quinta-feira, 22 de setembro de 2016

382 - O ESTRANHO E EXTRAORDINÁRIO USUAL


Esta história que hoje vos conto nem é ficção, é verídica, se bem que salpicada de sal para vos proporcionar uma mais agradável comichão no palato. Como terão oportunidade de aferir, há mais marés que marinheiros, nem eu imaginaria que no mesmo mês em que me fizeram passar as passinhas do Algarve me desforraria a bandeiras despregadas… Será caso para dizer que cá se fazem cá se pagam.

Mais vale tarde que nunca é bem verdade, mas tão cedo nem o calor da vingança se dissipará das vossas mentes sanguinárias, sempre esperando de garras afiadas as historietas que tenho para vos contar. Esta conta-se em poucas palavras, é hilariante pelo ridículo de que cobre os protagonistas, e metáfora das cabecinhas pensadoras em cujas mãos entregaram há muito este país de provincianos.

Num sábado não muito recente, talvez há quatro ou cinco anos e mais concretamente num dia 11 de Julho, este vosso amigo engalanou-se que nem um pavão para ir comer uma sardinhada a uma cidadezinha perto, a convite do moto-clube local, convite recebido pelo Facebook. Fato e capacete à maneira, bota de ferro por causa das curvas e das rectas, óculo de sol p’ra cortar o vento, só o cabelo esquecera pintar tuti-color como era meu habito… Rumei à vila, ou aldeia, nem sei que vos diga, e lá entrado logo deparei com inusual movimento de motards, a maioria de cabedal e capacete integral, e apesar de ter chegado bem cedo eles eram já muitos.
 
Percorri ruas e ruelas em busca do CBD, até que me deparei com o que vim a saber ser a Praça da República, que mais me pareceu o 5 de Outubro, tal o movimento de peões que àquela hora apresentava. Uma passadeira com mais de cinquenta metros atravessava-a lado a lado. Eu ia quase parado, com tanta gente passeando por ali nem poderia ter sido de outro modo, talvez eu circulasse a cinco à hora, os pés a rojar o chão, pois a tal velocidade é impossível manter a mota em equilíbrio sem a ajuda das “ botas de ferro “ a fazerem de tripé… ou quadripé… Alarguei os olhos uns vinte metros para cada lado da passadeira, mantive a velocidade que trazia, menos que essa só parado, e avancei atravessando-a para parar, mais à frente, frente a uma formosa pastelaria, famosa pelos seus bolinhos pequeninos e gostosos, que nem fazem mal à dieta nem à psico, isto é nem deixam arrependimento nem peso na consciência…

Entrei, bebi um café, dei dois dedos de conversa com um amigo que há muito não via e, mal saí, um apito da autoridade policial logo me fez pensar que estacionara precisamente em cima dos riscos assinalando o espaço para cargas e descargas, e que eu nem sequer vira… Cumpri, fui junto da autoridade demandando salvatério pelo lapso e admitindo a culpa… Mas não, nada disso me esperava, o que me esperava, espantem-se, era uma acusação de atravessamento da passadeira dos peões em velocidade excessiva !  Excessiva e agravada com desrespeito pelos peões, e, pasme-se ! Não visualizada, isto é não presenciada por qualquer policia, mas baseada numa denúncia ! Sim ! Falo-vos verdade ! Não acreditam ? Pois acreditem ! Pretenderam multar-me devido a uma delação ! Eu nem queria acreditar ! Defendi-me e argumentei como pude, fiz ver o ridículo da situação e o regresso aos tempos da PIDE e dos “ bufos “ mas nada demoveu os senhores Feliz e senhor Contente, cada vez mais teimando absurda e prepotentemente no que eu já considerava uma situação abusiva dos meus direitos de cidadão e em que somente uma vez, numa tourada em Cóias, ou Coina, me vira tão igual e estupidamente tratado. 


