sábado, 9 de fevereiro de 2019

574 - A VIDA É UM PALCO... ‎By Maria Luísa Baião*


Passadas foram as férias, é com gosto que regresso a velhas amigas e amigos, até porque algumas me fizeram já sentir estar a faltar às minhas obrigações.

Entre eles um que conheço há muito e por quem tenho grande apreço, a quem os deuses por razões que ninguém sabe deram o castigo de Tântalo, vê a vida escapar-se-lhe entre grades que o não cercam, mas que vorazes lhe tolhem os passos do desejo, do sonho, da liberdade que a alma em chama clama, surda, muda e moribunda, cega ao passar das horas, dos dias, da vida.

Outro, que conheço menos bem e nem me lembra desde quando nem porquê, não mais felizardo que o primeiro, padece do tormento de Sísifo, tendo penado toda uma vida, carregando pesado fardo, numa gruta em que passou a vida desfiando uma roca a que os fios do destino nunca permitiram compor mais obra que a um artesão, ainda que suas mãos sejam capazes de milagres sem os quais a técnica que tantas vezes nos deslumbra, pararia.

Boas almas a quem a vida enganou sempre, engana ainda e enganará mais, mesmo que o não creiam, enredados em coisas tais como um dedal de linhas amarelas ou num engenho capaz de tornear as peças mais singelas.

Não sou diferente, quem me dera, também eu carrego a minha cruz. Quantas crónicas não compus eu já, que por pudor não coloquei nesta janela semanal, tão só para que não me julguem mal.

Tântalo reparou na máscara que levava nesse dia, é verdade, não era realmente eu mas era eu só, a quem os deuses forçam a tantos papéis desempenhar, que me vejo grega para os desembrulhar. Sou mulher, sou filha, esposa, mãe, terapeuta, voluntária, autarca, cronista e... É tão vasta a lista... Que de assistente social a psicóloga, não há maleita que me não bata à porta.

Não são máscaras que empunho no meu dia-a-dia, são diferentes papéis a que o teatro da vida me obriga, e vos garanto que entre o riso e o pranto, busco metodicamente que a comédia, o drama e o trágico que em mim vivem, não vos arrastem no momento ou no lamento que calada sofro.

A vida é um palco, procuro dar o meu melhor mas por vezes me interrogo, se vale a pena, se consigo, mas nunca se me esforço. Sempre dei o melhor de mim, será que serei mais feliz assim ? Serei mais feliz no fim ?

A Personalidade é tão de cada um de nós como uma impressão digital, é fruto de contactos e experiências pessoais, é feita também de desilusões e ais, de frustrações, traumatismos e algumas doses de contentamento por vezes tão banais que, melhor seria dar outro rumo à vida, sair do palco, de cena, buscar noutras paragens suspiros e futuros que aqui de reais têm somente difusos estigmas virtuais.

Nem só os amanhãs que cantam se ouvirão jamais, a dignidade, a solidariedade, a igualdade, a competência, o mérito, o esforço, a recompensa, onde param, quem os viu passar ? Onde ? Quando ? Não foi para ver assim este país e dez milhões de almas que chorei de alegria em 74.

Que pensaram nesse dia Tântalo e Sísifo ? Que pensam hoje, agora ? Valeu a pena ? Por que não se encerraram as portas do Teatro ? Por que se arrasta a peça ? Por que há cada vez mais quem peça ? Quem nesta peça corre tão depressa que ultrapassa os demais sem que repare no seu atraso ? Quem cava as distâncias ?

As páginas da nossa vida teimam não correr, passar. Não no palco mas nos bastidores, melífluos seres nos cortam cerce legitimas ambições, quantas vezes manobrando com arte o silêncio, vendendo cara a esperança...

Cada vez mais a natureza humana me decepciona. Como marionetes nas mãos de redutores maniqueístas nos sentimos, alvo de crueldades, intolerâncias, complexos, provincianismos, à mercê dos quais nos sentimos pequeninos, sentimos não ser nada, não valer nada.

Valerá a pena a vida assim? Acho que não, vão por mim...


