domingo, 21 de outubro de 2018

536 - ESTE TRISTE OUTONO EM QUE TE FOSTE...


Somente agora, que permanentemente me convocas o pensamento, reparei nesta imagem por ti escolhida para capa da página na rede social onde pontificas.

Só agora atentei nela com olhos p'ra ver e cabeça p'ra pensar, para cuidar de a observar e, andando isto tudo ligado, nada nem ninguém me convencerá não ter havido aqui criteriosa escolha, tu que nada deixavas ao acaso nem davas ponto sem nó.

Talvez ao escolhê-la já sentisses em ti a melancolia de Outono, um Outono contudo rico de cor e prenhe de significado, talvez sentisses já em ti a nostalgia e o apelo astral do universo para que o teu Karma se cumprisse pois nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. 

Talvez tivesses sido convocada pelo Outono para um outro e novo desafio. Nasceste, amadureceste, deste fruto, foi chegada a hora da metamorfose e, para que tudo em nosso redor rejuvenesça, tal como as folhas que caem, qual húmus, qual Fénix, talvez tenha chegado para ti o tempo e a hora de nova viagem e somente agora eu me tenha apercebido disso, olhando enquanto caminho as suaves cores desta paisagem tua, desta desolada paisagem que me deixaste.

Sim porque é aqui que radica esta tristeza profunda que sinto duradoura, este desgosto incomensurável, este abatimento indefinível contido pela estranha serenidade deste peculiar momento, p’la acalmia da vida em que, diminuindo a passada, apurando a atenção, me parece ouvir o sussurro do vento trazendo-me a tua voz, desculpa Berto, estava na hora de partir para outra, sinto o apelo do meu signo, a coragem do Leão, outros mistérios me esperam.

É debaixo deste sol de Outono que caminho, agasalhado na solidão que me vestiste, todavia sinto paz, contigo partiu a inquietação que a ambos assaltava e finalmente encontrámos a paz calma que Outono permite, este Outono, o Outono da vida, de calma, da paz que apesar de tudo tanto ambicionáramos porque o sofrimento não é catarse nem é divisível, mas propaga-se e multiplica-se sem controlo, como a divisão celular que numa citocinese imparável origina a vida. 

Deus deixou-nos o livre arbítrio mas, egoísta, guardou pra Ele mesmo a última palavra, deixou que chegasses a Outono, deixou que amadurecesses, que desses fruto, frutos, tão frutuosa foi a tua vida, cumpriste o teu papel, foste marioneta nas mãos Dele e agora o Outono, o cenário ideal para saíres de cena, o silêncio outonal, o dever cumprido, apesar de tudo obrigado meu amor.

É por entre os espinhos do silêncio que caminho, lembrando-te, concentrado nas memórias de ti qual porto de abrigo precipitadamente procurado e nas quais me refugio, habituado a que aí encontre a abundância pois sempre colhi do que semeaste, sempre fui bafejado p’la felicidade enquanto viveste e agora o silêncio, somente o silêncio e estas constantes lembranças de ti. 

Penso-te e, inconscientemente pontapeio as folhas multicoloridas que o Outono espalha neste lugar de desolação em que, numa atitude comodista me vejo, ignorando a transformação que diante de mim se processa, não reparando, não estranhando, não dando atenção nem contemplando a metamorfose, a renovação, a recôndita regeneração que esta abundante miríade de odores e cores anunciam.

No céu está agora mais uma estrela, dos cambiantes cromáticos de Outono renasce como Fénix a vida, enrolando no seu âmago a vitalidade que matura secretamente o recomeço. Por isso doravante te recordarei em cada Outono, a estação tua. Nem só, mas em cada Outono recordar-me-ei especialmente de ti que sempre recusaste a tristeza, a rendição, a renúncia, o declínio, a resignação. 