Fui reclamando à medida da injusta imposição das suas prepotências, a tal ponto que, certamente desejosos de me “apertarem” mandaram vir da central uma colega com um estojo para que eu soprasse o balão, operação que deu zero, pois que a acusar algo, teriam que ter-me deixado em primeiro lugar comer a sardinhada que me levara ali. O zénite da coisa deu-se quando um dos agentes preencheu a terceira ou quarta folha do livro de multas com ajuda via rádio de um colega na central, até aí eu recusara-me a assinar todas elas, pois umas não discriminavam a hora da infracção e da autuação, entre as quais mediavam quase duas horas… outra porque não referia estar eu a ser alvo de mera denúncia não flagrantemente presenciada pela autoridade, noutra recusavam apontar o denunciante, ou nada diziam acerca do facto de eu envergar um capacete integral facto que durante a ocorrência poderia contribuir para ter sido facilmente confundido com um qualquer outro eventual e verdadeiro prevaricador, é que nestas coisas das leis e do direito o que conta são os factos, enfim, uma lástima de actuação e exemplo das autoridades digno de nota e nota dó…

Já farto da situação e vendo não atarem nem desatarem arrisquei e pus termo ao degradante espectáculo dizendo aos senhores agentes que se desejassem me prendessem, e ofereci-lhes os pulsos bem a jeito de lhes ser facilitada a colocação de uma algemas, tendo-lhes afirmado ao mesmo tempo ser o vagar coisa que me sobrava, ser fim-de-semana e andar em turismo, pelo que, prepotência por prepotência, o mais tardar na segunda-feira um juiz decerto ouviria as minhas razões. Resmungaram, que esperasse a multa em casa ida pelo correio, e foram desandando de mãos atrás das costas agitando o molhe das chaves e o apito. Eu nem o papel da dita multa assinara ou aceitara, pelo que arrisquei virar-lhes as costas e fazer-me à vida…

À vida e à esquadra, pronto a apresentar queixa da prepotência de que fora alvo, do que fui demovido pelo agente de serviço que me aconselhou a contestar a multa no prazo uma vez recebida via CTT, visto que os agentes não eram por mim acusados de má educação ou violência, e não eram, eram-no apenas de abuso de autoridade e de prepotência… mas enfim… agradeci-lhe, virei as costas, já não fui à sardinhada por me ter passado a vontade, duas horas de tortura quebram o mais forte… jurei a mim mesmo não voltar a fazer turismo naquela triste terra nos próximos duzentos anos e acelerei quanto pude até casa para queimar a raiva que me consumia, mas atenção, tudo dentro dos limites legais, não vá alguém querer multar-me por confessar aqui excesso de velocidade…

“Não perderam pela demora” assim reza outro velho aforismo popular e, ainda antes do fim desse mês de Julho, quando em todo o país as autoridades eram instruídas para poupar, para não fazer giros diários superiores a trinta quilómetros, diminuindo e fazendo perigar a segurança dos cidadãos, eis que a esquadra da dita terrinha ou alguém que dela fazia parte organizou uma matança alentejana, (desconheço se obedecendo às imposições da ASAE), precisamente no último fim-de-semana desse mês e, nadando em dinheiro ou autoridade, envia a Évora propositadamente em serviço de “táxi”, ida e volta, uma viatura da esquadra, paga por mim e por si que me está lendo, ambos contribuintes sem obrigação de suportar os devaneios deste ou destes agentes, que foram a casa buscar e depois devolver um excelente magarefe, reformado da Manutenção Militar e homem de muitos pergaminhos nesta área, que passa os dias a matar e esquartejar carcaças, e com nome conhecido e afamado na praça de Évora.

Ora quem não tem dinheiro não deve ter vícios.

E eu não estou a bufar, estou a comentar e dar testemunho de uma situação caricata mas verídica, extraordinária mas usual entre nós, pois entendo que a “quem do seu for mau despenseiro, não devo fiar o meu dinheiro” … E tu que achas meu amigo ?

Aches o que achares, a verdade é que seja Verão seja Inverno, quando se declara uma guerra, nos devemos lembrar alargar o Diabo o Inferno…

              Ah ! A multa ?? Ainda estou esperando que chegue...

terça-feira, 20 de setembro de 2016

381 - MARIA DO ROSÁRIO, A POETISA PINTORA.



Não sou piegas, nem tão pouco um grunho insensível, tenho-me até descoberto no que de mais recôndito em mim existe já que dia após dia a poesia vem, comigo, ganhando maior adesão e significado. Não aprecio poesia por poesia, para ser franco detesto o rimar por rimar da poesia popular com que se enganam os tolos nos jogos florais, compreendo que saia mais barato e dê menos trabalho distribuir prémios que ensinar àquela gente os contornos da poética, cousa a que abro pequenas excepções, como ao poeta António Aleixo por exemplo.

