terça-feira, 31 de maio de 2011

53 - CHEIRAR A RIO, OU A MAR…




Por isso a sonhei percebes?

Certo, desta vez não me bateu com os punhos fechados no peito como quando zangada sempre fazia.

Então, segurava-a até que acalmada  a enlaçava pela cintura e, porque leve, depositava-a naquele colchão de praia já velhinho, como se de oferenda a uma divindade se tratasse.

Ela, como uma pena, pendurava-se-me do pescoço e sorria-me com um ar matreiro de menina má, fingindo ignorar o que se seguiria e se tornara já mais que um hábito, uma dependência mútua, um vício.

Quando jovem, muitas vezes acompanhei meu “afô” Nuno em pescarias na ribeira do Guadiana.

Nesse tempo, e muito cedo apesar de verão, por cima das águas uma neblina leve e fina que me inebriava, pois nela latente o cheiro a rio, inexplicavelmente um cheiro a mar, uma névoa humedecendo-me as roupas, que se me colavam ao corpo como se hoje, no velho colchão, da primeira vez com ela, e em que eu, qual criança entretida com brinquedo novo, visivelmente excitado, suava abundantemente o prazer que nos colava os corpos e de cujo som quando nos libertavamos ríamos.

Vem desde aí a história do pedestal percebes-me ?

O amá-la como viciado percebes ?

Era cativante, metia-lhe os dedos em pente pelo cabelo macio, e vibrava com isso, ela e eu, mordiscando-lhe a nuca, segurando-a pelos peitos hirtos que me enchiam as mãos e a mente de remoinhos junto aos quais gostava de pescar, porque na confluência das águas estreitando para a azenha se juntavam cardumes como atraídos por íman gigante.

Vinha da pesca como vinha do colchão, cansado mas eufórico, realizado mas sedento, perguntando a cada minuto ao “afô” Nuno quando voltaríamos, se num dos muitos e pródigos feriados que ela, à força, arrancava à vida.
Ainda recordo a primeira vez que a vi e me estendeu as mãos macias como pele de pêssego, era um dia de sol, um dia em que, embora a esperasse, me encontrava imbuído de uma melancolia inconformada em que nunca me vira, nem tão ansioso nem tão iludido e, talvez por isso não tivesse sido, ou melhor conseguido, e me rendi à evidência de que até nos momentos de maior glória a ansiedade nos molda e inibe, nos tolda e confunde, nos marca e melindra.

São estórias do que devia ter sido e não foi, pois que embora os corações batendo em uníssono, ficámos tão atrapalhados quão insatisfeitos e eu, até aí tão confiante, jamais acreditei nos baralhos de cartas nem nos seixos dos rios, nas borras do café ou na leitura dos búzios, ciente de me enganar a mim mesmo e estar a fazê-lo, p’lo que nunca mais aconteceu um revés assim e, tão sofrida ela ficou que nem reparou no meu destino, escondido nas palmas destas mãos fechadas e lisas, e me perdoou o desaire que não se repetiu e me deixou rendido à sua bondade e beleza.

Neste caso, quisemos nós voltar a repetir uma e outra vez e tantas quantas estrelas tem o céu, pelo que o saldo está ainda por apurar e nós a haver o que de melhor cada um tem para o outro e que jamais se acabará nesta vida ou nas futuras, pois ambos sabemos não ser deste mundo este imenso querer irreverente e louco que, por muito que tentemos, saberá sempre a tão pouco.

Por isso a sonhei percebes ?

Verdade que não cerrou os punhos e me bateu no peito como quando zangada me fazia, verdade que ainda não fugiu entendes-me ?

Mas virá o dia em que não mais que sonhos, não mais que impossíveis e eu, que julgara nesse dia realizar pescaria pródiga, assistirei ao passar lancinante dos minutos, das horas, dilacerado p’la desilusão, toldado por uma frustração que nunca digerirei...  deixando meu “afô” Nuno carregar-me as canas e as mágoas, ciente de que só eu contava num mundo que nunca achei justo.

Aprendia a ser, a ter, e a perder o que de mais raro existe e do qual a ideia de posse é tão imprecisa quanto as distancias calculadas a olho, os sentimentos a peso, as dores ao metro ou o bem-querer ao litro.

Há muito meu “afô” Nuno me deixou, com amor o recordo, e com pena o lembro.
E recordo quanto me ensinou sobre o ser e não ser e o quanto hoje sou, graças a ele.
Lembro quanto me ditou sobre o ter e não ter, o que é nosso e não é, o quanto devemos dar e podemos exigir.
A ele devo este coração enorme que me anima, esta tolerância que cultivo, tanta placidez quanta conheceis em mim.

É por isso que, tu, menina má de cabelos macios, pele de pêssego e beleza infinda, sabei que és um sonho sonhado e repetido que de tanto o ser me foi, é, e será sempre mui querido...


sexta-feira, 27 de maio de 2011

52 - VERDADE OU CONSEQUÊNCIA?


Em abono da verdade o meu casamento não terminou agora.

Terá acabado algures em finais da década de oitenta quando, na véspera de uma viagem que a afastaria de casa por uns dias, colocava-mos a “escrita em dia” e ela, compenetrada da solenidade e importância do momento, olhos fixos no tecto enquanto eu numa arrancada final me esforçava por atingir as cem elevações por minuto e num sussurro extasiante vindo dela, um murmúrio, me alertava para o facto de não poder esquecer os saldos do StockMarket …

Jamais tive duvidas de que terá sido esse o exacto momento em que a rotina se instalou insidiosa, e aquele em que a partir do qual aleatoriamente fui aceitando o que se me oferecia, e descobrindo que a riqueza da diversidade era infinita como Darwin apostrofara séculos atrás, momento a partir do qual por mais que mo jurassem não acreditaria haver duas mulheres iguais.

E não há, como posteriormente tive oportunidade de confirmar.

