quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

19 - DOMINGO..............................................................


Sim, aquele dia começou radiante, como se nas margens de um rio a beleza das cores, a frescura e fragrância dos dias felizes igualasse a cadencia deste coração cansado e enorme, a memória de outras cadencias, de outros dias felizes, deste mesmo ou doutros rios, as mesmas cores, não esfumadas mas intensas, fulgurantes, quase repetição dum inexorável e incansável ritual de celebração da vida, qual hino à existência, sublimação da vida que há em mim e me redime do pior que haja no meu intimo.

Começou, como sempre começa, como um sonho, em que estou na luz, diviso vagamente um vulto fugidio a que sinto o perfume e a quem, na harmonia de um gesto delicado tento segurar a serena e pressentida presença de que, primeiro apenas o sombreado, mas depois o perfil de um desejo com forma de sonho, cores claras, o mundo repentinamente todo luz, eu, sombra saindo da escuridão, o corpo tolhido, antecipando delírios e paixões, o olhar nascendo de novo destes mesmos sentidos, os mesmos rodopios e devaneios, o mesmo degelo da alma, o corpo bamboleando-se-me, a volúpia das palavras primeiro, o aroma das flores depois e,

quando nem em mim cria, já não sonho, deliro, que repentinamente te abraço, repentinamente te beijo, saboreio nos teus lábios champanhe, agora o delírio e a volúpia sim, mas dos sentidos, lascivos, ébrios, sedentos de boémia, e é noite, mergulho na sombra do astro, e já nem sei se arlequim se querubim, e o teu corpo que parece mexer-se, e nem sei se estes cabelos são meus se teus, afago-me, afago-te a pele morena, a silhueta, depois as tuas curvas e o pecado que tramo, e este sonho em escalada contínua, estas sombras que me cobrem, promessas figuradas que tingem meus olhos, e, perante mim, qual milagre, vagamente tomando forma uma mulher que amo, que começa de imediato a tornar-se carência, imagem debruada a luz mergulhando no esplendor da minha alma.

Parece que em ti tropecei, mas não, não mais a melancolia, a solidão, agora sei não querer habituar-me à tua ausência, tudo que sou também és, tudo que és também sou, agora sei, o mundo somos tu e eu, e mais ninguém, palpitas em mim, nem consigo dormir pois este sonho me leva a perder-me de mim, me persegue como silício vivo e eu, incapaz de fugir a meu fado, de alma sobressaltada e fogo alimentando os sentidos, com este lume em meu peito, imagino-te,

imagino carícias ingénuas, o coração batendo como batia, e eu fremente de desejo, já sem destino nem rota, fugindo ao presente, ansiando o futuro, os sentidos girando, e a abóbada celeste num carrossel, girando, girando, e eu que morreria se não te contasse este anseio, corações mais não são que cinzas e paixões, e vejo claramente na penumbra dos dias com luz, flâmulas e pendões multicores, um mar de rosas, e esta alegria imensa de todo o meu bem querer-te porque por agora a ponte que nos une é esta ausência, e

invento desejos, embriago-me com bacantes, acumulando coragem para conquistar o teu corpo, cobrir-te de abraços, de beijos, saciar estes olhos, vaga-lumes tilintando numa festa, nascida deste sonho, desta inquietude dando largas à loucura que me grita ter o nada que acabar-se, e, meu sangue, latino, pulsando nas veias dizendo-me não haver regras nem limites, só a verdade de mim, homem sincero, e pergunto-me, quando posso gritar tudo isto ?

Onde posso sorrir sem parecer louco ?
Onde gritar a verdade e rir de tudo e de todos ?
Onde e quando só nós ?

Pois agora sei, o mundo somos tu e eu, e mais ninguém ! 

18 - É ISTO QUE ME REVOLTA !!!