 

Aprecio poesia inteligente, trabalhada, lavrada ou bordada, culta ou como queiram chamar-lhe, e já agora retiro o bordada não vá dar-se o caso de pensarem que a adoro adornada de enfeites e confetes, referi bordada do sentido de trabalhada, no entanto também admiro a poesia espontânea, evidentemente desde que rica de sentido e de conteúdo, substância, forma, corpo, o que a coloca longíssimo das quadras populares dos jogos florais que atrás referi.

 

É neste sentido que sou, e ao longo dos anos me tornei um admirador de Maria do Rosário Pedreira, MRP, a cuja poesia torno e retorno com uma cadência eivada por uma cada vez menor amplitude, pois se chapéus há muitos, e palermas, a poesia de MRP reveste-se porém de limites ilimitados, desculpai-me a contradição e redundância. Ainda que havendo muitos poetas, cada um assinala presença no mundo com a sua marca, o seu estilo, a sua época, ou geografia. Com a sua particular "literatura" MRP é única entre os únicos, “primo inter pares” ela surgiu-me como a poetisa da pintura, Maria do Rosário Pedreira escreve como quem pinta.

 

E pinta mesmo, pinta sensibilidades como quem pinta aguarelas, e do remanso de cada poema surge uma tela, que me sensibiliza até ao mais fundo de mim, até ao íntimo, cousa que eu mesmo desconhecia. O vento despenteando searas, os barcos aos gritos sobre as ondas, a agitação dos dedos fazendo crescer morangos, ou passeando-se insolentes nas sombras de um decote, cores vivas que a poetisa nada impunemente selecciona, grão a grão, pincelada a pincelada, abrindo ante nós paisagens imaginárias e deslumbrantes, sensuais pequenas histórias, as suas histórias, que bem podem ser as grandes histórias do mundo.  




Diz-nos MRP que o amor não cabe num poema, em nenhum poema, nem se enquadra em nenhuma geometria, nenhuma arquitectura, um poema pode ser, deve ser como uma explosão, como cratera em erupção, um trilho abandonado, saudade, farrapos de ausência, pulsão, convulsão, esperança, uma canção, redenção, um raio de sol pela manhã. Um poema é refúgio, repetição, memória, ressurreição, sendo a poesia como as coincidências que nos unem. Amamo-la, à poesia, ou por essas coincidências ou porque nos lembra despojos que o mar deixa de madrugada espalhados numa praia.

 

Maria do Rosário Pedreira, MRP, é exímia até no auto-retrato que nos deixa, um corpo numa tela, como um mapa onde tenhamos a prerrogativa de descobrir ilhas, paraísos, édens, o corpo exposto como um compêndio onde possamos passear os dedos devagar, tocando as linhas com que se cose a costa que nos abre os horizontes, ou as curtas linhas da mão, balizando sombras, conjecturas, sonhos, projectando as ondas que lhe balançam nos olhos. Os poemas de MRP são pedacinhos de vida flutuando na poeira dos dias e que facilmente confundimos com flores que o vento despiu, ou com estrelas escapadas das trevas, pingando luz, quais lágrimas de sol, alvas e puras penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

 

Partida e desilusão vogam também neste seu peculiar e desvendado universo, pois a vida não é nada daquilo que sua mãe lhe dissera quando lhe começaram a crescer os seios. Parco amor e forte solidão depressa murcharam as rosas que lhe deram e por se ter deitado com mais homens que aqueles que amou, quando o que verdadeiramente amou nunca com ela acordou. Perdido o medo de morrer, desertas as ruas, fechadas as janelas, não quer ficar, não quer ver murchar as rosas prometidas pois ninguém virá fechar-lhe as pálpebras debaixo das quais os olhos descansarão como seixos numa praia que o mar nunca tocou...

 

Acicatar-vos o apetite é o meu fito, longe de mim sonegar-vos o prazer da leitura de MRP, só lendo poderemos extasiar-nos e deixar-nos embalar e conduzir por esta mulher que pinta versos, poemas, poesia, como quem nos desvenda e segreda o que lhe vai na alma em cada dia.

