sábado, 17 de novembro de 2018

548 - ONTEM AMIGA TUA NO CAFÉ ....................




ONTEM AMIGA TUA

Aportou à minha mesa no café,
depositou docemente duas
não mais que três palavras de conforto,
entre elas o teu nome,
e foi quanto bastou para,
num soluço incontrolável,
se me ter desatado o pranto,
o que não me envergonhou por,
por seres tu quem ainda estou chorando,
todos os dias,
sempre.

Sem almejar estancar a dor,
meter travões ou solução no que,
quão menos espero me tenta e embaraça,
que enfrento com estoicismo,
qual heroísmo,
grato por te lembrar,
por me lembrares quanto perdi e,
jamais esquecer-te,
e perdoar-me, perdoar-te.

Só agora me arrependo
de me não ter arrependido antes,
nesses instantes,
de coisas mil,
bagatelas baratas,
pechisbeque sem importância,
tolices irredutíveis,
agora risíveis,.

É que só agora que não posso
o teu perdão busco, rogo,
e lembro arrependido a clemência que não tive.

Sobrava-me arrogância, parvoíce, tolice,
vaidade tosca,
por isso peço e concedo,
agora, tarde,
o perdão que não mereci,
perdoa.

Não te esqueço, nunca esquecerei,
duvido que alguma vez te esqueça meu amor.


by Humberto Baião – Évora, 15-11-2018, 16:36h

547 - RECORDO AINDA ESSA SURPRESA ........

   

RECORDO AINDA A SURPRESA

 

Recordo ainda a surpresa, o espanto,

o sobressalto,

a perturbação do instante, o medo,

no momento.

 

Miravas-me, medindo-me,

e nesse preciso e instantâneo espaço

impressionaram-me os teus olhos,

olhos de boi apontando a mim,

olhos de batráquio

medonhos, anfíbios,

enormes.

 

Sonhos nunca abandonados,

sonhos meus sonhos sonhados,

neles sonhado envolvido,

embrulhado com um laço,

banhado em morna placenta,

olhos grandes, lindos, ventre,

conforto, ternura, promessa.

 

Ai quanto adoro olhos piscando,

farol golfando sinais,

vitais,

por lagos, mares e oceanos,

onde me perco,

onde me perdi desde que os vi,

febril instante mágico,

um flash, um momento.

 

Há sempre primeira vez,

vez primeva,

hipnotismo magnético,

refeita a surpresa,

levantado, olhos esbugalhados,

olhei de novo  e,

esfregando-os,

 

Medusa

 

Eu petrificado, imobilizado,

enleado nos cabelos revoltos,

tropeçando em angelical rosto,

sonhando,

qual encantador de serpentes.

 

Fantasiando

 

Enfiando neles dedos pente,

acariciando-te a nuca,

beijando-te o pescoço,

roçando na tua a minha face,

deixando-me vogar,

perdendo-me.

 

Quão desejava eu perder-me em ti,

para assim finalmente me encontrar…



by Humberto Baião – Évora, 15-11-2018, 15:46h

terça-feira, 13 de novembro de 2018

546 - ANJINHO MAGENTA, FÚXIA, VIOLETA, ROXO, PÚRPURA, LILÁS OU FÚCSIA…


"bairro Magenta, Milão, Itália"
                                                        O SEXO DOS ANJOS

A que aspiras tu anjinho,
tu que deverias ter abandonado
os sonhos de menino,
e desta vida nunca andares alheado.

Alheado, acabrunhado, amargurado,
tu, que tão longe vês, alcanças,
com entrega e de ar apaixonado,
do universo, mistérios e mudanças.

Daria a vida espreitando-te as esperanças,
os sonhos, tudo quão acalentas,
pudera eu guardar essa lembrança,
repartir contigo essas imagens violentas.

Aligeirar-te a imaginação magenta,
da tristeza, da melancolia roubar-te o fardo,
romper-te a purpúrea placenta,
olhar-te, e ver em ti um felizardo.

Sacode mistérios cósmicos vivos em ti,
tu que chispas espiritualidades mil
olha só quanto contigo eu aprendi,
a inspiração metafisica, o azul do mar anil.

Pudesse eu as cores agarrar,
segurar em meus braços num abraço,
saber que poema acarinhar
sem o deixar cair com estardalhaço.

Soubesse eu como
beber da tua cor purificada,
sacudir este medo monocromo,
saciar minha alma tão cansada. 

                        by Humberto Ventura Palma Baião – Évora, 13-11-2018, 05:59h
Pintura de João Magalhães.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

545 - AMAR-TE COMO AMO O AZUL DO MAR ... *

Pintura de João Magalhães.

