Nos idos de quinhentos, Portugal
foi uma potência mundial, conduziu o experimentalismo tímido de então,
afirmou-se dando novos mundos ao mundo, porfiou e matou caça, da grossa. A
ocupação espanhola, embora os compêndios o não reconheçam (lá mais para diante
a história da comunidade imporá outros critérios que fundamentem a irmandade),
foi benéfica para o país, colocando muitos mais mercados ao nosso dispor, tendo
os portugueses beneficiado, porque coligados a Espanha (Castela), das
prebendas, tenças e pressupostos inerentes a qualquer potência dominadora a
nível global.
E, beneficiando a nossa
burguesia do mundo que, Espanha, Castela dominava, já então com muito mais
recursos que Portugal, “ad libitum ad
gloriam et ex dono”, muita da nossa nobreza por essa via ocupou cargos que
dada a reduzida dimensão de Portugal a nossa corte nunca teria sequer criado. Ingrato
contudo o Zé-povinho, lá serviu de pau-de-cabeleira aos interesses de D. João IV,
tendo corrido com os espanhóis, castelhanos, acerca de quem fizemos circular a
frase e o preconceito que "de Espanha, Castela, nem bons ventos nem bons
casamentos".
Ingratidão, este povo
foi sempre ingrato é o que é.
Todavia Castela, essa
Espanha que parece não precisar de nós para nada, não foi menos ingrata. Basta
pensar nos séculos durante os quais nos virou ostensivamente as costas, para
vermos quanto não foi menos ingrata para nós que nós para ela. A verdade é que
ninguém devia nem tinha nada a dar a ninguém, em especial nas últimas décadas,
em que dois pilantras, qual “mens
divinior”, governaram a península e os respectivos países como se governam
as hortas.
O "quinchoso"
de meu avô, um homem simples mas probo, andou sempre, talvez por isso, muito
mais bonito, viçoso e proveitoso.
Mas esses tempos parecem
estar a ficar esquecidos, agora, são precisamente “nuestros hermanos” quem, sem
peso na consciência porque no caminho certo quanto a muitas de nós, ou acusados
por outras de, sub-repticiamente, promoverem a conquista do espaço nacional, se
atiram denodadamente, como não fizeram em Aljubarrota, a estudar a nossa
língua, a formar a nossa juventude, a acudir veladamente para que nada nos
falte quando vamos ao hiper.
Um ex-ministro português
da economia disse uma vez que, cada vez que dispara o nosso consumo interno,
são criados novos postos de trabalho no estrangeiro. É verdade, mas quem nos
tira o prazer de terrincar um bom torrão de Alicante, degustar um vinho fresco
de Bordéus, cabidar um fato de corte italiano ou passear um bom carro alemão ?
Quem se atreve ?
Agora, milagre da vida
comunitária, ou porque se acham no lugar do mano mais velho, ou porque tenham
inconcebíveis problemas de consciência, “nuestros hermanos”, outra vez eles,
através de um banco espanhol bem implantado em Portugal, vão atribuir bolsas de
valor mensal equivalente ao salário mínimo a alunos portugueses do ensino
superior, durante cinco anos, desde que tenham aproveitamento. Essa mesma banca
prepara-se para acudir com condições ímpares às nossas PME, o grosso das
empresas nacionais.
A quem devemos chamar
pai ? E mãe ? Aos reis de Espanha ?
A verdade é que já nos
venceram uma vez, em 1580, devido a questões dinásticas, e vão vencer outra
vez, agora devido a questões práticas, simplesmente práticas. Por muito que
custe à minha amiga Paula, perguntem aos de Olivença de que país querem fazer
parte, perguntem !
A Espanha ajuda, a
Espanha fará por nós.
E na Irlanda, país onde
nascem por ano 50.000 empresas, tantas quantas as que entre nós reiterada e
consecutivamente há décadas dão prejuízo, serão apoiadas anualmente 20.000
delas, apoiadas as Start-ups, isto é, as estrelas da inovação e da tecnologia,
ou sociedades de empreendedores que, por lá parecem vingar como por cá os
cogumelos.
São, fiquem descansadas,
maneiras de ser e de estar muito mais ingratas e incómodas que o laissez faire
português. Entretanto, e para compensar o desgosto, felizmente que temos um
caso, queira Deus que não somente para exemplo, a Portucel, que exporta 92% do
que produz e exporta 26 vezes mais do que importa. Longe da vista e do coração,
a Portucel faz melhor serviço que a mítica Auto Europa, que muito embora exporte
99% do que produz, junta-lhe fraca componente nossa, pouco mais que a mão-de-obra,
uns pedais e uns escapes de incorporação nacional, sendo os veículos, sob a
forma de peças e acessórios, importados para montagem em Palmela.
Mas não desesperem, virá
o dia em que os espanhóis nos dirão como são as coisas.
* Texto publicado por
Maria Luísa Baião no Diário do Sul, coluna Kota de Mulher, 2ª feira 23 de Maio
de 2005.