Claro que não
sou bipolar, mas durante os primeiros tempos de vida acreditei piamente que o
era pois toda a gente o gritava. Só mais tarde me dei conta de um feitio que
oscilava entre o do pacato avô Bernardo e da hiperactiva avó Glória.
Os ademanes e
outros motivos que engalanavam a farda de meu avô, tais como os botões amarelos
do dólman e as dragonas douradas, terão
seduzido primeiro, e conquistado depois, o coração da avó Glórinha.
Telegrafista,
Bernardo chegou a ser o homem mais importante do concelho de Paços de Brandão,
onde montaram loja e casaram, ele chefe e funcionário único do posto do
telégrafo, mister de onde lhe advinha a tranquilidade cultivada, habituado que
estava a esperar horas pelo torna mensagens à volta do mundo.
Mais
distanciado de Glória era inimaginável pensá-lo, galega, alta, forte, e a quem os irmãos apelidavam,
brincando, de “grafonola” ambulante, sendo que o mais novo, Francisco,
regressado gazeado de terras de França, quando a ouvia falar como quem não se
cala nem disso faz intenção, deitava as mãos à cabeça, disparava “machine gun,
machine gun, machine gun” desaparecendo da vista, às vezes por dois ou três
dias. Num desses dias afogou-se no Douro, mas nem assim minha avó se calou…
Meu avô
primava saber as noticias do país e do mundo, que primeiro mastigava para
depois vomitar numa fitinha cheia de pontinhos e traços que com um prego
afixava à porta do barraco. Nessa altura alcandorara-se a telegrafista da
estação dos comboios (acumulando mais um tachinho) e, para que desse conta dos
dois recados, armaram-lhe uma barraca encostada à estação, para onde os fios do
telégrafo civil também foram transmutados.
Às tantas
aprendeu mesmo a trabalhar em simultâneo com as duas mãos, conta-se que avisava
Montevideu que o comboio saído de Stª Apolónia iria chegar com duas horas de
atraso, ou a estação de Porto Campanhã de que o vapor de Caracas com destino a
um cruzeiro pela Europa, o famoso “Admiral”, abandonara debaixo de festa o
porto de Buenos Aires e se atrasaria um dia.
Ter nas mãos
as agulhas do mundo moldou-lhe a placidez, que contrapunha dia a dia à permanente agitação de Glória. Completavam-se. Completaram-se.
Eu perdia-me
brincando entre as carruagens estacionadas na estação e a ferrugem do chão.
Cheirava a ferroviário e a alfarroba, entre cujos fardos, subindo ou descendo,
vivia as aventuras de “Thierry La
Fronde ” o Robin dos bosques francês que via na Tv a preto e
branco, (canal único e onde aparecia por vezes um senhor bem posto que era
sempre muito aplaudido), Tv que para visionarmos nos obrigava a uma despesa
mínima, pois o salão era repartido pela junta de freguesia, para bailaricos, e
a taberna do senhor Raul, que me cobrava uma gasosa que eu estendia até às
vinte e três horas, hora a que fechava por força dos cívicos e do normativo .
O resto dos
filmes, que geralmente ficavam por ver, acabava-os eu na manhã seguinte,
fugindo dos comboios e galgando os fardos de alfarroba da menina Marianita, ou
de aparas de cortiça do senhor Cascalho, que tinha um D. Elvira com a buzina
roufenha e, mais tarde, haveria de comprar por catálogo, vindo da
Checoslováquia, um lustroso Skoda, chegado com defeito ou mania grave, não
sabia parar.
Cansado de
brincar agarrava-me a uma fatia de broa molhada barrada com açúcar mascavado e
entretinha-me cariando os dentes…
Antes do
advento da Tv divertia-me espiando minha tia Francisca, irmã de minha mãe, que
vivia connosco, e que tomada de amores por um bacharel, passava as horas
namorando-o ao telefone, contorcendo-se para que eu a não ouvisse nem visse de
caras, presa a um fio alongado até Coimbra.
Aos sábados
vinha o bacharel até cá, contorciam-se os dois entre as ombreiras da porta de
entrada, no meio de risinhos e beliscões, que eu bem os via, bastava para tanto
que os meus pais se aconchegassem de ouvidos colados à telefonia, rezando uma
novela Venezuelana, que os deixava em pranto até ao dia seguinte, pois
terminava comummente a meio de uma desgraça ou de um mistério por esclarecer.
Meu pai era
guarda-fios e, com uma equipa, estendia linhas telefónicas por toda a margem
norte do Douro, minha mãe costureira no “Theatro Municipal”, que acumulava com
limpezas na “Rádio Voz Popular”, de cujas novelas era devota.
Na senda de
meu avô e de meu pai eu trabalho na Telecom e monto antenas por todo o norte do
país. “I Connect People”, ligo as pessoas. Sem fios, meu avô Bernardo havia de
orgulhar-se de mim, ao invés de ponto traço ponto eu desbravo caminho à voz à escrita, e à imagem, pelo espectro infinito das rádio frequências ou das fibras
ópticas. Modernices.
Casei-me em
terceiras núpcias com uma loura de Vila Real, autoritária e versada em leis,
temos dois rebentos lindos, ele louro como a mãe, ela morena como eu.
O rapaz estuda
informática, dizem que é um emprego com futuro.
Ela passa os
dias debruçada sobre o computador namorando a Net, é agitada, como a mãe e a
trisavó Glória, e até fala com os aviões !
Ele tal e qual
o trisavô Bernardo, calmo, plácido, meditativo.
Eu só há pouco
desvendei o significado dos termos bipolar e hiperactivo.
Frequentei as
“Novas Oportunidades” sabiam ?
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
xau
bjssssssssssssssssssssssssssssssss