Ao
contrário do que, por muita gente e demasiadas vezes é falsamente propalado, a
verdade sobre o que foi dito na sede, e até que alguém tivesse aconselhado
todos a calarem-se não foi o apregoado:
“ E o que farei eu agora merda ? “
pois
alguém se empenhara em burilar o desabafo espontâneo que o senhor doutor
largara alto e bom som, levantando-se irado com a situação, aliás, não fora
esse desabafo ia eu dizendo, e confirmo e reafirmo e se preciso for juro pela
saúde e alminha destes dois que a terra há-de comer e viram, e ouviram,
presenciaram a coisa, tal e qual como muitos outros que agora negam, com medo
de retaliações negam, ou temem cair no desagrado do senhor doutor, ele mesmo
atenuando as coisas posteriormente quando, na altura do desabafo, só não atirou
um valente murro ao televisor por este estar demasiado alto, aliás tão alto que
o senhor Fernando que era baixinho e funcionava como controlo remoto dos
patrões tinha alguma dificuldade em lhe chegar.
Portanto,
ainda que passados tantos anos importa certamente repor a verdade dos factos
ainda que eu nem pressuponha ficar a coisa para a história, até por ter para
mim que a história não perde tempo com minudências nem com gente menor, contudo
a verdade é a verdade e só nos ficará bem cultivá-la, é uma questão de carácter,
ou de personalidade, quer sejam estas duas ou não uma e a mesma coisa.
Portanto,
custe o que custar e doa a quem doer, o desabafo que o senhor doutor largou já lá vão
tantos anos, deixando todos boquiabertos dado o pouquíssimo tempo decorrido até
àquele momento e desde que fora empossado em funções, foi segura, precisa e
exactamente:
- Já
estou fodido ! E que merda de coisas vou eu agora conseguir fazer caralho ?!
Há
quem diga que terá esboçado o gesto de mandar involuntariamente a mão ao chão e
pegar num cano imaginário para atirar-lho a cima, acima dele, dele do outro que acabara de se
demitir, ou simplesmente ao televisor, como se o televisor fosse culpado da
caricata situação engendrada, ou das repercussões que tal tsunami provocava. O
televisor, qual mensageiro, limitava-se a ser veiculo de noticias, como o
senhor doutor, alguns o diziam baixinho, seria meramente o veiculo de alguém,
ou de alguns, mas todos nós sabemos como o português adora a má língua e eu
juraria tratar-se de torpes insinuações provenientes de invejosos, que sempre os há, coisa que como sabemos abunda em qualquer parte e acompanha qualquer
situação.
Na
verdade, embora hoje todos garantam que sim, nem acho que a maioria tenha
ficado boquiaberta, já que o resultado do acto eleitoral que ditara as sortes
do senhor doutor fora em simultâneo o azar do senhor engenheiro e, na altura,
todos, unanimemente, aceitaram que naquelas condições por muito que o homem
sonhasse, e mesmo que Deus quisesse seria muito difícil que a obra, qualquer
obra, nascesse e, neste capitulo lembro-me de na altura ter ficado mesmo
ligeiramente confuso, estariam a referir-se a obras sem duvida, mas obras do
senhor engenheiro ou obras do senhor doutor ? E a confusão instalou-se até
hoje, apesar do desabafo do senhor doutor ter sido bastante explícito. Eu não
tive duvidas, ainda que alguém as tivesse semeado com cuidado, o mesmo cuidado
com que recomendou a todos que burilassem o desabafo espontâneo do senhor
doutor, cuidado em que colocou todo o seu peso institucional e sobretudo toda a
sua autoridade.
A
realidade, e a memória não me falha, é que tal sugestão foi acatada como se de
ordem de cariz superior se tratasse, e naquelas mentes cumpridoras e sobretudo
militantes o desiderato, digo o desabafo, terá de imediato sido apagado nas
suas mentes. Com certa gente não se brinca. Com certas coisas ainda vá que não
vá mas…
Daí
que hoje, passados que são tantos anos, resulte extremamente difícil promover
uma incontestável reconstituição dos factos, ainda que os que religiosamente
devotavam ao senhor doutor uma admiração excessiva, diria que a roçar a
submissão, o seguidismo, sejam incomparavelmente muitos menos, aposto que bem
poucos, ou quase nenhuns.
