quarta-feira, 7 de outubro de 2015

279 - CONTAR COM OVO EM CU DE GALINHA

                             

Ao contrário do que, por muita gente e demasiadas vezes é falsamente propalado, a verdade sobre o que foi dito na sede, e até que alguém tivesse aconselhado todos a calarem-se não foi o apregoado:

 “ E o que farei eu agora merda ? “

pois alguém se empenhara em burilar o desabafo espontâneo que o senhor doutor largara alto e bom som, levantando-se irado com a situação, aliás, não fora esse desabafo ia eu dizendo, e confirmo e reafirmo e se preciso for juro pela saúde e alminha destes dois que a terra há-de comer e viram, e ouviram, presenciaram a coisa, tal e qual como muitos outros que agora negam, com medo de retaliações negam, ou temem cair no desagrado do senhor doutor, ele mesmo atenuando as coisas posteriormente quando, na altura do desabafo, só não atirou um valente murro ao televisor por este estar demasiado alto, aliás tão alto que o senhor Fernando que era baixinho e funcionava como controlo remoto dos patrões tinha alguma dificuldade em lhe chegar.

Portanto, ainda que passados tantos anos importa certamente repor a verdade dos factos ainda que eu nem pressuponha ficar a coisa para a história, até por ter para mim que a história não perde tempo com minudências nem com gente menor, contudo a verdade é a verdade e só nos ficará bem cultivá-la, é uma questão de carácter, ou de personalidade, quer sejam estas duas ou não uma e a mesma coisa.

Portanto, custe o que custar e doa a quem doer, o desabafo que o senhor doutor largou já lá vão tantos anos, deixando todos boquiabertos dado o pouquíssimo tempo decorrido até àquele momento e desde que fora empossado em funções, foi segura, precisa e exactamente:

- Já estou fodido ! E que merda de coisas vou eu agora conseguir fazer caralho ?!

Há quem diga que terá esboçado o gesto de mandar involuntariamente a mão ao chão e pegar num cano imaginário para atirar-lho a cima, acima dele, dele do outro que acabara de se demitir, ou simplesmente ao televisor, como se o televisor fosse culpado da caricata situação engendrada, ou das repercussões que tal tsunami provocava. O televisor, qual mensageiro, limitava-se a ser veiculo de noticias, como o senhor doutor, alguns o diziam baixinho, seria meramente o veiculo de alguém, ou de alguns, mas todos nós sabemos como o português adora a má língua e eu juraria tratar-se de torpes insinuações provenientes de invejosos, que sempre os há, coisa que como sabemos abunda em qualquer parte e acompanha qualquer situação.

Na verdade, embora hoje todos garantam que sim, nem acho que a maioria tenha ficado boquiaberta, já que o resultado do acto eleitoral que ditara as sortes do senhor doutor fora em simultâneo o azar do senhor engenheiro e, na altura, todos, unanimemente, aceitaram que naquelas condições por muito que o homem sonhasse, e mesmo que Deus quisesse seria muito difícil que a obra, qualquer obra, nascesse e, neste capitulo lembro-me de na altura ter ficado mesmo ligeiramente confuso, estariam a referir-se a obras sem duvida, mas obras do senhor engenheiro ou obras do senhor doutor ? E a confusão instalou-se até hoje, apesar do desabafo do senhor doutor ter sido bastante explícito. Eu não tive duvidas, ainda que alguém as tivesse semeado com cuidado, o mesmo cuidado com que recomendou a todos que burilassem o desabafo espontâneo do senhor doutor, cuidado em que colocou todo o seu peso institucional e sobretudo toda a sua autoridade.

A realidade, e a memória não me falha, é que tal sugestão foi acatada como se de ordem de cariz superior se tratasse, e naquelas mentes cumpridoras e sobretudo militantes o desiderato, digo o desabafo, terá de imediato sido apagado nas suas mentes. Com certa gente não se brinca. Com certas coisas ainda vá que não vá mas…

Daí que hoje, passados que são tantos anos, resulte extremamente difícil promover uma incontestável reconstituição dos factos, ainda que os que religiosamente devotavam ao senhor doutor uma admiração excessiva, diria que a roçar a submissão, o seguidismo, sejam incomparavelmente muitos menos, aposto que bem poucos, ou quase nenhuns.

