Pablo Picasso "Mulher nua numa poltrona vermelha"
- Cebolinha
você anda comendo acelga ?
- Ando sim
Mónica !
Celga, sulda,
mulda, mim nã tel pleconceitos !
Naquele dia a
anedota que acabei de vos contar foi a única coisa na mesa que em comum
partilhámos, rindo todos do espirito e da maldade intrínseca à coisa, pois de
resto foi essa mesma coisa que, nesse mesmo dia, para além das impressões com
que cada um ficou dos demais e do extremo a que as expressões de outros
chegaram, tendo sobrado e no mínimo sendo suficientes para que um mais entusiasta
e mais dotado, o Anacleto, tivesse dado inicio a nova cena pintando no ar e em
gestos esfusiantes um quadro abstracto.
- Ou
psicadélico atirou o Angélico.
Isto por na
sequência da cebolinha e da acelga, o Souto que é mouco e o Saúl que é surdo,
terem dado origem a um debate acerca das virtualidades da cozinha vegetariana
ou vegan, recordando as receitas para diarreias (1), para a prisão de ventre
(2), para a obstipação (3) a que o outro contrapunha a alfarroba para os nervos
e o raciocínio célere (4). Até o apóstata do Baptista veio à liça com os
orégãos e os brócolos (5), ideais para a próstata e a bexiga. - E para os rins
apressou-se a acrescentar o Martins.
Ultrapassada
esta querela originada pela secção senil da mesa número quatro do nosso
habitual café das terças, onde participo mas não me incluo, e se querem saber
do que padeço aduzirei ser simplesmente de priapismo sazonal, aliás como toda a
família por parte do lado materno. Dizia eu que ultrapassada esta fase da
querela hipocondríaca, o pessoal se virou então para a discussão das impressões
e expressões sentidas e usadas, o que por sua vez levou a conversa para o campo
do impressionismo / expressionismo, na senda das achegas introduzidas pelo
Anacleto e o Angélico, que naturalmente vieram desestabilizar as coisas e gerar
a habitual confusão, não sem que anteriormente tivesse ficado assente tratar-se
de matéria de alta subjectividade e especialmente volúvel, nas palavras do Amável que me deu uma cotovelada capaz de
meter as costelas para dentro a um urso, só porque a Micas do Quiosque Primavera veio à rua em mini-saia
desatar os fardos de jornais deixados encostados ao rodapé do balcão.
- Topa-me
aquelas trancas, o peito e aquelas ancas de égua ó Baião !
E eu – Xi pá
! Olha que há gente ouvindo-te, não me comprometas porra, tem modos e maneiras
caraças ou saltas dessa cadeira.
E enquanto o Amável
olhava para a Micas e só via o pernão, o rabo e as mamas, eu era incapaz de ver
o que a ele tanto exacerbava vendo na pessoa em causa uma mulher trabalhadora,
sofrida, sensível, simpática, prestável, altruísta e amável como ninguém, enfim
uma pessoa com todas as qualidades para fazer um homem feliz e a quem eu jamais
pensaria deixar de comprar os jornais, revistas e por vezes uma ou outra
pastilha elástica só para não ficar ali pasmado olhando tão bondosa quão
prestimosa figura, sem pedir nada, sem fazer despesa, sem uma qualquer desculpa
por muito esfarrapada que fosse.
Logo o
Duarte, que é versado em arte e lobrigando a nossa conversa, sacando do
telemóvel veio com o exemplo de “Mulher nua numa poltrona vermelha”, uma tela
nitidamente expressionista e em que o artista, tal qual o Amável, pintara o que
o sensibilizara, pintara o que vira, pintara o que fixara, para Picasso a
mulher seria reduzida a mamas e pernas, o resto eram peanuts, mulher objecto
alguém diria hoje.
- E com
alguma razão, atirou o Semião. - Tenham paciência mas quanto a mim só foi
exaltada a beleza, disse loquaz a Leonor Beleza. – Não me sinto minimamente
diminuída por essa tela, vocês homens são um poço de contradições, ou elas são
umas felosas e raquíticas, pau de virar tripas ou esqueléticas sem ponta por
onde se lhes pegue ou são objecto, como disse e desdisse o Duarte e o Semião. Quanto
a mim o pintor pintou a beleza, uma mulher nutrida, com formas, cheia,
cheiinha, como na época eram preferidas, que mais querem vocês, um atestado da
paróquia garantindo o cadastro limpo, o bom comportamento e idoneidade do
pintor junto com a tela ? Vão-se catar.
- Porra pá !
Esse tal Pablo faz uns desenhos do caraças ! Impressionam mesmo ! Tou a gostar
! – Isto babou o alarve do João Jessé ao ver o quadro que o Casimiro lhe
mostrara no télélé, enquanto lhe repetia o caracter expressionista da pintura,
mais o confundindo o facto de estar aludindo a uma pintura que o impressionara.