‎* By Maria Luísa Baião,‎ escrito Segunda-feira, ‎2‎ de ‎Setembro‎ de ‎2002 pelas ‏‎19:46 horas e provavelmente publicado no Diário do Sul, rubrica "KOTA DE MULHER" nos dias seguintes.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

573 - AMADEU ... - LUÍSA BAIÃO texto inédito *


Foi preciso que aquela abécula me tivesse tirado do sério para perder a fé que tinha nos homens, não em todos os homens confesso, pois havia uma réstia deles, poucos, cada vez menos, a quem por empatia dava toda a minha simpatia e confiança desde o primeiro momento.

Como disse não eram todos. Era até um restrito grupo deles, um grupinho especial, uma categoria à parte. Nem eu soube nunca a que se devia esta minha aceitação ou abertura a quem poderia nunca na vida ter sequer visto antes por um momento que fosse.

Todavia, desde que se chamassem Inocêncio, Adão, Abel, Santos, Moisés, Espírito Santo, Salvador, Epifânio, Amadeu (s) Anjos, Ângelo ou Cândido, era como se estivessem cobertos por uma aura divina que lhes permitisse franquear todas as portas devido a um qualquer misterioso aval celestial.

Nunca me dei mal com esta minha atitude, nunca ou quase nunca (pois não há Bela sem senão) ocasião única em que quer eu quer o meu marido comungávamos procedimentos. Ele dava e dá toda a abertura e confiança a toda a gente desde o primeiro momento, retirando-a se vier a não ser merecida, eu vou-a concedendo à medida que é merecida, partindo de pouca ou nenhuma.

Opções. Modos de ver o outro e de agir, eu jogo pelo seguro, ele avança de olhos vendados pelo arame e já tem caído, já se tem lixado, eu ou porque levo a mão sempre no travão de mão, ou porque não conduzo prego a fundo estampo-me menos vezes, mas com as angelicais figuras de que atrás vos falei nunca tive um berbicacho, a não ser c’um coitadinho cujo apelido já nem lembro. Mas lembro o nome, Amadeu, Amadeu camafeu, que por razões que vos conto não fez jus a quem lho deu, e muito menos o mereceu.

Dizia Einstein que idiotice e estupidez eram a coisa mais bem distribuída ao cimo da Terra, igualitariamente distribuída dizemos nós na brincadeira, como dizemos que o cérebro é uma coisa maravilhosa e toda a gente devia ter um. Quer uma Quer outra premissa se aplicam que nem uma luva a este Amadeu cujo nome não mereceu e que ainda mereceu menos a minha concordância, simpatia ou tolerância. Nunca tive paciência p’ra gente tolinha.

Mas eu conto-vos, não vos quero ver em pulgas como vi o Amadeu que às tantas nem sabia como estar na cadeira onde o zurzi.

Corria 84, talvez 85, e eu já casada, já mulher, 27 ou 28 anos, vi-me aluna deste inefável Amadeu por causa de quem até vim a desgostar de Mozart. Dava-me música mas não me alegrava este marmelo, ou cantava muito bem mas não me convencia, apesar de se dizer mestre em psicologia.

Eu constituíra o meu clã, a minha tribo, o meu grupo, a minha família, e por essa altura o meu filho andaria pelos 9 anos já, indo para dez e eu qual loba solitária e ciosa da alcateia, da cria e da vida, tinha e tive que aturar o Amadeu amador em duas cadeiras vagamente intituladas Psicologia de Grupo, ou de grupos, a fim de mais tarde sobreviver nas escolas às criancinhas e saber lidar com elas. Uma idiotice pegada, e disse-o ao amador do Amadeu; 

- Grupo só faço com o meu marido, tão individualista quanto eu.

 e era verdade, pelo que quer eu quer ele, meu marido, recusámos terminantemente integrar ou integrarmo-nos num grupo. Já tínhamos o nosso grupo, já estávamos habituados a caçar emparelhados, a ninhada criada, há muito éramos um grupo de dois, daqueles grupos que há uns anos atrás a Pide não queria ver estacionados nem a andar parados, como se dizia. Se não era isto era uma coisa parecida, pensem, ou agrupem-se e meditem que eu tenho mais que fazer.