Mesmo estiolado o rotineiro casamento aguentou-se por mais uma década, responsabilidades para com filhos e sua formação e emancipação, outras dificuldades logísticas e práticas, o meu comodismo quanto a cama mesa e roupa lavada, só entendi então quanto todos somos comodistas e conservadores, até nos hábitos mais comezinhos… mas também o meu sentido ético diga-se… se um homem se mete nelas é para as aguentar até ao fim, a honra assim o exige !

Mesmo que não tenha casado por igreja nem pronunciado alguma vez o fatídico “até que a morte nos separe”.

Uma ou outra vez fui apanhado em falso, sublinho em falso, com pretensas conquistas, não o eram, e como tal nada houve que o provasse. Tratara-se apenas de amizades que nem convenceram nem floresceram mas causaram agitação na família, eu diria que uma pitada de pimenta no nariz de um defunto que, descontados os espirros do momento, logo voltaria à sua rotineira letargia.

Mas com isso aprendi, aprendi quanto fui e ainda hoje sou torto, já que irritado pelas carecas descobertas, jurei a mim mesmo que se eu não me podia gozar das prebendas da natureza, também ninguém se gozaria das minhas, tendo dado início a uma exemplar vida de eremita e abstinente que nem o melhor padre vez alguma cumpriria…

Armado em paternalista (sempre o fui, sempre me fodi com isso e nem mesmo assim aprendi a lição) fiz varias tentativas para sair de casa e deixar todo o espólio material dos anos partilhados.

Quanto menos tivermos mais fácil se tornará a mobilidade e jamais voltarei a cair no erro de juntar mais que meia dúzia de livros, de CD’s, pares de meias cuecas camisas e calças.

Tudo que não caiba na bagageira de um carro é excesso, e cada vez mais me convenço disso, pelo que com o tempo fui abandonando um natural cariz materialista que a todos mais ou menos domina e me fui tornando tão espartano de hábitos e exigências, quão estóico na capacidade de sobreviver com meios limitados e em condições adversas.

Sair de casa era portanto a solução…

Procurei saídas, mas uma delas, num segundo andar da periferia e sem elevador não augurava nada de bom para mim, já ultrapassados os quarentas, ainda se ela fosse enfermeira... mas não era.

Outra não tive a menor duvida quanto a uma boa localização e centralidade, contudo a inexistência de uma garagem deitou por terra todas as minhas aspirações, não podia dar-me ao luxo de deixar a moto na rua, e onde guardar os capacetes e os fatos de cabedal ?

Uma terceira era, ou teria sido o paraíso, uma quinta no campo, espaços verdes, ambiente natural, ar puro, comunhão com a natureza, enfim, o único senão era o acesso, que obrigava a percorrer perto de dois ou três quilómetros numa estrada de terra recheada de covas e buracos, terríveis para mim que não tenho um jeep 4x4 mas sim um baixíssimo convertível, tão baixo como qualquer outro desportivo.

Ela recusou-se a dar trato à estrada e eu recusei juntar os trapinhos, um homem tem que acautelar determinadas situações, à primeira cai qualquer um, à segunda só cai quem quer né ?

Posto isto ainda estou com o dilema por resolver, e, como dizem, passando por um mau bocado, e precisando de um tempo… Uma situação complicada... 

                     Percebem não percebem ? …

segunda-feira, 23 de maio de 2011

51 – MONSARAZ, UM HOMEM E UMA MULHER...



Com ou sem razão, verão como a ela devo tanta da felicidade de que hoje desfruto, mau grado a avalanche de problemas com que, como qualquer de vós me deparo, uma coisa não faço, acumular, arranjar ou tornar problema qualquer coisa que racionalmente possa ser resolvida. Razão tinha uma ciganita que há cinquenta e alguns anos me leu a sina;

 

- Deixa lá, o que interessa está para vir, não te aconteceu ainda, não te preocupes pois com o que foi, não tem qualquer importância, repara nesta linha da tua mão, vida e amor a perder de vista !


Sortudo !

Passa para cá não uma mas duas moedas !

E vai contente !

O futuro é contigo  !

 

Tudo que agora rememoro começou com uma subida que um dia, há muito muito tempo me levou ao varandil, como ainda hoje é chamado aquele lugar encantado que cobre a cisterna de Monsaraz, terra onde nasci e onde vivi estórias prenhes de ventura. Meditando acudiram-me à memória esses tempos de adolescente, em que, nesse terraço mas num outro mundo diria, tive a minha maravilhosa experiência de iniciação.

 

Daquela aldeia/vila sou natural, ali passei nesse tempo e num mundo encantado muitas férias estivais quando rapaz, ali deixei gravadas no xisto rude das pedras, paixões e recordações vividas em dias de festa, ou não, a que junto as lembranças de umas quantas gasosas e outros tantos pirolitos. Nas noites de luar e frescas todo o mundo buscava o varandil, dali se avistavam, e avistam, terras de Espanha e Portugal. Badajoz e Elvas, contam-se entre elas e todas as que a nossa vista dali consegue alcançar, agora com a moldura enriquecida pelo espelho das águas reflectidas do lago de Alqueva me lembram um conto de fadas.

 

Pensando numa dessas noites encantadas senti recuar no tempo até aos meus doze, treze ou quinze anos. Entre muitas outras, grata me é a recordação de uma boneca loura, de tranças até à cintura, e por mor de quem aprendi toda a catequese. Por mor dela ganhei também, a paciência e o coração que tenho hoje, grande, enorme, capaz de albergar toda a gente. Tudo porque a ela devo ter-me aberto os olhos para a amizade, o amor, a dádiva, a entrega, a solidariedade, a comunhão, coisas em que pacientemente me iniciou, ela, que a menarca tornara mulher de um dia para o outro, a mim, adolescente imberbe e tímido, confesso devedor eterno da sua sabedoria.

