sexta-feira, 15 de setembro de 2017

462 - VENCER OUTRA VEZ * by Maria Luísa Baião


Nos idos de quinhentos, Portugal foi uma potência mundial, conduziu o experimentalismo tímido de então, afirmou-se dando novos mundos ao mundo, porfiou e matou caça, da grossa. A ocupação espanhola, embora os compêndios o não reconheçam (lá mais para diante a história da comunidade imporá outros critérios que fundamentem a irmandade), foi benéfica para o país, colocando muitos mais mercados ao nosso dispor, tendo os portugueses beneficiado, porque coligados a Espanha (Castela), das prebendas, tenças e pressupostos inerentes a qualquer potência dominadora a nível global.

E, beneficiando a nossa burguesia do mundo que, Espanha, Castela dominava, já então com muito mais recursos que Portugal, “ad libitum ad gloriam et ex dono”, muita da nossa nobreza por essa via ocupou cargos que dada a reduzida dimensão de Portugal a nossa corte nunca teria sequer criado. Ingrato contudo o Zé-povinho, lá serviu de pau-de-cabeleira aos interesses de D. João IV, tendo corrido com os espanhóis, castelhanos, acerca de quem fizemos circular a frase e o preconceito que "de Espanha, Castela, nem bons ventos nem bons casamentos".

Ingratidão, este povo foi sempre ingrato é o que é.

Todavia Castela, essa Espanha que parece não precisar de nós para nada, não foi menos ingrata. Basta pensar nos séculos durante os quais nos virou ostensivamente as costas, para vermos quanto não foi menos ingrata para nós que nós para ela. A verdade é que ninguém devia nem tinha nada a dar a ninguém, em especial nas últimas décadas, em que dois pilantras, qual “mens divinior”, governaram a península e os respectivos países como se governam as hortas.

O "quinchoso" de meu avô, um homem simples mas probo, andou sempre, talvez por isso, muito mais bonito, viçoso e proveitoso.

Mas esses tempos parecem estar a ficar esquecidos, agora, são precisamente “nuestros hermanos” quem, sem peso na consciência porque no caminho certo quanto a muitas de nós, ou acusados por outras de, sub-repticiamente, promoverem a conquista do espaço nacional, se atiram denodadamente, como não fizeram em Aljubarrota, a estudar a nossa língua, a formar a nossa juventude, a acudir veladamente para que nada nos falte quando vamos ao hiper.

Um ex-ministro português da economia disse uma vez que, cada vez que dispara o nosso consumo interno, são criados novos postos de trabalho no estrangeiro. É verdade, mas quem nos tira o prazer de terrincar um bom torrão de Alicante, degustar um vinho fresco de Bordéus, cabidar um fato de corte italiano ou passear um bom carro alemão ? Quem se atreve ?

Agora, milagre da vida comunitária, ou porque se acham no lugar do mano mais velho, ou porque tenham inconcebíveis problemas de consciência, “nuestros hermanos”, outra vez eles, através de um banco espanhol bem implantado em Portugal, vão atribuir bolsas de valor mensal equivalente ao salário mínimo a alunos portugueses do ensino superior, durante cinco anos, desde que tenham aproveitamento. Essa mesma banca prepara-se para acudir com condições ímpares às nossas PME, o grosso das empresas nacionais.

A quem devemos chamar pai ? E mãe ? Aos reis de Espanha ?

A verdade é que já nos venceram uma vez, em 1580, devido a questões dinásticas, e vão vencer outra vez, agora devido a questões práticas, simplesmente práticas. Por muito que custe à minha amiga Paula, perguntem aos de Olivença de que país querem fazer parte, perguntem !

A Espanha ajuda, a Espanha fará por nós.  

E na Irlanda, país onde nascem por ano 50.000 empresas, tantas quantas as que entre nós reiterada e consecutivamente há décadas dão prejuízo, serão apoiadas anualmente 20.000 delas, apoiadas as Start-ups, isto é, as estrelas da inovação e da tecnologia, ou sociedades de empreendedores que, por lá parecem vingar como por cá os cogumelos.