Tentei amá-la sempre mais e mais, por muito que ela me amasse a mim pois há vinte anos sabia que, mais dia menos dia este amor acabaria assim. Assim como um inesperado sobressalto apesar de há muito ser coisa sabida e, nem o saber isso me minguou o pesar ou diminuiu em mim a perda perdida, nem esta dor sentida e muda.

Dor que dói, dor que corta, me acelera o coração e, nele, fervendo como numa retorta, esta raiva enraivecida contra nem sei quem dirigida e me alimenta, sustem e projecta contra tudo e todos como boca de fornalha, essa coisa que me queima até a alma e não se cala, ruge, arranha-me e consome-me todo, tudo, as noites, os dias, o mais íntimo de mim e todos culpo, até a Ele porque mesmo quando menos o esperava te perdi.

Deambulo por aí perdido eu por ter-te perdido a ti, vogando erradamente entre o sul e o norte desta vida agora sem sentido e, o pica, comedido, temendo o raiar vermelho dos meus olhos, este olhar luciferino, diz-me a medo:

- Subiu na linha errada, vai em sentido contrário, irei ignorar a sua confusão, mas terá que mudar de comboio na próxima estação, lá chegaremos dentro de momentos.

E eu, confuso, confundido, viro e reviro entre os dedos este bilhete com que, fugindo, julgava achar-te quando me encontrasse e finalmente o destino se condoesse e nos juntasse.

Com a mão sobre os olhos desço no Porto mas busco-te em Portimão, perdido, encandeado, olhando mas não vendo, procurando, buscando e não encontrando, não te sabendo onde, se em Leça da Palmeira se em Vila do Conde, se em Albufeira, se em Quarteira ou na foz do Arade, o fogo avançando, este calor queimando seja noite, manhã ou tarde, protegendo os olhos, ardendo, sufocado por esta saudade que me dobra e consome, tudo em meu redor enegrecido, tudo é nada, tudo arde.

Perdido e esperançado salto enlouquecido de fornalha em fornalha e em todas elas palha, nada, zero, nem uma agulha entre as cinzas deste palheiro que agora sou, cheio, grande, atafulhado de alto a baixo duma raiva enfardada, atada, contida com o pranto que abafo, pelo grito que calo, mas que ameaça rebentar-me no peito, saltando em enxurrada todo este amor que inda te tenho, incêndio que combato sem sucesso e com o mesmo ímpeto com que o alimento porque te amo muito, porque te amei e amarei sempre.

Não me calarei enquanto amor e dor de mãos dadas me arrastarem, nem quando ao soluços me abafarem a voz com que te busco ou me caiam as lágrimas e teimem correr onde as não consinto e contudo atrevem-se, teimam, toldando-me o juízo, quebrando-me a visão, o caminho, o horizonte deste oceano em que vogo perdido desesperadamente agarrando-me a ti, tudo me parecendo real e sem sentido agora que, despido das cores que me vestias, navego empurrado por um vento gélido que me enregela os ossos, faz bater o dente, temer o devir e o presente.

Amo-te mais agora que te não encontro que terei amado alguma vez no passado, a que me agarro como náufrago esperançado numa ilha a que aportar, minado por miragens de embalar, levado pelo canto de sereias para esse mar em que te creio e onde, para te encontrar quero afogar-me, nele entrando de rompante, submergir, abraçar-te como dantes e, ali ficar terna e eternamente amando-te apesar da noite de breu que sobre nós se abateu.

Apertando-te egoisticamente contra mim, protegendo-te, defendendo-te dessa sina ameaçadora pairando sobre nós, nuvem escura, polvo, monstro em fuga ante o meu grito, aqui neste mar de tristeza mando eu, eu e tu meu amor a quem cegamente amo, e sabendo isto o mostrengo picou até ao fundo do mar para no momento seguinte se erguer voando à nossa volta, revoando três vezes, chiando revoou três vezes, três vezes à nossa roda rodou esse mostrengo rodopiando e dizendo:

- Quem sois que haveis ousado entrar nos meus domínios, nestas profundezas, quem sois que vos não desvendo, quem sois que vos amais no fundo do meu mar, do mar mais negro do mundo?

E abraçando-te com maior ardor, eu que ia no leme tremi e disse:

- Eu a quem o amor tira todo o medo !

E por três vezes do leme as mãos ergui, e três vezes ao leme as reprendi.