Já tentei e bem tentei, mas a minha tentativa de abordar os acontecimentos foi como esbarrar contra uma parede, melhor, abordar os factos. Reconhecer a verdade seria para a maioria daqueles que os presenciaram reconhecer quanto se enganaram, reconhecer que contribuíram para um bluf que acabou por não honrar ninguém, trazer proveito a muito poucos e desiludir-nos a todos. Permitir que a questão fosse abordada seria admitir o empenho geral de todos, na altura, empenho colocado em apostar no cavalo perdedor, ora ninguém de bom grado aceita de ânimo leve as suas fraquezas, e muito menos dará a mão à palmatória quanto aos seus erros.

Eu mesmo não estou certo que estas palavras e esta procura da verdade não venham a ser veementemente desmentidas, em especial por aqueles que, quanto à situação específica que aqui se aborda, precisamente mais mentiram.

Um consolo ao menos me restará sempre e não me abandonará nunca, e esse ninguém poderá desmenti-lo, era realmente, ou foi realmente um cavalo perdedor, e desde aquele desabafo quer queiram quer não quer gostem quer não gostem o entusiasmo dissipou-se-lhe completamente, até por ter sido atingido na sua vaidade, o terramoto sofrido em todo o país roubara-lhe o protagonismo da vitória que, fora de portas nunca foi apreciada ou sequer aplaudida por quem quer que seja, aliás, tivesse sido, o que muito lhe custou a engolir.

Pelo menos na parte que me toca nunca mais o vi que não como um cavalo cansado, sem fulgor, sem chama, sem ideias (bem, ideias para a cidade na verdade, descontando uma certa demagogia nunca teve) e se duvidas houver que se consulte o portfólio das obras que promoveu e, tirando um ou outro erro menor e uma ou outra asneira de dimensão superior nada mais lá encontrarão.

Aliás, o silencio que posteriormente se fez à sua volta, o facto de ele próprio ter desaparecido completamente de cena induzem à percepção de que não há nem honra a defender, nem princípios pelos quais lutar, enfim, nada que lembrar, e curiosamente nem é visto entre os amigos, palavra polémica já que não lhe conhecia rede de amigos (alguns maledicentes apontam-lhe rede de interesses, uma vez mais invejas), todavia nem uma mínima preocupação na manutenção dos seus apoios, militantes ou simplesmente seguidores, como se o próprio fosse o primeiro interessado em ser esquecido e deixado em paz.

Realmente aposto que ninguém gostaria de ver algumas polémicas que originou, ou alimentou, reeditadas ou tão pouco desenterradas. Fim inglório para quem tão certeira e premonitóriamente largou o mais espontâneo e genuíno desabafo que na vida conheço.

Quanto mais tempo passa mais a razão dá razão a ele mesmo, que largou o desabafo talvez num momento de profunda introspecção, mas vá lá a gente saber o que pensa alguém, em especial quem esteja contando com o ovo no cu da galinha da vizinha.

O tempo é grande juiz, conselheiro, professor, congratulo-me por o tempo que tudo esclarece ou enterra me ter dado carradas de razão. Aquilo não era um castelo de cartas nem era nada. Hoje observo as coisas com maior distanciamento e confirmo a justeza das minhas observações e das apreciações e julgamentos que então intui e fiz, e que prematuramente nos levaram de um afastamento progressivo a definitivo.

O senhor doutor e os que o rodearam só pensaram neles e exclusivamente neles. Não havia um plano, um projecto, uma ideia, não havia coesão, solidariedade, amizade. Havia decididamente um grupo de interesses e de interesseiros que monopolizava e manipulava os demais. Era tamanha a vontade de fazer prevalecer os desejos de alguns, tão fundo o fosso cavado, a desestruturação provocada que o disfuncionamento criado ganhou tal dimensão e modo que a união primitiva, inicial, um fenómeno social quando visto a esta distancia, não se repetirá nos próximos vinte ou trinta anos, que serão passados a patinar, patinar até que a geração que viveu a coisa esqueça os protagonistas e a grosseria e desconsideração para com esta cidade.

Quanto ao senhor doutor ninguém sabe dele, foi tanta a burrice feita que é suposto ter vergonha de aparecer. Para ser franco nem sei como a coisa aguentou tanto tempo. Bem, na verdade não aguentou, não aguentou mas deixou mossa, deixou mossa e cavou uma desunião muito funda e uma desilusão ainda maior.

Não, as pessoas ali não são números, senti que não eram números, eram pretexto, eram meio para que alguém alcançasse alguma coisa, mas não minha gente, não se iludam, ali as pessoas não contam, estou cada vez mais certo de nunca terem contado.

Ali as pessoas não são números, são algarismos… Verdadinha.