À
primeira vista não passava de um inocente convite, nem era o primeiro que ela
me enviava, tentei recordá-la mas quase quarenta anos fazem diferença. Estará
mais velha, tal qual eu, mas tenho que reconhecer ser o seu sentido de
oportunidade tão agudo quanto dantes o era.
O
velho Zé Eduardo está de pés para a cova, ela sabe-o bem, como sabe que a
herança os irá colocar todos em pé de guerra e que a Isabelinha não terá pulso
na família. Nem na família nem nos amigos mais próximos nem nos aparentados,
para efeitos de interesses instalados vai ser uma revolução.
O
convite é informal, curto mas claro, a rubrica dela a mesma, só o posto é agora
mais alto, e se assim é por quê ela a convidar-me ultrapassando o protocolo ?
Por nos conhecermos já ? Devido à confiança que se gerou entre nós ? À amizade
cultivada e ganha por nós dois ? Há quarenta anos ou perto disso que a não vejo
mas lembro como era bela, bela e alta.
Parco
de informação o convite, em boa verdade mal o olhei mas de imediato vi à minha
frente a geografia de África nos próximos dez a quinze anos, quero dizer a sua
geopolítica,. Muito dinheiro eu ganhei por aqueles anos. Não fui somente eu, o
Madeira também, mas esse é infatigável, montou logo um restaurante, Deus me
livre, só o trabalho, eu preferi amealhar, amealhei e curti, quero dizer chapa
ganha chapa gasta, foi-se mas casei as gémeas, o pé-de-meia serviu para ajudar
no começo de vida delas e não estou arrependido, quer uma quer outra levaram um
bom dote, um super dote, se bem que a Valentina tenha casado melhor que a
Ermelinda. A minha Luisinha não acha, mas acho eu e isso basta-me.
No dia 11 de Novembro de 1975, o Dr.
Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, em nome do povo Angolano
proclamou a independência às 23:00 horas transferindo a soberania de Portugal,
para o Povo Angolano, Holden Roberto, líder da FNLA, proclamou a Independência
da República Popular e Democrática de Angola à meia-noite desse mesmo dia 11 de
Novembro, independência que foi também proclamada nesse mesmíssimo dia em Nova
Lisboa (Huambo), por Jonas Savimbi, líder da UNITA. Agostinho Neto, que
morreria num hospital em Moscovo durante uma operação, foi substituído na
presidência de Angola e do MPLA por José Eduardo dos Santos. Ao falecer em
Moscovo, a 10 de Setembro de 1979, Agostinho Neto deixou atrás de si um país
totalmente em chamas.
Foi
o dinheiro mais bem ganho da minha vida, depois de recuperar daqueles
ferimentos que eu pensava terem-me arrumado na prateleira cai-me ela no colo,
no colo é modo de dizer, sofri em Xangongo (1) mas dei-lhes água pela barba,
demos-lhes, não passaram, e isso é que interessa, isso bastou-me, afinal
acabaram por pagar-nos para parar.
“ Quinta – feira
Bar do Sheraton, vinte e trinta,
poderemos jantar se confirmar a sua presença.
Cecile Sirleaf Botha “
Nunca
cheguei a saber se o seu nome era efectivamente aquele porque há uns dez ou
doze anos tentei no Google, e já depois disso também, actualmente digamos, e
nenhuma entrada me surge onde seja citada, mas basta-me o cartão e o seu nome,
isso é que interessa. Da última vez visitou-me quando eu de convalescença nas
Berlengas (2), e passadas duas semanas jantámos no Sheraton, aquele ali ao
lado da velhinha Alfredo da Costa, mas nessa altura eu vivia em Lisboa e agora
não me cheira, quero dizer não me agrada, cento e cinquenta quilómetros para
lá, outros tantos para cá, não não, ela tem que ser mais concreta se quiser que
eu me incomode. Mas adivinho-lhe os pensamentos, teme a desestabilização após a
morte do velho Eduardo, teme pelas fronteiras de novo, mas não entendo por quê
eu, há muito não sou operacional, será pelos meus conhecimentos, pelos meus
contactos ?
Logo no início de 1975 fora desencadeada
a Operação Carlota (Operación Carlota, em espanhol) o codinome da intervenção
militar cubana em Angola. Grosso modo, esse nome apenas baptiza o nome da ponte
aérea de emergência Cuba-Angola que o governo da Havana realizou para ajudar o
Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) a manter seu poder em Luanda e
lá proclamar a independência, o que veio efectivamente a acontecer a 11
de Novembro desse ano de 75. No entanto, o que era para ser apenas uma
intervenção de ajuda e aconselhamento militar ao MPLA para que este conseguisse
expulsar do território angolano as tropas da UNITA apoiadas pela África do Sul e da FNLA, apoiadas pelo vizinho Zaire, transformou-se numa intervenção de larga escala
que duraria dezasseis anos e envolveu não apenas soldados e conselheiros
militares portugueses (estes em pequeníssima escala e funcionando em termos de
contrato de avençados) mas especialmente cubanos, dada a quantidade de
efectivos para ali deslocados e que além de militares incluíram médicos,
engenheiros e professores. Cerca de 250 consultores cubanos chegaram a Angola
em 1975. Até 1987, mais de 37 mil cubanos estavam em Angola e em 1988 chegaram a
50 mil.
