quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

10 - O QUE AS MULHERES NÃO SABEM.................


Voltei a encontrá-la passados muitos anos. Tantos que eu era outro e não o mesmo que então claudicara perante o seu ar de jovial ingenuidade, extrema e irradiante simpatia, que difundia a partir de um rosto espelhando meiguice em catadupas tais que me submergiram e em simultâneo calaram.

Revi-a agora, passados tantos anos, e em mim voltei a calar, apesar da mesma ingenuidade, da mesma simpatia e meiguice, o que calei então. Não que me sinta outro, apesar de o ser, nem que me sinta o mesmo, que o não sou, todavia os anos ensinaram-me a cultivar uma humildade que nessa época nem era uma marca minha nem estava perto de alcançar. Contudo, agora, a mesma contenção de outrora, porque o cavalheirismo, a educação, o civismo, mas sobretudo as convenções ou conveniências assim o exigiam e exigem. Calei ontem como hoje o que tive vontade de gritar, mau grado a dor, mau grado a vontade e o desejo, mau grado o ensejo.

Revi-a agora, e como então, a lembrança da sua passagem, imagem e odor que não olvido, a graça do andar, a altivez honesta do porte, a simplicidade da presença, o sorriso, o mesmo sorriso, simples, sincero, leal, franco, autêntico e afectuoso que julgo ostentará sempre, porque há coisas que não mudam com a beleza, ou com a idade, mas sobretudo porque há coisas que algumas mulheres não sabem, como a vitalidade e capacidade inata de nos transmitirem, mesmo que o não sintam, mesmo que o não saibam, o poder de conquistar o mundo por elas e para elas.

Lembrem D. Pedro e Inês de Castro, Napoleão e Josefina, César e Cleópatra, Heloísa e Abelardo, Romeu e Julieta, Hitler e Eva Braun, para que vejam a força construtiva ou destrutiva que a influência de uma mulher poderá ter na vida de um homem, pois como disse há coisas que algumas mulheres não sabem, como seja a vitalidade e capacidade inata de nos transmitirem, mesmo que o não sintam, mesmo que o não saibam, o poder de conquistar o mundo por elas e para elas.

Por isso voltei a calar, o que calei então.

Compreender-me-ão, o mundo não me perdoaria o avanço, ou a sinceridade, a mágoa ou o amor.

Perdoar-me-ia ela?
Mereceria eu esse perdão?

Melhor calar de novo o que então calei, melhor conformar-me agora como então me conformei.

E é isto a vida, é esta complexidade que em nosso redor criamos, é nesta complexidade que soçobramos, incapazes, todos, de libertar o que nos vai na alma mas capazes de infligir a nós mesmos e aos outros, a imposição e continuidade, pela força, do desígnio, das convenções que nos tolhem e agrilhoam, como se a vida não fosse uma só, não fosse nossa, e acredito que não seja, por isso digo para mim e a toda a gente que, embora tarde, descobri da pior forma como a vida é curta.

E como será ela agora ? Agora que a jovialidade se foi, ainda que a ingenuidade se mantenha? Agora que a rotina dos dias sempre iguais lhe terão desfeito os sonhos dos dias felizes que a agnosia nos permite ? Calará, como todos fazemos, os sonhos que em segredo vamos acalentando mas a que, para mal dos nossos pecados, jamais daremos corpo ? Por certo calará, como eu calo, o que a alma grita, e, como eu, talvez um dia, demasiado tarde, descubra, como descobri, que apesar dos dias longos e rotineiros, a vida é curta, tão curta, demasiado curta. 

                  E agora, quando ela passa, como então, tenho a certeza do turbilhão calado e contido que provoca, sem que se dê conta, como com tantas mulheres acontece, elas como nós, gizando um mundo tão distante da realidade quanto da ficção em que vivemos, porque a tal nos condenamos, porque para tal contribuímos, e, calados, calamos o que nos vai na alma, o que só não fez uma única mulher que eu saiba, Isabel Allende, ao escrever “Inês da Minha Alma” ou Gabriel Garcia Marquez com “O Amor em Tempo de Cólera”.

Quem porventura tenha lido estas obras compreender-me-à melhor que ninguém. 

Quem não leu só terá a ganhar se o fizer.  


PRIMÍCIA DO EDEN - QUE PARVO QUE SOU.........




PRIMÍCIA 

Poderia ser apenas um
" adoraria beijar-te "
verdade que adoraria,
sentir das tuas coxas a pele branca e macia
contraindo-se contra as minhas faces...

Calar-me-ia
deixaria a escanhoada e rude barba arranhar-te
servir-me-ia dela p’ra te intimidar
forçar-te as pernas truncadas
somente isso
tresloucado nessa razão
e então...

