quinta-feira, 16 de junho de 2016

352 - SENO, COSSENO, TANGENTE, BISSECTRIZ

             Foto do meu amigo César Almeida, Torre Mirante de Geraldo Sem Pavor

Os nossos caminhos estavam traçados. Por isso ainda antes de nos conhecermos uma bissectriz marcou-nos a sina. Soubemo-lo somente muitos, muitos anos depois, todavia tudo aponta para a hipótese dos nossos destinos terem sido marcados nesse dia e tocados à tangente, pelo que calculo terem os astros traçado nos céus órbitas e revoluções de raio envolvente, girando tresloucados em torno de um eixo imaginado que nos arrastou a ambos num turbilhão cujo perímetro, de diâmetro ajustadíssimo, fora desenhado singularmente para nós por uma revolução candente no cosmos infinito. Atesta-o o produto final e algoritmo extraído de senos, cossenos, catetos e hipotenusas deste teorema que unidos levamos de rompante e vivenciamos.

Dois anos depois desse breve e incógnito encontro, dessa Secante cuja Corda esticaríamos até ao limite, um fantástico e vero choque de Titans e para estas duas alminhas a amplitude duma epifania, a vida alterou-se-nos com a brusquidão que somente um Buraco Negro pode forçar. De um ângulo obtuso passámos a recto, depois agudo, agudíssimo, um ângulo notável apesar de tudo e das circunstâncias, lançando-nos vogando ao sabor do acaso no céu estrelado e nesta Láctea galáxia, fundindo numa duas vidas próprias, doravante integradas num sistema ponderado pela mediatriz a que apesar das fugas, dos trejeitos, dos sólidos rombos e dos rectângulos equiláteros nos submetemos com amor.

Não lembro já que fazia eu no Castelo de Geraldo Sem Pavor naquele dia de martírio do Senhor, lembro que descia as apertadas e helicoidais escadas em diagonal, enquanto ela, em passo compassado de compasso, era uma das estrelas duma miríade de escoteiros, lembro-a tal como se hoje fosse, não exclusivamente a ela, antes toda a constelação, o Chefe de Quinas, o Piteira, vermelho então, vermelho inda hoje e que alvoroçados essas escadas subiam enfileirados e apressados. Ela tocou em mim, ombro no ombro, cotovelo no cotovelo. Por isso a lembrei sempre afincada e vagamente como uma Anã Vermelha pois assim a vi desde o primeiro momento, como Próxima Centauri, cujo fulgor se incendeia há mil milhões de anos, ao passo que eu, lembro e relembro, confiro e reafirmo esse encontro de Cometas cuja áurea ou halo haveria de partilhar e de onde nasceria este improvável par de Quarks Top, sim, porque destinados a casar, como realmente casámos e a ser felizes como todos os amantes são se da nossa dimensão fizermos fé.

É portanto a união destes dois Quasares, a quem o alinhamento dos astros nas suas trajectórias elípticas favoreceram e abençoaram que quero celebrar hoje, dois Quasares unidos numa Super Nova cuja duração e brilho desde o início geraram. Afirmo-o agora com legitimidade, livre de suspeitas e de infundadas dúvidas. Tal como Copérnico, Giordano Bruno, Galileu, Kepler, Newton, Einstein e tantos outros haviam de profetizar, as leis do universo são para serem cumpridas e se cumpriram, são universais e nós, pó das estrelas, duas vidas que se cumprem e testemunham o que lendo estais.

Louvado seja o Senhor.

fotos minhas :(



                       
             
       



terça-feira, 14 de junho de 2016

351 - SONHO ENEVOADO ........................................


SONHO ENEVOADO

Pois foi, sonhei contigo
foi quase um sonho molhado
entre risadas, lavava-te o umbigo
tê-lo-ia lavado, não tivesse ele acabado.

Ele o sonho, não o umbigo
como só num sonho acontece, ubíquo...
avançava rindo, destravado
no fim forçado, parado, como um veiculo.

Brincávamos ensaboados
tu bem disposta, e bem roliça
formas redondas, lugares sagrados
eu p’ro alarve, pela derriça…

Precisamente porque parou
tu, ou eu; agora não, não não, não pares
foi aquele não pares, que me acordou
pois, pára de me acordares...

Humberto Ventura Palma Baião - Évora, 14 de Junho de 2016


quinta-feira, 9 de junho de 2016

350 - UNIVERSIDADE DE ÉVORA, UM FIASCO ...