 

Boas leituras.




quinta-feira, 15 de setembro de 2016

380 - VALSAS, “NEM TODAS AS NOITES SÃO PARA VALSAS” CRITICA E CRITICISMO .........



Tu por aqui Baiãozinho ? Pensei que disseras não voltar mais e afinal cá estás, tu não és passarão destas bandas e aqui nem se passa por mero acaso.

- Olá ó merceeiro, como tá tu ? E a minha prima como vai ? Tens tratado bem dela ? Nunca ouviste dizer que o criminoso volta sempre ao local do crime ? E o pasteleiro ao local do creme ?  Posso ter feito uma afirmação dessas em relação a alguma coisa especifica, de resto nunca pensei deixar de fruir o que me é sugerido e até gosto do café daqui, da esplanada e dos gelados, evidentemente que no tempo deles.

- Mas saberás haver quem não aprecie os teus passeios por aqui, ou não percebeste ainda isso ?

- Claro que já percebi isso ó caramelo, isso e muito mais, nem é coisa de que me admire, porém acho que o país e a cidade e todos nós perdemos muito com esta doentia falta de critica e de críticos, vê só onde chegámos, ao buraco a que chegámos sem que ninguém aparentemente tenha dado pelos maus caminhos trilhados, um país inteiro numa fossa. Claro que sei, folgo até com a atenção que me prodigalizam ainda que eu faça os meus juízos mais para me entreter que outra coisa, mas olha, reparaste, por exemplo, que a iluminação da igreja foi melhorada ? Pois não te esqueças de agradecer cá ao "je".

- Pois pois Baião, era mesmo aí que eu queria chegar, as tuas opiniões, digo as tuas criticas parecem não ser bem aceites, não digo que sejam injustas ou despropositadas, digo apenas que não cairão bem em certos meios.

- Amigo Hermes, há uma diferença considerável entre critica, criticismo e má língua, se não me sentisse capaz de avaliar alguma coisa nem abriria a boca, quanto ao resto, e sendo a coisa pública está sujeita a criticas, e eu no direito de as criticar, tanto mais que há ali dinheiros públicos, dinheiro dos nossos impostos, e dos meus, vejo ali anunciados apoios da DRCA, da CME, provavelmente haverá subsídios da DGA, há patrocínio de uma importante fundação da terra, cabe-me portanto todo o direito a formular as minhas apreciações e avaliações e a torná-las tão públicas quão públicas são as exposições ou as instalações que uma qualquer associação promove aqui nesta igreja. Quem se aventura em público tem que ver a critica como algo que faz parte do ar que se respira, evidentemente falo de criticas justas, isentas, desprovidas de sectarismos, sem quaisquer engajamentos a lealdades morais, politicas ou religiosas.

- Sim sim Baião tens razão, uma crítica justa deveria até ajudar a melhorar as coisas, a assinalar o que esteja menos bem, mas como sabes o tuga convive mal com qualquer critica, para ele critica é sinónimo de destruição…

- Tal qual Hermes, mas eu não funciono assim, procuro um certo distanciamento e evito emitir um juízo formal ou especifico contaminado pelo preconceito ou pela subjectividade, e nunca esqueço que a apreciação de uma obra ou o prazer que ela nos proporciona ou não, envolve uma atitude subjectiva que ninguém consegue impor ao observador, pois os valores e sentimentos estéticos que este carrega, chamemos-lhe grelha de referência, é-nos anterior à apreciação e, se por um lado nos ajuda a “ver” o exposto, por outro também dificulta que nos imponham um gosto ou um ponto de vista.

- Estás a dizer-me que quando entras numa exposição já vais com uma ideia preconcebida Baião ? Já vais de faca afiada pá ?

- Não ! O que eu estou a dizer-te é que vou munido de bagagem, de conhecimentos, de uma grelha que me permite ver como se levasse binóculos e que essa visão é mais rica por ser informada mas não deixa de ser minha, e de ser subjectiva, repara nas unhas da Tininha, eu aprecio o fúxia mas tu podes preferir o lilás, sendo essa liberdade de opção ou de gosto que gera o tipo de subjectividade que não deve nunca passar para a critica.