São, fiquem descansadas, maneiras de ser e de estar muito mais ingratas e incómodas que o laissez faire português. Entretanto, e para compensar o desgosto, felizmente que temos um caso, queira Deus que não somente para exemplo, a Portucel, que exporta 92% do que produz e exporta 26 vezes mais do que importa. Longe da vista e do coração, a Portucel faz melhor serviço que a mítica Auto Europa, que muito embora exporte 99% do que produz, junta-lhe fraca componente nossa, pouco mais que a mão-de-obra, uns pedais e uns escapes de incorporação nacional, sendo os veículos, sob a forma de peças e acessórios, importados para montagem em Palmela.

Mas não desesperem, virá o dia em que os espanhóis nos dirão como são as coisas.


* Texto publicado por Maria Luísa Baião no Diário do Sul, coluna Kota de Mulher, 2ª feira 23 de Maio de 2005. 

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

461 - QUE É E ONDE ESTÁ O TERRORISMO ? * .....


Não posso deixar neste momento de falar sobre o nosso mundo, mais precisamente de alinhavar umas palavras sobre terrorismo. Na realidade meditei um pouco sobre o que dizer que não estivesse já dito, sem deixar de agradar a quem me ouvisse (ou lesse), mantendo contudo a preocupação de contribuir para abanar consciências porventura adormecidas, em especial aquelas que parecem percorrer os caminhos sem se darem conta dos pormenores que os ladeiam.

Não vou portanto falar-vos do terrorismo que quer televisões quer jornais tanto se esforçam por quotidianamente trazer à superfície e de que vamos estando saturados, o que não significa contudo que o terrorismo, sob outros prismas menos visíveis, não seja também terrorismo e razão aduzida e suficientemente preocupante para meditarmos sobre ele. Ao reportarem esses atentados constantes no presente e no passado os mídia demonstram à saciedade os resultados do terror, preocupam-se todavia muito menos em nos mostrar as suas causas.

São várias essas causas e sem que pretenda defender aqui o terrorismo ou sequer incentivar a sua apologia, é com pertinência que colocarei algumas questões passíveis de perturbar as consciências melhor instaladas, generalizadamente egocêntricas, porque etnocêntricas. Começo por lembrar-vos a necessidade e virtualidades do adormecido “Diálogo Norte-Sul”, poderia evidentemente recuar mais no tempo, mas não julgo necessário, este é um ponto de partida tão bom como qualquer outro, para tanto basta que nos lembremos de quando tudo começou e por que começou, tentando colmatar necessidades sentidas há muitos, mesmo muitos anos.

A disparidade de desenvolvimento entre o hemisfério norte, rico e poderoso, e o hemisfério sul, pobre, subdesenvolvido e populoso, foi sempre fonte de preocupações por via das desigualdades chocantes e das assimetrias criadas. Porém pouco ou nada foi feito, e o que foi, como o “diálogo” atrás referido, além de sol de pouca dura, mais não conseguiu que motivar algumas consciências bem intencionadas e clarividentes, cujas vozes foram contudo pronta e eficazmente abafadas ou caladas.

A pobreza mundial, que conduz à ausência da própria esperança e a que muitos nada tenham a perder quando perdida, pode explicar hoje o sacrifício dos “homens bomba” na Palestina, como explicou a imolação pelo fogo de muitos outros no extremo asiático, ou o fanatismo que um pouco por todo o globo levou ou leva a actos tresloucados, verdadeiras bandeiras erguidas em nome de uma causa, derradeiras e desesperadas chamadas de atenção a tantas e tão gritantes injustiças disseminadas pelo planeta.

A cada vez maior desproporção de meios e de riqueza entre nações cria autênticos “guetos” de revolta, e não foi colonizando, neo colonizando e explorando avidamente muitos dos povos espalhados pelo mundo que se lhes incutiu, nem incutirá um espírito de partilha e compreensão pelos direitos humanos. Afinal quem “inventou”, para quem e para quê esses mesmos direitos ? Luta-se e lutou-se para impor modos e vontades que garantem o bem estar do Ocidente, luta-se contra tudo e todos que ousem perturbar a nossa paz celestial, mas quando foi que se lutou do mesmo modo para impor esses direitos, que deveriam ser universais ?