 

Com ela tudo que havia a aprender aprendi, a suavidade no trato e nos gestos, postura e compostura, o comedimento nas palavras, a diplomacia do contacto, o cavalheirismo, a etiqueta para com o sexo oposto, pois que, como me dizia, os géneros eram três, a saber; masculino, feminino, e as mulheres, pelo que havia que ter sempre em conta que essa coisa que ainda hoje dá pelo nome de gramática, era manifestamente insuficiente para regular as relações entre as espécies. Hoje tudo isto parece inconcebível, hoje, que tantos advogam o contrário daquilo em que formei carácter e personalidade, enquanto levianamente confundem especificidades e géneros.

 

Feministas ferrenhas fazem por ser tão rudes quanto os homens de barba rija, e estes, maioritariamente se entretêm cultivando modos efeminados, quando não um marialvismo mais ibérico que latino, ou um machismo que os poderá levar a Hollywood mas dificilmente ajudará a conquistar um coração tão especial e sensível como o que qualquer mulher guarda que nem tesouro.

 

Certas gentes não entenderão pois que, passados tantos anos e tão arreigado aos hábitos, eu os mantenha, inda que aparentemente fora de moda, num tempo em que para mim já nada contam esses fantasiosos pormenores, tão enleado me encontro de problemas mais prementes, questões mais candentes e assuntos mais importantes a que dedicar atenção e energias, pelo que, correndo embora o risco de um epíteto desqualificativo por antiquado, cá vá fazendo rodar rodas da minha nora para que os alcatruzes não assomem vazios, mas sempre cheios de amizade, alegria, jovialidade, esperança, amor, graça, deleite, gáudio, e um espírito sempre em festa, disseminando-o por onde passo.

 

Contudo e mau grado de quando em vez esqueço estes ensinamentos sábios e erro, como qualquer mortal, pelo que desculpa peço já a quem tenha melindrado. Não sou pretensioso, mas extrovertido, dono de auto-estima e segurança em excesso, factores que  aliados em muitas ocasiões contribuem para que me julguem mal.

 

Porém, entre um pirolito e outro, coisa que muita gente nunca viu nem saberá o que é, ou foi, lembro ainda essa minha amiga a quem tanto devo e que nunca mais voltei a ver senão nos tempos do PREC. Com ou sem razão, a ela devo tanta da felicidade de que hoje desfruto, mau grado a avalanche de problemas com que, como qualquer de vós me deparo, uma coisa não faço, acumular, arranjar ou tornar problema qualquer coisa que racionalmente possa ser resolvida. Razão tinha uma ciganita que há muitos anos me leu a sina;

 

- Deixa lá, o que interessa está para vir, não te aconteceu ainda, não te preocupes pois com o que foi, não tem qualquer importância, repara nesta linha da tua mão, vida e amor a perder de vista !

 

Sortudo !

Passa para cá não uma mas duas moedas !

E vai contente !

O futuro é contigo  !

 

O PREC, Processo Revolucionário Em Curso, que de novo nos juntou e fez com que nos tivessem esquecido, também nos separou e, advogados poderosos, já depois de toda a sua família resguardada no Brasil, recuperaram-lhes as herdades perdidas que rapidamente venderam aos espanhóis, tendo sido a primeira transacção do género, hoje tão contestado, de que tive conhecimento.

 

Mas enquanto nos esqueciam, preocupados com greves, manifestações e ocupações de terras, nós vivíamos olhos nos olhos, saciando a saudade, a vontade sempre espicaçando a nossa sede de redescoberta, de tal forma que nas suas mãos me fiz homem maduro, e dela fiz mulher a sério, coisa que muito nos honrou e a ela devo, uma dívida de gratidão inesquecível e imperecível. Quantas vezes, com quanta saudade e desejo volto a recordá-la só eu sei, já nem lembro bem a sua fácies, meio século se passou, mas a beleza que irradiava, a doçura que exalava, tocaram-me de forma tão profunda que, em cada mulher a revejo, em cada mulher a considero, em cada mulher a venero e lhe agradeço o tanto que lhe fiquei devendo.

 

Será que a ciganita tinha razão e eu andei e ando por vezes perdendo tempo com problemas que o não são ?



domingo, 22 de maio de 2011

50 - QUE NOITE AQUELA !!!!! ..........




Não me lembro de nos ver a cada um agarrado a uma perna de galinha, isso não, mas ainda recordo a mesa farta, a enorme profusão de garrafas e canecas, o fumo denso pairando no ar e traindo todas as disposições deste país de loucos.

A Sandra parecia uma papoila, alegrou a coisa, não largou o Florentino nem a Beatriz, filha de ambos segundo a Cédula Pessoal e o que os dois garantem a pés juntos.

Foi a festa mais informal em que já me vi, mas em que toda a gente, até eu, nela entrei com esmero e saí direito, ainda que de mistura com as despedidas não tivesse havido amigo e convidado que não tivesse contemplado com solidário encontrão, pois que aquela hora tardia já me custava bastante andar direito nos degraus que o chão não tinha.

A Luisinha, como costume não me largou da mão, adoro levá-la àquelas festas, ela que nunca quer sair e me deixa com a consciência pesada quando o faço, mas que adora ver-se metida nestes convívios até à raiz dos cabelos !

A tarde de sábado tinha-se apagado como se apagam os dias tristes em que vai chover mas não chove, tomara banho, mudara de roupa e rumara àquele antro de amizades e segredos, de tertúlia e de degredos, carregado com a minha parte no repasto, mais não que dúzia e meia de garrafas de tinto alentejano da herdade da Chaminé, que aliás pouco duraram e foram as primeiras a esgotar-se.

Tal qual como quando era miúdo, e as chapeleiras dos carros eram adornadas com um cãozinho de loiça que, c’os solavancos abanava a cabeça, assim a Dádinha se mantinha, num tente não caias constante e prodígio ou maravilha do poder da mente sobre a vontade do corpo.

Foi uma noite de sábado e de revivalismo, ou saudosismo, pois jamais me passara pela cabeça que cada uma das madamas presentes tivesse honrado a mesa com receitas que me lembraram os tempos de menino e neto, em que os meus pratos preferidos me acudiram à mente tortuosa com uma autenticidade e um rigor que as delícias na mesa não desmentiam e me fizeram regressar à meninice.