- Então as más vontades contra ti poderão resultar de mal entendidos Baião ?  A verdade é que ainda que tenhas razão, e sei que tens, alguém preferiria que não aparecesses, que não te pronunciasses, e se assim for só pode ser má fé contra ti ainda que eu não entenda o seu fundamento. Realmente dizer as verdades ou ter razão pode ser prejudicial, só neste país, assim estamos como estamos...

 - Não, julgo que não Hermes, sou sempre objectivo nas minhas criticas, e suficientemente cuidadoso para não gerar os mal entendidos a que aludes, aliás uma critica, ou o facto de se criticar algo ou alguém tem um protocolo ético que nunca mas nunca ultrapassei amigo Hermes, senão nota, é um código de conduta que adoptei para mim mesmo há muito tempo     
        
Primeiro: a crítica deve ser justa, justificada, objectiva, precisa e claramente especificada ou dirigida, a fim de não existirem duvidas quanto ao seu objectivo e identificar sem rodeios o alvo, que deve ser único em cada caso, deverá portanto ser inequívoca. A crítica deve cingir-se a situações concretas.

Segundo: a crítica deve ser sempre bem elaborada, clara, concisa, a critica deve ser educada, correcta, comedida, não deve amesquinhar o destinatário e muito menos apoucar o emissário.

Terceiro: a critica deve evitar opinar, preconceitos e juízos de valor, a critica refere-se a coisas, a situações, não a pessoas, a doutrinas, a confissões, credos, pontos de vista ou posições, para estes casos existe a contestação.

Quarto: a crítica deve basear-se em factos concretos, a critica não pretende formar mas informar e influenciar; alertar, a critica deve avaliar expondo e contendo razões fundamentadas.

Quinto: a crítica carece de conhecimento, se desconhecermos ou não entendermos o que observa não critiquemos. A crítica exige conhecimento e coragem não devendo comportar hesitação ou cobardia.

Sexto: a crítica vale pela substância, deve ser frontal e incontestável, e não sub-reptícia ou subterrânea, a critica não é um boato, não deve ser baixa (de baixeza) nem soez.

Sétimo: a crítica exige frontalidade, criticar não pode ser confundido com o acto de atirar a pedra e esconder a mão, nem  deve ser feita por ignorância, mau caracter ou estupidez.

Oitavo: a crítica está certa ou errada. A crítica deve credibilizar quem a elabora sem desonrar quem a recebe.

Nono: a crítica é uma atitude pessoal e deve estar isenta de má fé, sectarismo, dogmatismo, engajamento e todo e qualquer partidarismo.

Décimo: a crítica deve ser fácil de ler e mais fácil ainda de compreender.

- Belos princípios Baião, mas não sei se sabes que certa gente não funciona assim, há gente que atropela toda a ética e toda a moral e para quem os fins justificam os meios, e isso é o que mais se vê por aqui. Mas afinal quanto à exposição o que me dizes ?

- É um peso pesado, tive o cuidado de pesquisar na net, mais de mil entradas no Google.

- Um peso pesado ?  É só o que tens para dizer ?

- Estás a dois passos dela, se queres saber mais levanta o cu da cadeira e vai vê-la. 























quarta-feira, 14 de setembro de 2016

379 - DO HUMOR E DA IRONIA, A CLEMENTINA

                    

Ouvindo os meus lamentos a Clementina, que nem é tão azeda como a julgam, nem casca grossa, antes docinha como um pêssego, um alperce, acercou-se da mesa e procurou inteirar-se do motivo da controvérsia do dia e, naturalmente e como é próprio da sua doçura, deixar um qualquer lamiré apaziguador, quiçá uma prova da sua ternura, simpatia e empatia.

Cousas que ao Arlindo em nada sensibilizaram, ou molestaram, dado ele ser daqueles tais, dos diferentes, dos todos diferentes mas todos iguais e contra quem a mesa toda se virara, pois acabara de criticar asperamente a disciplina militar, primeiro a respeito das mortes nos treinos dos comandos e depois acerca da nem tão recente polémica com os rapazinhos do colégio militar dos pupilos do exército. Logo calhou que o Zé Antero lhe tivesse feito uma cena que nos deixou todos rindo ao encenar esta piada:

- Parece que estou a vê-los todos ó Arlindo ! De baioneta em riste e preparando-se para abandonar as trincheiras em direcção ao inimigo

- Vamos a eles meus amores ! À carga !