 O trabalho exigido por ele Amadeu fez-se. Eu e o meu marido, em dois ou três fins-de-semana, umas tardes e umas noites, garrafas de licor ou de cerveja na mesa, gelo, copos gelados, o que é certo é a coisa se fez mesmo, com intervalos para cambalhotas e tudo, num grupo deve haver e sobrelevar a harmonia, certamente nenhum de vós estará contra, ficámos até muito contentes e orgulhosos do nosso trabalho mas…

 Mas quando as notas saíram o trabalho teve nota negativa, o que a juntar a outras notas nada famosas nos ameaçava a ida a exame naquela cadeira. Fiquei tão fula com o Amadeu que não descansei enquanto não o achei e interpelei. O meu marido só me recomendava calma, ele que calma foi coisa que nunca teve, podem ver como eu estaria…
 Fui dar com ele, ele Amadeu, encafuado num gabinete alcatifado, ar-condicionado, num primeiro andar do Palácio da Inquisição. Bati, e depois de ouvir a autorização abri, para meu espanto dei de caras com o padre José Alves chefe do respectivo departamento. (nessa altura só padre, foi nomeado Arcebispo de Évora em Janeiro de 2008, tendo resignado por limite de idade em 2018),.

 Perguntei pelo Doutor Amadeu, com o queixo o senhor padre indicou-mo, estava atrás da porta, a um canto, encolhido ou escondido por uma secretária e só me lembro de lhe ter perguntado se se julgava Deus.

O belo do Amadeu começou a gaguejar e eu aproveitei para rematar e atirar a matar. O padre José Alves surpreendido sustinha a custo um sorriso irónico ante a barraca que se armava na sua frente. Nunca por palavras ou gestos tentou colocar termo na desavença e tenho para mim que gostaria tanto do Amadeu quanto eu.

O Amadeu não era Deus nem podia negar o individualismo, o carácter e personalidade de cada um, gritei-lho. Nem eu nem o meu marido andávamos ali para aturar melgas ou adesivos colados às nossas costas e aproveitando-se do nosso trabalho mas não tendo habilidade para alinhavar duas linhas. Disse-lhe que tinha já um filho em casa e não estava para aturar os filhos dos outros nem para lhes dar de mamar ou os desmamar.

 E depois apontei-lhe o dedo, num grupo, até num grupo, mesmo num grupo numa alcateia, numa matilha, num bando, num rebanho, há uma matriarca que ordena põe e dispõe, ou um macho Alfa que comanda, um grupo não é nada sem um líder, sem uma vanguarda, e ele Amadeu que não contasse comigo para engrossar o rebanho, dar de mamar aos borreguinhos ou desmamar cabritinhos e que como professor de uma turma de psicologia de grupos que organicamente liderava não liderava coisa nenhuma, deixando até muito a desejar ao não ter considerado no grupo a charneira, a liderança, a vanguarda esclarecida que a dirigisse e mais e mais e tudo e tudo e blá blá blá, o Amadeu encolhido e o padre José Alves rindo da sova dada ao desgraçado.

- E livre-se de não me levar a exame porque até o morderei. Onde nós chegámos, já tudo é professor universitário, onde iremos nos acabar ?

Deixei no ar a interrogação, dita ou gritada directamente ao padre José Alves (eu não cabia nem estava em mim, o meu marido ria e dava-me palmadinhas no ombros, nas costas). Retirei-me com uma vénia, desejos de bom fim-de-semana e não sei que mais.

Saldo final da contenda, no fim do ano não fomos a exame, o que foi para ambos uma completa surpresa.

Pois não fomos mesmo, o bom do Amadeu dera-nos a nota ambicionada, o que nos dispensou da charada.

Nunca mais o vi ou ouvi falar dele. Vejam só a minha sorte...




* NOTA: Hoje mesmo, ao consultar casualmente um atlas geográfico, dei com esta crónica da minha Luisinha, manuscrita, com mais de trinta anos e que na altura eu não quisera bater á máquina porque não quis que ela publicasse aquela crónica, Estive entretido a bate-la durante tarde e agora sim já pode ser publicada. Os pressupostos contra os quais eu me insurgira já não se colocam, pelo que seria injusto mantê-la incógnita. Obrigado.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

572 A MULHER NO SÉCULO XXI por Luísa Baião *

              



Alguém, muito recentemente me colocou perante a melindrosa questão de saber o que é ou deve ser a mulher no início deste nosso século.