O Miguel, fazendo jus ao seu carácter esponjoso, aviava copo atrás de copo como quem não era com ele e mais parecia taberneiro servindo os outros.

Como sempre, para ele, foi o mesmo que beber nada.

A Bella ficou de aparecer mas cortou-se, acho que num dos dedos dos pés quando aparava as unhas, pelo que ficou a promessa de na próxima se deixar levar por uma limusine ás suas ordens.

Era uma mesa sedutora a que me conteve até ás tantas no seio de toda aquela gente tão desbragada quanto eu, portanto gente irrepreensível que, propositada ou inadvertidamente provocou em mim um regresso ao passado, esse tempo vivido sobre uma infância ingénua e inocente a que jamais algum mortal logrou voltar.

Prometendo dietas ficou a Laurinda a noite inteira, como se a consciência lhe não perdoasse o excesso, ou como se aquele fosse o primeiro dos muitos que habitualmente condena. 

ehehehehe !!!!!!!!!!!!!!

Por isso aquela imagem, as amizades e a mesa que rodeávamos, mais que memórias, foram para mim legendas dos pratos de torresmos da minha infância, do café com brasa dentro, e feito de cevada no lume brando de uma chaminé descomunal, onde o pingo das linguiças no fumeiro prantava de quando em vez nódoas nos incautos e os gatos sopravam, se, por descuido alguém o rabo lhes pisava.

O Tozé desta calou-se que nem um rato, nem imagino o porquê, logo ele que vulgarmente fala pelos cotovelos mais parecendo um actor de teatro, que não é mas com os quais fala! 

ehehehe !!!!!!!!!!!!!!!!!

A seu lado, e numa de solidariedade, a Laurinha aparava-lhe o jogo e as boquinhas, toda ela simpatia, toda ela sorrisos, aliás, como sempre !

Bem, depois foi todo um desfilar de recordações que, iniciadas nas azeitonas, na rechina (ou rexina) e nos torresmos, contornou pelos dois lados os anos de primária, os brinquedos de lata pintada, cortantes e tóxicos até mais não, estendendo-se aos incipientes namoricos e paixões de rapazolas, às primeiras fotos de mulheres nuas que, se comparadas com as de hoje mereciam uma medalha pela ousadia, às matinés e aos filmes, às vidas de cada um dos comensais e aos seus fios condutores, numa recuperação de acontecimentos de que toda a gente riu pelo ridículo das coisas, pelo valor nelas colocado e hoje de todo desmesurado.

Bem… o máximo foi mesmo o Máximo ! Cujo nome não engana ninguém e tem uma auto-confiança de fazer inveja ao mais seguro de si, que por acaso não estava, tinha saído para a caça ! 

ahahaha !!!!!!! (*)

Sempre pensei que o convite deste sábado tivesse uma razão, e tinha, embora não a que imaginasse, antes a de playar entre nós, viver e recordar, vitórias, derrotas, ansiedades e exaltações de nossas vidas, vidas tão humanas e simultaneamente sem sentido ou significado, ou pelo menos o que na altura atribuímos aos trabalhos e aos prazeres pelos quais éramos passados como churrasco no braseiro.

O César fez as honras da casa e de anfitrião, queimou a merda dos frangos mas preparou uma óptima salada e teremos que lhe perdoar ou para a próxima não há convívio.

Sorte a dele o sacaninha !

Tempos em que todos sem excepção nos sobrepusemos aos medos e receios que cultiváramos, para nos encontrarmos ali, nessa noite, em que embora não fizesse parte do reportório o mesmo acabou recordando as nossas audácias, talentos, convicções, contradições e manias, manias que alguns de nós ainda alimentamos como parte intrínseca da nossa individualidade e carácter, um carácter capaz de rir dos idiotas que fomos e das parvoíces pintadas no decurso de vidas mais instintivas que programadas e, que agora, nesta noite, se encontraram para se reverem na coragem feliz e possidónia de cada um, e cada uma, a que a travessia da vida nos conduziu, hoje ostensivos amigos entre todos mas, e coisa incrível e quase inacreditável, assíduos amigos uns dos outros e dos folguedos mais inverosímeis que imaginar possamos.

A Mariazinha tornou-se tão leve, tão leve e tão fina que mais pareceu ter-se evaporado embora toda a gente saiba que muito do que correu bem a ela se deveu.

Havia mais uma dúzia de gente cuja cara ou nome nem consigo lembrar do Wilson à Violeta, mas estavam adoráveis e irrepreensíveis, quem não veio que se arrependa e medite o quanto perdemos com a sua falta, e que não falte portanto para a próxima, traga um cesto recheado de iguarias, pois por muitos que tivessem sido os queijos naquela mesa não chegaram nem para as primeiras quatro horas, pelo que urge que mais gente de boa vontade se inicie naquelas lides, e que, para não se envergonhar, participe com um cestinho bem recheado das especiarias que mais gosta, ciente de que serão os outros quem primeiro as comerão e valorizarão !

Apesar de tudo, quero mais ! Ufa !

Este sábado está passado, bolas e com que sacrifício !


(*) - o amigo Caifás :)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

49 - PAU DE CANELA ... (3ª de 3 crónicas) .................




Lembram-se da crónica anterior; “Não é o que Pensam”, em que vos falava dos meus amigos e em que propositadamente deixei para depois a Filipa e o Afonso ?

Pois chegou a altura de vos falar deles, um bom par de jarras !

Em primeiro lugar explicar-vos que muito aprendi com o Afonso, mais velho que eu meia dúzia de anos, o que quando jovens era uma diferença abissal, em idade e em sabedoria ! (conhecemo-nos desde que nos encontrámos, gaiatos, roubando pistolas do Zorro das montras dos feirantes durante o S. João ! )

O Afonso foi um dos primeiros ganzas existentes nesta cidade, (quando ainda nem na droga se falava já ele andava sempre “apanhado”), e um dos primeiros que, nas então recém inauguradas Piscinas Municipais de Évora, ousava ou aventurava-se a mergulhar da prancha olímpica dos dez metros para o poço respectivo, com a arte, harmonia, beleza, e sedução tão próprias aos mergulhadores das falésias de Acapulco !