Envaidecemo-nos com os nossos ténis fabricados por crianças trabalhando horas sem fim por uma côdea de pão, com jóias extraídas por quem come o pão que o diabo amassou, bebemos pela manhã o cacau que escravos colheram para não morrer à fome nesse dia. Perturbamo-nos com isso ? Deitamos ao lixo, para manter os preços no produtor, toneladas de bens alimentares que poderiam saciar a fome no mundo, e impomos nas Bolsas de Nova Iorque, Londres, Paris, Bona, o preço de bens essenciais para nós mas produzidos por outrem no outro lado do mundo. Somos católicos uns, escuteiros outros, mas em quantos dias da nossa vida praticamos realmente uma boa acção ?

Em Angola, diamantes e petróleo começam a alimentar uma guerra que irá deixar sem pão gente cuja única ambição é viver em paz, minas ceifam vidas todos os dias porque alguém as fabricou e com elas fez fortuna. A fortuna de uns é o infortúnio de outros. Sinto-me incapaz perante tanta abjecção, sinto-me incapaz e culpado, mas não inconsciente, alheado ou desencorajado para fazer algo. O quê, na verdade ainda não sei, talvez seja bom começar por agitar consciências, a minha inclusive, mas textos destes, se bem que muitos os possam produzir, haverá na certa bem poucos que os queiram reproduzir.

 Diz-vos algo esta afirmação ?

Onde quer que rebente uma guerra os maus de hoje foram os amigos de ontem, tudo vale desde que os interesses não sejam tocados, a televisão só já nos mostra o que nos querem dar a conhecer, mas é de enaltecer que, para bem das nossas consciências (demonstram as evidências), de há alguns meses para cá não vimos mais aquelas crianças famélicas morrendo aos milhares todos os dias e em directo na TV, agonizando as nossas dietas ao almoço e ao jantar, estragando-nos a vontade de ir ao bar.

Todos os dias surgem novos conflitos, somos como o beija-flor, esta serve, a outra compromete. E assim uns morrem enquanto outros se divertem. A diplomacia e os interesses tudo justificam, por isso impera por esse mundo fora o “Terror de Estado” que ninguém contesta, ainda que o mesmo solte a besta que há em todos nós. Sou mancebo, e mesmo agora percebi porque o sou ou inda o sou. Homem maduro, experiente, vivido e consciente não serve como carne para canhão. Pegam portanto em adolescentes, da realidade inconscientes, ávidos de glória e de medalhas, corações cheios de Pátria, mentes fixas na honra e ideias tais, e que inconscientemente avançam cegos para os cais de embarque em viagens sem retorno. Que maior glória poderão desejar ? Uma lápide, uma memória, uma medalha. Metralha que tralha de gente nos (lhes) despeja em cima. Quem fabrica as armas de destruição em massa que hoje nos apresentam como ameaça e pode ser usada por grupos terroristas, fanáticos, lunáticos, fundamentalistas, simpáticos, apáticos, neuróticos, psicóticos, políticos, músicos, hipocondríacos, paralíticos, míticos ?
  
Armas biológicas, químicas, atómicas, intercontinentais, cuja quantidade e custos poderiam ter terminado com a fome no mundo continuam a produzir-se a ritmos impensáveis. O ambiente vai sendo defendido para inglês ver, o mundo só acordou para o nazismo e o fascismo demasiado tarde, como demasiado tarde estamos a entender ou a enfrentar o terrorismo e o miserabilismo. Gastam-se milhões na prevenção de situações que nada justificaria acontecessem, milhões que poderiam ser usados em cooperação. O homem é egoísta, é louco, em toda a parte vê ameaças, em nenhum lado esperanças.

Que é o terrorismo ? Não sei, todos somos cobaias e vitimas potenciais  da cegueira que nos envolve e isso é terror, porque é de loucos. O apocalipse pode estar perto, como próxima está toda a desordem que o homem criou no mundo. Se todos caminhamos para o suicídio, seremos todos loucos suicidas ? Não creio, mas negar que essa loucura existe, negar que os caminhos que trilhamos não são os mais correctos, negar que o pior cego é o que não quer ver, também é terrorismo. Os senhores da guerra que o neguem.