Melindrosa, disse eu, não porque a questão seja politica ou socialmente incorrecta, muito pelo contrário, talvez nunca tenha sido tão pertinente, melindrosa simplesmente porque sendo a presença da mulher insubstituível no palco social, o seu protagonismo é em simultâneo visto como uma necessidade e uma ameaça. Ameaça porque a sua participação vem colidir com interesses masculinos há muito instalados, necessidade já que sendo a mulher maioritária na nossa sociedade, a sua representatividade está muito longe da proporcionalidade que lhe é devida.

Contudo não é aqui que reside a verdadeira questão, se por um lado há cerca de dois ou três anos a polémica girou em redor das “quotas” que se pretendiam atribuir por lei à representação feminina na área politica, hoje, a questão da paridade em nada difere a não ser na designação que lhe é atribuída. A velha polémica reacende-se de novo, por um lado a medida é vista por uns como uma imposição, nada consonante com a liberdade que uma democracia deve espelhar e redutora da capacidade da mulher, por outro a sua presença na área politica é julgada necessária e a imposição de quotas ou da paridade, simplesmente um meio, temporário, de acelerar o processo de “ingresso” das mulheres na vida politica, onde a sua presença é vista como essencial, quiçá necessária, para melhorar a imagem dos políticos, tão gasta ela anda.




Mas deixemos estas minudências e centremo-nos no que é importante, o papel da mulher neste novo século, passados que são cem anos sobre a luta que desenvolveram as sufragistas pela sua dignidade, e quando alguns milhares de anos nos separam da era matriarcal em que as coisas terão sido bem diferentes sobre a terra.

Não adiantará que chova sobre o molhado, todas (os) conhecemos as razões histórico sociais que ditaram a primazia e supremacia que o macho alcançou nos nossos dias, supremacia que contudo não lhe proporcionou o desvelo e a sensibilidade que a política exige, sensibilidade que talvez por razões inatas pertença à mulher.

Não se trata aqui de cair no extremo oposto, a tomada do poder pelo feminino, mas tão-somente de aceitar os aspectos positivos da partilha desse poder, o qual, a julgar pelas capacidades já demonstradas pela mulher, hoje ocupando com inquestionáveis mestria e saber lugares de responsabilidade na sociedade, trará certamente a todos inequívocos benefícios.

Todavia eu diria que não somente outra sensibilidade, capacidade e responsabilidade o novo século exige à mulher, exige-lhe também a assumpção desses valores e o reconhecimento de que os mesmos deverão ser colocados ao serviço da comunidade.

 Não será só em casa que o seu desvelo de “fada do lar” é imperioso, a sua participação cívica é imprescindível para que, como um toque de varinha mágica, as políticas adoptadas espelhem uma sensibilidade que é tão nossa, feminina, e a sociedade possa sentir-se como um todo, docemente acolhida num regaço materno cuja memória nos é tão cara, tão querida.

Em vão se afirma estar sempre na retaguarda de um grande homem uma grande mulher, não creio em tal nem no seu oposto, eu conheço quanto de incentivo encerra o gesto maternal com que uma mulher estreita um homem contra o peito, eu sei quanta força esse simbólico acto transmite, de quanto perdão e protecção ele se pode revestir, eu sei porque sinto essa ânsia, essa força que me vem do peito para os braços.

A mulher conquistou os mais altos e responsáveis lugares a nível profissional e cultural, soube através do trabalho e do exemplo impor-se e fazer-se respeitar, tem sido um trabalho árduo, penoso, ao qual devemos somar a superação de barreiras preconceituosas, estas bem mais difíceis que quaisquer outras dificuldades.

 O caminho está desbravado, resta-lhe a tomada de consciência de que a sua participação cívica é não só necessária como imprescindível, a consciência de que é a sua vez de desempenhar os papéis sociais que lhe competem neste tempo que, como nunca, a encontra preparada, excepcionalmente bem preparada, e que acima de tudo lho exigem para bem de todos.

É este o retrato que eu traço da mulher no Séc. XXI, papel que eu espero venha a desempenhar voluntariamente porque, estando ela já presente em todos os aspectos da nossa sociedade, maioritariamente, não o esqueçamos, não vejo porque não deva ou não possa guindar-se a posições onde o toque da sua varinha mágica difunda sobre todos nós um feliz sortilégio.




