sexta-feira, 22 de maio de 2015

241 - ......................O JOGO HOJE ...............................


Preparámo-nos com antecedência por a expectativa ser enorme devido à solenidade da coisa, frigorifico atibado de fresquinhas, até os copos colocáramos a refrescar. Os armários igualmente cheios, atafulhados de pacotinhos de caju, pinhão, fava frita com piri piri, amendoins, nozes e amêndoas descascadas, e, na geleira um quilo de camarão a desejo. A festa prometia e a vitória, não garantida mas quase certa.

Uma hora antes já ela ligara o ar condicionado, eu baixara os estores e colocara na mesa do centro os cachecóis, os apitos, as buzinas, os confetti e os bonés. Para compor o cenário acrescente-se que quer eu quer ela envergáramos os calções e as camisolas da praxe logo pela manhã e até à praça e ao mercado fôramos numa corrida.

O nosso clube passara toda a época arrancando a ferros os pontos que o mantinham na frente, o lugar dificilmente lhe seria disputado mas ainda não se considerava garantido e, como cautela e caldos de galinha nunca tinham feito mal a ninguém... O tira teimas far-se-ia naquela tarde e o percurso até ali tinha sido bastante suado.

Os nervos ressentiam-se com o aproximar da hora e se um de nós levantava a música logo o outro a baixava e vice-versa, idem para a Tv, onde o zapping testemunhava bem a medida do nosso ânimo, ansiosidade e expectativas. 

Para entreter e queimar tempo dançámos passo dobles, tangos, e até lambada e quizomba, mas nem assim lográmos acalmar, pois a ansiedade era demasiada e o rubor subia-nos às faces ao mínimo pretexto.

Uma panorâmica visual e histórica da cidade onde o derby se iria disputar entretinha a ânsia dos telespectadores mais fanáticos, idêntico tratamento mereceu a vida e história do clube anfitrião pelo que, finalmente, eu e a Leonarda sossegámos um bocadinho sentados lado a lado no sofá. 

       Reservei o braço e mão direita para emborcar as minis enquanto ela me colocava com ternura imaculada os aperitivos na boca, e o braço esquerdo para lho passar sobre os ombros, puxá-la com carinho para mim de vez em quando e sempre que lhe pespegava uma dentadinha na orelha, ou uns beijinhos nos cabelos nos olhos ou no que ela colocasse a jeito apesar da instabilidade provocada pela tempestade que se ia desenrolando no meio campo.

Por vezes puxava-a pelo cachecol e, enquanto entusiasmado gritava pelo meu clube, selava-lhe a boquinha apetitosa com um beijo que momentaneamente me libertava da ansiedade avassaladora de que estava possuído que nem um possesso.

De exaltação em exaltação, ou de susto em susto, cada vez que o esférico ameaçava a nossa área se iam passando os minutos nos quais intercalávamos umas cervejas, uns carinhos, uns beijinhos, e à medida que a tensão aumentava, o controle do ar condicionado mudava de mão em mão, ora para desce-lo se estivéssemos acalorados, ora para subi-lo se a coisa arrefecesse em demasia.

Ainda o jogo não tinha terminado e já pairava sobre nós como uma ameaça o findarem-se a dúzia e meia de packs de minis com que o frigo tinha sido atafulhado, valeu-nos o ímpeto e o ânimo estarem esmorecendo ou acalmando, não tanto pelo resultado do jogo cuja vitoria era já certa, a coisa estava no papo, mas talvez por termos exagerado os calmantes emborcados e a coisa estar a fazer o seu efeito. 

   Verdade é que uma vez libertos das roupas e constrangimentos a calorina deixara de nos apoquentar, cedendo espaço a uma calma bonança que me permitiu conceder-lhe mais atenção e rodeá-la de meiguice, uma vez que o jogo estaria no papo, e quando tirei os olhos do televisor reparei no anjo esbelto cuja magreza de uma beldade indiscritível me resguardava de exageros, como se me vigiasse os passos naquele momento em que a alma se tornava capaz de todos os atropelos e audácias.

Quando já os dois nas nuvens beijei-lhe as asas, depois o pescoço, a orelhinha, rocei pela sua face a minha e, juro não recordar já nem como nem quem começou aquele jogo de lábios instigado por sequiosas línguas, nem sei como nem de onde surgiu uma auréola, um biquinho, uma maçã redondinha na palma da mão, os lábios em maliciosa trincadinha sugando-lhe a seiva para logo em avidez desmedida lhe sorverem o sumo, a polpa escorrendo-me dos beiços.

O locutor falando, o árbitro arbitrando e nós orbitando já outra galáxia, umas mãos pressurosas percorrendo-me as coxas, macias, quentes, diria sedosas, tocando-me, descobrindo-me, deslizando em mim com premeditada e conspícua malicia, o meu anjo da guarda segredando-me:

- Fica quieto, é agora a tua vez de te aguentares e viveres o momento.

E foi assim, primeiro pegando-me com calma, como quem somente pretende manifestar uma intenção, depois agarrando-me com desenvoltura, erguendo-o, agitando-o freneticamente frente a meus olhos e eu deliciado mas, ainda que a cor significasse expulsão, não teria consequências a minutos do fim do jogo, por isso muita gente considerou o agitar daquele cartão vermelho uma prepotência do árbitro, uma manifestação autoritária sem qualquer expressão no resultado já inscrito no marcador. 

          Era só mais uma mão entre tantas mãos erguidas no ar em protesto, mas não esta deslizando em mim com um propósito determinado, com uma intenção revelada, a que me entrego lúbrico recostando-me no sofá, contorcendo-me, descaradamente deixando-me subjugar àquela jogada licenciosa alternando o rápido com o rapidíssimo, e esse com a calma suave de sagaz e provocadora mordacidade e, quando já prestes prestes a fazer-se soar o apito de final de jogada, eu, estremecendo de comoção, cupidamente emocionado, cerrei os olhos incapaz de os manter abertos ante o gozo vivido e, inadvertida ou automaticamente o meu dedo procurando onde quando, no último segundo do jogo o locutor:

- Bela jogada ! Está dentro ! É golo é golo é golo ! 
           
              - Goooooooooooolo !

e uma calma apaziguadora derramou-se sobre mim, abracei-a com toda a meiguice que o carinho me prodigalizou, sentei-a no colo, os braços rodeando-a com vigor, uma maçã em cada mão, aninhou-se, ajeitou-se, e, no momento em que lhe beijei ombros e costas ouvia-se ainda lá longe, muito longe

- gooooooooooooooooooooooooolo !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!