- Toma lá
nota ó JJ para ver se entendes desta vez, o expressionismo é a expressão do que
o artista captou, ele viu uma mulher e não viu, talvez fosse um tipo novo esse
Pablito e estivesse na força da idade quando pintou esse quadro e então, cheio
de força na verga o que ele enxerga são só pernas, cu e mamas entendes ó
paspalhão, vê lá se aprendes duma vez por todas ó meu c _ _ _ _ _ _ Esta última
explicação deu-lha, quer dizer enfiou-lha na mona o Ramalho, que tinha sido
prof. de artes visuais e era tu cá tu lá com Picasso, Kandinsky, Monet, e
outros que tais.
Van Gogh, “Noite estrelada sobre o Ródano”
- Mas afinal
o que é essa coisa do impressionismo que tanta controvérsia e confusão gera, é
que não entendo, não me entrou ainda no crânio. Gritou-nos o Epifânio num
apelo, agitando-se na cadeira em que se mexia e remexia visivelmente
transtornado e a quem o Amado explicou e pacientemente acalmou:
Olha lá ó
Epifânio, isto é fácil de entender, e uma pintura não é uma epifania e,
virando-se para a Maria Surumenho, sim essa mesmo, casada em terceiras núpcias
com o Barrenho, tendo-lhe solicitado cortês e amavelmente que puxasse no télélé
a imagem da “Noite estrelada sobre o Ródano” de Van Gogh, o que ela fez com
inusitada destreza para a idade mas uma rapidez e sageza de quem é vezeira nestas
coisas dos museus, das vitrinas e patine.
- Topa aí ó
caramelo, Van Gogh olhou o céu numa noite limpa e viu estrelinhas, estrelas
cadentes, galáxias, planetas e cometas, e que fez, não nos pintou o céu, pintou
o que o impressionou, pintou estrelas brilhando, irradiando e correndo,
movendo-se na abóboda celeste, girando e rodopiando, percebeste agora ou é
preciso fazer-te um desenho ou mandar-te para o Jardim da Celeste ouvir o “Na
Loja Do Mestre André” ? Van Gogh pintou a impressão que colheu topas ?
Van Gogh, “Noite Estrelada”
Estavam eles
embrenhados nesta frutuosa discussão quando apareceu a Etelvina, em surdina
fez-me sinal para que atirasse os olhos para o saco que trazia, lá dentro duas
garrafas de aguardentes caseiras, poejo e medronho que ela sabia eu apreciar
sobremaneira sobretudo no inverno. Conseguimos escapulir-nos ainda antes da chegada
dos Giões, a Ana e o Hugo, os Reis da Cãozoada como carinhosamente lhes
chamamos, porém um perigo para qualquer garrafeira, quer um quer outro não aguentam o inverno
… Não são menos confusos nem menos difíceis de aturar que os pintores, uns pintam expressões, outros impressões, uns riem, há-os sérios, naturalistas, ou futuristas, ou ainda surrealistas, isto quando não se abstraem de todo ou ficam apanhados da psique...
Vincent Van Gogh "O Semeador"
(1) Bom para diarreias - Fazer uso de alimentos obstipantes:
maçã sem casca, banana prata, caju, goiaba, lima, laranja-lima, banana da terra
cozida, pêra; Dar preferência a vegetais cozidos como: cenoura, batata, chuchu,
beterraba, vagem, batata-doce, inhame; Preferir pão torrado, biscoitos (água e
sal); Ingerir leite desnatado ou produtos fermentados; Utilizar os queijos com
baixo teor de gordura.
(2) e (3) Prisão de ventre e obstipação - A ingestão de
fibras é fundamental para o bom funcionamento intestinal. As fibras são
carboidratos não digeríveis, ou seja, elas passam por todo o trato gastrointestinal
e chegam no intestino grosso. Bactérias adoram fibras. O intestino grosso é o
local do nosso corpo onde as bactérias existem em maior abundância. Assim,
quando as fibras chegam no intestino grosso, as bactérias começam a
"trabalhar" nessas fibras, produzindo, dentre outras coisas, glicose.
(4) Nervos e raciocínio - A alfarroba é um alimento saudável
e de elevado valor nutritivo. Contém vitamina B1- colaboradora para o bom
funcionamento do sistema nervoso, músculos, coração e melhora na atitude mental
e o raciocínio
(5) Orégãos e brócolos - Os brócolos são uma fonte de
benefícios nutricionais muito importantes, normalmente não descritos numa
tabela nutricional convencional. Sendo um membro da família das crucíferas (que
engloba as couves, a couve-flor), os brócolos contêm uma grande quantidade do
fitonutriente sulforane, que apresenta propriedades anti-cancerígenas. O
sulforane promove a actividade das enzimas desintoxicantes do organismo, o que
ajuda a eliminar mais rapidamente elementos potenciadores de cancro.
Vincent Van Gogh, "O Terraço do Café à Noite"