quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

302 - O IMI E A PRÓTESE D'ANCA DA ANICAS…


- Calados ! Cheira a putas ! Cheira ou não cheira ?

Na verdade cheirava intensamente, ou seja notava-se deveras, talvez devido a exagero na água-de-colónia com que aprecio refrescar a pele após barbear-me, mas daí ao despautério do Hortênsio vai uma grande distância. “Cheirar a putas” foi olor de ofensa que chegou até mim, de modo que, conhecendo-o como conheço, nem lhe dei resposta e fingi ignorá-lo quando atirei os bons dias p’ra cima da mesa do café, à volta da qual todos conspiramos e cascamos tanto nos assuntos do dia quanto uns nos outros e em especial em quem não está, ou mais precisamente em quem nem está.

O motivo da conversa do dia surpreendeu-me, pela algazarra, mas também e sobretudo por todos quebrarem em uníssono o hábito dos últimos tempos, calarem-se a tudo que metesse ou cheirasse a politica, porém o IMI, e as repercussões da aplicação do novo coeficiente de localização, a avaliação do valor dos imóveis para efeitos de tributação, aqueceu os ânimos, ali todos eram proprietários de habitação própria sendo alguns senhorios, daí a celeuma levantada e as expectativas em redor da questão do IMI.

Agastado com a piada de mau gosto do Hortênsio sentei-me e nem abri boca, quedei-me para ali a ouvi-los; que o IMI iria baixar alardeavam uns, que o IMI subiria alvitravam outros, puro eleitoralismo chutou um terceiro, quando mexem nalguma coisa nunca é para descer ó parvalhões, ajuizou um quarto. Alguns municípios nem o poderão descer mesmo que queiram, por estarem submetidos a programas de recuperação financeira como o PAEL lembrou a Anicas, enquanto me olhava como que pedindo a minha concordância ou confirmação, colando a coxa à minha numa atitude tão displicente quão desinteressada ou distraída, sabendo eu não dar ela ponto sem nó, desde que há meia dúzia de anos o Albertino a deixara viúva e ela paulatinamente recuperava os modos, o viço e a fogosidade de quando era muito mais nova (mau grado a prótese que lhe sabíamos na anca), com resultados muito positivos diga-se com toda a franqueza e em abono da verdade.

Fingindo não perceber a coisa e evitando cruzar o olhar com o Hortênsio, eu ia ouvindo uns e outros enquanto cofiava a barba, quer dizer o queixo bem escanhoado, gosto da barba feita à lâmina e ao abandonar a casa de banho terminara como invariavelmente com umas palmadinhas nas faces para espalhar o Dystron no rosto, o que me refresca a pele crestada pela Gillette e me perfuma e deixa bem disposto, disposição que nem a despropositada piada do cheiro a putas logrou retirar-me, há gente que nem sabe o que perde por não ficar calada, enfim, parvoíces.

- E tu Baião ? Que achas desta dança do IMI. P’rá i tão calado, diz lá à gente o que

- Acho bem, nem poderia achar de outro modo, os que podem aos que precisam, isto já nem é IMI, é mais uma taxa de solidariedade, pelo que vou comer e calar, até porque é como tudo o resto, a tendência será sempre para subir e não descer, solidariedade meu, sabes o que é ? Faz a tua parte e cala-te.

- Olhem a conversa deste cabrão hoje, acordaste com o cu destapado foi ? Tas sempre mandando postas de pescada contra tudo e todos e hoje deu-te para a solidariedade foi ? Se fosses…


       Não acabou a frase nem teria sido necessário, percebi-o claramente e volto a dizer de mim p’ra mim não se poder dar confiança a esta gente, a Anicas adivinhando-me o pensamento fez-me saber estar do meu lado e, encostando mais a perna, com qual por três vezes consecutivas fez mais pressão sobre a minha, deu-me um sinal que eu entendi perfeitamente. Para ser sincero a vontade que me deu foi dar-lhe um leve toque de cotovelo para que saíssemos dali deixando a cãozoada a ladrar sozinha, quer dizer falando sozinha. Vontade não me faltou, e tenho a certeza que nem à Anicas faltaria, mas um homem tem que manter a sua honestidade e integridade, um homem tem que saber estar e saber comportar-se, que diriam todos da nossa dignidade ao ver-nos abalar os dois ao mesmo tempo ? Só quem não os conheça errará a resposta, quem os não conhecer que os compre…

Refreei-me evitando polémicas e nem respondi ao alarve.