* Texto extraído do meu discurso de fim de curso quando da formação em “Terrorismo e Contra-Terrorismo” na PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, no ano de 1978. Este texto (com ligeiras alterações) foi em tempos publicado no Diário do Sul.

  


sexta-feira, 8 de setembro de 2017

460 - A VIDA É FEITA DE PEQUENOS NADAS ...


Ser o Benjamim duma família de cinco filhos e ainda por cima o único rapaz nunca me ajudou. Primeiro porque assimilei muita da sensibilidade feminina, modos e trejeitos que me valeram o repúdio de muitos e o isolamento na escola, onde o Groucho foi o único amigo que se manteve firme e fixe até hoje. Segundo porque para provar ao paizinho que tanto a sua hostilidade como a sua postura ostensiva em relação a mim estavam erradas e me levaram a erradamente conduzir a minha própria vida.

Por vezes parece-me estar ainda ouvindo-o:

- Estragaram-me o único gaiato, fizeram dele um efeminado de merda, tantas esperanças que eu alimentara.

Recordo-me como se fosse hoje, deviam ser umas dez da manhã, ele arrancara-me bruta e bruscamente ao convívio das minhas irmãs e atirara comigo porta fora. Não, não me meteu na rua, eu é que de orgulho ferido e atingido na virilidade rumei à estação e antes das onze assomava à janela do comboio para a capital. Dias atrás fizera dezassete anos, por Deus que me lembro como se fosse hoje.

Um pouco antes daquela época tinham-se experimentado por todo o país as primeiras turmas mistas e, se entre os rapazes somente o Groucho se mantinha firme na confiança que nele sempre pudera depositar, entre as raparigas via-me tão ou mais submergido e abafado por carinhos e mesuras que alguma vez o fora em casa pelas manas.

O mundo é feito de contradições, de pequenos nadas, onde o Yin e o Yang se equilibram de modo precário mas eficaz, as amizades que não porfiava encontrar entre os colegas sobravam-me entre as colegas, entre mim e elas nunca houve segredos, nem segredos nem mal entendidos, dávamo-nos maravilhosamente. 

Acarinhado assim fora-o também quando terminado o sétimo ano ingressara na WoolTrade, uma multinacional de curtimenta e confecção de artigos em pele. Nessa empresa voltei a ser, como sempre fora em casa, um homem entre mulheres e, não tivesse sido a cada vez maior aversão que o paizinho me demonstrava abertamente teria levado a jantar em minha casa, à vez naturalmente, cada uma das mais de cem amigas da WoolTrade. Talvez não fossem tantas assim mas a verdade é que não vim a casar com nenhuma delas, tudo por uma questão de somenos importância, embora complexo o mundo é feito de pequenos nadas e para ser franco nunca consegui abrir os colchetes dos sutiãs a nenhuma delas, por incrível que pareça no momento crítico via-me sempre atrapalhado. Com a minha Luisinha, que tirara o curso em Lisboa enquanto eu por lá cursava a tropa de elite em que me inscrevera, consegui, estamos casados quase há trinta anos sem uma beliscadura.

Naquela mesma tarde em que o paizinho me arrancara ao doce convívio das manas alistei-me nas tropas especiais, nos fuzileiros, tinha dezassete anos e precisava de ficar nalgum sítio, fiquei na Casa Do Marujo, na baixa de Lisboa ali à rua do Arsenal, pegada com o Ministério da Marinha o qual viria a ser a minha casa durante os anos seguintes, alternados de prolongadas licenças e férias, somaram uma década. 

O paizinho havia de ter tido orgulho em mim, mas infelizmente viera a falecer pouco tempo após a minha intempestiva saída de casa e por razões que compreenderão. Somente meia dúzia de anos depois da sua morte vim a conhecer o facto, o facto e as circunstâncias, morreu como viveu, à bruta, engasgado com um pedaço de borrego que não conseguiram soltar-lhe a tempo da garganta pelo que se finou todo vermelho, vermelhusco, mais vermelho que o próprio nariz, sempre denunciando-o, fosse inverno fosse verão e, entretanto naturalmente o ensopado esfriou e já ninguém o comeu, segundo me contariam alguns anos ainda mais tarde.