Nasceu uma estrela, “Sois pó, e em pó vos haveis de converter” disse o Padre António Vieira citando a Bíblia, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, apostrofou e provou Lavoisier e no que creio firmemente. Também eu saberei manobrar os meus Chakras, transmutando esta dor melancólica numa lição correctora, qual recompensa que me tenha sido dada, qual fruto maduro deste Outono singular em que te vi partir, abalar, Outono que não esquecerei jamais, como jamais te esquecerei a ti meu amor, Outono que recordarei sempre como aquele em que foste incensada e me foi concedido o privilégio de ver-te subir aos céus.

Algo renascerá das cinzas, tenhamos esperança, após a tempestade sempre sempre sobreveio a bonança.

Adeus meu amor de sempre, adeus meu amor eterno.


Maria Luísa Baião quando começámos namorando. 

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

535 - UMA MUI QUERIDA ESTRELA NASCEU ...


         Queridas amigas e amigos, apesar da minha imensa dor sinto o dever de vos informar e a cortesia a isso igualmente me obriga, que a minha extremosa esposa já não se encontra entre nós.


A minha Luisinha deixou-nos na passada terça-feira, dia 16, pelas 18:30h e quando, internada em Medicina 2 do Hospital do Patrocínio, em Évora, aguardava vez e transferência para uma unidade de cuidados paliativos em Montemor-o-Novo, integrada na Fundação S. João de Deus.

Eu próprio me obriguei a um período de nojo a que a perda dessa extremosa esposa me compeliu, como sabeis o luto é uma catarse. Acreditem que perdi uma mulher com M grande ao ter perdido a minha Luisinha, porém ela teve tempo para deixar entre todos nós e especialmente em mim a sua marca, nunca conheci dor tão lancinante, nunca até a ter perdido me apercebera quão importante para mim era a sua presença.

Todas as vontades expressas por ela estão sendo cumpridas integralmente, por isso não houve lugar a velório nem a funeral, sobretudo devido ao facto, altruísta, de ter doado o corpo à ciência. Infelizmente fê-lo com prejuízo de todas as amigas e amigos que desejariam ter-lhe deixado o testemunho duma última despedida.

Felizmente deixou-nos sem dor, ascendeu aos céus com o vagar duma chama que lentamente se extingue, sinto que Deus a terá chamado a si para lhe poupar sofrimentos desnecessários, foi assim que vi esta dolorosa partida que vos estou comunicando. Faço-o com imensa dor, nunca eu conheci dor tão lancinante, espero que me compreendam e, apesar da minha infundada rebeldia deixo-vos o testemunho da minha amizade.

Entendei que não o podendo fazer pessoal ou individualmente, deixo contudo o meu muito obrigado a todas e a todos. Uma vez mais obrigado pela vossa franqueza, despeço-me com um grande abraço que nos quite por toda a simpatia, carinho, humanismo e ternura com que sempre a trataram.

Por tudo isso me despeço de vós, que sois credores de um meu abraço,

Sempre considerando-vos,

Humberto Ventura Palma Baião




sábado, 6 de outubro de 2018

534 - ALBERTO, O NOSSO PRÍNCIPEZINHO …


 Bem sei que ela não resolveu puto, que só nos demostrou solidariedade, que somente vincou a necessidade de se colocar um fim naquele flagelo,

- Mas a sua figura frágil de princesinha teria sido boa publicidade pra ti amigo Alberto, “Irmão, ela não resolveu o teu problema mas o mano Alberto resolve. Vem ter comigo quanto antes”. A gente tem que puxar pelo cabeça ó Alberto.

Esta conversa teve lugar há poucos dias, talvez uns dois meses, ele tomava a bica com o nosso amigo Lopes que por sua vez o levara a ver a sua artística exposição fotográfica e eu, sentado e mordiscando à boca cheia o meu suspiro topei-o pelo canto do olho, mas reconhecei-o logo.

