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segunda-feira, 28 de março de 2016

326 - O EGO E O SEU UNIVERSO ..............................

 Arte - Fernando Pessoa, por Afonso Pinhão Ferreira.


“ É preciso uma guerra para que apareçam seres humanos ” dizia-me o meu avô Bernardo. Só na guerra ele encontrara seres humanos,* é triste mas é assim, ele é um dos raros sobreviventes vivos da IGG. Também este é para mim um dia triste, Bruxelas, Paquistão, Iraque, nem sei onde mais uma multinacional anuncia milhares de despedimentos e nem há já dia em que noticias do género não cheguem até nós. Ou se começa depressa uma guerra que apague das estatísticas uns milhões, ou teremos que oferecer a muita gentinha o que foi oferecido apesar da sua manifesta contra vontade a Maria Antonieta em 1793.

O mundo está ficando pequeno para tanta gente. Usem as bombas, será um desperdício não lhes dar uso, foram caríssimas ! Todas elas !  Nem sei para que as quiseram tão grandes, nem às empresas, aos bancos, a todas essas entidades supranacionais, multinacionais, grandes demais para caírem. Amanhã serão robots e mais robots, cada vez mais robots, e mais drones, e mais refugiados e mais despedimentos, e mais miséria, e assim caminhamos alegremente para o cadafalso, como no filme dos Pink Floyd, marchando para o precipício, caminhando amorfos para o abismo, mudos e calados, cobardes, mas frequentando comícios e votando nos alarves que nos trouxeram aqui. Além de cobardes somos uns tristes, uns néscios, uns ignorantes, uns parvos.

Lembro a tropa, a minha guerra, relembro as guerras que vi, e as que vivi, vi homens, vi coragem, vi coerência e consequência. Se não prestam há que matá-los, com vigor, com força, com ímpeto, com vontade, com desejo, exemplarmente, fazer como eles, melhor que eles, quem não é por mim é contra mim, reconquistar o nosso espaço, a nossa dignidade, a nossa honra, não há outra solução, não nos deixam outra solução, outra saída. Quanto mais tarde pior. Já nos vigiam a todos, a todo o momento, com câmaras de vídeo nas cidades e para nossa segurança dizem-nos, ou com drones nos ares. A nossa segurança vai matar-nos a todos, nem teremos tempo de soltar um pio. Temos que lhes declarar guerra aberta, ou aberta ou fechada, ser mais manhosos que eles, ser cuidadosos com os nossos, o mundo está cheio de parvos, e traidores, e colaboradores, e de ignorantes, de delinquentes, de delatores e informadores, de oportunistas, e falsos, e arrivistas, e videirinhos, e de estupidez, e de cartões de crédito a mais, e bancos a mais, e hipermercados a mais, quando o que mais precisamos é de matadouros, de fábricas, de líderes, de ditadores, de guerrilheiros, de carrascos, de assassinos, de espingardas e tiroteios.

O mundo está a ficar bipolar, de um lado eles do outro lado os outros, a grande massa de indigentes, desempregados, mal empregados, precários, excedentes, excedentários, sobreviventes, refugiados. Este mundo tem que mudar, a balança oscila, os pratos pendem para o lado beneficiado, alguém tem que dar um encontrão na balança, um empurrão, um palmadão, um safanão, um tiro de canhão. A guerra é a solução, a guerra é nobre, é preciso não a amar para a julgar mal, a guerra é a paz, é a justiça, é o equilíbrio, é a razão estendida a rolo compressor se preciso for. O meu avô Bernardo tinha razão, eu tenho razão, guerra é bravura, heroicidade, honra, heroísmo, tenacidade, superação, solução, finalidade, igualdade, e depois, quando tudo voltar à bipolaridade, outra guerra redentora, patriótica, pacificadora, purificadora, arrasadora, niveladora, catártica.

A panela de pressão enche, sem válvula, sem vazão, e só uma explosão, uma violentíssima explosão meterá na ordem o patrão, que, então, e só então, aceitará esta aquela ou qualquer outra solução pois não aprendera antes a lição. Tudo queria para ele o egoísta, o egotista, o fascista, o capitalista, onde está o humanista ? O meu avô tinha razão, só a guerra faz emergir o humanista, o ser humano, o altruísta, só na guerra se encontram seres humanos, a guerra é progresso, a guerra é bom senso, guerra é pacifismo, guerra é consenso, a guerra é a paz, faça-se a guerra, guerra é esta paz podre, guerra ao establishment, guerra ao status quo, guerra à imobilidade, faça-se a guerra e a mudança surgirá, proceda-se à matança pois só depois da tempestade vem a bonança. É de lei, é dos livros.  