- Vejam ali na Tv. a nota de rodapé que está passando alertou com urgência o Faustino, «o desemprego mantêm-se em 12,4%…», e enquanto se mantiver alto, e mesmo baixo que seja, se não produzirmos mais os impostos jamais descerão, IMI incluído, o país, os ministérios e os municípios, estão pejados de funcionários públicos aos quais é preciso pagar, e depois de se lhes pagar não sobra um tostão nem para mandar cantar um cego, isto meus amigos, pagar impostos, é solidariedade como disse e bem o Baião, contando que ela dará também para o que é sumido nos bancos falidos, na divida cega, na fuga aos impostos, na corrupção generalizada de que ninguém tem provas, nos milhões que a incompetência queima e a irresponsabilidade some…

- Ora, mas ao menos consomem, mantêm a economia funcionando, não é o que se diz agora ? Que é necessário aumentar o consumo interno ? Estes consomem, ao menos consomem, se estivessem desempregados seria duas vezes pior, repenicou a Teresa do alto do seu poleiro e que o facto de ter sido sindicalista lhe consentia e a obrigava.

- Ó minha menina, naturalmente tens razão, condescendeu o Faustino já agastado, desempregados seria duas vezes pior, então do mal o menos, e sempre seriam mais dramas quando eles nem são culpados da trampa em que os nossos políticos nos atolaram a todos, mas se fossem funcionários do sector privado estariam a produzir e igualmente a consumir, estás vendo a diferença ? É que o óbice da coisa ou das coisas é precisamente a não produção !

- Ora essa, então não produzem ? Voltou a Teresa à carga.

- Claro que produzem sosseguei-a eu, pouco e mal embora a culpa não seja deles, eu diria que o funcionalismo público funciona “abaixo da capacidade instalada”, mas sim, produzem, ou induzem, algures a montante e a jusante sempre ajudarão a algum consumo, e a alguma produção, mas com o investimento público e o privado quase inexistentes que têm para fazer ? Os homens ainda se podem dar ao luxo de coçar os ditos cujos, e elas ?

Foi demais, fui longe demais e talvez a tenha ofendido, virou-me as costas sem retrucar e desandou…

Mas é a verdade, não por sua culpa mas alimentamos um funcionalismo público pesado, quantas vezes burocrata, ineficaz, que por vezes complica em vez de aclarar, e cujo consumo, tal como o privado, não poucas vezes é canalizado para fábricas alemãs, francesas, italianas e japonesas de automóveis e motas, material para fotografia e reprografia, consumíveis e uma plêiade de importações que nos afogam, é a nossa sina, a nossa solidariedade funcionando. Contradição ? Mas se o país vive delas, está cheio delas ! Que dizer quando na Tv. nos apresentam a recuperação do imobiliário como se de sucesso ou de construção civil se tratasse ? São compras e vendas, na sua maioria especulações, comprar por cinco e vender por dez, aplicar o dinheiro que foge aos juros e que no banco não rende, ou a ser sumido nos bancos falidos e nos que irão falir, o imobiliário é o novo colchão do aforro luso, são aplicações ou investimentos financeiros destinados a dar segurança ao capital. 

          Essas aplicações de capital não passam de subtis ou declaradas fugas à irresponsabilidade e incompetência dos nossos politicos e gestores e, qualquer dia, nem um porquinho capitalista meterá um tostão furado neste mealheiro à beira-mar plantado... Alguém acredita por exemplo que o incremento na venda de automóveis, especialmente verificado nas marcas premium seja um sinal de pujança da economia ? Contudo é assim que nos vendem estes factos…

Anda daí Anicas, tá na hora de almoçar e estou fartote de aturar estes palermas.

Temos que falar…

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

301 - PROIBIDO PROIBIR *.........................................


De tanto instigar nestes meus escritos tudo e todos a que se debruçassem seriamente sobre aquela figura maquiavélica que Salazar representa na nossa história, vi-me algumas vezes confrontado e por duas ou três envergonhado.

