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domingo, 11 de maio de 2014

189 - O QUE ELA ADORAVA FALAR DE ECONOMIA ..........


O que ela adorava falar de economia …

Mas podia ser qualquer outra coisa, sei lá, matemática, física, história, ou geografia… Depois um dia acabaram-se os cifrões e sobreveio-lhe a nostalgia… Nada que não tivesse remédio porque se agarrou a outras coisas acabadas em ões, foi a época do boiões por tudo e por nada, com compotas, com ameixas, com marmelada, perguntem à Sofia, a quem os comprava no Caféart ou Artcafé... Todos os dias...

Verdade que nunca te prestei muita atenção, era o choque, como tu dizias, a reacção contrapunha eu. Vivias como falavas, tentando monopolizar tudo, as mais valias, cotações e outras equações ligadas à economia, o câmbio, as acções, os discursos, as vontades. Por isso nem te ouvia, tal seria naufragar no teu encanto de sereia, precisamente o que eu não queria.

Contudo, se de ti ria ao chamar-te a Vacondeus da telefonia, gabava-te igualmente a paciência diária, a vintena de quilómetros na bicla, os bíceps fortalecidos, mas sobretudo o golpe de tesoura com que sempre me seduziste e aplacaste.

O que eu gostava ouvir-te falar de economia … ou qualquer outra coisa, matemática, física, história, ou geografia… Estirado, pés fora da cama, inalando indolentemente um cigarro, debaixo da manta curta. 

Tu falavas, eu ouvia, fosse história ou geografia o que dizias à pressa, como sempre, como tudo, como se o vagar pudesse acabar-se um dia, ou eu, a quem a tua conversa seduzia, como feitiço que sobre mim caísse e revolvesse numa inquietação obscena.

Amavas focar a geografia, contares-me dos lugares exóticos onde em puritanos sonhos tu nos vias, eu nostálgico sorria e, numa ternura impaciente, desatava-te os laços e lacinhos, por vezes com os dentes.

Recitavas pela enésima vez a história da economia, a beleza dos números, ah ! Mas não de todos ! Repreendias-me com sarcasmo :

                - Apenas números grandes ! As deduções e induções, as tendências, as projecções !

- À colecta ! 

Atirava-te eu gozando o resultado antecipado e projectado no espectro dessas provocações que, por obscuras e dúbias, te atirava com bizarria para depois…

Bem, para depois nos conduzires ao máximo multiplicador comum, um agitado logaritmo que durante meses afináramos após cada sono em que o rácio melhorando, e o ponto G !

- Isso ! O ponto G, que o não esquecêssemos !

- Doido

Atiravas-me passada meia hora, ou mais, se eu acordava, esquecida já da economia, da história e da geografia, os dois marinando nos lençóis de seda em desalinho e suando e arfando de tanta ciência vivida em torvelinho.

- Passa-me um de mentol ou te derrubo, e tu não farias mal se chupasses um que bem precisas…

E então eras tu doidinha, era a tua vez, e te sumias lençóis dentro em risadinhas que no início eu nem ajuizava, a não ser à primeira dentadinha e te gritava, geralmente tarde, nunca a tempo, por também me apetecer…

- Eu dissera um rebuçado !

Emergias. Sorriso afivelado, cantos da boca babados, seios pendurados, divertida, maquiavélica, diabólica, demoníaca :

- Acabou-se a matemática a álgebra e a trigonometria !

Incapaz de travar-te as investidas, desejoso de aparar-te as manhas conhecidas, para depois ficar ainda ouvindo-te, molengona, falando de economia, história e geografia. Durante anos te recordarei em cada anfiteatro, em cada seminário, workshop ou auditório.

Sumiste-te da minha vista, sumiste-te da minha vida quando devias ter-te sumido deste coração, sim, parece que um dia te meteste num avião e pim !

Foi um ar que te deu.
Em Pedras Rubras ? Portela ? Faro ? Beja ? Rio Frio ?
Sumiste-te apenas.

Foi um choque, como se um comboio descendente te colhesse, me trouxesse notícias de ti, te levasse de mim que nunca mais te ouvirei falar de economia … Que tanto queria ouvir-te falar de matemática, história, física, ou qualquer outra coisa… quem diria.

Jamais te ouvirei falar de economia … ou outra coisa, sei lá, geometria, álgebra, trigonometria …
  








quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

3 - SEREIA EM NENÚFAR....................


Minha ventura começou com convite de grão-vizir para que passasse férias naquela fortaleza. Desde então, e lembrem que sou do tempo em que os animais falavam, seduzido pela beleza da paisagem e pelo mar azul, por ali me fico a metade do ano em que nos pólos faz frio e no equador calor em demasia.