Filipa era médica fazendo o internato no, nessa época denominado Hospital da Misericórdia e a ela “roubado” pelo estado no pós 25 de Abril, hoje Hospital Distrital, mais concretamente Hospital do Espírito Santo.

Filipa foi seduzida em primeiro lugar pelo porte altivo do Afonso, pelo garbo com que mergulhava, e, dizem as más-línguas que, numa fase posterior, pelo modo como lhe chupava os dedinhos dos pés e o resto.

A verdade é que se enlearam e não havia dia em que não fossem vistos tomando a bica juntos, ou se embrulhassem, por vezes em plena piscina, onde não havia quem não reparasse tal o escarcéu que faziam, mas, continuemos, bica que o Afonso já então remexia com um pau de canela, dizia ele que para disfarçar o hálito de odores do tabaco e da erva.

Tal foi o tempo que a brincadeira de se enrolarem durou que ainda hoje basta ao Afonso o cheiro da canela para ficar com pica, tal o poder da sugestão numa mente tão desbragada e voraz quanto a dele.

A verdade é que miradas duas tatuagens, uma de um golfinho no braço direito e outra de pétalas de rosa na omoplata esquerda, e remirados os dentes da Filipa pelo Afonso, tal qual se faz ás mulas, aos camelos e se fazia aos escravos, ele aceitou um compromisso entre ambos desde que excluída ficasse a fidelidade, coisa que afirmava ser incapaz de respeitar mas que eu curiosamente suspeito, e todos os seus amigos seriam capazes de apostar forte, ele não ter até hoje, e já lá vão perto ou mais de 30 anos, não ter dizia eu, quebrado !

Mas não pensem que tudo foram sempre rosas.

Em primeiro lugar, sendo ganza tão jovem, Afonso não parava em emprego nenhum até que por influência de um padrinho (isto dos padrinhos não é só de agora), lá conseguiu uma vaga de gato-pingado primeiro e de maqueiro depois, no citado hospital.

Durante uns tempos conseguiu de modo mirabolante evitar a Filipa, médica lá mesmo recordam ?

È que o Afonso intitulava-se engenheiro de recursos hídricos ou coisa do género, com os anos perdi muitos pormenores, ou confundo-os, compreenderão e desculpar-me-ão certamente.

Finalmente uma noite a coisa deu-se, a Filipa estava de banco, requisita um homem que levasse um doente ao Raio X e aparece-lhe o Afonso, de bata azul, barba por fazer, beata atrás da orelha, e tão surpreendido quanto ela embora já esperasse que um dia a coisa desse barraca !

A Filipa corou e ferveu de tal modo que o olho estrábico ficou emparceirado com o outro pela primeira vez na vida, mas não se desfez, deu-lhe uma ordem seca e autoritária e pediu-lhe que não voltasse enquanto o doente não viesse com a chapa na mão.

Consta que no dia seguinte em casa dele ou dela teve lugar uma enorme discussão que durou pouco e redundou em amor pelas cadeiras, mesas, balcões de cozinha, carpetes, sofás, e este apontamento, ainda recordo como se fosse hoje, o facto do Florival se me ter queixado ter ido lá a casa reparar um candelabro que nem sabe como teria sido literalmente arrancado do tecto, mais tendo parecido, palavras dele, alguém no mesmo se ter pendurado propositadamente !

Certo certo é que deixaram de ser vistos juntos, os colegas da Filipa jamais lhe perdoariam a opção por um maqueiro, não me atrevo sequer a aludir ao que ela eventualmente tenha pensado, o Afonso desapareceu do hospital e da cidade pois durante bastante tempo não lhe pusemos a vista em cima, e foi, foram visto juntos pela primeira vez após o “embate”, num ginecologista, que lhes disse tratar-se sim de um alarme falso, e não só a Filipa não estar grávida, como nunca o estaria, pois tudo indicava que, infelizmente, jamais algum dia o ficaria.

Sei que por esses anos da década de oitenta, quando as taxas de juros atingiram valores astronómicos, só batidos pela inflação e pela desvalorização do escudo, tornando inevitável a entrada à bruta do FMI no país e a saída de divisas para o estrangeiro, o Afonso ganhava a vida levando grandes quantias, em notas, de Portugal para Espanha, iludindo a alfandega, dinheiro que depositava numa conta que abria em nome do mandante em Badajoz, serviço pelo qual cobrava uma comissão e “gancho” que igualmente o influente padrinho lhe tinha arranjado, ao qual dava cobertura e afiançava.

Correu tudo muito bem durante algum tempo até que lhe coube a responsabilidade de uma maquia maior que ele não resistiu a depositar em nome próprio, tão certinho como eu estar vivo e ele saber que do lado de cá o queixoso simplesmente não se podia queixar, tendo sido por esses tempos que cagou finalmente no padrinho, que todavia quando o Afonso completou a sua formatura universitária lhe perdoou tudo mais uma vez, e tratou de mover influências tais que o Afonso, que sempre tivera sido um óptimo maqueiro, se viu repentinamente guindado à Administração de uma Empresa Pública como por obra e graça do espírito santo.

Anos mais tarde o seu terno e incomparável padrinho, já velhote e que por isso ou por mor de uma amante 30 anos mais nova, morreria de maneira fulgurante e de um modo tão pouco ortodoxo que obrigou a que tivessem que lhe partir o membro para que não descansasse no alaúde de bandeira levantada !

 Não sei se o Afonso comprou o diploma que hoje ostenta ricamente emoldurado na parede do escritório.

Sei sim que durante cinco ou seis anos frequentou uma universidade dessas privadas cujo aparecimento era recente e onde se deslocava todos ou quase todos os dias em carrão próprio, aguentando todas as despesas e, viemos a saber depois, em cumprimento de promessa feita à Filipa, que já não teria motivos para se envergonhar dele.