- Olha lá ó Baião, porque não o fazes tu ó palerma ? Já que és tão sabichão na matéria arregaça as mangas e atira-te ao trabalho, nem te deve custar muito, já deves até ter o conhecimento disso bastante adiantado.

Um houve que colocando os braços sobre os meus ombros me encorajou em jeito de confidência:

- E se quiseres entrevistá-lo pessoalmente tenho lá em casa uma caçadeira que te posso emprestar, é só dizeres e carrego dois cartuchos de chumbo grosso, o resto saberás como se faz, os canos debaixo dos queixos e zabimba ! Até gritarás para o microfone !

De modo que intui as piadas e a vergonha e predispus-me a elaborar a tal tese de mestrado ou doutoramento que tanto vinha recomendando a uns e outros, móbil, evidentemente a tão ignorada quão carismática figura de Salazar, António de Oliveira de seu nome, para o que arrebanhei todo o material em meu poder, comprei algum que era aconselhado e decerto faria falta, há obras cuja consulta simplesmente não podemos dispensar, ainda ando separando o tema em centenas de revistas e jornais que fui guardando ao longo dos tempos e sempre que continham algo digno de interesse histórico ou valioso e era aconselhável guardar.

Nessa demanda a que me propus tudo que venha à rede é peixe, e não seria justo descurar algo por mais insignificante que fosse sem antes avaliar a sua probidade, e se constitui interesse ou novidade para o trabalho em causa, foi assim que um destes dias considerei como contributo desinteressado mas manifesto o conselho de um amigo e adquiri um livrinho cuja existência eu desconhecia, ainda que recentemente dado à estampa. À primeira vista mais parece um livro de humor, tanto nos faz rir. 

           O opúsculo relata situações caricatas, tão anedóticas e ridículas que alguns julgarão não corresponderem à verdade. Infelizmente são-no, e embora o livrinho esteja escrito com alguma leviandade (não quero utilizar o termo infantilidade), as coisas sérias mesmo que despertem em nós o riso devem sempre ser tratadas com seriedade e comedimento, sobretudo estas que caracterizam, e bem, o ridículo em que caiu um regime, mas essa coisa do estilo é um problema do escritor, neste caso de um jornalista que julgo experiente, que exerce a profissão há quarenta e tantos anos e entendeu presentear-nos com o que ele mesmo parece querer fazer parecer, um livro de anedotas. Apesar de não deixar de ser um livro sério, “Proibido” ** merecia mais sobriedade.

A minha busca isenta e imparcial da figura e do reinado de Salazar não me permitiria descurar esta obra por mais ligeira ou leviana que ela se nos apresente, e ainda que na generalidade as situações retratadas não sejam novidade para mim, algumas há contudo que desconhecia e que não deixam de se inscrever no inédito absurdo que o regime do Estado Novo acabou abraçando, absurdos que embora em menor número ainda subsistem nos nossos dias, ainda há bem pouco tempo se cortaram subsídios à infância e abonos de família enquanto em simultâneo se pretendia combater de um dia para o outro o défice demográfico em que caímos, mais um deficit, mais um absurdo, este país continuará continuamente (perdão pela redundância), a surpreender-nos, ou em relação aos emigrantes, que se punham na rua em paralelo com a tomada de medidas legislativas que promoviam o seu regresso.
     Contradições atrás de contradições, o ridículo é eterno e universal, e parece bastar que descuremos a nossa atenção para que nele caiamos, todavia para mim, o que mais sobreleva neste hilariante livrinho é dito logo nas primeiras páginas, mais concretamente na pág. 12, “ … este clima de proibições… levou a que, com o tempo, nem fosse necessário produzir uma lei para proibir, por exemplo, a entrada de uma senhora de cabeça descoberta numa igreja. Ao é proibido juntaram-se os heterónimos «não se faz», «é pecado» e «parece mal», que ainda subsistem nos nossos dias”… Esse é na verdade, o busílis da questão, e esse é o tema central da minha investigação e da minha tese, como pôde um regime ridículo manter-se de pé quarenta anos se não com a aceitação, o apoio, e conivência da população, como e porquê tal aconteceu ?

