Isto sim é um corpo são e uns braços bem desenhados. |
Estão
vendo esse quadro em baixo, não esta foto encimando o texto mas a pintura em acrílico de tons cinzentos ? Inda que
prenuncie ou assinale um momento feliz, no-lo diz a descontracção do modelo, o
seu sorriso maroto, misterioso e a pose abandonada a si mesma, confiante, satisfeita,
sendo óbvio que se não trata de um retrato a preto e branco, é uma pintura
acrílica de tom acinzentado, 70 x 100, tem uma história, é por essa história
que a guardo e a tenho exposta onde bem a veja mal entre na salinha que faz de
escritório, não para que a relembre sempre a ela, mas para que não me esqueça
de mim. O pintor há muito o olvidei, ele que nem a obra assinou e de quem
somente recordo o nome e o parentesco.
Mas
olhai bem a pintura, que vedes nela ? Que conseguis de extraordinário observar
nela ? Que pensamentos suscita em vós ? Que mais conseguiram ver ? Que vos diz
o vosso olhar ? Atrever-se-iam a uma observação crítica por escrito ?
Nada
contra, podeis fazê-lo, mas desde já vos aviso que, para além do que nela vejais
ou encontreis, nela pintura, o mais importante, o motivo pelo qual a guardo e
exponho não está lá, pelo menos não está visível, inda que seja muito mais
gritante que a distorção dos cânones ou a facada vitruviana na divina proporção
e que os áureos braços deixam ver, especialmente o esquerdo dela, dessa feliz
modelo e momento o qual, a ser projectado p’la nossa mente com base no que nos
é dado perceber por certo nos mostraria um braço com dois metros de
comprimento, se não mais ainda, ora vejam bem, voltai a olhar e observai de
novo aquele braço esquerdo, tenho ou não tenho razão no que vos digo ? Terá
sido por isso que o pintor não assinou a obra ?
E porque
terá sido que a comprei com tão ou apesar de tão visível defeito, aliás a
primeira coisa que nele notei e calei ?
Bem,
é aqui que devo confessar-vos não ter comprado o quadro quer pela
excentricidade do erro quer pelo amor, carinho e satisfação nele visíveis, não
adquiri o quadro pelo quadro, comprei-o porque precisava armar-me, estava a
armar, a armar aos cágados, e em boa hora o fiz pois os meus objectivos foram
atingidos, e nem foi mui difícil ! O preço ? Um quadro que ninguém quereria mas
do qual não me desfaço não tem preço, lembra-me a minha própria prosápia, lembra-ma
em todos os seus sentidos e recorda-me que naquele dia me armei em cagão, cagão
de cagança, me armei em maniento.
O
facto de ter atingido o objectivo pretendido, impressionar a mesa e em especial
alguém que nela também se encontrava pelo preço de um quadro passa para segundo
plano, o beneficio alcançado foi de longe muito superior, fechei um bom negócio
embora muito me pese na consciência essa minha atitude de manobrista, de
manipulador, mas também de novo-rico, de pato-bravo.
A
cultura devia ter-se sentido ofendida mas ela não fala, ai de mim se ela falasse,
ai do que me diria quanto a esse dia, esse dia onze de Junho do ano da graça de
dois mil e quatro, já lá vão catorze anos, catorze anos em que aprendi muito
mas não me isentam da merda que fiz. Era um dia de festa, cem ou duzentos
convivas comemoravam num almoço uma qualquer vitória ou aniversário da CHC no
restaurante Páteo Alentejano* e entre essas duzentas pessoas estaria alguém
mais parvo que eu e a quem dei a volta com a minha erudição, erudição e um quadro
para a história a que poderia dar o nome de “Menina dos Xico-Espertos” ou dos Xico-Parvos
acudiu-me agora à mente, a menina essa tem arcaboiço para nos meter a todos
debaixo dum só braço, não sei quem será ela, mas ele sei, é o Miguel Araújo de
quem nunca mais ouvi falar e que nunca mais vi e nem reconheceria passados
todos estes anos, espero que pinte agora muito melhor do que pintava. A levantar
o cheque foi ele bom, lépido, lesto, e se um dia vier a negar a autoria do
quadro este tem entalado no verso, no caixilho de madeira o extracto bancário
respectivo.
Palavra
que lamento não lhe lembrar a cara, não lembro a cara mas lembro esta história,
ambas recordações caricatas, ele por ser filho de artista, eu por me ter armado
em artista e armado aos cágados.
De acordo com o novo AO teremos todos armado aos cagados, no mínimo todos teremos assim ficado nesta verídica mas curiosa historieta, cagados …
De acordo com o novo AO teremos todos armado aos cagados, no mínimo todos teremos assim ficado nesta verídica mas curiosa historieta, cagados …
ATENÇÃO !!!! Procura-se morta ou viva, dão-se alvissaras consideráveis a
quem der indicações precisas e verdadeiras sobre a sua identificação e / ou paradeiro actual.