* Publicado no Diário do Sul por Maria Luísa Baião‎ em 16-03-2001, rubrica "KOTA DE MULHER". Extracto de discurso proferido nas Jornadas Mulher e Democracia no Séc. XXI promovidas sob a égide de um partido político e que tiveram lugar no Hotel da Cartuxa no final do milénio passado.


WOMAN IN THE 21ST CENTURY by Luísa Baião *

Someone very recently put me before the sensitive question of knowing what a woman is or should be at the beginning of this century.

 

Touchy, I said, not because the issue is politically or socially incorrect, quite the contrary, perhaps it has never been so pertinent, touchy simply because, as women's presence is irreplaceable on the social stage, their protagonism is simultaneously seen as a necessity and a threat. It threatens because her participation comes into conflict with long-established male interests, a necessity since being the majority woman in our society, her representation is far from the proportionality that is due to her.

 

However, this is not where the real issue lies, if on the one hand about two or three years ago the controversy revolved around the “quotas” that were intended to be attributed by law to female representation in the political area, today, the issue of parity in nothing differs except in the designation given to it. The old controversy is reigniting again, on the one hand the measure is seen by some as an imposition, not in line with the freedom that a democracy should reflect and reducing the capacity of women, on the other hand their presence in the political area is considered necessary and the imposition of quotas or parity, simply a temporary means of accelerating the process of “entry” of women into political life, where their presence is seen as essential, perhaps necessary, to improve the image of politicians, which is so worn out. she walks.

 

But let's leave these details behind and focus on what is important, the role of women in this new century, after a hundred years of the suffragettes' struggle for their dignity, and when a few thousand years separate us from the matriarchal era in which things will have been very different on earth.

 

There will be no point in raining on the wet, we all know the social historical reasons that dictated the primacy and supremacy that the male has achieved in our days, a supremacy that however did not provide him with the care and sensitivity that politics demands, a sensitivity that perhaps for innate reasons belongs to women.

 

This is not about falling to the opposite extreme, the taking of power by the feminine, but simply about accepting the positive aspects of sharing this power, which, judging by the capabilities already demonstrated by women, today occupying with unquestionable mastery and knowledge places of responsibility in society, will certainly bring unequivocal benefits to everyone.

 

However, I would say that not only does the new century require another sensitivity, capacity and responsibility from women, it also demands that they assume these values and recognize that they must be placed at the service of the community.

 

It will not only be at home that your care as a “home fairy” is imperative, your civic participation is essential so that, like a wave of a magic wand, the policies adopted reflect a sensitivity that is so ours, feminine, and society May you feel as a whole, sweetly welcomed into a mother's lap whose memory is so dear to us, so dear.

 

In vain is it said that a great woman is always at the back of a great man, I don't believe in this or its opposite, I know how much encouragement the maternal gesture with which a woman holds a man against her chest contains, I know how much strength this symbolic act conveys, how much forgiveness and protection he can have, I know because I feel that desire, that strength that comes from my chest to my arms.

 

Women have achieved the highest and most responsible positions at a professional and cultural level, they have known through work and example to impose themselves and be respected, it has been hard, painful work, to which we must add the overcoming of prejudiced barriers, these much more difficult than any other difficulties.

 

The path has been paved, you are left with the awareness that your civic participation is not only necessary but essential, the awareness that it is your turn to play the social roles that belong to you in this time that, like never before, finds it prepared, exceptionally well prepared, and above all they demand it for the good of all.

 

This is the portrait that I draw of women in the 21st Century, a role that I hope to play voluntarily because, since they are already present in all aspects of our society, for the most part, let us not forget it, I don't see why it shouldn't or can't climb into positions where the touch of your magic wand spreads a happy spell over us all.

 

* Published in Diário do Sul by Maria Luísa Baião‎ on 16-03-2001, under the heading “KOTA DE MULHER”. Extract from a speech given at the Women and Democracy Days in the 21st Century, promoted under the auspices of a political party and which took place at the Hotel da Cartuxa at the end of the last millennium.




571 - IR AO FUNDO E VOLTAR ... By Luísa Baião*


Quanto vale a vida, me interrogo às vezes, se tantas só cuida de nos ocupar com sofrimento, por isso me vedes raros dias coberta de tristeza. Não temo da fortuna a roda, logro os anos, o duro fado que não desejo ao mais desesperado ser.