Conhecera-o numa época em que pouco se pensava em coxos, manetas, pernetas, manetas e noutros amputados e aleijados de variada índole, tão poucos parecia haver. Alberto, encerrado num mal enjorcado cubículo do hospital ia improvisando umas próteses com recurso a madeira, correias de coro, rebites, ilhoses, pano felpudo, espuma densa, falando, acordando e acertando pormenores com os médicos. Através de apreciações efectuadas a olhómetro e experimentações, lá ia gizando milagres mercê de muitíssima habilidade e ainda mais paciência e sensibilidade.

Eu viera de licença de férias, estaríamos aí por 76 e depois de uns bons dez minutos observando a arte, habilidade e imaginação com que ele ia pondo coxos a andar e manetas capazes de fotografar, digo de ser vistos e fotografados, luva disfarçando a prótese fixa, rígida, bonita mas não tão prestável quão uma boa perna de pau ou um par de muletas em madeira resistente mas leve. Tão absorto que às tantas larguei a minha sem sequer pensar;


- Ó amigo Alberto, em Angola é que você se iria safar bem com este negócio amigo, há por lá coxos, pernetas, manetas e gente sem fim para quem você seria Deus, para quem você seria um milagre.

Que não respondeu-me,

- Baião, chegaram-me os 24 meses que lá passei, gosto disto, gosto de Évora, da pacatez alentejana, até deste nosso calor, tão diferente daquele.

E deste modo ficámos conversados, não voltaríamos a ver-nos até, salvo erro 82, data do meu regresso definitivo a estas planícies, estava o amigo Alberto de malas aviadas e bilhete na mão, ia de abalada, a evolução da técnica e o progresso do país tinham-lhe acabado com o improviso, a imaginação, a habilidade e o emprego. Doravante próteses só biónicas ou robóticas, assim o ditavam as regras da CEE, modernidade, recurso a técnicas e materiais evoluídos, aparelhómetros e soluções com que ele nunca sonhara, a sua arte ultrapassada, a habilidade desprezada, agora eram exigidas habilitações, técnicas e conhecimentos que ele não dominava nem apresentava, não perdera o emprego, o emprego, aquele emprego é que simplesmente se extinguira, agora mãos robóticas seguravam ovos sem os partirem e pernas sintéticas dobravam o joelho e davam a passada sem se lhes pedir, perna de pau agora, quero dizer então, só um gelado que a Olá vendia, não sei se ainda vende.


Depois disto perdi-lhe o rasto por uma catrefa de anos, para ser sincero esqueci-o completamente, o meu problema são pedras nos rins, foram demasiados anos a beber água de charcos, riachos, ribeiros, rios, lagoas e até de poças, pelo que nem o Alberto me poderia valer nem que se prontificasse a fazer-me dois rins em marfim ou em pau-preto.

Não fora ele com a sua cara de pau encostado ao balcão beberricando uma bica e jamais o teria lembrado ou reconhecido. Voltara, o negócio correra-lhe bem mas a princesa rebentara com ele e, vendo a minha cara de espanto,

Outro capitão pensei eu, recordando um oficial da cavalaria do exército britânico James Hewitt* o militar que dera aulas de equitação à princesa, querem ver que este Alberto também andou enrolado com a princesa…

Coisa que ele, prontamente adivinhando os meus pensamentos me esclareceu,


- Nada disso, ela não foi lá desminar coisa nenhuma, foi incentivar e convidar a que outros desminassem… Levou com ela agentes da poderosa indústria inglesa, farmacêutica, protésica, em especial a de material ortótico, representantes da banca, uns promovendo os produtos, de pacemakers nucleares a muletas de um alumínio brilhante que a pretalhada adorou, outros abrindo linhas de crédito, oferecendo dinheiro para lhes comprarem tudo o que vendem, achas que eu tinha hipóteses Baião ?  Ainda falei com o gerente do Totta Aliança, quem financiara o primeiro carro que tive e que me respondeu já estar reformado e o banco ser agora do Santander e espanhol, o Banco do Alentejo foi-se, o Banco Português do Atlântico foi-se, o de Fomento foi-se, o Totta Aliança foi-se, o Fonsecas & Burnay, o Crédito Predial Português, o Pinto & Sotto Mayor, o Lisboa e Açores idem, isto está tudo mudado e já nada é nosso amigo Baião, nem Angola é nossa nem Portugal é nosso, olha, pretos nunca mais os quero ver na frente e brancos ainda menos.


