da vila de Monsaraz.

Ficavam ali tagarelando olhando os poucos turistas, em especial as turistas, olhando, cuscando e cascando com vagar, sem pressas, cada frase maturada antes de ser dita, de tal modo que uma dúzia delas poderia ocupar-lhes uma manhã, uma tarde ou um serão. Eu ouvia-os, mais das vezes sem os entender completamente, mas entendia-lhes os trejeitos, o sibilino de uma ou outra frase, o riso contido e o desatado, a brejeirice e a malícia. Mais de uma década depois ouviria falar em etnocentrismo e egocentrismo, só então tendo percebido que a visão que dali se abarcava não ia tão longe quanto sempre pensara.

Os homens reuniam-se ali não para ver quanto a vista alcançasse ou para sonhar, antes para observarem sem questionarem tudo quanto por perto lhes fosse dado ver, e então viam, não analisavam, viam com os seus olhos de ver ao perto, buscando a sombra da manhã, da tarde, ou o fresco do serão, sentados sobre o murete existente no exterior da porta da vila, à sombra da torre da direita cujo arredondado consentia um recanto, vindo a jeito no espaço aberto daquele areópago sem nada atrás de que os homens pudessem aliviar-se, murete onde se sentavam como quem se senta nos degraus da porta de casa, nem pensando na vida, simplesmente distendendo as pernas, descomprimindo o corpo, largando umas larachas.
Évora, partida para a praia de Monsaraz.

Alguns por comodismo faziam-no, indo à vez aliviar-se naquele recanto, certos de não haver quem os visse e, mal fosse um iriam logo de seguida dois ou três. Também eu fui algumas vezes, abrindo bem as pernas como via fazer aos homens, um braço encostado à muralha, a testa encostada ao braço, o xisto absorvendo o liquido vaporoso quase como uma esponja, a muralha naquele sitio permanentemente humedecida, o fedor fétido que nada ficava devendo ao exalado pelo urinol público (sistema ainda em funções em S. Miguel de Machede, para onde eu havia de me mudar) o olho sempre focado no liquido escorrendo parede abaixo não fosse molhar-me as sandálias, sacudindo no final, tal qual via fazer aos homens, guardando somente depois de bem sacudido. Tenho a certeza embora o não relembre, que algumas vezes como eles terei assobiado ou feito hum hum enquanto … embora o catarro não me incomodasse como ainda não incomoda, inda que a próstata me ande atormentando como se calhar os atormentaria a eles.

Jurar-vos-ia ter sido a partir daqui que embirrei com calções e sandálias, nunca vi homem nenhum de calções e sandálias encostado pensativo a essa muralha. Nem depois na Tv quando de vez em quando os mostravam junto ao muro das lamentações. Decididamente não era a mesma coisa, aqui ninguém se lamentava, antes se aliviava, logo voltando para o murete, para a conversa, para a cusquice ou para o jogo de Alquerque, gravado nas lajes do próprio muro, enfim para o que desse e viesse, tudo menos lamentações, não me recordando de ter visto alguma vez alguém lamentando-se do que quer que fosse, quando muito da força do fogo preso das festas. Nem eu que decidira abandonar os calções e as sandálias me queixei, nem tão pouco me lamentei, eu ali só ouvia e via, não piava, somente à avó Inácia Ferrador o confessara, começava a sentir-me um homem e aquela farpela envergonhava-me, afinal já mijava onde eles mijavam e nunca nenhum me dissera:

- Raspa-te daqui rapaz !

Na praia de Monsaraz.