A sua morte culminou o processo de desagregação da família, os seus modos rudes sempre tal haviam prenunciado, sem ele e sem mim as manas debandaram como um bando de pardais, a Mia, Minervina de seu nome fora a primeira, o moço com quem casara um subinspector da Pide com vida feita no aeroporto de Faro, fora obrigado a fugir para os USA após uma rocambolesca fuga em que ninguém sabe como deixaram escapar quase noventa deles da prisão de alta segurança de Alcoentre numa tarde de Domingo, 29 de Junho de 75, o malfadado verão quente, imaginem só o que não terão penado nesse dia os desgraçados, o certo é que nenhum deles voltou a esta Pátria que tão ingrata lhes fora.

As restantes e à vez foram abandonando o ninho, voltámos a encontrar-nos todos há dias no escritório do advogado tratante das partilhas e da venda da casa do paizinho, cujo pecúlio dividiu por todos nós sem esquecer guardar para si mesmo a melhor parte. A mais novinha delas, a Mariana, tem passado as passinhas do Allgarve, escolheu Psicologia por lhe agradar conhecer o género humano e não consegue acertar uma, já vai no quarto marido e não tarda no quarto divórcio. A artista da família, a Gertrudes, que adorava cantar e tinha jeito, casou com um director de serviços da Seg. Social que a puxou para lá queixando-se ela desde sempre aborrecer-se imenso, que não faz nada, faz depressões digo eu, passa a vida de depressão em depressão, teve mais de uma dúzia nos últimos dez anos e aposto que não se ficará por ali, qualquer dia será ela também chefe de serviço após o que se reformará com uma choruda reforma, merece-a, só eu sei o que ela tem ali penado.

A outra gémea do meio, a Dádá, a Deodata sempre manifestara jeito para trabalhos manuais e lavoures, conseguiu imiscuir-se como mestra de trabalhos manuais numa escola preparatória em fins de 79 princípios de 80, e por lá ficou, o sindicato cuidou-lhe da carreira, soube compor as coisas e hoje ela, ela e mais umas boas centenas ou milhares são professores do quadro, continuam maravilhosamente trabalhando com as mãos mas não lhes peçam para abrir a boca ou escrever uma letra pois tal iria muito para além do que são capazes e nem um sindicato faz milagres.

A vida é feita de pequenos nadas e na ausência de pequenos nadas a família dispersou-se e desintegrou-se. Eu fiquei uns tempos entre os homens de barba rija, eram tempos em que se podia ser herói e fiz por isso, corri toda a África do equador ao Cabo armado em Rambo e quando me cansei voltei para a WoolTrade e para a minha Bertinha, para o aconchego das mulheres cujas disputas por mim sempre me alimentaram o ego (foi por estar farto delas que me casei), e como castigo do Senhor tenho quatro filhos e uma filha, ela é uma Maria rapaz, a mãe não lhe poderia ter escolhido melhor nome, Maria José, por vontade da mãe todos eles têm nomes de mulher, Manuel Maria, Joaquim Encarnação, António Epifania, José Vitória. Adoram brincar com as bonecas da irmã, espero sinceramente que nenhum saia maricas e a Maria José não me estrague o apelido com parvoíces daquelas da igualdade de géneros, fora isso é uma mulher perfeita, admira-me como os marmanjos não se atiram a ela, espero que não haja ali gato.


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

459 - IMPREVISTOS IMPREVISIVEIS .......................


Somente por acidente não recebera um descomunal ramo de rosas. Coisa que lamentou profundamente, pois nunca com tal obséquio tinha sido prendada. Debalde o arrependimento, perdera esse momento mágico e como viria a dizer mais tarde, a estranha sensação de ter-se sentido desejada, nem que por um momento só, pois reconhecera quanto bem isso faria ao ego de qualquer pessoa.