Foi risota geral. Humor e ironia é a sorte daquela mesa, quero dizer desta, pois é nela que vos estou dando conta do ocorrido agora que todos desandaram cada qual arvorando uma desculpa diferente, o Arlindo meneando-se com todo o ar de dama ofendida, o Zé rindo à gargalhada, a Clementina como quem caminha aspergindo água na fervura e o resto gargalhando a bandeiras despregadas.

  
Sobrei eu, fiquei eu pra pagar a conta como sempre calha ao mais parvo, nem sei como a coisa calha para me calhar a mim vezes demais. Fiquei entalado mas também rindo do sucedido e de como em poucos minutos um ambiente se pode modificar completamente. É certo que fiquei a rir, não me fiquei rindo mas fiquei a rir o que parecendo igual não o é, é uma coisa completamente diferente, o riso descomprime, o riso é saudável, a falta dele provoca desde embaraços a incompreensões, a desconfianças, complexos e traumas vários e até males sezões, desaconselhando eu vivamente a amizade e o convívio com quem não partilhe o gosto pelo humor e pelo afiado gume da ironia. Sendo para casar então o melhor é nem sequer pensar em tal, pois irá ser aventura de curta duração com divórcio garantido a breve trecho. Rir é hoje em dia uma questão de sanidade pública e privada. 

Realmente perante determinadas situações rir é mesmo o melhor remédio, se não o único, pois que, em especial neste nosso caricato e peculiar país, a maior parte do acontecido somente pode ser avaliado à luz da ironia e do mais fino ou mais negro humor, tal o absurdo em que se inscreve.

Saber rir daquilo que nenhuma ponta tem mais por onde possamos pegar-lhe, e saber rir de nós mesmos, é condição “sine qua non” para sobreviver neste autêntico vale de lágrimas ou estúpido reino da Dinamarca onde todos, ou quase todos andam enganados e enganando-se vai para quarenta anos. Há essencialmente duas coisas que o português contesta e detesta, uma é saber, saber o que quer que seja a respeito de… saber, aprender, ler, informar-se, perguntar, entender, compreender, enfim, saber por saber, para não ser estúpido. A segunda é meditar, analisar, extraír conclusão, comparar, examinar, intuir, deduzir, generalizando e em simultâneo especificando, ou seja pensar, tão simples como isto, pensar.

Daí os dogmas e as ortodoxias de esquerda e de direita em que tropeça há quatro décadas, sem que lhe ocorra no mínimo baixar-se e arrancar a pedra do caminho ficando menos uma em que tropeçar da próxima vez. Todavia larga opiniões a toda a hora, como quem caga bacoradas, e nem tão pouco se dá conta da montanha de asneiradas que ao longo de dias, semanas, meses e anos vai acumulando. Se fosse como o Jóquer do Totoloto era o menos, mas sucede que não é, caindo alguns no extremo oposto, ficarem calados, escondendo dos demais a sua ignorância, o que até consubstanciaria uma virtude não fosse a sabedoria desconfiar da marofa. Entre ser preso por ter cão e preso por o não ter é acreditar na Clementina que garante ser no meio que se encontra a virtude.

E é, e está, é precisamente no meio que ela é mais docinha, e ainda que com um ligeiro travo e um muito leve sabor a maçã verdinha é lá que está a virtude, bem no meio, bem escondidinha. Vai uma apostinha ?

A propósito, foram 17,30€ a conta, vou ter que me vingar destes cabrões sabiam ? Sabiam ou pertencem àquele número dos que não sabem, nem querem saber e têm raiva a quem saiba ? 



segunda-feira, 12 de setembro de 2016

378 - PASSARINHOS, PASSARÕES, CONTRADIÇÕES E CONFUSÕES * ...


Na semana passada tive bastos motivos para me rir, primeiro ri-me porque quase me caguei, uma diarreia que por pouco nem me dava tempo de chegar à sanita, foi de tal ordem que, prevendo isso corri, não, não estou a inventar, estou sendo sincero, tudo por causa de uns tamarindos que comi em excesso, comi-os com umas bejecas, para lembrar os dias no deserto, mas sem saber comi demais, devemos ficar pelos três, ou quatro e eu comi uns dez, nem sabia que os árabes os usam como laxante, nem tive tempo de dar sequer mais um clique no rato do PC.