Talvez para convencer-te
com razão eu te beijaria 
tresloucado
o velo dourado esse velo de cobre
que te cobre
esperando abrir as portas que Deus sabe...

Só sei que não mastigaria
antes sorveria sumo acre de maçã verde
primícia do paraíso que me permitiria
evadir-me pela poesia
pelo sonho...

Tendes razão senhora,
quantas vezes sonhei com vossas pernas
entrelaçando-me,
prendendo-me a cabeça,
exigindo-me,
suplicando-me
o que de graça e com graça vos ofereceria se ...
se pudesse
ai se pudesse outro galo cantaria ...


Tenho a imaginação voraz e,
quando me sorris,
ou me atirais um beijo,
invento coisas de corpos em desalinho,
coisas de paixão e desatino,
e questiono-me sobre vossos gostos,
e desejos, 

que imagino e adivinho…

Humberto Baião – Évora – 5 e 6 de Janeiro de 2011

Christina Camphausen's in book "Yoni Portraits"


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

9 - BAIXINHA ...




Ainda lembro esse dia de júbilo em que estalaram foguetes festivos, petardos, embora tenha sido a queda ocasional mas simultânea de estrelas cadentes que me fizeram pressentir, através do instinto, no momento em que a conheci, a iminência do destino impondo ao meu fado outros rumos, imprevisíveis, pois foi como se alguém tivesse acendido lustres no caminho que para casa piso, ou como se festejando estivesse toda a vila em que vivia.

 Tão intrigado fiquei quando ela se me revelou, que duvidei de uma linha nunca vista na palma da minha mão e, tantas vezes mesmo em sonhos ou através de uma simples imagem a contemplei, sem coragem para algo lhe pedir que, se me acabaram nesse instante os dias de apodrecida felicidade mas, foi particularmente ao ver as borboletas que acusam de provocar com um bater de asas furacões no outro lado do mundo que me senti como que invadido no meu ser, no meu intimo, tendo sido como entrar numa outra dimensão e ter ficado outro, fiquei outro.

Repetidamente e com prazer revivo esse momento único, contemplo de quando em vez o céu e acodem-me essas lembranças dela, em tantas das quais fui levado a pensar se não estaria perante uma visão de espanto, em que não mais o meu coração até aí aturdido e adormecido teve um instante de sossego, porque passei a cumprir um destino exclusivamente ditado pelo capricho da rosa-dos-ventos, diariamente dedicado à exaltação da sua glória e em que o silêncio passou a incomodar-me mais que o alvoroço em que dantes vivia.

Quantas vezes tropeço agora nas minhas palavras dantes tão ordeiras que me enleiam ou fizeram que a realidade se enredasse em mim, de tal modo que ouço gaitas trinando como celebrando esta minha alegria incessante e, não há dia sem que tempestades de flores me ensopem da cabeça aos pés, a mim que passei a ouvir as rosas abrindo silenciosamente pela manhã e a ver meninas virgens fazendo renda nas soleiras das portas quando marcho pelas mesmas ruas às quais dantes nem um minuto de atenção me prendia e agora até te lembro, formosa como sempre, num hábito de noviça do mais puro linho, tu oferecendo-te numa inimaginável cama cuidadosamente decorada para os desaforos do amor e, num gesto em que curiosamente jamais deixas de te persignar antes de para ela subir, razão pela qual deixei de suportar a nostalgia dos tempos passados, visto durante eles ter morrido em mim a razão última da minha ansiedade e hoje estar pronto a jurar e garantir que te quero tanto que morreria por ti.

Será caso para dizer andar-me o pensamento flutuando na luz cristalina da esperança e me perguntar se não será pequeno o mundo ?

É não é ? 

Ignoro se sempre assim foi, mas sei que é assim agora, assim o vejo neste instante e no meu constante fluir, tão manso quanto o pode ser um rio.

Compreenderão o facto de sentir em mim que o tempo foi todo ele transmutado se até o ar sinto menos pesado em virtude dessa mulher, baixinha sim, mas que eu decreto a mais bela do mundo e fez com que arrastasse comigo, e desde aí, um rasto de orações que de um momento para o outro me transtornaram, ao invés de me aclararem o discernimento, coisa que de todo pareço não dispensar nem precisar, tal a lucidez que me voga na alma, alma a que algo aguçou o instinto premonitório e faz com que nem deitado, abanando-me e abandonando-me debaixo das acácias durma, eu que das sestas era defensor e rei, e pasmo, pois já nem pensando entre os roseirais e os loureiros me deixa de seduzir a lembrança dessa mulher, a mais doce, carinhosa e meiga da terra que é como a vejo sempre, como uma imagem, um sonho, uma visão deslumbrante da mais bela do universo e, em simultâneo, Cupidos soltando balões coloridos como se com ela cada dia, todos os dias, fossem dias de festa. 