Tudo nesta cidade me enfada, contrariedades, confusão, mágoas, o tempo adiado. Para aqui fico esmorecida, por vezes em segredo, de tal modo muda e queda que nem de mim dou sentido. Quem me atenua mágoas destas, quem me lima as arestas do meu ser que eu já não posso mais, cheia que estou de tanta coisa que calo agora.

Quando confronto a idade avançando, penso no horror do tempo incerto a que a vida me convida. O bem se acaba, o mal piora, ou raízes lança e eu anseio pela mudança que retardo, enquanto aguardo, a ver se a esta sorte mudo o norte. Deus está comigo, Ele tem dons soberanos, arrasta-me, lançando sobre mim sua virtude de modo que eu a viver venha, afortunada.

Se um divino raio o peito me rompesse e dentro dele visse o meu tormento, decerto de mim se condoeria, decerto contentamento me daria. Tem-me crescido no peito tal angústia que pouca coisa no mundo me alivia, excelsos momentos de harmonia não chegam para esquecer o sofrimento. Resta-me a esperança e é tal a minha sorte, que encontro a vida e engano a morte.

Estimo a natureza, a vida, embora receie perdê-la, mas não pertenço aqueles que só crêem feliz um descontente quando se parte deste mundo. Não aceito quanto infeliz sou e me parece às vezes, que até o Céu me escuta sem agrado.

No meu semblante a gentileza, nos modos e no falar a destreza, no espírito a infalível (?) medicina que as vidas dilata e contra a qual tantas nos revoltamos em atitude ingrata.

Suja, velha, negra, arvorando a foice, faiscando, tu que tudo destruis, tudo arruínas, vai-te ! Não chegou ainda a minha hora ! Vai-te, não és tu quem está inscrita em minha sina ! Do alto do monte Santo contemplo com piedade um esplendor de fé cobrindo a cidade. Tudo aquilo me inquieta e uma vez mais parte, que não volte, que não tente, ao sofrimento tornar-me indiferente. Tudo que neste mundo me inquiete, adeus. A vossa melodia não me interessa, passou já o tempo de sofrer, agora é tempo de ventura, de alento, de aliviar esta carga, a vós me mostrar ingrata pois não sereis vós na certa quem me mata.

Verão, se é que o não viram já com espanto, que do meu e só meu tormento e sentimento não dou já qualquer testemunho público. Nem íntimo pranto. Que cante, me sussurra o espírito em surdina, que dance, cicia a meus ouvidos, que toque me dizem os braços sonhando cingir um violão. Sinto comigo o génio como companhia. Um raio de sol poisa a meus pés, me assedia, terno, qual mensageiro celeste, parecendo perguntar-me;

- Como pudeste ?

Sim, como pude perder a esperança ? A fé ? Como pude olvidar a consciência ? Como pude fazer-lhe frente, resistência ? À vida que brota efervescente ?

Quando contemplo o pulsar da vida no bulício desta aldeia global a céu aberto, afortunada e gentil me fico em paz. Navegasse eu o mar e a tudo sem temor resistiria, assim, se se acabasse o meu tormento, de todos os outros males zombaria.

E então agora, sinto-me por cima das estrelas, olho a Terra em baixo e logo penso que muito daquilo a que atendemos não passa de triste minudência. Respiro fundo, dou força a esta chama acesa no meu peito. Cedo à Divina Glória, ao amor, à vida !

Vou dançar, ao café, ao teatro, ao musical, vou, vou, vou... Fazer da vida um jogo de paciência.


* Publicado no Diário do Sul por Maria Luísa Baião‎ em 18-05-2001, rubrica "KOTA DE MULHER".

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

570 - NÃO, NÃO DISSE…By Maria Luísa Baião *


O que eu não disse, por pudor ou cortesia, o que eu não disse. Quanta emoção calei em mim, pensando que a vergonha me tolhesse. Perdeu-se com a maturidade esse pudor, por isso me sinto agora um rio sem delta que águas mil algo prendesse.

Que encantador ver-me agora assim liberta de mim mesma, sendo eu própria, passando para o papel cada ideia que me ocorra, libertar-me de quanto possa antes que morra.