Baião, como deves calcular voltei há pouco tempo mas já deu para notar, isto por cá está bom é para quem não faça nada e é a isso que me vou dedicar, vou auto reformar-me, já não tenho cabeça nem paciência para estas merdas, nem p’ra estes merdas. Vou meter baixa, preencher uns papéis, dizer que sou sírio, croata ou líbio, tunisino, libanês, tudo menos português… 



https://www.sabado.pt/social/internacional/detalhe/ha-20-anos-diana-foi-pedir-o-fim-das-minas-em-angola

terça-feira, 2 de outubro de 2018

533 - EM ABSTRACTO NEM HAVERÁ QUADRO…


              

Comecemos pelo princípio, o dia e o facto de alguém ter afirmado não perceber patavina do quadro acima e da autoria do Pintor Eborense Marcelino Bravo. Confesso que fui apanhado desprevenido pela afirmação, tanto mais que eu mesmo ficara atrapalhado pois já em tempos confessara ao próprio autor não entender esta sua nova tendência. Mas homem que é homem nunca deixa uma senhora de mãos a abanar, sobretudo sendo tão linda como a que me cutucou, e logo ali lhe garanti não ficar sem resposta, desse-me uns dias e lhe diria de minha lavra não somente o que este quadro me diria mas arriscaria mesmo dizer-lhe o que p’la cabeça do autor poderia ter passado quando o pintou.

Precisamente no pp 15 de Dezembro de 2016 visitara eu na Biblioteca Pública de Évora uma exposição do pintor Marcelino Bravo, artista e pessoa que em casa apreciamos e admiramos, sobretudo a sua particular visão do Alentejo e temáticas afins, cousa que este eborense magistralmente reproduz com traços e cores peculiares e inconfundíveis. Porém nesse dia deparei-me com um Marcelino Bravo fora dos carris, quero dizer descarrilando dos temas a que eu estava habituado e esperava ir encontrar, eu explico melhor, digamos que metade da instalação era ocupada por temas normais, habituais nele, Alentejo & Cª, mas a metade restante apresentava telas inovadoras, diferentes, sem título nem tema, aleatórias, de uma corrente anormal ou inusual nele, uma dessas telas a que acima vos apresento, coisa que me confundiu, e disso dei conta ao autor logo que a oportunidade surgiu, os novos quadros apresentados eram uma coisa da psico, um abstraccionismo tido em moda há umas boas décadas e geralmente fruto de estados mentais alterados, mentes provocadas, excitadas por uma linha de branquinha ou uma pastilha de LSD, coisa que não me parecia ser o caso do nosso amigo Marcelino Bravo.

Depois fui à vida, cuidar de, antes de voltar a pronunciar-me sobre o tema, averiguar primeiro a fundo essa coisa dos abstraccionismos e que para ser franco eu tinha muito enterrado ou esquecido na memória. Não esqueçamos que a corrente abstracta caracteriza-se pelos aspectos aparentemente inusitados e duma criatividade que poderíamos considerar sem regras ou limites, aspectos que poderão ter estado presentes na mente do pintor quando da realização da obra, os quais de igual modo podem causar idênticas interferências na nossa percepção dela quando a olhamos.

Como se esta complexidade aleatória e sem limites não bastasse, existe ainda uma corrente de críticos entretidos em demonstrar que se usadas, ou havendo recurso a drogas psicotrópicas, propositado ou casuístico, expandir tal os limites da mente, limites cujas expressões pictóricas, pois é de pintura que falamos, nos são dadas por essas experiências (alguns chamam-lhes alucinações), causadoras tanto de mudanças de expressão quanto de percepção e fruto de sinestesia (sentir várias sensações em simultâneo) experiências cujos estados nos darão a complicada pintura abstracta. É o que eles dizem, eu nunca fui chutado a uma exposição, pelo que a vendo como ma venderam a mim. Marrei uma vez na ombreira duma pastelaria mas essa é outra história, um dia vos contarei.