Então, eu que nunca fora crente nem agnóstico, penduro ao peito fiadas de escapulários e sortilégios, temendo que de um momento para o outro se vá este encantamento no qual vivo e me dá vida, e me pergunto a toda a hora se será que vivemos em mundos separados ou dimensões diferentes somente ligadas por estreito e baixíssimo portal, mas sobretudo por que razão e por que raios só agora te encontrei e por que andaste tantos anos perdida de mim ?



              

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

8 - SIM, HÁ LONGE E HÁ DISTÂNCIA...


Um lago de um verde intenso, ladeado por carreiro salpicado de árvores frondosas e seculares…
Por baixo delas, como que salpicados e de quando em quando, uns bancos de madeira.
Um deles, onde costumo sentar-me, diria que onde costumo pensar-me.
O sol tímido, o céu azul ponteado por flocos de algodão aqui e ali, tu e eu, nesse meu banco preferido.
Tu sentada, eu deitado, a cabeça no teu colo, olhos fechados, só este momento existe.
Afagas-me o cabelo, enleio-te os caracóis, um a um, deliciado pela sua maciez, curvas-te para que lhes sinta o cheiro.
A respiração, quente, no meu rosto, enternece-me, olho-te fundo nos olhos, ofereço-te a boca, que se une à tua num longo beijo terno, doce.
Abandono-te os caracóis e divago … o sol brilha e aquece-nos, mansinho …… e … sabendo quanto de impossível nos separa, entreolhamo-nos cúmplices, sem que o digamos, trocamos essa realidade pelo sonho do momento.
A impossibilidade parece-nos um mito de que desdenhamos. Recusamos aceitar um mundo tão curto e simultaneamente tão extenso. Um mundo nem feito para nós nem à nossa imagem ou semelhança.
É agreste este mundo, cresta-nos toda uma vida, todo um futuro.
Nem é mundo que queiramos, nem vida que desejemos, sabemo-lo.
Tão bem o sabemos que tudo fazemos para o ignorar e, quanto mais nisso teimamos mais dele parece aproximarmo-nos. Ilusão.
Quão gritante e desesperante ilusão.
Estendemo-nos as mãos num gesto derradeiro que forças ocultas recusam que, até neste sonho, se concretize.
Frustrante, tão frustrante quanto o calor desse sol imaginário sob o qual buscamos comprazer-nos neste dia tímido de céu azul.
Nele não pontilham já flocos brancos, algodoados, antes castelos, brancos, negros, cúmulos, nimbos, e prenúncios exasperantes de dias jamais cumpridos.
Não sonhes, não sonhemos, recusemos sonhos, ilusões, devaneios.
Cada um de nós tem um caminho a seguir, um silício, cumpramo-lo, que se cumpra na dureza dos dias, do tempo e vida que nos resta, que o soframos na mesma coragem intimidade e segredo com que guardamos para nós, e aceitemo-lo sob a força desta frondosa árvore cuja sombra os nossos sonhos acoita e, porque embora o não queiramos, sim, aceitemos que afinal há longe e há distancia, reconheçamos quanto de impossível nos separa.
Aceitemos este mundo curto e extenso, nem feito para nós nem com espaço para que nos cumpramos.
Sonhemo-nos como quando a tua respiração quente no meu rosto tanto me enternece, me leva a olhar-te no fundo dos olhos, beijar-te terna e docemente, e, num longo e aconchegado abraço, chegar a mim o teu peito arfando, no qual me perco e afogo enquanto as mãos me vogam pelas tuas coxas quentes e sedosas, as quais apertas como quem prende o futuro e o desejo numa avidez não saciada, exasperante, e me solicita que avance e te descubra.
E é quando te soltas e me aceitas que me perco deslumbrado, extasiado na premência de ti e de mim, te percorro suavemente as curvas dessa imagem que me tolhe, me tolda os sentidos, e te sinto acariciando-me o peito, a tua boca sugando-me num ímpeto que me esforço por devolver-te, tremendo de emoção ao afagar-te, sôfrego, os seios repentinamente endurecidos, cujo odor adivinho enquanto dos meus dedos por ti passeados colho o cheiro inebriante da tua oferenda, qual dádiva sacrificial de quantas promessas juraste e jamais cumpriremos, porque afinal, e por muito que o neguemos, há longe e há distancia.
Refreemos sonhos e desejos, ilusões, sentidos e emoções, travemos promessas e esperanças, e, sabendo quanto de impossível nos separa, recusemos cumplicidades, reneguemos o momento e sonhemos a realidade.
Cada um de nós tem um caminho a seguir, sigamo-lo nesta ilusória intimidade por partilhar e cumprir, conscientes de que o pouco que de inolvidável possuímos jamais poderá ser esquecido por tudo a quanto platónicamente aspiramos.