Para ser prosaico o que me levara ali fora a nostalgia, a nostalgia e a Cândida, cuja candura teimava apostar em nos reunir a todos num almoço comemorativo dos trinta anos de curso. Já o Adriano manifestara idêntica ideia. Ela sonhava delirando com os comensais, os sorrisos, as piadas, e com as famílias no entretanto formadas e as alargadas, acompanhando-me com um ar ora exaltado ora meditativo que aos olhos de quem a observasse a pintava de tolinha. De parva não tinha nada, mas parecia.

 

O primeiro revés surgiu mal nos aproximámos da entrada, uma informal tabuleta convidava o visitante a desembolsar três euros se quisesse desfrutar da beleza do lugar, um dispositivo electrónico zelava pelo cumprimento da norma e não permitia a abertura das portas a menos que…

 

- Não acredito ! Desabafou com pouca ou nenhuma candura a Cândida.

 

Confesso que há uns tempos atrás ouvira na mesa do café um zumzum, mas como nem os jornais da terrinha nem quem quer que fosse tivesse voltado a mencionar a coisa o assunto acabara por ser esquecido.

 

Depois de breves trocas de impressões com um funcionário e algumas professoras e professores que ou entravam ou saiam a Cândida, puxando do seu vernáculo desabafaria:

 

- Se ao menos se limitassem a codilhar os de fora, mas não, nem os da terra se safam, nem os da terra nem os antigos alunos, uma vergonha, fosca-se !

 

Estive tentado a concordar com ela, porém tentando simultaneamente junto dos interlocutores que se iam juntando ao debate no incerto equilíbrio entre entradas e saídas averiguar de quem partira a decisão, como fora votada a questão. E que teriam adiantado em prol ou contra o Senado e a Associação Académica ?

 

Debalde, de positivo ninguém sabia nada de nada e todos me deixaram de balde na mão, de balde e de esfregona, e freando a minha enormíssima revolta e contestação que ao longo de duas semanas esperei me abandonassem para não escrever este texto debaixo do efeito do sangue na guelra que é como quem diz a sangue quente. Eu não sou a Cândida mas também não sou cândido.

 

Dei-me tempo para arrefecer, para pensar, para ponderar, dei tempo ao tempo para que o bom senso retomasse a mim de novo, pelo que agora calmo, reitero a opinião que então formulara. A liberdade de isenção de taxa de entrada deveria abranger todos, eborenses e não só, ex-alunos e não só, porque se os eborenses e os nacionais já pagam tudo enquanto contribuintes e através dos impostos que entregam à Fazenda, não é justo que um particular pagamento lhes seja exigido para visitarem o que afinal é deles, a eles pertencem e eles pagam ou mantêm.

 

Do ponto de vista meramente fiscal tratar-se-á no mínimo de dupla tributação, com a desvantagem de discriminar quem cheio de boas intenções se lembre de visitar tão vetusto lugar.

 

Sim, esta semana cheio de nostalgia fui visitar a minha UE, a nossa UE, não pude entrar, não levava trocos, exigiram-me pagamento à entrada... Ali não há direitos adquiridos... Há tristeza. E há falta de vergonha. Ainda aleguei ser minha, ser eu que a pago, que pago tudo... Foram insensíveis.

 


É muito difícil ao comum dos mortais avaliar em consciência ou com alguma exactidão esse tipo de impacto, desde logo porque a própria academia propositadamente se fecha sobre si mesma, o que já é um mau sinal, um mau indicativo ou mau sintoma Diz-se, deduz-se, intui-se, supõe-se que a academia terá algum impacto sobre a região, e certamente terá, qual a sua dimensão ou qualidade é segredo que ela esconde como coisa que a envergonhe.

 

Através dos seus sábios pouco ou nada se sabe, nem tão pouco o que pensam sobre a civitas que os acolhe, donde, à mesa do café extrapolámos o seguinte pensamento; “não vivem para a civitas, vivem da civitas”, tendo sido deduzido entre nós ser o seu impacto real muito inferior ao que o vulgo lhe atribui, o que, e ninguém o negou, constituía para todos uma vera preocupação.

 

Que produzirão de positivo tantos departamentos e tanta gente que os contribuintes sustentam ? É que na ausência de informação cabal e insuspeita quaisquer teorias da conspiração nos acodem ao espírito, a percepção que a população em geral tem da U.E. e do trabalho que esta desenvolve, e quem diz desta diz dos seus sábios. população para quem a vida está cada vez mais difícil e que, ao olhar as estatísticas que jornais e televisões diariamente apresentam nada mais vê do que Portugal consecutivamente no fim de qualquer tabela, e a descer, e atrás dele, ou nele, o Alentejo como região mais pobre no seio da pobreza.