Não só por isso me avezei aquele lugar, banhado por águas tépidas onde nenúfares perfumam o ar e servem de leito a dezenas de sereias que, como eu, fugindo dos rigores gelados ou cálidos de seu mundo, ali passam igualmente o período estival. Entre elas, uma teve o condão de me encantar com o seu canto. 

Loira, de uma beleza ímpar até para sereias, cabelo caracolado, há séculos troca comigo insuspeitos e cúmplices olhares e intenções, tendo mesmo chegado a deixar livre para mim um dos gigantes nenúfares onde se espraiam, tomando sol, cantarolando e atraindo com o seu canto, depois do poente, navios e marinheiros.

Naquelas águas calmas, prateadas, vi passar ao longo dos séculos navios negreiros, navios piratas e muitos, muitos outros carregadinhos de café… Em cada carregamento o aroma forte do café torna este reino acolhedor, provocando em mim o desejo quando, desta fortaleza de Odemira, vejo as luzes refulgindo e o destino me traz à memória essa sereia.

Espero-a, imaginando os oceanos lindos por onde anda, espero-a, e sonho percorrer com ela esses mares para mim enigmáticos, espero-a e recordo-a em cada lufada carregada do odor forte que até mim chega. O café, as águas azuladas, o mar um lago lindo donde ela emergirá, mais bela que nunca, mais sedutora que nunca, ela linda, eu feliz a seu lado, eu feliz como jamais estivera, como se há tanto tempo….

Por isso a recordo como se ontem, como se hoje, o canto harmonioso, as palavras e os modos de deusa marinha, a delicadeza feminina e simultaneamente diáfana. Sonhando-a sonho o mar numa tarde de solstício, o seu olhar, os seus olhos, o seu sorriso, beijos, carícias, desejos, que eram os meus, o seu corpo jovem, o odor a mar, os cabelos em minhas mãos, ela em minhas mãos e eu, no azul tépido e escuro daquelas águas, cativado com tanta ternura, com os seus seios cheios, túrgidos, lindos, excitantes, ela tão doce, tão querida, tão meiga… eu, velho de séculos, sei-a de cor, ainda hoje a sei de cor...

E jamais um café sem que a evoque, sem que nos lembre, e esqueço-me de o beber olhando-o, desligado do tempo infindo em que perduro, até o beber frio, e se frio… não me queixo, há cafés e cafés, depende do que nos recordem, e então sim, uns sabem bem… outros a nada, outros ainda a saudade e a ausência, a desejo, a ansiedade, a tormento, e tanta coisa nos diz um café, um espelho de água com nenúfares, e jamais me ocorrera tanta coisa coubesse numa chávena de café…  todo um mar florido.

E nesse mar eu, e ela, e todo aquele dia dentro… banhados nas águas do seu mundo. Como de outro modo senão numa chávena de café? Numa simples flor ou numa memória, reminiscência memorável, e fico olhando o fundo, não as borras , que as não tem, mas o fundo, o resto do café bebido, e vejo-a reflectida em cada chávena, e sorri-me, recordando-me o melhor dela. Como não o melhor se não lhe conheço defeito, apenas a beleza etérea… o sabor a salmoura dos seus beijos… O calor das águas em que nos banhámos, o fulgor do céu que nos cobria, a profundeza do mar em que nos atolámos… E já me habituei a pedir o café sempre num canto resguardado do balcão, longe de olhares, longe do bulício, para ficar ali sonhando-a, recordando-a, amando-a numa chávena de café…

Estarei lúcido? Estarei sóbrio? Será possível?

Queria beber com ela cada café da minha vida, e tantos dias, tantos cafés, tanta felicidade, e já está fria esta bica, vai sendo costume já, estou habituado, é bom, nunca lembrara uma bica como agora, e agora… Nem esqueço nenhuma, mesmo que fria, justamente por me ver, e a veja, no fundo de cada chávena.

Sitio linda o desta fortaleza.

Este mar florido e tépido, o seu sorriso, beijos, carícias, desejos, que eram os meus, o corpo jovem de ninfa, o odor a algas salgadas, os cabelos nas minhas mãos, ela nas minhas mãos, e eu vendo-me nas profundezas do mar onde me levava o céu com que nos cobria, embevecido com tanta ternura, com os seus seios cheios, lindos, excitantes, ela tão doce, tão querida, tão meiga…

Temo desde há séculos a morte dos nenúfares, lendas dizem que a cada um corresponde uma sereia que morrerá com ele, por nada deste mundo queria perder aquela que, de entre tantas logrou encantar-me. Temo desde há séculos a morte dos nenúfares, lendas dizem que em cada um uma sereia que morrerá, e por nada deste mundo queria desencantar-me...