Temos, sobretudo nos últimos quarenta anos, feito de Salazar o bode expiatório de tudo e para tudo, mas que dizer de quem andou com ele ao colo ? Como foi tal possível ? Que circunstâncias explicam ou justificam tamanho dislate ? Quem se calou ? Porque o fez ? Quem foi conivente por acção ou omissão ? A quem, de que modo e por quê convinha manter o regime ? Porque é o regime do Estado Novo sempre apodado de odioso e referido negativa e sistematicamente em oposição, por exemplo, à nossa terceira república que tem sido por nós significativa e exageradamente beneficiada na apreciação das suas conquistas ? Porque é moda ? Por ser de bom tom malhar no Salazarismo e tudo o resto deixar passar e consentir abusivamente e sem que nos ofendamos ou revoltemos tantas vezes com um simples encolher de ombros de resignação, não ferem os atropelos e desmandos actuais os nossos interesses e a nossa dignidade profunda e cruamente ? A esta democracia tudo se desculpa e permite ?

O livrinho relata e enumera efectivamente uma catrefa ou uma série de situações ou proibições ridículas, mas não encontraremos hoje contradições e situações igual e indesculpavelmente tão ou mais ridículas que essas ? Tão ou mais prejudiciais que essas ?

Não quero prematuramente antecipar conclusões da minha trabalheira, podem sair extemporâneas, ou pior que isso, inconclusivas, contudo duas palavras parecem sobressair já no contexto em que me aprofundo, complacência e deferência.

Salazar contou durante trinta e seis anos com a nossa complacência, mais do que a que temos tido, surpreendentemente, para com as últimas quatro décadas, ele porém contou com toda a deferência deste povo, deferência que hoje estamos longe de conceder uns aos outros e que me leva a colocar a hipótese, académica, de que não tivesse o ditador caído da cadeira e tê-lo-íamos tido connosco e acarinhado durante outros trinta e seis anos…
       É caso para pensarmos bem no assunto, sem leviandade, com isenção e imparcialidade, pois quem saiba rir-se de si mesmo ri-se duas vezes, ou ri-se a dobrar, reza um velho provérbio chinês de minha autoria e que acabei de inventar…   

* "é proibido proibir"  frase remontando aos dias subsequentes ao Maio / 68 em França. 
** “Proibido” de António Costa Santos,  
Edição 2015, Páginas: 196, Editora Guerra & Paz, ISBN: 9789898014597

BOM ANO NOVO !!!


segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

300 - O EVENTO E O INGLÊS ....................................

A carinha laroca e companhia do dia

Ora bem meus amigos devo avisá-los ou esclarecê-los que este texto, ou antes o relatado no seu conteúdo, tem um mês, perdão, tem até mais de um mês. A história que lhe dá origem situar-se-á entre 26 e 30 do verão dos marmelos ou Novembro pretérito passado, e só agora vê a luz do dia devido ao curioso facto deste vosso amigo se encontrar enfastiado com o tempo, que nem aquece nem arrefece, nem desatar a chover nem o pai a almoçar, nem a política a atar ou a desatar.

A história, verídica e hilariante, conta-se em poucas palavras e foi ouvida numa aprazível viagem em que eu e a minha Mariazinha almoçámos e jantámos, num belo dia de sol e romântico passeio. Foi por nós ouvida, ou melhor, sintonizada no rádio do carrito, tratou-se duma qualquer rádio local cujo nome nos escapou.

O debate/diálogo entrevistador / entrevistado suscitou entre nós uma verdadeira risota, e compeliu-nos a manter sintonizada essa estação que por norma nunca era por nós ouvida. Mau grado tanta atenção não logramos até ao fim da contenda descortinar qual a estação radiofónica, nem qual o agressivo entrevistador ou tão pouco o entrevistado, somente que um era tratado por senhor Pacheco, o qual por sua vez tratava o oponente, sim porque às tantas aquilo era já um embate, ou combate não declarado, tratava o interlocutor dizia eu, por excelência. Pacheco versus excelência, e constituiu um rico momento de humor que, curiosamente poderíamos situar em qualquer local destes nossos vastos e peculiares Alentejos, para quem não saiba, o Alto, o Central e o Baixo, fica a observação não vá alguém perder-se na vastidão das nossas planícies e / ou das nossas idiossincrasias.