 

Há pouquíssimo tempo num texto educadíssimo um docente da Universidade de Évora, Dr. Carlos Cupeto de seu nome e em crónica cujo link vos deixo no fim da página abjurava o distanciamento existente entra a faculdade e a cidade, ora pelos vistos a faculdade cultiva com primor esse distanciamento, cultiva-o, alimenta-o e promove-o, a cidade paga-lhe pela mesma medida ignorando-a com acrimónia.

 

Tenho aqui acusado a instituição universitária de se fechar excessiva, se não maliciosamente sobre si mesma, volto à carga, se é de falta de verbas que a UE carece carregue sobre o ministro da tutela e exija mais, ou, faça render o peixe e busque rendimentos no fruto do trabalho dos seus sábios, no fruto do trabalho que produzirão tantas escolas de excelência, tantas escolas do saber que em si própria alberga ainda que eu não esteja a ver nem como nem quando nem quem seja capaz de atingir tal desiderato.

 

É vergonhoso que a faculdade seja incapaz de gerar por si mesma os recursos de que carece para resolver os seus problemas taxando com uns míseros três euros os desgraçados que a procuram e consideram, tão lesta é a consumir os recursos do Orçamento de Estado cada vez mais e vitalmente sempre necessários noutras áreas das nossas vidas.

É igualmente incompreensível que nenhum órgão de comunicação social local ou regional, a Região de Turismo e até a autarquia não tenham então, nem nunca, trazido o assunto à berlinda ou não tenham tido sequer uma palavra a dizer quanto à estratégia turística local, regional ou nacional, deixando nas mãos de académicos o perigoso perigo, desculpai-me a redundância, de tomar decisões sobre matérias que não entendem nem dominam mas com efeito sobre as vidas de todos nós. Como dizia o venerável estadista Georges Clemenceau “a guerra é uma coisa demasiada grave para ser confiada aos militares” eu direi que esta é uma questão, como muitas outras, demasiado séria para ser deixada nas mãos de académicos.

Que se dediquem às ciências, às artes, às filosofias, às línguas, á história, às letras, matérias onde pontificarão sabiamente, sem porém lograrem obter benefícios ou rendimentos que não os que mensalmente levam para casa à custa de todos nós.

O Turismo é para ser fruído por todos, a vinda de turistas a Portugal ou a Évora não é feita para providenciar rendas à Universidade ou para esta se aboletar à custa deles, o turismo é pensado, promovido, gerido e acolhido a pensar em centenas de negócios e milhares de portugueses a quem dá emprego, negócios e empregos que a avidez cega da nossa improdutiva universidade assusta e enxota como quem espanta corvos do quintal ou da seara os pardais.

 

Na universidade ninguém de entre os nossos sábios parece querer ser incomodado na pacatez mesquinha da sua vidinha e esquecem-se que tudo devem à cidade, à população que ignoram e hostilizam, desde o edifício onde estão belamente instalados, ao orçamento anual que os alimenta.        

 

Observando os números sérios que estatísticas e estudos ou sondagens várias nos proporcionam, forçoso se torna concluir que a academia não tem tido impacto nenhum no desenvolvimento da região pelo que me pergunto muito legitimamente quantas patentes a U.E. registou nos últimos trinta ou quarenta anos, a quantas empresas se ligou, quantas formou de raiz, e quantas vezes a U.E. fez ouvir a sua voz aconselhando, corrigindo, reclamando ou sugerindo uma estratégia de curto ou longo prazo para a região em que se insere e que cada vez mais ocupa o fundo da tabela, de todas as tabelas. 

 

Pois que com tantos sábios façam alguma coisinha de original, comecem por acabar com a vergonhosa cobrança de entradas, só para compararmos a Alemanha tornou gratuita a frequência de todas as Universidades do país porque lá as universidades rendem, isto é cobram o fruto do seu trabalho, pois que a UE as imite e continue, publique anual e publicamente o seu orçamento institucional para que todos saibamos quanto nos custa e quanto nos rende tanta sabedoria. Pela ordem de ideias que preside à UE os turistas teriam direito a cobrar a divulgação da imagem que lá fora fazem dela e da região, do país, imagem que traz cada vez mais deles até nós a julgar pelos números que têm vindo a ser divulgados nos mídia.