Correram-lhes as coisas tão bem que a Filipa é Directora Clínica na sua especialidade, o Afonso é gestor de uma grande mas grande Empresa Pública, ambos usam fato e gravata das nove ás cinco, e, talvez por isso, é vê-los emporcalhados e fazendo chavascal quando saímos daqui nos nossos célebres passeios de moto, aparando-lhes a baba e o ranho, limpando-lhes o vomitado, e até o cu já uma vez calhou, e por mais que uma vez um dos nossos penduras encartados teve que trazer a mota e eles virem de táxi tão bêbedos estavam, pelo que só posso garantir serem amigos do peito e insuperáveis, desejar-lhes felicidades, e a vós garantir-vos não haver médica mais atenciosa, nem gestor de maior sucesso e tão bem engravatado, e pago, pelo que se vos cruzardes com eles na rua não hesiteis num caloroso cumprimento, são cidadãos de primeira apanha, apenas ela detesta mergulhadores e ele o cheiro a erva que por vezes paira no ar, coisas de somenos se em conta tivermos o facto de santos naquele grupo só eu, mas já sabem, de mim não falo, não vale a pena e já me vão conhecendo de ginjeira.


Afinal convenhamos que somos todos gente normal não ? 


segunda-feira, 16 de maio de 2011

48 - NÃO, NÃO É O QUE PENSAM ... (2ª de 3 crónicas)




Não que tivessem sido muitas as mensagens recebidas e suscitadas pela anterior entrada – RODOPIOS E SACANICES… e todas tiveram resposta em tempo útil….

Entendam lá todas de uma vez que não há anormais naquele grupo, nem bipolares ou duplas personalidades.

Concedo que determinados comportamentos são extravagantes, eventualmente criticáveis, impróprios até, mas não esqueçam que os meus amigos são um exemplo do mundo, exemplo de tendências e atitudes, doutrinas, credos e comportamentos, não um grupo de santos e santas, de castas virgens, abnegados celibatários ou promíscuos e infiéis.

Há ali de tudo como na farmácia, e acreditem-me, apesar de vos ter relatado uma atitude nada dignificante de um dos membros, e nós fomos os primeiros a assumir essa crítica, são de resto gente digna, trabalhadora, respeitável, aliás como qualquer de vós, ou não fariam parte das minhas amizades.

Ouvi-me.

Vou começar pelo Hélder, de longe o que mais e com maior razão foi criticado. Filho de pais ricos mas de cuja riqueza sempre prescindiu.

Cursou com sucesso uma prestigiada universidade portuguesa, construiu uma carreira profissional invejável, trabalhou até tarde muitas noites, fins-de-semana e feriados, alcançou o pícaro e o êxito, gastou quanto ganhou, comprou casa, bons carros, gozou boas férias, casou com a mulher que elegeu e por quem se apaixonou numa dessas viagem de avião em grupos de turistas.

Filho único, menino da mamã, de todas essas benesses abdicou para se afirmar individualmente, daria a camisa a quem dela precisasse, é culto, fluente em várias línguas, e não tem filhos porque a carreira não lhe deixou tempo para tal, hoje bendiz o facto de não os ter, dantes queria-os como quem quer um brinquedo.

A nossa adesão à CEE traíu-o, a empresa onde exercia funções de quadro superior deslocalizou-se como agora se diz, aos quarenta e cinco anos está desempregado, ninguém o quer, é velho, começou a beber, ninguém consegue travá-lo.

Compreendo-o, não o desculpo.

Verónica, a esposa, academicamente é Engenheira de Recursos Hídricos, todavia depois de suar as estopinhas para ser hospedeira da TAP, o casamento com o Hélder foi uma libertação.

Esta menina bem comportada que quase foi freira por iniciativa própria, quando adolescente, remetida ao lugar de doméstica por vontade do marido, por tédio ou por contestação a esse facto, tatuou-se, aplicou piercings e quando encostada a um balcão cai frequentemente no exagero.

Não prejudica ninguém.

Dizem as más-línguas que o sogro, velho, morreu de enfarte quando a viu aparecer com as tatuagens e os adereços bárbaros como amorosamente o marido se lhes referia.

Não ter filhos só ajudou a incompatibilizá-la com a sogra e com a vida.

Fuma que nem uma desalmada e é uma pessoa extremamente carente.

Acredito que se casou por amor, muita gente não.

Problema dela, não nosso.

D. Apolónia é uma daquelas mulheres com o cu debaixo dos braços, viúva, doméstica, proprietária, nunca fez nada na vida, tem a quarta classe antiga inacabada, não entende porque não se obrigam as criancinhas à catequese e dois ódios de estimação, a Verónica, que lhe roubou o filho e matou o marido e a Direcção geral de Contribuições e Impostos, um bando de gatunos que só querem o que os outros conseguiram com muito suor.

Nunca soube a quem terá pertencido o suor a que se refere, uma vez que trabalhar jamais, criadas usa e abusa a uma média de duas por ano, no mínimo, e o marido idem enquanto foi vivo.

Analfabeto, sempre viveu da especulação imobiliária, influências, compadrios, negócios, e, dizem os maldizentes, financiando as campanhas de um determinado partido.

Deixou a viúva inconsolável, cheia de propriedades, contas bancárias, cadernetas de aforro e acções do BES e do BCP.

Nunca terá vertido uma gota de suor ainda que soubesse do que se tratava, tanto que era coisa que evitava com a maior precaução.

Compreenderão agora os pruridos do Hélder em ter querido vingar sozinho ou em viver da herança paterna, uma vez que a falta de emprego o força a engolir o orgulho.