Ele surgira do nada na vida dela, talvez por essa circunstãncia tenha sentido medo, inda que pouco pois nem acreditava em acasos, e nem tempo tinha tido para assimilar a ideia. Para agravar a confusão ele expressava-se de maneira muito romântica, coisa rara de se ver nos dias de hoje, principalmente nos homens, particularmente nesse homem, que já trocara com ela algumas palavras.

Contudo nunca se haviam visto, não se conheciam, sempre tinham comunicado pelo telefone ou outros meios nada pessoais. Nunca suas vidas se haviam cruzado nem na virtualidade do destino. E aquele era o momento em que pela primeira vez se viam. Verdade seja dita, ficaram logo amigos, ambos se viram rodeados por arco-íris e solstícios, ouviram dó ré mis, lás e bemóis não ouvidos por mais ninguém, acreditaram e concordaram que na vida não havia mesmo coincidências.

Ela era agradável, tão depressa ria como mudava de conversa, e, coisa curiosa, tinha um olhar perdido que os olhos dele fitavam, daí, metade do seu olhar clamar aflita, a outra metade como que chamando-o para marinhar. E era um olhar doce, como que encerrando amores prometidos, enleados nuns olhos castanhos apontando ao infinito… abrindo e prometendo caminhos.

Ele mudo e quedo, deslumbrado, lá fora a lua, tão formosa, e ali mesmo a seu lado que coisa gostosa, ele louco de desejo, sonhando o mar e  deitando-lhe um ensejo para, num lampejo voltar a si ficando assim… um pouco tonto, tanto que num fulgor lembrou momentos agradáveis esquecendo os demais.

Virou a cabeça ao céu buscando Deus, talvez Ele lhes estivesse dando uma oportunidade para serem felizes, quem sabe. Não sabiam, eram respostas que ainda não desvendavam. Ela riu, confessou gostar que ele soubesse quanto tinha adorado tê-lo conhecido e logo ali combinaram falar-se no dia seguinte. Ele pasmou, não sabendo se ela estava falando se mirando-o ou fitando-o, cândida, virando a cada minuto e repentinamente a conversa como um sinaleiro, ele pensando e amando tanto que de tanto amor achou que ela era bem bonita e por momentos nem acreditou em tamanha felicidade …

“Nenhum sabia se chegaria o dia em que, desprevenidos ou intensamente, cairiam no chão como dois amigos, se abraçando e beijando com falta de jeito, qual milagre da vida em que suas vontades quebrariam todinhas, e talvez então”... se quebrasse o dilema que desde então o passou a assaltar...

Ele respeitava-a, e mais, sabia não ser o homem que ela buscava e queria, um homem para a vida, um homem que virasse seu companheiro, que com ela viajasse, que estivesse sempre a seu lado, que vivesse consigo, e, querendo ser honesto consigo e com ela, confessou-lhe não ser esse homem que ela procurava. Ela fora simpática, dele gostara e aceitaria o que Deus lhe desse para seu conforto, conformar-se-ia. Nada desejava para ele que não quisesse igualmente para os outros. Ele achara-a muito bela, doce e meiga, e queria retribuir tanta doçura, meiguice. Ele era só um homem, ávido de dar e receber, só isso.

Confusão a dela, imaginam a situação ? Pedira a Deus que lhe aparecesse na vida um homem íntegro, este ano já, que merecesse seu amor, bem, aparecera-lhe aquele, ainda por cima sem o ramo de rosas que ela por acidente não recebera. Aí ela perguntou a Deus o que queria Ele com estas ciladas na sua vida, ou Ele o estaria colocando na sua estrada para ela, quem sabe, para a pôr à prova ?

Para terem um momento de delírio ?

Jamais saberemos, jamais qualquer deles foi visto por estes sítios.

Amem.


Nonocas com o vestido de noiva da avó :D 

458 - ANALOGIAS * by Maria Luísa Baião .................

               
Orã

Tenho um amigo engenheiro de minas que, acompanhando a expansão da empresa em que labuta, tem corrido mundo e se encontra neste momento na Argélia, mais precisamente na cidade costeira de Ourã, onde a empresa desencantou na sua saga expansionista, vai para três ou quatro meses, um contrato vultuoso para construção de um porto de mar, molhes quebra-mar protectores contra a ondulação, acessos, cais de carga / descarga e embarque / desembarque para navios com calado superior a 30 metros e tonelagem impensável, em especial para transporte de gás natural, recurso em que esse país é riquíssimo. 