 

A pequenez do alcance e visão da universidade parece todavia mais apostada em matar a galinha dos ovos de ouro, matar a galinha, comê-la sozinha e atirar-nos os ossos, que é como quem diz ignorar-nos e ofender-nos.

 

É pena, é triste, é o nosso fado.

 







349 - É UMA LOJA MÁGICA, Maria Luísa Baião * ...

Pintura de Beatriz Lamas Oliveira

A minha resposta é; - Não sei. Não sei umas vezes, é-me difícil outras, aproveito por vezes restos de conversas, ou bocados das que escuto aqui e ali. Já o tenho confessado mais que uma vez, torna-se por vezes mais difícil em certas ocasiões arranjar tema para uma crónica que decidir que fazer para o almoço ou jantar do dia. Outras saem de jorro, a imaginação correndo apressada à frente da esferográfica, eu fazendo um esforço para não esquecer migalha. Crónicas há cuja inspiração me chegou em sonhos, que em sobressalto me acordaram e me sentaram à mesa, papel e lápis arrebanhados num ápice para não esquecer pitada.

A de hoje vai dedicada a um homem que não tem tempo para pensar, e me confessou o seu espanto pela minha semanal persistência e imaginação. Penso já lhe ter respondido com as palavras citadas, mas, nunca ele pensou, ter-me logo ali resolvido o problema desta semana, o tema ou mote para estas linhas.

Todas o conhecemos, vemo-lo a qualquer hora do dia, desdobrando-se em mirabolante ginástica por detrás do balcão da sua loja, loja recheada de toda uma panóplia de imprevistos e milagres, à volta dos quais a sua vida se vai desgastando. Enquanto pelos quatro cantos do planeta se apregoa o despertar do milénio, naquela loja as clientes parecem entrar em busca da redenção do mundo, e ainda que muitas vezes seja preciso esperar, é um tempo que se aproveita espiando o ir e vir das pessoas.

Não sei se aportou a Évora ou se sempre aqui viveu, sei isso sim que a sua presença transcende já o limite daquelas luxuriantes paredes, atapetadas que estão de toda a quinquilharia que possamos imaginar, mais parecendo soberbos expositores de topázios, esmeraldas, rubis e outras pérolas. Não me entendam mal, não estou a falar de pechisbeque, não estivesse aquele amontoado de milagres indizíveis esperando a sua vez de nos acudir, e que razão se encontraria para que a loja esteja sempre mais cheia que uma missa de meio dia ?

A evolução deste pequeno mundo que é Portugal parece não ser sentida ali, num quotidiano feito não sei quantas vezes de trivialidade, sem espavento, com a simplicidade e a autoridade de quem parece dirigir o destino. O senhor Coincas e a sua loja sobrevivem ao meu espanto, e na certa mais ainda às (aos) amantes das novas catedrais do consumo, os Hiper’s, há alguns anos instalados entre nós, e que parecem causar alguns aborrecimentos ao comércio tradicional.

Mas já que falamos de comércio tradicional, de que sou indefectível defensora, vale a pena recordar; onde ir comprar um nastro, um colchete, um jogo de botões, uma renda, uma peça para lençóis ou cortinados ? Imaginem, ou experimentem, procurar estas singelas necessidades nesses modernos templos sacudidos pelos áureos ventos do nosso novel modernismo saloio, os hiper’s, cujas relações se pautam pela extravagância, pelo impossível e às vezes, a maior parte delas registe-se, pelo desprezo completo pelo cliente, e, na melhor das hipóteses por uma arrogante insensibilidade.

Naquela loja as portas estão sempre abertas, sabemo-lo, para lá nos dirigimos imaginando tesouros que estão muito além da realidade. Mal entramos, de olhos ardentes perscrutamos a escuridão luminosa daquela “gruta”, onde o silêncio parece mais pesado e o tempo dilatar-se fazendo-nos esquecer as pressas. De imediato um cordial bom dia nos chega aos ouvidos, há sempre uma atenção especial para cada uma de nós, sem perder as outras de vista e de mesuras, parecendo sentir por todas um carinho especial, que sentimos vindo de uma figura angélica, intocada pela maldade. Cativa, porque cultiva um temperamento, uma sensibilidade que nos toca, que nos tolhe. Não me lembro de o ver como nunca andou, gravata frouxa, colarinho desabotoado. Por vezes pareceu-me ver uma aura nas suas mãos, enquanto a suavidade dos modos e a solenidade do trato me confortaram a alma, danada com os pecados da criação.