Vamos então à vaca fria, já devem ter percebido o cenário, uma emissão matinal em que um entrevistador de uma rádio local confronta, não escuta, não se limita a ouvir ou a simplesmente permitir que alguém tratado por sua ou vossa excelência enumere ou propagandeie, ou divulgue sem contraditório um determinado evento que iria na 15ª ou 25ª edição anual, infelizmente não deu para perceber esse pormenor, porém não pode dizer-se o mesmo de sua excelência, que em dez minutos e a propósito do evento repetiu vinte ou mais vezes a palavra “potencialidades”, o evento e o concelho estariam cheios de potencialidades, o que não passou despercebido ao perspicaz locutor / entrevistador que, mal pôde, confrontou sua excelência com a violência de uma pergunta de todo inesperada:

- Excelência, acredito que o evento se revista das potencialidades por si apontadas, mas estando decorrendo a 15ª, ou 25ª, (aqui a perturbação hertziana não deixou perceber bem a coisa), e em todas elas tendo sido alavancadas essas mesmas potencialidades, não era já tempo de as ver concretizadas ?

Aqui fez-se uma pausa de chumbo e negra, em que se ouve nitidamente sua excelência remexer-se na cadeira, respirar fundo, e por fim ripostar:

- Sabe, é uma questão muito complexa que tem que considerar as envolventes exógenas (quais, o bom do Pacheco ainda tentou perguntar, mas não teve resposta) sem as quais a relevância plena jamais será atingida, isto é um processo construtivo, dinâmico, é uma realidade mutável que paulatinamente se tem vindo a construir e a assumir e que se assumirá cada vez mais como referência incontornável da realidade regional e quiçá nacional.
O carrinho velhinho

Foi aqui que eu e a Mariazinha largámos umas gargalhadas e decidimos manter a estação sintonizada, o pintarroxo estava cheio de jogo, dominava o vocabulário e cantava muito bem mas não nos alegrava. A sua conversa era tão vaga que bem poderia estar a referir-se a qualquer coisa em qualquer lugar. Mas o bom do Pacheco não se deu por achado, nem por vencido, e voltou à carga:

- Sim vossa excelência, mas queira desculpar-me, com o PIB do concelho a descer há anos, o desemprego a subir e o despovoamento gritante a que temos assistido, como justificar e sobretudo manter a aposta e a esperança num evento que a realidade parece contrariar ?

- Ora essa amigo Pacheco ! O senhor parece-me demasiado bem informado, sabia-o doutorado em bio-quimica mas desconhecia-lhe essa faceta de investigador e economista politico, deduzo das suas palavras algum descrédito e até animosidade em relação ao nosso evento, engano-me ? Não andará o amigo Pacheco enganado na profissão ? 

- Sim excelência, realmente admito que me preparei para esta entrevista, consultei os arquivos do jornal da terra e verifiquei com tristeza que o discurso de V. Exª, mais virgula menos virgula tem vindo a ser repetido ao longo dos anos pelos presidentes seus antecessores de um modo inconsequente, o discurso de V. Exª podia ter sido copiado ipsis verbis dos anteriores que ninguém daria por tal, é contra esse malabarismo da palavra e inconsequência de atitudes ou actos que deve ver a minha animosidade e a minha descrença.

- O amigo Pacheco tem razão mas erra num pormenor de extrema importância, é que sem a “Regionalização”, que há muito defendo, não somos donos do nosso querer e torna-se muito difícil passar das palavras aos actos, passar das potencialidades às realidades.

- Saiba V. Exª que na minha óptica a “Regionalização” num país tão pequeno como o nosso, só servirá para engordar o exército de jobs for the boys, engrossar o lóbi dos funcionários públicos e dos burocratas, assim houvesse querer do Terreiro do Paço, para fazer basta querer, o problema é que não se quer, o Terreiro do Paço está subjugado a outros interesses, e funcionários públicos já temos até demais.