Já
tentei e bem tentei, mas a minha tentativa de abordar os acontecimentos foi como esbarrar contra uma parede, melhor, abordar os factos. Reconhecer a verdade seria
para a maioria daqueles que os presenciaram reconhecer quanto se enganaram,
reconhecer que contribuíram para um bluf que acabou por não honrar ninguém,
trazer proveito a muito poucos e desiludir-nos a todos. Permitir que a questão
fosse abordada seria admitir o empenho geral de todos, na altura, empenho colocado em
apostar no cavalo perdedor, ora ninguém de bom grado aceita de ânimo leve as
suas fraquezas, e muito menos dará a mão à palmatória quanto aos seus erros.
Eu
mesmo não estou certo que estas palavras e esta procura da verdade não venham a
ser veementemente desmentidas, em especial por aqueles que, quanto à situação
específica que aqui se aborda, precisamente mais mentiram.
Um
consolo ao menos me restará sempre e não me abandonará nunca, e esse ninguém
poderá desmenti-lo, era realmente, ou foi realmente um cavalo perdedor, e desde
aquele desabafo quer queiram quer não quer gostem quer não gostem o entusiasmo
dissipou-se-lhe completamente, até por ter sido atingido na sua vaidade, o
terramoto sofrido em todo o país roubara-lhe o protagonismo da vitória que,
fora de portas nunca foi apreciada ou sequer aplaudida por quem quer que seja,
aliás, tivesse sido, o que muito lhe custou a engolir.
Pelo
menos na parte que me toca nunca mais o vi que não como um cavalo cansado, sem
fulgor, sem chama, sem ideias (bem, ideias para a cidade na verdade,
descontando uma certa demagogia nunca teve) e se duvidas houver que se consulte
o portfólio das obras que promoveu e, tirando um ou outro erro menor e uma ou
outra asneira de dimensão superior nada mais lá encontrarão.
Aliás,
o silencio que posteriormente se fez à sua volta, o facto de ele próprio ter
desaparecido completamente de cena induzem à percepção de que não há nem honra
a defender, nem princípios pelos quais lutar, enfim, nada que lembrar, e
curiosamente nem é visto entre os amigos, palavra polémica já que não lhe
conhecia rede de amigos (alguns maledicentes apontam-lhe rede de interesses,
uma vez mais invejas), todavia nem uma mínima preocupação na manutenção dos
seus apoios, militantes ou simplesmente seguidores, como se o próprio fosse o
primeiro interessado em ser esquecido e deixado em paz.
Realmente
aposto que ninguém gostaria de ver algumas polémicas que originou, ou
alimentou, reeditadas ou tão pouco desenterradas. Fim inglório para quem tão
certeira e premonitóriamente largou o mais espontâneo e genuíno desabafo que na
vida conheço.
Quanto
mais tempo passa mais a razão dá razão a ele mesmo, que largou o desabafo
talvez num momento de profunda introspecção, mas vá lá a gente saber o que
pensa alguém, em especial quem esteja contando com o ovo no cu da galinha da
vizinha.
O
tempo é grande juiz, conselheiro, professor, congratulo-me por o tempo que tudo
esclarece ou enterra me ter dado carradas de razão. Aquilo não era um castelo
de cartas nem era nada. Hoje observo as coisas com maior distanciamento e confirmo a justeza das minhas observações e das apreciações e
julgamentos que então intui e fiz, e que prematuramente nos levaram de um
afastamento progressivo a definitivo.
O
senhor doutor e os que o rodearam só pensaram neles e exclusivamente neles. Não
havia um plano, um projecto, uma ideia, não havia coesão, solidariedade,
amizade. Havia decididamente um grupo de interesses e de interesseiros que
monopolizava e manipulava os demais. Era tamanha a vontade de fazer prevalecer
os desejos de alguns, tão fundo o fosso cavado, a desestruturação provocada que o
disfuncionamento criado ganhou tal dimensão e modo que a união primitiva,
inicial, um fenómeno social quando visto a esta distancia, não se repetirá nos
próximos vinte ou trinta anos, que serão passados a patinar, patinar até que a
geração que viveu a coisa esqueça os protagonistas e a grosseria e
desconsideração para com esta cidade.
Quanto
ao senhor doutor ninguém sabe dele, foi tanta a burrice feita que é suposto ter
vergonha de aparecer. Para ser franco nem sei como a coisa aguentou tanto
tempo. Bem, na verdade não aguentou, não aguentou mas deixou mossa, deixou
mossa e cavou uma desunião muito funda e uma desilusão ainda maior.
Não,
as pessoas ali não são números, senti que não eram números, eram pretexto, eram
meio para que alguém alcançasse alguma coisa, mas não minha gente, não se iludam, ali
as pessoas não contam, estou cada vez mais certo de nunca terem contado.
Ali
as pessoas não são números, são algarismos… Verdadinha.