Há uns anos tinha comido daquilo em Tikrit no fim de um lauto almoço (regado a boa cerveja de contrabando oriunda do United States Army), mas no fim do repasto e à laia de digestivo os anfitriães deram só três ou quatro a cada um de nós, verdade que na altura os julguei somíticos, aprendi agora da pior forma ter demorado treze anos a perceber o porquê do seu cinismo, imaginem que eu estava num café por exemplo...

Há coisas do caraças, e eu sem aquela areia toda para tapar a coisa... Eles taparão, digo eu, a minha Mimi tem uma caixinha com areia e tapa. Mal me levantei da sanita meti-me logo para debaixo do chuveiro claro, mas do susto não me livrei… Porém enquanto estava de sentadeira puxei a cestinha das revistas e jornais tendo-me entretido com eles, foi neste momento que dei com outras cenas macacas e me pude rir a bom rir ao dar com as contradições em que as pessoas podem cair e caem, consciente ou inconscientemente mas caem.

Eu pegara nos jornais da terra desse dia e da véspera e dou com dois paladinos botando sermão acreditando serem os detentores da verdade e, ambos enganados, ambos engajados, ambos comprometidos, ambos inconsequentes. Bem um deles era uma ela, uma paladina, e como os sermões eram públicos, vinham em jornal diário, eram e serão não somente passíveis de risota como de critica, e assim fiz, primeiro ri-me depois analisei-os à lupa e voltei a rir-me. 

Eram dois artigozitos, um sobre democracia e moralização, um arrazoado de pressupostos sem pés nem cabeça, uma série de patacoadas ingénuas de quem nem se verá ao espelho, o outro mais grave porque mais profundo, menos inocente, mais subtil, não de uma figura da terceira liga antes de um craque da primeira divisão, pessoa que jogou no nosso distrital, pessoa conhecida e naturalmente alvo permanente de observação e escrutínio públicos, colectivos, e talvez também pelo colectivo…


Se em relação ao primeiro artigo nada mais haverá a dizer além das contradições que o desabafo encerra, pois não me pareceu mais que um desabafo de quem só agora descobriu a intolerância por esta lhe ter caído em cima, provavelmente a doer, sobre o segundo usei de toda a ponderação na análise pois a coisa chiava mais fino, revestia-se de um caracter multiforme, era enformado por subtileza do mais fino recorte e pode considerar-se um indisfarçável apelo subliminar a todas as consciências adormecidas que nele esbarrem, facto que alertou a minha desconfiança e me suscitou mais interrogações que certezas quanto aos factos que o dito artigo abordava. 

Mas vamos por partes, dado o supra citado artigo se referir à polémica empresa energética EDP que, esclareçamos, goza de um quase monopólio sobre os cidadãos nacionais, tratando-se duma empresa que faz cair sobre todos nós os elevados custos da energia que produz e considerada a mais cara da Europa (com impostos ou não). O tema é inequivocamente assunto para ser tratado com pinças, delicadeza, diplomacia e pezinhos de lã como dizemos por aqui. É uma empresa privada, de natureza privada, cuja imagem andará pelas ruas da amargura, e andará tanto mais quanto mais nos aproximarmos do inverno, da velhice e da falta de rendimentos que a incompetência continuada e reiterada de vários governos nos despejou em cima, não olvidando o aperto austeritário que à laia de purificação continuamos sofrendo.

Uma empresa que daria tudo por tudo para melhorar esta imagem, uma empresa polémica, estratégica, e que somente a incompetência de deputados e governos permitiu que saísse da tutela estatal. Uma empresa que nos esmifra p’ra dividir entre os gestores e accionistas dividendos chorudos sugados a um povo abusado, uma empresa que criou uma fundação encarregada de apregoar a solidariedade e de fazer caridadezinha com o dinheiro que nos cobra, portanto as suas benfeitorias são pagas por todos nós, que, supostamente lhe devemos estar agradecidos. Saibamos então ao menos que a responsabilidade social tão apregoada pela Fundação EDP é paga por todos nós.