- Ó amigo Pacheco ! Por quem é ! O rácio de funcionários não ultrapassa o de qualquer nação moderna da União Europeia, disso sei eu, não me diga uma coisa dessas, há estudos que o comprovam ! O senhor está nitidamente contra o progresso desta terra ! Pois saiba que esta terra tem potencialidades ! Tem futuro !

- Vossa excelência está redondamente enganado, estou com esta terra e com este evento desde sempre, foi no almoço da 1ªedição que eu e minha esposa decidimos acreditar nas potencialidades, no futuro, e casarmo-nos, em má hora o fizemos, vou dar a novidade a todos os ouvintes mas fui despedido a semana passada, esta rádio encerrará a sua voz e as suas portas no dia 31 de Dezembro próximo, outros mais novos e igualmente presentes nesse almoço e em redor da mesa ainda deambulam por aí procurando o primeiro emprego quase vinte anos depois, V. Exª desculpe mas isto é ter futuro ? E quanto aos estudos que consultou devem ser como os do famigerado TGV …

- Lamento amigo Pacheco mas infelizmente já sabia, folgo contudo saber que o meu amigo tem o futuro acautelado e até já lhe chamam o “inglês” ! Como sabe sou um dos accionista desta rádio, sei que irá ocupar um cargo de relevo noutra rádio e felicito-o, desejo-lhe sorte.

- Sim sim, obrigado, mas voltando aos boys, quer dizer aos funcionários públicos, ao seu rácio, comparem-se também os PIBs dos países em causa e verá que para um número de funcionários equivalentes o PIB dessas nações é 3, 4 e 5 ou mais vezes superior ao nosso, na realidade vou dirigir uma nova estação de rádio sim, mas em Newcastle excelência, pois aqui vamos de sucesso em sucesso até à derrota final, e já agora, como não duvido que toda a sua simpatia e sobretudo competência o levarão um dia a ser deputado por esta terra onde já não viverei, aproveito para lhe dar de imediato os meus parabéns, embora duvide que nessa altura ainda haja eleitores neste país.

- O senhor é um contestatário impossível ó Pacheco ! Passe bem ! Saúde e felicidades ! Raios partam o homem !
O radiozinho novinho

299 - POVO QUE TE LAVAS NO RIO * .....................

                           

POVO QUE TE LAVAS NO RIO *

Como contar-te os meus receios,
as minhas dúvidas e anseios,
como dizer-te dos meus devaneios,
que ninguém escuta que ninguém ouve, mesmo que os grite ?

Como contar-te que já não creio nem é possível que "neles" acredite ?
ou confiar-te esta dor de peito que me aflige?
ou do dilema em que minh’alma sobrevive ?

Como contar-te os receios,
as dúvidas e anseios,
como dizer-te dos devaneios,
que ninguém escuta, ninguém ouve, mesmo que os grite ?

Como contar-te não crer nem ser possível que “neles” acredite ?
ou confiar-te a dor de peito que me aflige?
ou o dilema que minh’alma vive ?

Grito, algo me dói,
ansiedade ou angústia me destrói,
fizeram-me crer, acreditar no sobrenatural, no poder real,
fecharam-me todas as portas todas as esperanças,
todas as válvulas todas as saídas,
crer no poder na ponta das espingardas,
crer e querer .

Alienada a esperança, a crença,
no olhar o reflexo da indiferença com que se distribuem tenças,
democracia de papel, para uns mel, para outros fel.

Resta em mim raiva, força bruta fluindo-me do peito para os braços,
disposta a segurar o fio de prumo, o nível, o sextante,
que tracem um novo azimute, um novo rumo, um novo deus,
alguém e algo edificado p’ra mim, p’ra ti, aos meus, aos teus…

* Humberto Ventura Palma Baião

Évora, 28, 29 e 30 de Dezembro de 2015

https://youtu.be/be6fwj72eMk



sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

298 - A MESA DOS MACAMBÚZIOS ........................

      
                          

É manhã de Natal, ter cagado o pé na merda de cão da vizinha ao descer as escadas para a garagem deve dar-me sorte. Alegre que ia nem reparei, só posteriormente notei, no carro, o cheiro acudindo-me às narinas e o pé escorregando no pedal do travão como em manteiga.