Segundo as últimas noticias 62 indivíduos serão donos de metade da riqueza mundial, um quarto da outra metade dessa riqueza está nas mãos de fundos de investimento, e financeiros e industrias, portanto de entidades sem cara nem sequer tensão arterial que, não raramente, dispõem de orçamentos muito superiores ao de países pequenos (como Portugal, a quem aliás dão ordens), decidindo sobre a sorte ou a desdita de milhões sem qualquer compaixão ou visão que não o saldo da própria conta bancária. Ou movemos contra esta ausência de razão e estes mentecaptos uma guerra sem quartel ou qualquer dia serão os hooligans que hoje pululam em Bruxelas a despoletá-la por falta dela, dela razoabilidade. Sim, esses e os que esta tarde fogem à frente dos canhões de água da polícia durante o enterro dos 13 escravos e ignorantes portugueses que se mataram numa carrinha de seis lugares, onde se faziam transportar para lá longe irem servir os seus senhores.

Não há muito tempo fui contratado para desenvolver um trabalho para uma agência, não, não era a Agência Gallup era uma outra, paralela, que me solicitou a realização de um inquérito que por razões que descobrirão gostei de levar a cabo. Grosso modo, e não estando a desculpar-me estou porém a clarificar as coisas, as perguntas ou questões usadas na entrevista eram exactamente cinquenta, cuja metodologia e conteúdo vou mental e desordenadamente tentar reproduzir aqui, todavia sem a exactidão a que por força da norma, da lei e do bom senso os questionários ou inquéritos normalmente nos são apresentados no que concerne a estrutura e padronização. No inquérito/questionário era pedido que ao mesmo fosse respondido de forma clara, sucinta e rápida, as respostas às cinquenta questões deveriam ser completadas em cinco minutos, e o tempo também contava.

1.     Sabe o que é um inquérito ?
2.     Diga o que é para si uma sondagem.
3.     Explique o termo sonda espacial
4.     Diga agora o que é um satélite natural.
5.     E um satélite artificial ?
6.     Desenhe com o dedo uma órbita.
7.     Agora desenhe uma elipse.
8.     Como desenharia em segundos uma pequena revolução ?
9.     Situe os Dardanelos no mundo.
10.  Por que é o motor pulso jacto, ou pulsorreactor o engenho com mais peças móveis que se conhece ?
11.  Acha a rega por expressão compatível com as normas ambientais vigentes ?
12.  O universo de uma sondagem tem reverso ?
13.  Os versos de um poema têm anverso ?
14.  Numa tipografia os caracteres têm personalidade ?
15.  "Olho por olho dente por dente", é para si uma força de aspersão corrente ?
16.  Defina metro-padrão.
17.  Explique o padrão-ouro.
18.  Dê um sinónimo de nacionalização.
19.  O que é expropriação ?
20.  E fertilização ?
21.  No espaço o som caminha mais depressa ou devagar que na terra ?
22.  O que é para si uma lua ?
23.  E uma sociedade em comandita ?
24.  Que significa a expressão Ldª ?
25.  E a sigla S.A.R.L. ?
26.  Diga o que em seu entender origina a inflação.
27.  O que é para si a deflação ?
28.  Sociedades por ações são sociedades de gente boa ?
29.  Sabe o que é uma ação ?
30.  Porque valorizam as ações ?
31.  Como e quando desvalorizam e porquê ?
32.  O que pensa ser um misantropo ?
33.  E um misógino ?
34.  A ponte 25 de Abril é uma ponte tênsil ?
35.  Os candidatos a deputados são uma escolha sua ?

Se bem que tenha tentado, não me recordo de todas as cinquenta perguntas não consegui recordar-me senão de apenas trinta e cinco, porém o resultado final era fácil de avaliar e enquadrava-se nestes padrões:

A - 50 respostas certas, eram equivalentes a 100% do inquérito,
B - 25 respostas certas a 50%
C - 13 respostas correctas a 25%
D - naturalmente zero respostas correctas corresponderiam a 0%

Apuradas as percentagens quem se enquadrasse na alínea A era considerado culto, na B mediana ou insuficientemente culto, na C a necessitar seriamente de repetir o liceu, e finalmente a D que considerava quem nela se inscrevesse uma pessoa simplesmente ignorante e um caso perdido. Posto isto, avalie-se, ou considere-se. 

Chegado o leitor aqui já deve ter feito as contas de cabeça, estará a contar a quantas perguntas teria respondido certo, e em qual percentil se enquadrará, A,B,C ou D, ainda bem é mesmo aí que o desejo apanhar a fim de me responder com conhecimento a duas questões que me têm azucrinado a cabeça, será este povo capaz, ou alguém com ele, de algum dia construir aqui uma democracia, ou ainda, será ele capaz algum dia de viver em democracia, está ele preparado para isso ? 

* Svetlana Aleksievitch, “O Fim do Homem Soviético” pág. 352, Editora Bertrand, Lx.