Há uns vinte anos atrás ou talvez mais, o Hilário e
eu conversávamos encostados a uma janela de um quarto do hospital, pejado de visitas a uma
tia minha e sogra dele.
Bendizia-me o sossego do país, do meio rural impoluto, da
segurança, do clima e do ambiente, factores de que o Alentejo seria o expoente
máximo e razão de sobra para que tivesse abandonado a capital e aqui vindo
parar, aqui onde e em boa hora conhecera a Ernestina, minha prima.
Eu contrapunha que a imobilidade e o atraso não eram
solução, que teríamos que optar por uma terceira opção que seria o crescimento
responsável sem demagogias, sustentável, mas não o convenci e desde aí que o
nosso relacionamento só piorou, como se eu fosse ou tivesse sido culpado da
ameaça desenvolvimentista que pairava sobre o país e o Alentejo, ainda que o
tempo viesse a contemplá-lo no seu desejo de imobilidade sacra e, infelizmente
para todos, a dar-me razão.
A filha, uma jovem formosa e bem formada, embarcou
ontem na Portela rumo a Londres, em cuja periferia um modelar centro hospitalar
a espera. A ela e a mais uma dúzia que com ela fizeram o curso de enfermagem...
Quando as coisas não são para todos acabam por não
ser para nenhuns, e o sossego do país e da região chegarão e sobrarão para os
poucos que por aqui ficarem... Todavia ao longo dos últimos quarenta anos conheceu
exponencial projecção ou aceleração a divulgação promoção e realização de
eventos variados ligados a todo o tipo de temáticas.
Ele são os encontros, os workshops, os seminários, os
congressos, as feirinhas e festivais, os manifestos e assembléias, as
cooperações “em rede” ou simultâneamente em rede e online, as exposições, os
lançamentos a as apresentações, as iniciativas de empreendedorismos, os empreendedores, a própria iniciativa e as celebrações, festivais,
jornadas, mostras e encontros, protocolos e lançamentos, oficinas e balanços,
open days inaugurações e evocações, ao ponto de um velho amigo meu com responsabilidades
editoriais me ter confessado uma vez ser completamente impossível, por escassez
de meios, cobrir tão prolifica situação, ao que eu respondi se a memória me não
falha qualquer coisa como “impossível e inútil.”
Na realidade penso que passados mais de dez anos
sobre o diálogo que citei e fazendo um balanço empírico das coisas, continuo a
não lhes encontrar hoje, como já não lhes encontrava então, fundamento
justificativo, a não ser que a teimosia e a cegueira, ou as duas aliadas, façam
parte desses critérios por parte de quem os desenvolve (aos acontecimentos, aos eventos), não
esqueçamos que algumas dessas iniciativas vão já na sua décima ou vigésima
edição !
Fazer um balanço implicaria a criação de mecanismos
que permitissem aferir com alguma eficácia, no mínimo, o resultado de tais
eventos, dos quais o objectivo económico anda tantas vezes arredado quantas
mais é invocado ou apregoado. Se o cariz é económico e a coisa simplesmente não
rende, mais ninguém deveria apostar nela pelo que o prejuízo ficar-se-ia pela
primeira edição. Mas não, não é isso que acontece.
Nem ao menos nos contentamos com a sua edição e o
consequente fecho no caso de não terem tido o sucesso ou retorno esperado para o
valor do investimento, ou nos ficamos singularmente p’lo desenvolvimento de
somente algumas edições que contudo tenham deixado pouco ou nenhum motivo de
regozijo para nova repetição, ao invés disso assistimos a uma aposta e
repetição cega e continuada como se o custo e o resultado fossem indiferentes
aos seus promotores, eu diria então que das duas uma…
- Ou se trata de teimosos masoquistas, ou de
altruístas queimando o dinheiro em prol dos poucos que usufruam da coisa, ou…
- Trabalham para aquecer ou com fundos aparentemente
inesgotáveis, isto é com o dinheiro dos outros, sem que contas algumas tenham
que dar ou a quem…
Importaria avaliar o resultado do desempenho de cada
iniciativa, pois assim sendo haveria um motivo, conhecido, transparente, claro
e evidente, inquestionável, para a reiterada continuação nessas apostas,
evitando que a sua inexplicável repetição despoletasse interrogações como esta,
quiçá até mesmo eivadas de demagogia, pois se as ditas ou as mesmas iniciativas
pretendem inserir-se ou inserir as regiões em que se inscrevem na senda do
desenvolvimento, sempre “sustentado”, de primeira ordem e da melhor estirpe,
confunde-me que o desemprego aumente e o PIB desça substancialmente tanto mais
quanto maior a aposta no sentido contrário, no caso nessas ditosas iniciativas.
Será bruxaria ou algo me escapa ?
A memória das gentes é curta, é sabido, e uma mentira
muitas vezes repetida e malhada toma contornos de veracidade, sabêmo-lo, mas os
que sabem uma coisa e a outra não são os outros, são os mesmos e que o saibam e
em simultâneo a torneiem ainda menos os desculpará.
São estas contradições que me preocupam, e a menos
que algo me escape não encontro justificação racional para elas, apesar das
muitas noites de insónia e meditação a que me entrego, porque se me preocupa
deveras o estado a que o país chegou, logicamente preocupar-me-à ainda mais o
estado comatoso e deprimente da região em que me insiro, este nosso Alentejo,
mau grado o ar pobrete mas alegrete com que efusivamente, ano após ano, se
repetem as iniciativas que acabei de citar e tudo isto enquanto caminhamos para
o abismo.
Serei o único a ver a coisa tão negra ?
Esta caminhada
cega p'ro cadafalso ?
Confesso por vezes me rio da coisa, porventura já
vendemos mais canários ?
Ou mais vestidos de chita ?
Ou comemos mais açordas ?
Mais bolotas ? Ou sopinhas ?
Ou revolucionámos a exportação de ervas aromáticas
?
Claro que tudo isto não passa de meros e
insignificantes exemplos que poderíamos repetir até à exaustão, e, mesmo que
nos façam rir não são sinónimo de anedota, antes de fundadas interrogações e
tristezas.
Mas é uma verdade inquestionável que todos que por
aqui vivemos temos a responsabilidade de dar uma ajudinha na recuperação disto,
pois se até já a demos para que fosse ao fundo… Ou pensam que estamos onde
estamos ou que chegámos onde chegámos por culpa exclusiva dos outros ?