É sorte, depois limpo, por agora o que interessa é a bica, ou morro.  A Bileta fechada, o Sr. Paulo idem, a padaria aspas aspas, pois é, estarão na ressaca como eu se calhar, melhor nem me queixar e buscar já outras paragens.

Natal, brinquedos, crianças, e seguindo este raciocínio rumo ao Parque Infantil que tem quiosque e esplanada. Ao passar nas Portas/ Rua de Raimundo reparo estarem fechados os portões da Mata do Jardim mas não desvaneço e sigo confiante, na 1º de Maio* o jardim está aberto, o quiosque funciona embora tenha a esplanada vazia, talvez o parque também, mais duas centenas de metros e estarei lá.

Saio do carro, no rebordo do lancil raspo a merda do sapato, entro e esfrego o pé na relva molhada para tirar o restante, dirijo-me à fonte e ali, nas pedras que a contêm e circundam raspo o que resta, imerjo o sapato ligeiramente na água do lago para o lavar, olho então o quiosque, fechado, as cadeiras encavalitadas na esplanada feita um viveiro de folhas de outono, varro o parque com o olhar, nem um brinquedo, nem uma criança, nem um adulto, ninguém, somente o sol fazendo evaporar da relva um nevoeiro ténue.

Agarro um pequeno galho para com ele raspar a merda metida nos sulcos da sola do sapato e procuro com o olhar varrendo o parque, um banco onde me sentar e népia, nem um, num parque enorme nem um único banco, alguém na junta de freguesia também cagou o pé todo, aliás na realidade e para ser franco há por ali dois ou três blocos de mármore disformes querendo ser bancos, mas estão gelados e molhados, caguei o pé e molhei o cu, há dias de sorte…

Está visto que não me querem ali, avanço e faço o carro repetir a volta novamente até à praça 28 de Maio*. Estaciono, entro no jardim e sento-me na esplanada solarenga, finalmente uma bica, estava desfalecer.

Também aqui nem brinquedos nem crianças, nem adultos. Um bando de chineses ou japoneses fotografando tudo passa rindo, rindo sempre, rindo de tudo, sorrindo com cara de idiotas. Cisnes, patinhos, peixinhos. Pombinhos e um bando de pardais esvoaçam por ali sem medo de mim, um pavão lindo abre o leque ao sol olhando-me. Os pombos, como os pardais, ou com fome ou sem vergonha vêem comer as migalhas quase a meus pés. Compro um queque e desfarelo-o, dou-lho e tragam-no num ápice como um bando ávido, e por avidez lembro-me do Banif, do BES, do BPP, do BPN, dos Swaps, do fisco, da TAP, da Carris do Metro da Transtejo e deste país onde para engolir são todos como os pombos, nem mastigam, ávidos dos tachos, das sinecuras, das nomeações, de boys.

É dia de Natal, hoje a nossa comuna de café, a nossa tertúlia não reunirá em volta de uma mesa quadrada, nem redonda, aliás para ser franco tem vindo a reunir cada vez menos, noto neles um medo de falar como sentia há quarenta anos. Primeiro o fio da conversa partindo-se ou desaparecendo, depois as próprias conversas, soltam-se e, ao invés delas umas frases soltas, e mesmo a essas banalidades a maioria teme responder calando-se, ou refugiando-se no pois, no é a vida, no isto não tem melhoras, no isto não tem conserto, no são todos iguais…. 
         O Teles masca as respostas temendo que o ouçam e ninguém ouve o que diz, a Ofélia fala cada vez mais baixo e já ninguém lhe liga, aliás acho que se não fosse pelas mamas que tem nem o lugar lhe guardariam em torno da mesa. Talvez por isso já ninguém lhe liga, já nem perdem tempo a responder-lhe e também ela se vai aos poucos calando. Com receio que o ouçam e metam no cu do chefe da repartição o Grenho imita-a, o Gomes teme que sussurrem o que lhe ouçam aos ouvidos do vereador e passou a falar entre dentes, a Andreia teme o general da messe onde trabalha, o Barrenho o patrão, o Silva o sindicato, o Quintas o partido, o José Fonseca a mulher, a Joana o senhorio com quem anda desaguisada, o Marmelada nem aparece, a Justa apagou-se temendo serem vistos connosco e , um a um todos se vão calando ou afastando, o mesmo noto no jornal da terra e que costuma estar na mesa, meias noticias ou nem sequer noticias, que é como quem diz só noticias de merda.