Ora a EDP faz por ela e não a podemos criticar, e socorre-se das melhores formas de propaganda a que pode deitar mão, aquela que em vez de aparecer como propaganda ou publicidade aos nossos olhos aparece ante os mais distraídos como um acto de filantropia, de benfeitoria. É pura e subtil publicidade encapotada, é propaganda camuflada, disfarçada de boas acções, é uma forma de publicidade subliminar, inoculada nos mais distraídos sob a forma de caridade. Ao invés de baixar o preço da tarifa eléctrica a EDP faz caridadezinha, pratica o bem com o excesso de preço que lhe pagamos, não é moralmente correcto, mas não deixa de ser legal. É uma empresa privada, faça como entender desde que não torneie a lei.

Para enfeitar o ramalhete as acções da benfeitora Fundação EDP surgem enquadradas por duas figura públicas nacionais que, a julgar por notícias há bem pouco tempo vindas a público quanto a outra de igual gabarito, Cristina Ferreira, se fazem pagar principescamente. Porém vamos acreditar que MRP e CF trabalham para a Fundação EDP em regime “pro bono” o que dificilmente imagino. O caricato da situação surge quando o estado através da SEE e da DGE aceitam participar nos desígnios de lavagem de imagem da EDP, e sobretudo que um ex deputado do PS, José Carlos Bravo Nico, aceite dar a sua figura, fá-lo-á “pro bono” ou estará a facturar principescamente a sua participação ?

Pessoalmente quero acreditar na ingenuidade, integridade e boa vontade do tal inteligente ex deputado e que o mesmo participa no road show de promoção da EDP a título gratuito mas, a titulo gratuito ou não, um ex deputado não deveria resguardar a sua independência ? Ou estará sempre disponível e irá apoiar todas as empresas que lhe solicitarem apoio ? E não deveria um ex deputado com responsabilidades hierárquicas ainda que antigas sobre as escolas do distrito evitar possíveis ou imaginárias acusações de possível tráfico de influência e pressão sobre essas escolas ? Todas as interrogações são possíveis, passiveis e pertinentes, contudo qualquer um tem o direito de se interrogar ou questionar a si mesmo sobre estas andanças e boas intenções, sobretudo quando é sabido que de boas intenções está o inferno cheio. Cabe aos intervenientes nestas peripécias resguardar-se dos salpicos, manter o recato que as suas vidas públicas exigem e recomendam.

Responsabilidade social sem moral, sem moralização, não passa de um embuste, e, sendo o desenvolvimento o que se almeja, aja-se em conformidade na AR, em conformidade e com consequência. Não se pode vir alardear e solicitar responsabilidade social a quaisquer empresas privadas afobadas de impostos e cujos lucros, escassos, mal lhes permitem sobreviver, não se pode exigir uma coisa nos discursos e fazer outra na AR, onde as leis promulgadas não ditaram a riqueza mas deitaram abaixo este país. Não esqueçamos que foram as más leis e o mau governo deste país quem colocou nas mãos de interesses estrangeiros o que devíamos ter mantido nosso, mantido e ampliado.

Outro aspecto que me parece de acautelar ou resguardar é o facto de a EDP mais parecer ser um galinheiro onde os passarinhos fazem poleiro num conúbio imoral entre troca de interesses e influências, naturalmente mais uma vez acredito que não existe nem colonização nem parasitação dessa rica empresa, mas as duvidas poderão assaltar qualquer um e persistir e, devendo o exemplo começar em casa, volto ao primeiro artigo, o tal que exigia moralização da vida pública, recomendando à personagem que compre um bom espelho e uma lupa ainda melhor. Tolerância sim mas não tanta assim…

Bolas que se acabou o papel !  

Por hoje a escrita fica por aqui…

Deixa, vou meter-me debaixo do chuveiro… 




http://br.innatia.com/c-tamarindo-propriedades-pt/a-remedio-de-tamarindo-contra-a-prisao-de-ventre-3734.html

* NOTA: Ler também a propósito deste tema um outro artigo do Padre Madureira inserto no Diário do Sul de 2 de Novembro, página 6, intitulado "O Fato Usado Do Presidente", do presidente da EDP claro...