“Decididamente” alvitrou um amigo com quem discutia esta questão quando lhe expus o pormenor da seta laranjinha curvando abnegadamente à esquerda e como que terminando o movimento no próprio umbigo, o nosso amigo Marcelino já andaria preocupado com o centrão e com esse tal partido o qual só pensará em si mesmo e nos seus interesses, ao que o Zé me respondeu prontamente, como se a seta lhe tivesse sido atirada a ele;

- Repara pá ! Aquilo não e uma setinha laranja, antes um cogumelo alaranjado e não foi o nosso amigo Marcelino que andou fumando, porque quem como tu, qual olho de lince ibérico perscruta as profundezas da arte é que certamente foi buscar essa acutilância visual a uma qualquer linda chupaça gânzica !

portanto o fumador quântico ou gânzico terei sido eu, chupaça gânzica, esta nunca a tinha eu ouvido, era Dezembro, inverno, frio, chuva, vento, nuvens, escuridão, e eu certamente para me aquecer e esquecer o bucolismo inbernal amandei um charro abaixo debaixo dum qualquer chaparro antes de me apresentar na exposição.

Aceito ter sido eu a despoletar a polémica trazendo o quadro à baila, ter sido eu quem viu no dito cujo uma curvilínea barriga de perna acabando num sapatito verde de salto alto, verde, um gadget anti Prada portanto, um verde lindo, lindo verde meu verdinho, não há cor igual à tua, tinta verde dos teus olhos…

Tinta verde dos teus olhos
Escreve torto no meu peito
Amores tenho eu aos molhos
Se pró teu me faltar jeito…

No meu peito escreve torto
Na minha alma a dar a dar
Nunca mais eu chego ao Porto
Se lá for por este andar

Nunca mais eu chego ao Porto
Ao porto de Matosinhos
Adeus verde dos teus olhos
Estão cá outros mais escurinhos… (2)


Mas uma seta laranjinha guinando nada subtilmente à esquerda, uma perna bem feitinha e um sapatinho verde de cristal não foi tudo quanto eu vi ali, vi igualmente um fantasma da ópera carregando os pavores que o pintor provavelmente terá em relação ao futuro, à sua condição, ao valor da pensão, e naturalmente torci o nariz, foi o bastante para que a Olinda, olhando o céu límpido, fruindo a calma do fim da tarde, orelhas espetadas na música clássica do vizinho e afagando dois gatos preguiçosos enquanto alertava para as brincadeiras duas crianças algures na rua e simultaneamente toda ela puro ócio… Como se estivesses no meu terraço, preguiçando numa cadeira debaixo do guarda-sol, atirei-lhe eu.

- Achas? Eu vi tudo isso mas não me atrevo a interpretar um quadro. Sou demasiado realista não achas ? Eu vi isso aqui ao pé de mim mas não me atrevo a interpretar um quadro. Sou demasiado realista.

Do que eu deduzi afirmar ela ser a arte um artificio, lembrei então dum diálogo com Marcelino Bravo e em que ele me respondera;

- Amigo é a incontestável e incontornável beleza feminina, o homem deve conservar presente essa memória dela e expressar com grande tolerância os elementos constituintes dessa beleza, e dentre esses elementos esforçar-se por harmonizar cores e formas.

Claro que entendi conservar como lembrar e deixar memória, testemunho, e ser liberal, não só literalmente como com a palete e as cores, harmonizá-los entre si, tornar o real ainda mais belo, estás a captar Olinda ? Muito me disse em poucas palavras o mestre Marcelino eu sabia ou no mínimo intuía haver ali Maria...