O Maurício (Pilha-galinhas) é um bom profissional de próteses dentárias que nunca conseguiu realizar-se academicamente, nem fazer carreira profissionalmente, falhou quatro ou cinco casamentos, segundo parece não por culpa própria e hoje, à falta de melhor e com uma idade que já não lhe permite devaneios ou sonhar com os filhos que queria e nunca teve, acalenta contra as mulheres algum ressabiamento que todavia não deixa transparecer e entretém-se a coleccioná-las.

Faz o mesmo com sutiãs e cuequinhas que guarda numa gaveta, ao natural (por lavar) e embora não etiquetadas, sabe a quem pertenceu cada troféu e recorda o episódio que lhe está associado.

Ninguém gosta de ser visto na companhia dele, sabe-o porque todos já lho disseram e criticaram a conduta, e, apesar de não tratar nenhuma mal, talvez por ser um romântico ou um par livre não lhe faltam solteironas, mais parecendo que as atrai como a merda atrai as moscas.

A Fátinha, com quem anda vai para seis meses, quanto a nós um record, só o aguenta por precisar, quer assentar nem que seja à força, tia promete não ficar, ele é sósia do maricon do George Michael, motivo mais que suficiente para ela, sei-o.

Bissexual, ou lésbica assumida, para ser mais preciso, a Gina morre de amores pela Fátinha, aliás foi por a andar espreitando que deu com o carro da Verónica metido na garagem do homem por quem nutre carradas de ciúmes.

Nas horas vagas curte com o cabeleireiro lá da rua, para disfarçar e calar as más-línguas.

Quem não me vai perdoar estas linhas vai ser a Mariazinha, mas posso bem com ela, o máximo que me poderá acontecer é levar com uma tarte pela cabeça abaixo e ficar um ano ou mais sem que me fale, é assim que ela procede, é muito opiniosa e adora acompanhar connosco.

Está apaixonada desde os bancos de escola pelo Hélder, por ele não casou com mais ninguém, embora não admita isto toda a gente sabe ser verdade, talvez seja virgem e é conhecida entre nós pela boquinha de broche.

Não imagino porquê, apenas que tem um falar muito baixinho, muito suave, nunca acima da meia nota quanto mais de um lá menor, e ainda que ninguém perceba de música, todos concordamos que aquela boquinha é de sonho e daria uma boa tocadora de pífaro !

Acredito que se conquistar as boas graças de D. Apolónia receberá o Hélder por recompensa, ele ainda não sabe mas não é coisa que lhe faça diferença, sabido ser  como é obediente á mãe e adorar brincar com instrumentos de sopro !

Uma vez em Gerez de La Frontera….

É melhor ficar calado. (não contem a ninguém), mas certa noite, à beira mar em Puerto de Santa Maria, todos com uma piela de caixão à cova, o Hélder e uma tal Pilar ou coisa parecida, enroscados por causa do frio, o aparelho dos dentes da Pilar cheio de efeitos multicores brilhando no escuro como pirilampos…

O Hélder andou a tratar-se mais de um mês, ficou todo escalavrado!...
O Amor é Fodido! ( Miguel Esteves Cardoso, não recordo a editora) mas ninguém desiste dele!

Quem falta ?

Atenção !

Chamada !

Quem falta !

O Leandro Rosa Silva, advogado, homossexual, parceiro a cem por cento, compicha, (eu sei que se escreve compincha), verdadeiro Adónis, cultor do corpo, do carácter e mais homem que muitos homens.

Finalmente a Filipa e o Afonso, de quem não vos vou falar hoje pois só eles dão uma crónica, lembrem-me um dia de vos falar deles, vale a pena, ela porque não se cala um minuto, ele porque é raro ouvir-se-lhe algo.

Um casal deveras curioso este, mas não é por isso que merecem uma atenção particular.

Mais tarde falaremos deles, até por ter que lhes comunicar o facto e saber até onde poderei ir.

Afinal convenhamos ser tudo gente normal não?

Como vós, como eu, e falto eu !

Mas a mim já vocês conhecem, de mim nem vale a pena falar né?


domingo, 15 de maio de 2011

47 - RODOPIOS E SACANICES ... ( 1ª de 3 crónicas)