No entretanto o senhor Coincas flutua desafiando o balcão, multiplicando gestos e habilidades na procura do impossível, que, demorando embora mais algum tempo, também ali encontramos. Uma antiquada severidade para consigo próprio fá-lo parecer mais velho, mas na certa é um compromisso de amor para com o seu trabalho. O trabalho eleva o homem, é dos livros, mas não vale o esforço se não nos libertarmos da sua tirania, sob pena de nos enganarmos por despeito.

         Talvez tivesse esperado, sempre, que com os anos viesse a descobrir o veio que alimentasse um abundante filão. Não o imagino rico, mas que aquela loja tem magia, nisso acredito.

* Maria Luísa Baião, pub. no Diário do Sul, coluna Kota de Mulher – Março de 2002


quarta-feira, 8 de junho de 2016

348 - BOLA PRETA BOLA BRANCA .........................



Ainda nem dez e meia da manhã são e a coisa está agitadíssima na esplanada que habitamos. Antes de chegar já eu ouvia o ti ri ri da ambulância dos bombeiros, o que não adivinharia era que ela apontasse para o mesmo destino que eu. Piquei o ponto no momento em que debaixo de fortes convulsões o grande latagão do Luís Honório era carregado e, vendo a minha cara de surpreendido a Aurélia resmungou-me entre dentes com o queixo subtilmente apontado à Lénia:

- Braço partido aposto, ou partido ou estalado no cotovelo, o gajo é pesado como o caraças.

Deixei a poeira assentar, às tantas debrucei-me sobre o seu ombro:

- Ó Aurélia, o braço partido provoca convulsões ?  Desde quando ?

- Ai tu não sabes a história ? É que se não conheces a história não sabes da coisa metade… Acrescentou ela em ar de confidência.

No meio da consternação geral não quis estar a fazer perguntas, não eram nem o momento nem o local adequados a tal, pois a mesa estava cheia. Do Honório soubera ter por duas ou três vezes tentado o suicídio, felizmente tentativas goradas, sabia isso como aliás toda a gente sabia ter ele problemas no quartel, precisamente por isso, ou por causa de uma baixa médica que arrastava há três ou quatro anos, se não mais.

Sentei-me sossegado, o que havia para saber chegar-me-ia aos ouvidos, não valia a pena estar feito cuscas, isso era coisa para a Ermelinda e para o José Pereira, por mero acaso e felizmente ausentes, nesta mesa havia de tudo, desde gentes alheadas da realidade a quem a cavalgasse na onda e na hora, são gentes eclécticas, participativas, e  tanto os há que não comemoram o 25 de Abril ou o 1º de Maio como os há que aproveitam essas ocasiões para os excessos ou todas as que possam para festas de arromba, a Lénia, vim posteriormente a saber, estava neste último grupo.

Desde o 1º de Maio que ela não aparecia ao café, aliás nem em parte nenhuma, vieram depois a dizer-nos que arranjara qualquer complicação que a atirara para a cama. Por ela mesma e nessa manhã veio a saber-se de um qualquer distúrbio ligado à flora e fauna intestinais (o abuso de álcool costuma provocar estes efeitos esclareço eu), e lhe provocara febres altas e perturbações várias, ela própria contara à mesa:

- Esta coisa é terrível, para qualquer pessoa, levantei-me hoje pela primeira vez mas não me sinto a cem por cento, a mim tem-me dado desde náuseas a vómitos, tonturas, má visão, a diarreias ou fezes duras. Ultimamente até me acidificava a urina e depois provocava-me ardor na uretra... E nos intestinos, e no ânus. Ainda esta manhã muito eu sofri na casa de banho, uma vez mais a tentar, a tentar e não conseguia fazer... Uma hora de castigo e só consegui fazer uma bolinha verde escura muito dura imaginem.

- E trazia brinde ? Perguntara o Luís Honório inocentemente.

E foi esta a cena que eu por escassos cinco minutos perdi, a Lénia não achou piada à boca do Honório, sub-repticiamente chutara-lhe o pé da cadeira, o latagão caíra desamparado, ouviu-se o osso a partir embora o problema fosse a vermelhidão que o tomou e o espumar da boca, de modo que ninguém se atreveu a levantá-lo dali, a Lourdes Tripeira (não é do Porto mas tem uma língua de trapo) ligou de imediato ao 112 e este aos bombeiros, pelo que ainda a ambulância que viera ajudar não se perdera de vista na sua urgência e já a Esperança me sussurrava ao ouvido encostando-se sorrateira e maliciosamente a mim:

- A erva acabou com ele, desde os dezoito que tem epilepsia, nem sei como o aceitaram na GNR.