A conversa/debate tomou às tantas uma dimensão que dificilmente acompanhei tal era a profusão e a confusão gerada pelos intervenientes, sei que alguém questionou se a arte seria de quem a produzia ou de quem a consumia, ao que de pronto respondi ser a arte de todos, ter a arte duas faces como as moedas, e duas caras como o juiz do fresco de Monsaraz, uma expressando a ideia de quem a produz, a outra espelhando a ideia de quem a observa, à arte, não à Maria, ou à Olinda, ou à Fatita.

Devo fazer notar que nesta parte da minha intervenção fui longa e entusiasticamente aplaudido, alguém não se contendo e de modo arrebatado, como que inspirado, gritou mesmo:

- Muito bem observado meu !!

Naturalmente tomei um ar grave, sério e professoral, tendo aproveitado para fazer um brilharete e acabar por dar o resto da lição;

- Quem pinta, quem compõe, esculpe ou escreve, expressa uma ideia que pode não ser coincidente com a ideia de quem mais tarde observa essa pintura, partitura, escultura ou romance... Temos o caso grave e extremo de Richard Wagner e da sua "Cavalgada das Valquírias" cuja música lhe valeu ser acusado de enaltecer o nazismo... Não há provas a não ser circunstanciais, mas a simpatia dos povos Wagner perdeu-a para a sua arte soberba, pois afogadas em soberba lhe sobravam as manifestações anti-semitas que entre o fim da República de Weimar e a ascensão do Nazismo foi acumulando e lhe valeram o repúdio mundial que hoje não lhe perdoa a superior arte de compor aliando-a a investidas bélicas, em especial a partitura que aqui abordei umas linhas acima, a "Cavalgada das Valquírias" (2)

Mas em frente que atrás vem gente, pois o bom do Marcelino não anda somente com as pernas da Maria na ideia, noto ali à direita o esvoaçar duma borboleta, se é isso que lhe anda dando volta no estômago, a Maria ou as suas pernas, nunca saberei, a lembrança foi minha, mas que ele teve o cuidado de marcar essa cena com um X teve, e se é o X dos Xutos ou não ignoro, fico na mesma como a lesma, nunca o soube apreciador dos Xutos, em boa verdade nem desapreciador. Será que ele xuta ?

A amiga Fatita que é de Guimarães aventou a ideia de serem visíveis ali uma igreja, igreja ou catedral de cristal e os raios cósmicos da fé, nascidos das ondas do mar, mar de onde sairá numa curva parabólica um engraçado golfinho, saído do mesmo mar de onde se ergueu o Mostrengo, ou quem sabe se o Fantasma da Ópera, vindo das profundezas do Sena, enleado em teares que ela jurou ter ouvido tique taque tique taque tique taque num ensurdecedor martelar de máquina de costura, por sua vez olhada com surpresa por um veado... Juro que depois disto pedi ao Nuno que não trouxesse mais bebidas para a mesa ou a análise temática da composição poderia sair adulterada, ao que ele anuiu propondo um sumo de figos da índia, agora anda nessa, cada um com a sua pancada…

É que em boa verdade uma pintura, um simples quadro, tem uma miríade de perspectivas sob as quais pode e deve ser analisado, da composição ou distribuição dos elementos na tela, desde a relação figura principal - fundo envolvente, ao conteúdo ou natureza temática, às linhas, sejam curvas, rectas ou quebradas, aos pesos visuais ou ao peso dado a cada elemento e naturalmente também ao equilíbrio entre eles que por sua vez determinarão a tensão dinâmica da obra. Daí a importância dos centros e dos eixos nela, devendo tender p'rá simplicidade, não esquecendo evidentemente a textura, formas e cores seleccionadas.

Isto quem vê almas não vê corações e quem vê corações não lhes enxerga a alma, a verdade é que cada cabeça sua sentença, a do Marcelino uma, cada um de nós soma outra e num ápice aparecem meia dúzia delas dissertando sobre o quadro, que de tão abstracto tanto pode ser uma coisa quanto pode ser outra, ou outras e, em abstracto, poderá não passar de pura imaginação nossa e nem sequer existir quadro nenhum…

Ai o Malandro do Marcelino que terá ele andado a fumar ??? ! ! !











terça-feira, 18 de setembro de 2018

532 - SÃO OS ESPANHÓIS, OS ESPANHOLITOS ...