Voltei lá ontem, 15 de Junho e dia do Corpo de Deus, largámos a meio da tarde a praia recém inaugurada do Alqueva, uma vitima do próprio sucesso, e quando chegados ao Ferragudo o grupo seguiu pelo Telheiro e S. Pedro do Corval enquanto eu apontei a mota à vila. Antes de parar na entrada deitei o olho a quem estava, observando se donde estivesse me veria vertendo águas no recanto da muralha. Há bem cinquenta anos que não o fazia ali e ia preparado, não o fizera dentro de água nem no bem preparado recinto da novel praia, estava a guardar-me para uma fenomenal e cinquentenária mijadela mas, ainda não tinha parado a mota e já apanhara uma desilusão, o espaço fora empedrado já não existia nem recanto nem acesso a ele, e agora ? Fazer como fiz tantas vezes ? Mijar da muralha abaixo ? Ter cuidado para que por mor do vento não mijasse as pernas ? Curiosamente cinquenta anos depois voltei a usar calções, verdade que já sou homem, mas também já não me quero comparar com eles, a minha busca agora é pela diferenciação.
Na praia de Monsaraz.

Um guarda num jipe avisou-me não poder estar ali parado tendo despoletado em mim a vontade de lhe mijar para cima, dele e do jipe, mas um homem em calções não faz isso, porta-se bem, montei a mota, desci em surdina até à rotunda logo ali a cem metros e, ao abrigo de uma escultura em ferro que para lá está exaltando o cante aliviei-me, até cantei, e pelo sim pelo não deixei a minha imagem de marca, mijei os pés aos cantadores todos. Ó la ri ló lé, onde mija um português mijam logo dois ou três, vá lá, um dó li tá, é a vossa vez amigos, mas não, não se mexeram e eu voltei a montar a mota, rumei à ponte de Mourão a fim de galgar dali a apanhá-los nos Reguengos, por isso arremeti aos esses chapada abaixo, segunda, terceira, segunda, terceira, quarta, segunda, primeira e travões a fundo, foda-se que a ladeira tem curvas apertadas como o caraças, um homem apanha com cada susto, quase se mija…

 
Estacionado na praia de Monsaraz e vista de Monsaraz
                                  
                
                    Monsaraz, escultura evocativa do cante alentejano.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

439 - UMA TRANCADINHA EM TRANCOSO ...


“Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida e sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos duma criança” lá lá lá lá li…

Tal qual a vida de cada um de nós, a história, que afinal mais não é que a história das nossas vidas colectivas, tem pormenores que muitas vezes nos escapam mas que não deixam de nos alegrar, apimentar o quotidiano e trazer ao nosso mundo contemporãneo um pouco do humor e da sátira que Gil Vicente não teria desdenhado. 

Um dia destes, mor de um trabalho que ando a desenvolver, a pesquisa levou-me a D. Dinis, um dos nossos primeiros reis, o do pinhal de Leiria, esse mesmo, que antanho serviu para as naus e hoje sustem ainda as areias e serve de refugio a muito boa gente que o aproveita para ali dar a sua escapadinha, ou, na gíria popular, dar uma trancadinha, uma trancada, a graduação já dependerá da sensibilidade de cada um e não me meto por essa vereda... 

Até por quem diz uma diz várias, que isto das trancadinhas é como as cerejas, e quem come uma come um cesto, ou um cento, nunca se fica por ali, quer-se sempre mais sendo como as conversas agradáveis que nunca se acabam seguindo-se umas atrás das outras, as conversas ou as cerejas, não as trancadas, não haveria quem aguentasse, só alguém mui duro de cabeça, pois, isso …

Mas ia eu dizendo que esbarrei com D. Dinis, o Lavrador (1261-1325) não o Dinis dos botões, um dos monarcas mais importantes da nossa história e um homem culto e letrado que deixou uma marca indelével nos mais variados campos, conhecem-se-lhe 137 poemas, 73 cantigas de amor, 51 cantigas de amigo e 10 cantigas de escárnio e maldizer, mas ia eu dizendo quão este rei me surpreendeu, em especial por ter desposado a mui requestada Isabel de Aragão que, entre pretendentes franceses e ingleses, nobres e príncipes, escolheu o nosso bom Dinis, que além de príncipe e nobre já era rei, e como mais vale sê-lo que parecê-lo a bela Isabel de Aragão, sim essa que a nossa Isabel Stilwell tem historiado, e bem, ou não é assim Rosinha ? Não quero que a minha amiga Rosinha, que anda com o livro da Stilwell ao peito, vá entender mal este meu arrazoado.