Trata-se de, como lhe costumo afirmar, da nossa nova diáspora, agora num mundo globalizado com tendência a minimizar ou menorizar Portugal. Mais uma razão para uma expansão nossa, agora em moldes diferentes da época de quinhentos.

Vulgarmente envia-me por mail fotos de maquinaria impressionante pelo tamanho e funções, guindastes, gruas, escavadoras, dragas, e, por vezes, uma ou outra foto tirada por certo do alto de grua gigante, deixando ver os afadigados operários que em baixo mais parecem formiguinhas, em especial se comparados com os blocos utilizados para travar ou reforçar os molhes contra a fúria das ondas, quais colossos trípedes que, enganchando uns nos outros, tanto mais reforçam a coesão quanto mais as ditas cujas tentarem dispersá-los.

Portugal tem sido nos últimos anos um país em obras, nem tantas quanto desejaríamos dirão algumas, nem as que deveriam ser prioritárias, acrescentarão outras, mas isso não tira porém validade à questão nem esperança às obras agendadas. Não descortino a ligação que inferi entre estas obras, que no país vão surgindo ou surgiram um pouco por todo o lado, mais ou menos apreciadas, menos ou mais contestadas, e as obras que esse meu amigo dirige, o que é certo é que cada vez que passo por obras, e são muitas essas vezes, não deixo de lembrar esse meu amigo.

Talvez esta inusitada analogia derive do facto de as obras que vejo, ambas serem obras, já que nada mais lhes consigo encontrar em comum, não sei, não sei explicar, até porque a dimensão de umas e de outras são por vezes completamente díspares, certo é que as ligo em pensamento. Da empreitada que ao meu amigo compete vou dando conta pelas imagens que me envia, a par da descrição da vida na Argélia, país com cidades, hábitos e cultura muito diferentes da nossa e onde, não passando fome, se vê obrigado a dieta forçada que o tem tornado muito mais elegante.

Nas obras que pelo país vou vendo e dou conta cada dia que passa, claro que involuntariamente observo ou aprecio o esforço, o ímpeto, o avanço e o empenho que cada um dos formigueiros aplica no seu mister. Não direi que fico embevecida, mas comove-me o empenho, o profissionalismo e a organização engendrada por essas formiguinhas e que, pouco a pouco, vão dando corpo e realização aos projectos que abraçaram com uma entrega digna de nota.

No nosso país espero que contribuam para enriquecer o património, em especial de equipamentos sociais em que ainda somos tão carentes, infantários, creches, lares, novas escolas e hospitais, mas também outras estruturas, viárias, portuárias e aeroportuárias, empreendimentos turísticos e outros, que criem emprego, serviços e permitam a captação de divisas, que equilibrem a nossa balança de pagamentos, ajudem a colmatar ou a fazer desaparecer o malfadado deficit, que ponham fim a dramas de desempregadas e deslocadas.

Não sei porquê quero, ou desejo que, apesar da desigualdade e dissemelhança entre projectos e obras, de tal modo os intui como análogos apesar de nem eu saber as razões, acreditar piamente que alguma coisa no mundo, ou alguém, os colocou de molde a que os avalie a par e passo e venha a ter o prazer de os achar terminados e acumular motivos para duplamente comemorar e dar por satisfeita.

Terminariam os incómodos a que o aperto de cinto nos obriga e teria em simultâneo o prazer da chegada e visita desse amigo agora longe e que, como sempre, não se esquecerá de me trazer inigualáveis tabletes de genuínas tâmaras, como só naquele país e no médio-oriente se encontram.
Truck, obras, Orã





Orá, panorâmica de rua
Évora, obra no largo de Sertório
Évora, renovação da linha da CP
 * Texto concluído numa quinta-feira, 13 de ‎Novembro‎ de ‎2007, ‏‎pelas 11:14:54h e publicado por esses dias na coluna Kota de Mulher do Diário do Sul - Évora