Isto anda tudo ligado, o regulador, o BdP exara finalmente directrizes para que a banca estanque a sangria diária de crédito concedido ao consumo ou para aquisição de habitação, e que faz a banca ? Moita carrasco, faz ouvidos de mercador, afina estratégias para driblar o regulador, estica a corda ao máximo no crédito para aquisição de habitação contribuindo para nos endividarmos mais, pois comprar luxos ou carros não chega contudo aos valores da habitação. Tudo isto ignorando de modo aflitivo e ostensivo a hipótese/risco crescente e próxima de, novamente sufocados pela dívida, nos estamparmos contra a quarta bancarrota.

Inconsciência ? Não, táctica, cumprimento de uma estratégia, decerto longamente amadurecida enquanto os tugas dormem sonhando com a ala dos namorados, com a padeira de Aljubarrota e a vitória na Restauração.

Dom Francisco de Quevedo é C.E.O. de um importante banco espanhol para as províncias de Extremadura e Andaluzia, superintende às estratégias do banco para os ayuntamentos de Cáceres, Badajoz, Huelva, Sevilla e Cádis, tendo sido nomeado há pouco tempo para dirigir igualmente as áreas de Portalegre, Évora e Beja em Portugal. Dom Francisco de Quevedo não entende nada de bancos, é licenciado em História pela Complutense de Madrid, possuidor de um mestrado em Relações Internacionais e dum outro em Psicologia das Organizações, isto se a minha tradução não me enganou.

Abaixo dele tem muito quem perceba de bancos e de banca, porém D. Francisco não mete a mão na massa, pagam-lhe para pensar e agir em conformidade pelo que, com o tempo D. Francisco se tornou um homem reservado e conservador, ouve muito e fala pouco. Quando não é ele a fazer a ronda pelos ayuntamentos são os gerentes de balcão destes que, à vez, lhe vão prestar contas e dele receber instruções, à imagem que temos do cinema e da deferência devida a D. Corleone, há assuntos que só pessoalmente devem ser abordados e cuja importância recomenda que sobre eles nada fique escrito.

Respeito, deferência e confidência são a alma do negócio. D. Francisco não fala com os empresários da Extremadura, ou da Andaluzia, porém, através das confissões dos seus gerentes de balcão tudo conhece e tudo sabe, desde o que se passa quanto aos investimentos, aos factos, aos sucessos, aos fracassos e às ambições e aos desejos e das relações e vantagens de uma raia encostada ao Alentejo. Não por acaso, mas porque estão atentos, detêm o saber e a capacidade de investir, graças a eles o Alentejo tem brilhado no mundo, primeiro como produtor na fileira do azeite, em breve como produtor na fileira dos frutos secos, mais concretamente na fileira da amêndoa, do miolo de amêndoa. Aos vinhos não foram ainda capazes de deitar a mão, haja calma, Roma e Almeria não se fizeram num dia.


Tal como conhece as ambições dos empresários espanhóis D. Francisco conhece as debilidades dos nossos, sendo aqui que entram em campo os seus conhecimentos de diplomacia. Aos gerentes de balcão dos bancos portugueses em poder dos espanhóis é dito haver intenção de ajudar as empresas portuguesas em dificuldades, pelo que deverão reportar, assinalando para a sede o conhecimento de todas e quaisquer empresas portuguesas nestas condições ou a necessitar de salvação.