A partida era às sete.
Não eram habituais atrasos.
Alguém lembrou que na véspera ouvira umas conversas esquisitas enquanto emborcava umas canecas, culpando a mãe, mas… quem liga a quem nessas ocasiões?
Eram quase oito horas, partimos, eles que dessem depois mais gás à máquina e talvez nos apanhassem no caminho, era norma, não normal acontecer, mas norma.
Até porque ou nos púnhamos a abrir ou nem um metro de praia onde estender a toalha quando chegássemos, sabido não haver maricas nenhum de Lisboa que não parecesse buscar o sol de Sesimbra.
Abalámos chateados, atrasados, recuperando o tempo acelerando a fundo e ultrapassando uns pela esquerda e outros pela direita, foi um espectáculo, um verdadeiro festival, não fazíamos uma destas desde a viagem a Faro!
O dia foi bem passado, mau grado eles não atenderem os telemóveis nem terem ligado ou aparecido.
No regresso, já sem pressas, fome ou sede, coisas que atiráramos fora em Vendas Novas, a capital das bifanas e da parvoíce diz sempre o Afonso, rumámos aos arredores e à quinta onde viviam, nada.
O jipe e a moto do Hélder estavam debaixo do telheiro habitual, do Mercedes da Verónica nem sinal.
Tudo fechado, certo que eram vinte horas, mas nem uma luz, um sinal, nem do alarme, o Farrusco e o Tirano esfomeados e sedentos, ali havia gato, 
– e cão –, rematou o Afonso.
Rumámos a casa da mãe, que distava quilómetro e pouco, na mesma propriedade.
A Verónica tinha sido hospedeira da TAP, toda “não me toques” até casar com o Hélder, órfão de pai seis meses depois de casar e no dia em que a mulher apareceu ao sogro com uma carrada de piercings mais umas tatuagens, uma delas, uma borboleta dois dedos acima do rabo e que, diz quem sabe, foi a culpada do enfarte do velho.
Chegámos, D. Apolónia veio a terreiro sem precisar sequer que a chamassem, que a culpa era nossa, que nunca tivéramos juízo e ao filho só fizera mal ter-nos conhecido e acompanhar-nos e práqui e práli.
Bem quis esclarecer o caos, parei a moto, desci, avancei e;
– Já aí quieto meu maricas de galarito!
Tu és o pior de todos!
Nem mais um passo!
Quanto mais velhos menos juízo têm!
Ainda tentei balbuciar qualquer coisa mas D. Apolónia, embora com menos uns anitos que eu sempre me tratara por tu, com indisfarçável indiferença e menos respeito ainda, coisa que nunca compreendi mas sempre aceitei, era mulher rude, campónia, mãe do meu amigo, nunca pensei casar com ela, pelo que tanto se me dava como se me deu, naquele dia deu.
D. Apolónia mas…
- Já te disse meu maricas!
Põe-te fora daqui e já!
Paneleiros!
São todos uns paneleirões, paneleiros e putéfias, meu rico filho com quem se meteu!
Por tua causa e de outros como tu, meu merdas, é que…
Não adiantou, não conseguimos arrancar nada de nada a D. Apolónia, mas, a julgar pela coisa algo se tinha passado, e grave.
Certo que tinha partido de Évora protegido pelo meu fato de cabedal azul, o escuro, mais fresco, mas àquela hora estava de bermudas, uma camisola de manga cavada até à cintura comprada com o propósito de deixar mostrar os músculos e a beleza deste corpinho, o cabelo de um azul-marinho lindo, enfim, tudo adereços que em vez de acalmarem mais espevitaram a ferocidade de D. Apolónia, uma daquelas pessoas cheias de narda e de propriedades mas carente de massa cinzenta, para quem a frase “todos diferentes, todos iguais” seria mais uma coisa provinda desse novo jogo do “soduku” que um qualquer pensamento profundo, uma vez que era mulher mais propensa a coisas práticas.
Debandámos.
Já pela meia-noite a Gina viu o Mercedes da Verónica com o focinho enfiado na garagem do Pilha-galinhas, mais concretamente o Maurício, estranha coisa, pois o Hélder e o Maurício eram inimigos figadais há anos, telefonou à maralha, a maior parte de nós na feira de Reguengos, e lá acorremos pelo que quando batemos à porta éramos já um grupo coeso de amigos na farra, grupo a que só faltavam o Maurício, a Verónica e o Hélder.
Foda ou canelada?
Foda…
A Verónica tinha uns olhos de quem chorava há um mês, por ela ficámos sabendo metade da história, pelo Maurício outra parte, faltaria o Hélder, cujo paradeiro todos desconheciam e cujo depoimento esclareceria e comprovaria os pormenores em falta, os dados adquiridos, e o facto de, na passada semana a Verónica e o Hélder se terem engalfinhado.
Ela dera-lhe um pontapé, ele, ferido no seu orgulho de macho latino ripostara com um “cabra de merda, a minha mãe é que tinha razão” e atirara-lhe um murro ao focinho que a deitara por terra e pusera a sangrar.
Ela apenas se lembra de ele a ter posto na rua, arrancado as chaves de casa, gritado galdéria de merda não me voltes a aparecer diante que te fodo o juízo todo, e ter abalado, a pé, chorando, para casa da mãe.
Segundo a Verónica confidenciou à Filipa, a exaltação adviera da estreia, umas noites atrás, duma fantasia de enfermeira, coisa que sabia agradar ao Hélder, que já se queixava das máscaras, das capas e dos chicotes e algemas, coisas de que andaria a ficar mesmo farto.
Despeitada e metida na rua a Verónica rumara ao único homem que há muito lhe prometera e prometia o coração, o Maurício, não por acaso conhecido pelo cognome de Pilha-galinhas…. em cuja casa se instalou de mesa e pucarinho, que é como quem diz de armas e bagagens, mostrando ao Hélder não precisar dele para nada.
Só que as coisas nunca são assim tão fáceis.
Enquanto a Verónica e a Filipa entre lágrimas e juras, planos de vingança e contenção, se esclareciam, o Maurício abria a matraca ao ouvido do Leandro para se lamentar que toda a vida tinha tentado saltar prá cueca daquela gaja, sem qualquer resultado, chegara a ponto de lhe prometer e jurar amor eterno, e nada, e casamento, e nada, a não é que agora a tinha ali, ainda por cima para ficar!
E logo agora que nada lhe convinha, que já tinha férias combinadas, pagas e repartidas com a Fátinha em Porto Covo, e aparece-lhe esta gaja em casa, sem avisar, sem dizer água vai água vem, a meter-se-lhe na cama, fogo, não via que mal tivesse feito a Deus para merecer aquilo, e agora?
E agora quem é que lhe tirava a gaja debaixo porra?
Tou mesmo a ver que mais dia menos dia o Hélder vai chorar no meu ombro depois de umas cervejolas, vituperar a mãe e a moral de merda da velha, mais a própria estupidez por lhe ter dado ouvidos, chorar pela Verónica e cagar-me calças e blusa de baba e ranho e eu, farto desta merda, faço votos para que a coisa se resolva depressa, afim de não estragar as férias ao Maurício e à Fátinha, o leve a repensar a coisa e aproveitar as fantasias em que a Verónica é mestra, e ela que encha a barriga e quebre violentamente a rotina aproveitando para fazer com o Maurício o que pelos vistos não deve ou não pode fazer com o maridinho que, por sua vez não faria mal em se desfazer da velha, pois já é crescidinho e fica-lhe mal furtar-se à Verónica quando toda a gente sabe as porcarias de que é capaz quando se apanha sozinho em Gerês, Faro ou em qualquer outro sitio.
Mas como não há mal que não venha por bem, a Mariazinha, que há dez anos corteja o Hélder, esfrega as mãos de contente e oferece tartes à D. Apolónia.
Ela lá saberá porquê.
E eu, bem… eu o melhor, pelos vistos seria começar a ter juízo ou montar um consultório sentimental…..