Mais uma que eu nem sabia nem sonhava, realmente não sei da missa nem metade, sorri para ela, atirei-lhe uma piscadela de olho dúplice, para que tivesse a certeza e consciência que eu a entendera e:

- Hás-de explicar-me isso melhor menina, quando puderes.

- Um dia com vagar explico-te, um dia que não haja gente a ver e a ouvir, não são assuntos para serem abordados em público.

Sorriu-me com uma perfídia que a minha insinuação jamais igualaria, e eu para ela:

- Bolinha branca, a bolinha branca é que dá direito prémio não é ? A branca ou a preta, já nem lembro bem.

E desatámos os dois rindo mas varrendo a mesa com o olhar não fosse alguém ter apanhado qualquer coisa no ar e pensar de nós o que Maomé não pensou nunca do toucinho.


Nem sempre o furo dá prémio, quem deve ter acertado na bola certa foram os novos administradores do hospital da minha terrinha, há ali de tudo, até quem não tenha competência p’ra ser admitido como marçano na mercearia dos Andorinhos. É triste que os lugares sejam rateados entre as pessoas ou forças que dominam a política citadina, aprova o meu que eu aprovarei o teu… como que vendo quem o tem maior. Cada um mija com o seu mas são os amigos quem faz o resto, afinal os amigos são para as ocasiões. Alguns sem saberem ler nem escrever… outros nem falar sabem, há ali de tudo e até quem pronuncie “há-dem” e quem em dez palavras diga meia dúzia de asneiras… mas têm os amigos certos… e que pensar dos portugueses que não têm amigos como estes senhores ? E dos que são obrigados a emigrar ? E dos que têm que vender a força de trabalho por tuta e meia ? E dos que nem ganham para comer ? Dos que nunca terão trabalho ? E dos que nunca jamais em tempo algum terão uma casa, um carro, nem uma família quanto mais  filhos. Para uns tudo para outros nada…. E mais que isto que vos conto felizmente eu nem sei… Bola branca lhes saiu a eles…

Antes o Salazarismo de má memória ou todos estes tipos encostados a um muro e fuzilados…. Ou guilhotinados na praça pública… Gostava de acreditar que foram criteriosamente seleccionados ao abrigo do procedimento concursal regulamentado pela portaria nº 83-a/2009, de 22 de Janeiro (Portaria nº 83A/2009, de 22 de Janeiro, alterada pela Portaria n.º 145A/2011, de 6 de Abril) mas mais facilmente sou tentado a apostar ter havido ali ou negociata ou  jigajoga, de que aliás o BE se viu arredado pois ainda é novo nestas coisas e anda entretido, ou o entretêm com utopias como  a dos Concelhos Livres de Armas Nucleares" ou mais hodiernamente com os “Concelhos Libertados das negociatas do TIPP” e das culturas da “Monsanto” como se eles, bloquistas, soubessem minimamente o que andam a fazer. Bola preta.

Não quero ser desmancha-prazeres, mas cheira-me que nas próximas eleições o Bloco vai provar o amargo gerado por todas as idiotices em que se envolveu e todo o bom senso que lhe faltou para ajudar a resolver os enormes problemas em que estamos atascados, e que em parte a ele, e ao tempo perdido com o acessório esquecendo o essencial, também podemos agradecer. Bola preta…

O novel BE nunca percebeu que os novos eleitores teriam que ser conseguidos entre os burgueses mas acomodados eleitores do PS, nunca percebeu que jamais será incapaz de beliscar o ortodoxo PCP, “um valor seguro”, bola branca para o PCP, os bloquistas jamais perceberão o título do livro de Jane Austem, “Sensibilidade e Bom Senso”, o seu eleitorado é composto sobretudo de grunhos facciosos que, também eles começaram há muito a construir a sua quintazinha, a sua capelinha, a sua facçãozinha, fechadinha, quentinha, protegida do diálogo com os demais, de altos muros que evitam o confronto de ideias e de ideais, que lhes asseguram o conforto das suas certezas, da sua infalibilidade, um conforto que lhe permite conquistar quem se deixar conquistar ou quem para ele caminhar voluntariamente mas incapaz de convencer os que contam, os que fazem número, quantidade, volume, densidade e massa critica que lhe permita sair de vez da sua pequenez. Bola preta para o Bloco portanto…