Os dos partidos de direita pasmam com as asneiradas que os seus próprios partidos cometem, os dos partidos de esquerda também, e todos pasmam com a situação de miséria a que chegámos, com tanto expert mandando postas de pescada e mesmo assim nos atolámos, tanto sábio, tanta sabedoria e toma lá que é para aprenderes a culpa é toda da Maçonaria diz o Maia, a Ofélia teria dado conta do recado cem vezes melhor gargalha o Cesário em defesa dela (andam enrolados) e logo um outro:

- E com aqueles atributos a camarada contentaria mais que uma tendência…

- Tendência ou classe, atira um outro, cada facção sua sentença e cada sentença sua cabeça e cada cabeça uma cagada debita um outro rindo-se enquanto fala.

- Lá classe tem ela, rosna o Cesário baixinho rindo-se sarcástico.

- Dezanove milhões estourados em ajudas a bancos falidos e queriam vocês melhor jorna, melhores pensões e ordenado mínimo, pois sim pois sim tá bem, isto não me lembra senão o tempo do Carmona, do Sidónio Pais, só já falta um Salazar para o filme se repetir aventa irritado o professor Macário ajeitando o saco e a algália pois é incontinente, e incontinente verbal também, já o conhecemos e bem.

E assim vamos, os dos partidos de direita pasmam com as asneiradas dos partidos de esquerda e estes com as que os partidos de direita cometem, no entretanto cada um define-se cada vez menos e hoje quem de fora nos observe não será capaz de dizer quem é quem, quem é de direita ou de esquerda, e nem cada um deles mesmos já sabe, tal as arestas que a si próprios têm limado, a tal ponto que, os únicos a manter a coerência são precisamente os que desde a primeira hora nunca a tiveram e que continuam tal e qual, os gelatinosos bandeirinhas que tanto trabalho davam a afastar da mesa.

Mas enfim, é a vida, e é Natal, e como alguém disse; “vai dar banho ao cão, toda a gente quer ficar em casa no Natal”, acrescentando que se eu não fosse galdério ter-me-ia certamente poupado a algumas chatices como cagar o pé todo em merda do dito cujo, todavia, mas porém, outros dizem contudo ser sinal de sorte pelo que amanhã irei jogar logo de manhãzinha no Euro milhões ! !


 Cést la vie, cada um é para o que nasce, saí da esplanada e procurei, ávido, a casita de banho por baixo da arcada do palácio mas só havia para senhoras, no problem, desandei por ali abaixo em direcção à capoeira dos pavões, encostei-me bem à sebe, olhei em redor, deparei nas minhas costas com as ruínas fingidas e os portões de ferro que dali davam acesso à mata fechados, mirei em frente o imponente Palácio de El-Rei D. Manuel, em especial as janelas cimeiras e então e só então, e enquanto pensava que a cidade já viveu melhores dias, pena que tenham sido há perto de quinhentos anos, aliviei-me com desembaraço e desenvoltura pois embora não seja incontinente tenho problemas de bexiga e rins pelo que me soube mesmo bem aquele desabafo visto estar mesmo apertadinho e a junta de freguesia por vistos nem dessas coisas se lembrar.   

E assim acabou a minha manhã de Natal, rumei ainda ao Palácio do Barrocal onde pensava procurar uma lente de contacto perdida mas quer o Palácio quer a Exposição Duplos X 2 Sandra / José da Fonseca* estavam fechados pelo que lá fui andando, ou desandando em direcção a casa e ao almoço como Camões, vesgo de um olho mas já sem o pé cagado.

Quanto à mesa dos ma·cam·bú·zi·os, expressivo adjectivo e/ou substantivo masculino significando quem não mostre alegria ou tenha tendência para se isolar, ou seres sorumbáticos, taciturnos, tristes, tristonhos, meditabundos, está para durar, ou agravar-se-lhe o mal que é como quem diz estará para acabar. Bom Natal e vejam onde metem as patas.