Na pressa de consumarem o casamento D. Dinis e Isabel casaram-se por procuração, ele cá ela em Barcelona, tendo a Isabelinha dado corda aos sapatos e apressado a vinda. El-Rei esperava-a em Trancoso, sendo precisamente aí que parei a investigação por a coisa ter ficado nebulosa, uns historiadores nada mais adiantam, outros não têm pejo em afirmar ter sido o casório consumado logo ali em Trancoso, dada a impetuosidade, a paixão, a saudade e o desejo dos jovens nubentes, ele na força dos seus dezassete anos e farto de aias, damas de corte, cortesãs, barregãs, cozinheiras, costureiras, moças de copa, de estrebaria e engomadeiras certamente, a este propósito terei que ir pesquisar a fim de saber desde quando se dá ao ferro e quem o inventou, isto digo-o eu, nenhum historiador cita estes factos mais que prováveis, confesso, eu também me perco por engomadeiras, é-me difícil vê-las ali a dar a dar sem lhe desligar o fio da corrente ou pontapear a extensão e apagar-lhe a luz, mas voltemos ao que interessa, à vaca fria que é como quem diz à bela Isabel de Aragão, apanhada em Trancoso e secalhando logo ali trancada a fim de evitar olhares indiscretos e toma lá disto ó Evaristo que nessa altura não havia pruridos nem contemplações, portanto nem haviam de ser os doze aninhos da nossa Isabelinha de Aragão que evitariam as trancadas reais que decerto terá levado em Trancoso, embora a história não confirme nem desminta e mor das vezes seja omissa quanto a assunto tão melindroso. 

Verdade verdadinha é que a ditosa rainha nos deu dois rebentos, Afonso e Constança, sendo ela mesma mui apreciada em Coimbra, ali se conta ter acontecido o milagre das rosas, igualmente a apreciam em Estremoz, onde pontifica uma bela pousada com o seu nome, ideal para escapadinhas e quiçá para trancadinhas.

Esta moda das trancadinha, que quanto a mim só pode ter começado em Trancoso, não foi invenção cá do rapaz, pois um dos historiadores, não lembro já qual deles nem tal interessa, desenvolveu a partir de palavras atribuídas à rainha um pensamento ou uma associação de ideias idêntica e em relação à cidade de Odivelas, onde, segundo Isabel de Aragão e a história afirmam ter sido lugar privilegiado para D. Dinis dar as suas escapadelas e trancadas, no caso trancadas pois está envolvida uma figura real e trancadinha ficaria mal nesta história, além de diminuir o personagem.
               
                - Ide vê-las senhor, ide vê-las !!

desabafaria para o seu senhor sempre que estava com os azeites a Rainha Santa, e do ide vê-las a ódi vê-las e a Odivelas é um estalar de língua que a corruptela e a populaça adoram, como adora as gargalhadas histéricas da Cristina Ferreira, ou as mamas que, garantiu ela aos mídia, são totalmente suas, suas dela, o que deixa supor não haver ali silicone, ou a haver, estará pago. Mais paciência que D. Dinis tem o Goucha… Aposto que D. Dinis, o tal que escreveu bué de choses, poemas, cantigas de amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e maldizer não lhe perdoaria umas trancadas.

Mas deixai que me concentre no meu trabalho, estou a atrasar-me e quer Gonçalo Eanes quer Pêro de Évora e Pêro da Covilhã não merecem que os olvide nem tão pouco a desatenção que estou a devotar-lhes…
  


POEMA D’EL-REI D. DINIS
….

O que vos nunca cuidei a dizer,
com gram coita, senhora, vo-lo direi,
porque me vejo já por vós morrer;
ca sabedes que nunca vos falei
de como me matava voss'amor;
sabe Deus bem que doutra senhora nom,
que eu nom havia, e por mi vos chamei.