E disse no fim de tremer três vezes:

- Aqui ao leme sou mais do que eu, sou amor sem fim que quer o mar que é teu, e mais que tu mostrengo que minh’alma teme e que rodas nas trevas do fim do mundo, manda esta vontade que me ata ao leme, um amor sem fim, um amor sem fundo que quer o mar que é teu, e este amor que é meu e o maior do mundo. **


** NOTA: O final do texto foi adaptado do poema O MOSTRENGO de Fernando Pessoa. 

Pintura de João Magalhães.
** https://www.youtube.com/watch?v=qGI8MP0ipsc

domingo, 4 de novembro de 2018

544 - QUERIDA MARIA DE JESUS - by Luísa Baião*


Querida Maria De Jesus. Espero sinceramente que esta missiva a encontre de perfeita saúde, o que aliás torno extensível a toda a família.

Terá estranhado a minha demora, mas, para mim, toda a carta tem resposta (ou deveria ter se a disponibilidade mo permitisse) e só a falta de tempo me impediu de dar notícias mais cedo.

Não serei eu a dar execução ao pedido que me colocou, mas no mesmo dia envidei esforços para que lhe seja dada satisfação. Confio que tal se concretize, e como alguma responsabilidade me cabe, não descurarei umas passagens por aí que me permitam ajuizar dos resultados.

Sei que aprecia poesia, mas a minha disposição hoje não é de molde a inspirações, espero que compreenda e me desculpe o facto. Infelizmente quer a disposição quer a disponibilidade me tolhem cada vez mais a vida própria que gostaria de ter, pelo que os momentos de inspiração tenderão a reflectir progressiva e acentuadamente este estado de espirito. Não amo menos por isso a poesia, olhe ! A propósito! Li há tempos um pequeno livro da Maria Teresa Horta, “Só de Amor “, da Quetzal, cuja leitura teria adorado partilhar consigo.

O tempo disponível some-se-me entre os dedos como areia em ampulheta, fico sem saber para onde virar-me, a vida pode ser dura. Chego a pensar por vezes como me deixei enredar nesta teia de compromissos, que nem me deixa uma oportunidade para dedicar a mim mesma algumas horas de ócio. Estou com pouco mais de quarenta anos e, quando pensava ter oportunidade para gozar um pouco a vida, eis que me caiu o mundo em cima, precisamente quando menos esperava, e lá se foram sonhos acumulados há tanto tanto tempo.

Que o seu homem não veja esta carta, pensar-me-á uma piegas ou que estou para aqui com lamúrias, haverá poucos que conheçam e compreendam as mulheres, o que até pode ser o caso, mas quando lembro que a maior parte só se preocupa em colocar os cotovelos de modo que não nos carregue...

Queria inteirar-me sobre as filosofias orientais e falta-me o tempo, conhecer os segredos do yoga, da meditação transcendental, e falta-me o tempo, debruçar-me sobre técnicas de relaxamento, e falta-me o tempo, praticar ginástica, ou aeróbica, ler mais, viajar, descansar, estar com amigas (os) e falta-me o tempo, não ter já motivos na vida para me preocupar quando me sobram tempo e preocupações, pensar em mim, conhecer o futuro... Mas não tenho tempo. Não tenho um minuto, uma pausa sequer, que me permita aliviar estes calores que já foram segredos fisiológicos, ou biológicos... Quem entende uma mulher na meia idade ?

Corro de um lado para o outro que nem uma formiguinha porque há contas a pagar ao fim do mês, clamo por alívio, e a única resposta que me deram foi uma nega, à reforma e ao descanso por que anseio. Fez-me bem a sua carta, chegou no momento certo, por uma vez as oportunidades com que o destino se tem entretido a brincar comigo viram as voltas trocadas, pode acreditar que ajudou a levantar-me a moral.

Por cá vou indo no cumprimento fiel do meu serviço cívico, dando o melhor de mim e esforçando-me sempre para que não me acusem de baixa produtividade como agora está tão em voga. Mas quando se me deparam tantos braços sem trabalho... E sem que eu possa fazer nada que inverta a situação, questiono-me, quando para tal me chega o tempo, como podemos querer um país rico e produtivo, se não cuidamos deste exército de desempregados e precários que aumenta a cada dia que passa.

Já vai longa esta carta, calhando só lhe leva preocupações, não é essa a intenção, fico aguardando tempo para desfrutarmos uma bica, até lá receba beijos e abraços desta amiga que muito a estima.

Com as devidas considerações à restante família.      

Maria Luísa Baião

Modigliani  -  “Mulher Nua”

* Publicado por Maria Luísa Baião‎ em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER, ‎em 18-11-2002.