Ter siso demasiado, calar o insustentável, peou-me muitos anos, foi fardo intolerável, incomensurável desatino, agora fragmentos de tormentos infligidos porquanto sensuais coisas calei, gemidos de quanto não contei não calo mais. A memória, a memória, que travessura nossa calá-la, como se fosse possível guardar cada estória, resguardar quanto foi sofrido, temer cada passo dado ou grito erguido. Quanto não ganho agora atirando ao vento cada pedaço vivido, cada momento, cada encantamento.

Bem aqui no meu peito guardo com jeito todo o amor lembrado, momentos sublimes que agora desvendo p’ra vos dar, inda que de novo nada digam, nada que não tenhais também p’ra segredar. Só por calar-me minha solidão acrescentei, fiz por esquecer beijos, carícias, delícias que agora quero relembrar.

Lembrar noites sob o luar, tanto de perder-me quanto de me dar. Desperta, sonhando, quantos sonhos construí, quanto fui feliz, quantos despertares em ti, quais momentos sem sentidos que jamais quero ver perdidos.

Quanto sou feliz.

Quantos momentos calamos? Um dia, um ano uma vida? A alma não quer segredos, não quer trabalhos tamanhos. Ter uma vida é cantá-la. Cada canto da memória guarda um beijo, um encanto que agora rememoro pois não quero viver num pranto. E cada muda lembrança faz lembrar eternidades das vezes que com mestria se trocavam quentes abraços p’ra aquecer as coxas frias.

Serenidade, harmonia, o que era impetuosidade, o que era tudo o que cria, é hoje alegre folia, experiência da idade. O que era breve e em quantidade, volveu calma terna, suave e alegre amenidade, quão doce cumplicidade.

Meus sonhos, já sonhados e ainda por sonhar, trazem sorrisos despertos que nunca deixo de espreitar como a um livro entreaberto. Nele leio hoje a ternura dos momentos de candura com que esculpia a doçura emanada da chama pura dos tempos de adolescente. Que lembranças desses tempos, enlaçavas os meus dedos, eu cobria-te de beijos de que guardamos segredos. Muito dei, muito me deste, bem sei que soubeste e leste nos meus olhos prazenteiros, quanto de bem nos sabiam esses momentos brejeiros.
 
Tacteei os teus cabelos, desvelos mil, tu foste Abril, foste caril, e eu guardei, de polichinelo, com elos dos meus cabelos segredos em amor forjados. Duelos de amor que, confia, não cochicharei ao prelo.

Se eu pudesse formular em cada dia um novo voto, o que eu mais prezava obter, era a certeza certezinha desse teu amor devoto. E se manhoso faltasses a esta minha bizarria, rogaria a uma fada que te lançasse uma praga, que mais nenhuma Maria te desse alegrias minhas. Exultas, se sem pagar transgredimos, fados, loucuras e mimos. Momentos em que nada faz sentido, donde depois nos levantamos com o ego bem erguido.

Já me conheces de cor, percorres calmo e sem pressas os caminhos do amor, desbravado, a desbravar, e eu, com tantos sonhos sonhados quantos os sonhos por sonhar, perco o norte ao planeta ainda muito antes da meta. Vem-te… aconchegar em mim. O peito em ebulição, a tensão acelerada, derretes-me, c’o odor que exalas, tocas-me, eleito, o coração. Acordamos, quedo-me apaziguada, elevo-me sem pudor, e vagueio num mar de odores fruto deste nosso amor.

Acendi o candeeiro, mal sabia ser já dia ! Saboreámos a vida, correu seiva, soltaram-se olhares por sobre mares navegados esta, uma e outra vez. Quem me dera sempre assim fosse, agora sei que nesses dias de que fazemos veras noites, noites de que fazemos dias, não são quimeras nem vãs as manhãs, os pôr-do-sol, eu e tu, os caminhos de abrasar que na certa já sabemos irem desaguar no mar.

Não vemos luas, nem sóis, vemos galáxias, e depois…

Se não crê, então experimente, não dói…
  

* By Maria Luísa Baião,‎ escrito Segunda-feira, ‎28‎ de ‎Novembro‎ de ‎2005, ‏‎pelas 14:12 horas e provavelmente publicado no Diário do Sul, rubrica "KOTA DE MULHER" nos dias seguintes.