Quando em apertos o tuga não mete anuncio, afivela um sorriso optimista, disfarça, e à sorrelfa vai ajoelhar, vai ao castigo, em privado, junto dos gerentes dos bancos, pedir esmola, pedir fiado, pedir emprestado. Pelos vistos dinheiro há muito na banca, dinheiro nosso, dinheiro das nossas poupanças e que confiámos aos bancos, agora propriedade dos espanhóis. Dinheiro nosso ou vindo de Espanha, aumentando a nossa divida e déficit, todavia dinheiro haverá sempre, e haverá sempre para ajudar o empresário português em dificuldades, afogando-o em crédito, ou negando-lhe esse mesmo crédito e afogando-o na mesma.

Dum modo ou de outro estrará criada a oportunidade para comprar barata essa empresa, a bem ou a mal o empresário não terá outra solução que ceder, que vender. Tudo tratado na maior discrição, sem alarde, sem borburinho, sem mudança de nome da firma, o empresário português comprará um jipão, dirá a todos ter feito um negocião, o seu antigo gerente de conta ou de balcão ficará feliz, nem se aperceberá que traiu, sorrirá realizado por ter reportado as dificuldades que afligiam o seu cliente, sorrirá por assistir ao renascimento da empresa, dirá de si para si ter contribuído para tanto sucesso e felicidade, ignorará a vida inteira a realidade verdadeira e, como todos os tugas distrair-se-á com putas e vinho tinto, futebol, Fátima e fadinhos.


A nossa banca, que não é nossa tem-nos na mão, tem-nos agarrados pelos tomates, porque tem uma estratégia longamente amadurecida e recorre a tácticas de predador ante uma população tuga adormecida, ignorante, tão ignorante quão elites e governantes, todos sem tácticas nem estratégias, gente ignara, distraída e desconhecedora de como as coisas se fazem e se conquistam mercados e países.


Em 1640 uma burguesia e uma elite esclarecidas lamentaram o fim da União Ibérica, União à qual também eu reconhecia vantagens, Espanha era um dos países então com maior poder no mundo, dominava mares e continentes, dominava mercados, dominava monopólios e exclusividades, a União Ibérica teria significado para nós uma rede comercial à disposição num mundo que acabáramos de descobrir mas a que, tal qual um velho costume nosso, não sabíamos por onde pegar nem que fazer com ele.


Então teria sido a nossa sorte, o nosso bilhete para um outro futuro que não este, mas a história e o povo, então tão grunho como hoje não quiseram esse destino. Esse mesmo destino está-nos destinado agora, sem que as nossas elites ou governantes, gentes tão ignaras como as de outrora, vejam estarem a comer-lhes as papas na cabeça sem que dêem por isso. União sim, mas não assim, assim não passa duma insidiosa, traiçoeira e sorrateira conquista e quando as nossas elites acordarem será demasiado tarde para todos. Nem o espírito do povo de 1640 cá estará.

Já não temos as estradas, nem as pontes do país são nossas pois foram entregues às célebres PPP que por sua vez estão nas mãos dos bancos e estes nas mãos dos espanhóis, já não temos de nosso aeroportos nem portos, só o de Beja para amostra, não temos sequer o regadio de Alqueva, todo ele ou quase todo nas mãos dos espanhóis, temos muito crédito malparado no qual estamos afogados, temos comboios avariados, alugados e empenhados. Temos que respeitar os espanhóis, os novos donos disto tudo agora são eles, da banca, das terras, de fábricas, etc etc etc... Não tarda comecem a negar crédito às nossas empresas para as discriminarem, mandarem abaixo e comprarem baratas com a corda na garganta... Isto é estratégia castelhana, a gente é que nunca teve nenhuma, nem estratégias nem tácticas, perdão, tivemos sim, no tempo do tal bandido do Oliveira Salazar...

Temos mar, tanto mar, e uma vez mais nem sabemos que fazer com ele, os espanhóis saberão… Isto está bonito está, estamos nitidamente acelerando para trás…

  

NOTA POSTERIOR - O SANTANDER ... https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/nem-bons-ventos-nem-bons-casamentos-669001?fbclid=IwAR0FWn2oMph_zq_dCXqYeg3LmKtgQyQk_eARZiKwfCZCBdqwb-g4oDWz3ug