Aceitemo-nos, cumpramo-nos na certeza do que somos e temos, porque ainda que somente em sonhos, nos pertencemos.


domingo, 30 de janeiro de 2011

7 - SOMENTE OS OLHOS...

Olhos vermelhos, carregados, inchados, só o cansaço te foi visível ?
E o peso acumulado de sonhos desfeitos ? Traídos ?
De frustrações assumidas? O cansaço de tantos fardos carregados…
Não lograste alcançar ? 

E os meus olhos ?
Mais é o que escondem que aquilo que mostram não é ?

Mas tu não sabes, e por eles tentas descortinar-me a idade ?
Olhando-os ? Medindo o grau da cor que carregam, como quem, numa feira, esquadrinha cautelosamente os dentes de uma mula que qualquer cigano venda ?

E eu feliz, escondido nestas olheiras mas feliz, rindo do mundo, desse mundo que aprendi a não tomar a serio mas para o qual me faço parecer, ou… não me perdoariam a ousadia, sei-o, não me perdoarão o desprendimento das coisas terrenas, o alheamento aos pormenores comezinhos que prendem, prendem ?

Vidas vulgares, fúteis, cheias de nada, impantes de vazio !

E eu sorrindo para mim mesmo apesar das desilusões, também as tenho, mas saboreando a vida, ainda que esta tenha duas faces, como qualquer moeda, sabendo que sem uma a outra nada vale, é falsa, por isso sei dar valor a cada momento, a cada minuto, como se único, e fruí-lo, porque será pago, ser-me-á cobrado, como tudo na vida, o reverso, a outra face, e só quem está para se dar receberá, apesar dos custos, da cobrança, da hora do acerto, por isso este coração enorme, devastado, devassado, ferido, cicatrizado, contudo cada vez maior, cada vez mais dado, oferecido, e quanto mais oferecido e dado mais se agiganta, feliz, contente, jamais saciado mas permanentemente em paz, em dádiva, em oferenda.

E
é pelos olhos que me perscrutas ?

Que coisa mais tola, abre-me antes o peito, olha-me, vê como sou, ficarás maravilhada, assombrada, talvez siderada.

Não presa, não estupefacta por bater ainda neste ritmo certo, rimado, mas surpreendida com a sua grandeza, generosidade, porque apesar dos remendos, o seu acolhimento, magnanimidade, a sua invariável batida, o modo repentino como bateu acelerado ao teu olhar, ao teu toque, á tua observação.

E, fora as marcas que observaste, não recordo já os maus momentos, nem recordo esquecer os bons por um segundo que seja.
E vivo sem tormentos, uma vida plena, feliz, cheia, preenchida, uma vida !

Eu tenho uma vida sabes ?

E adoro-a, e adoro-me, e desmesurada esta auto-confiança, este amor-próprio, esta auto-estima, e o ego inflado quanto baste, e nem um bar a mais, e nem um grama a mais, e tanto que me falta, e tanto que não tenho, nem invejo, nem procuro.

Espartano no ter, estóico no ser, vivo feliz, saciado, tenho uma vida sabes,? Vivo !

E não me chega o tempo, e sobra-me disponibilidade, como o Cristo-Rei, braços abertos, sim, sou eu !

Verdade que sempre cicatrizando feridas, verdade que sempre sorrindo á vida, e os olhos ?

Ah,! Os olhos,! São tudo para ti os olhos ?

Mas nada mais para mim que não um espelho opaco desta alma em permanente agitação. Vivo de agitação, vivo para a agitação, não consigo viver sem ela! Sabias ?

E nada viste,? Ao menos a cor,? A pupila dilatada,? Retraída,? E nada mais viste,? Que pena, que lamento, que ironia estas janelas do mundo se fecharem quando as olhas !

Mas viste o cansaço,? Notaste o cansaço,? Bastou-te ?

E então,? Contente,? Feliz,? Bastou-te,? E conclusões ? 
Posso sabê-las ?
Saber quanto ficaste longe da verdade, saber quão afastada estás da roda da vida…

Ah,! E que dizes da sobriedade,? Do tino,? Do juízo ?

E de tantas dessas merdas com que durante anos te encheram a cabeça !

Aposto as não viste nos meus olhos pois não ?

Ah! Ah! Ah! Há quantos anos alijei essa carga !

E crê em mim, só então o sol !

A luz !

A claridade !

A vida !

A plenitude !
Eu!