O
coronel morreu, o Abrantes também, a tal rede já nem existe e a haver alguma
coisa será cada um por si. Ricos tempos, corremos mundo. Valeu a pena, eu estou
bem, as gémeas estão bem, pena que cada uma para seu lado mas a vida é assim
mesmo. Serão conselhos, será o meu conselho que ela quer ? Admira-me se não
tiverem ninguém no terreno, têm, de certeza. Ou virá somente sondar, tirar
nabos da púcara como dizemos por aqui. Não disparo uma arma vai para trinta
anos, e curiosamente foi contra ela que a disparei ! Depois de acertarmos contas não, depois disso
acabou-se, nunca mais. Desisto, vou esperar que ela se abra. Aquela guerra nem
era minha.
A 14 de agosto 1975, uma mensagem
“urgente e confidencial” do Alto - Comissário (interino) informa Lisboa de que
foram dadas instruções sobre medidas de segurança ao consulado do Zaire por
causa das informações públicas de que grandes quantidades de armamento estavam sendo fornecidas à FNLA, provindo de Kinshasa, capital do Congo ou Zaire.
Foram
tempos duros, ganhava-se bom dinheiro mas eram tempos duros, e essa história de
sermos só conselheiros era mesmo só história, era e é. E se os outros nos vencessem
? Se os deixássemos vencer ? Mandavam-nos para casa ou seríamos encostados ao
mesmo muro que os demais ? Não os podíamos deixar ganhar, desse por onde desse.
Além de que os pretos por esse tempo não valiam nada, chegavam tão depressa quão partiam, e não aprendiam nada, não sabiam nada, nem ficavam tempo suficiente para isso, eram um perigo até para eles mesmos. O que lhes valia era serem muitos, caíam
uns apareciam logo outros, isso e os cubanos. Também lá ganharam bom
dinheirinho esses com a história do internacionalismo libertário ou proletário.
Pois. Até com os cardumes de peixe no mar acabaram.
No dia 21 de agosto 75 temendo o
alastrar da influência comunista na zona e abrindo uma segunda frente a fim de
enfraquecer o MPLA e deste modo ajudar a UNITA, as tropas sul-africanas
desencadearam um ataque à cidade de Pereira D’Eça (actual Ondjiva), com focagem
especial nos aquartelamentos militares do MPLA e cubanos. Na operação
participaram helicópteros de combate excepcionalmente preparados, carros todo o
terreno blindados e cerca de 600 homens brancos, incluindo alguns portugueses e
negros. As forças do MPLA na altura controlavam essas áreas do sul de Angola e
do deserto da Namíbia. O inimigo iniciou um ataque geral com a destruição das
instalações e equipamentos da nação, referia a transmissão militar angolana
captada pelos sul-africanos.
Não faço
a mínima ideia do que quererá desta vez a bela Cecile, quer dizer não imagino,
mas o que quer que seja que ela queira desconfio já estar arrumado para isso,
velho para isso, aposentado digamos. O problema é que esta gente nova não sabe
nada de nada, nem dar dois tiros, quanto mais ensinar o que quer que seja, mas
é que não sabem mesmo nada de nada, nem desarmar uma mina se fosse necessário.
Coitado do Miranda, por causa de uma antipessoal de fragmentação é que ele se
foi. Eram difíceis de detectar e mais difíceis ainda de desarmar aquelas. Foi a sorte grande para a viúva, mas os
pretos demoraram mais de dez anos a cumprir o contrato. Pretos. Vão
desestabilizar aquela merda toda outra vez. Aposto que vão, eu não me chame
Humberto.
Em 1977, a África do Sul mudou a
estratégia de defensiva para ofensiva, tentando caçar a SWAPO em Angola,
movimento de libertação da Namíbia e que tinha apoio angolano, país com quem
concertava posições e para onde se retirava para retemperar forças levando a
mais um passo na escalada da guerra. Os Sul-africanos tinham percebido que não
era possível proteger toda a sua fronteira contra a infiltração da SWAPO e que
as tropas eram insuficientes. Desfeririam obedecendo à nova estratégia ataques
preventivos contra as bases da SWAPO sendo a sua atenção concentrada nos
resultados comparados do custo-benefício efectivo das operações lançadas. A
Força Aérea Sul Africana deu muitas vezes cobertura aérea a estas operações de
contra guerrilha. A sua intensidade aumentou em 1981 durante a operação Protea.
A SWAPO foi varrida como ameaça séria entre 1983 a 1984, contudo e apesar da
resistência dos sul-africanos viria a conseguir os seus objectivos e como
partido político governa a jovem nação desde essa data, 1990.