Nunca fui capaz de dizer amo-os.
Nunca fui capaz de dizer amo-as.
Amo-vos.
Tão simples, aparentemente tão simples.
Nunca fui capaz de o dizer no plural.
E devia tê-lo dito, tantas e tantas vezes, e não fui capaz.
E como se diz a homens e mulheres que ainda o não são que os amamos? Como o compreenderão eles se o dissermos?
Melhor que o calemos.
Os jornais o afirmam agora, que entre os anos de dois mil e três e dois mil e quatro já exerciam a profissão em unidades de saúde portuguesas, dois mil e oitocentos médicos e mil e quinhentos enfermeiros espanhóis. Actualmente esse número estabilizou numas escassas centenas abaixo. Nada, absolutamente nada tenho ou me move contra os espanhóis. Nada. Mas notícias destas, que ninguém contesta e ninguém abordou para além do seu valor factual, ou meramente informativo, escondem milhares de dramas, milhares de aspirações desfeitas, milhares de vidas por realizar. Hoje, perante notícias destas, tal como ontem, perante uma realidade que ainda continua, os portugueses, os mesmos portugueses com responsabilidades directas no assunto, e também os pais desses homens e mulheres que ainda o não eram ou não são, os professores, todos nós, continuamos contemporizando, e é isso que me revolta!
Quantos jovens cuja média final de curso, inferior a dezoito, por vezes dezassete virgula nove, não puderam cursar medicina devido ao estreito “númerus clausus” estabelecido nessa área?
Quantos jovens portugueses se não realizaram? Quantos se desviaram, tantas vezes sem sucesso, das suas aspirações? Quantos incapazes de sublimar aquela força íntima que teria feito deles talvez outros Egas Moniz? (quem era este? Era português e Ganhou o Prémio Nobel da Medicina no ano não sei quantos).
Quantos não seguiram outros estudos, ou se seguiram, neles falharam rotundamente por falta de vocação? Quantos hoje varrem ruas? Quantos hoje são “caixas” em supermercados? Quantos fazem turnos na AutoEuropa? Quantos portageiros na Vasco da Gama ou na 25 de Abril? Quantos emigraram?
Quantos rumaram a Badajoz e Salamanca, ou outras cidades espanholas, para cursar, com médias irrisórias, médias de gente normal, e não médias que só anormais alcançavam, (mas iguais ou superiores a dez!) o curso de medicina que aqui não lhes foi permitido?
Quantos jovens deixámos foder com a nossa permissividade?
Que futuro para um país que assim fode as aspirações dos seus jovens? Olhemo-nos, a crise é nossa, está em nós, um Serviço Nacional de Saúde que a Cuba de Fidel envergonha todos os dias, listas de espera a perder de vista, a medicina como a nova galinha dos ovos de ouro num país de miséria.
A crise somos nós.
E eu que nunca fui capaz de lhes dizer quanto os amava!
Eu que nunca fui capaz de lhes dizer amo-vos! E devia ter dito! Teria sido tão simples, contudo nunca fui capaz de o dizer, de o escrever em letras garrafais num qualquer jornal, e devia tê-lo feito.
Tantas e tantas vezes penso nisso agora, não ter sido capaz. Porque agora sei como se diz a homens e mulheres que ainda o não são que os amamos, lutando por eles!
Estando com eles! Ao lado deles! Por certo o compreenderão se o fizermos! Pior se o calarmos.
Hoje sei por que abandonei a carreira docente, porque fui incapaz de pactuar, mas calei, calei.
E esse gesto pesar-me-á na consciência a vida inteira. Nada poderei fazer que emende os resultados do meu silêncio, nem este tardio arrependimento, nem esta aparentemente vossa irredutível defesa.
Peçam responsabilidades e satisfações a quem nos ministérios, nos governos, na Ordem dos Médicos, essas entidades sinistras a quem competiria velar pelos nossos interesses, pelo nosso bem-estar, pelo nosso emprego, pelo nosso futuro.
No oeste selvagem, na velha América, naqueles países onde hoje a liberdade e os direitos dos cidadãos são coisa palpável e um bem seriamente defendido, no oeste selvagem dizia eu, por menos, por muito menos, penduravam pessoas nas árvores.
Meditem nestas minhas últimas palavras, procurem conhecer-lhes o alcance, talvez então me prodigalizem alguma razão, porque os nossos jornais e telejornais, esses, continuarão apenas informando, jamais lhes competirá de vez em quando irem questionando estes factos, isso era dantes, no tempo da outra senhora, feito com risco, feito entrelinhas, mas feito com coragem, sentido do dever, da ética profissional, com humanismo.
Tudo adjectivos de que hoje temos conhecimento pelas gramáticas, pelos dicionários e enciclopédias.
É triste.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

17 - QUIMERA .................................


Estou habituado a vê-la no ginásio.
Seria mais uma entre tantas, e teria passado mesmo completamente despercebida não fossem os gestos, parecendo estudados, parecendo exagerados, parecendo assépticos.
Calhou-lhe ficar mesmo à minha frente e uma tripla tentativa para colocar a toalha em sítio que nunca lembrara a ninguém.
Foi só então que a notei, os modos cerimoniosos, quase teatrais, o nojo em tocar c’os cabelos onde toda a gente toca, a repugnância em apalpar c’as mãos as pegas dos instrumentos tocadas por todos nós.
E imaginei-lhe a náusea sentida pelo suor dos outros, como suportaria ela respirar o mesmo ar ? 
Pisar o mesmo chão?
Normalmente não reparo nas mulheres cuja prática é simultânea com a minha, quer por serem tantas e a atenção se dispersar, quer por ser gente normal, fazendo como eu a sua manutenção, como eu cuidando da sua saúde e beleza.
Não haja facto invulgar e não será despertada a mínima curiosidade. 
Claro que não posso dizer o mesmo de uma cuequinha de cor impressionante ou impressionista estrategicamente deixada à vista precisamente para não lhe sermos indiferentes, (aqui as opiniões do meu grupo de ginastas dividem-se e ainda não chegámos a um consenso), ou de um corpinho divinal deixado mais destapado que tapado num mais que propositadamente escolhido fatinho de treino, ou de um fio dental que mais depressa nos lembra o hálito que possamos ter naquele momento do que estar para começar a Primavera.
São factos a que uma pessoa não consegue ficar alheia, tal a impressão que causam precisamente por pretenderem causá-la.
Não era o caso. 
Esta senhora, chamemos-lhe assim, agia motivada por um excesso de repúdio na partilha de um espaço que é de todos e cujo asseio jamais ocorrera a alguém colocar em causa. 
Havia ali uma nada aparente anormalidade.
São estes extremos que, no “cantinho do suor” põem a malta a falar, eu explico melhor, são estes casos de realce e dignos de nota que, no espaço predominantemente ocupado pelos aparelhos de musculação, num canto do ginásio, onde o pessoal, maioritariamente masculino, nas pausas a que o esforço da prática forçosamente obriga, são estes casos dizia, que debatemos à exaustão e por vezes com algum gáudio e sátira à mistura, debalde as minhas constantes tentativas para elevar a qualidade dos diálogos.
Improvisam-se anedotas sobre o tema ou a personagem em que se “casca”, e já aconteceu, por mais que uma vez, ter que os moderar com base na minha idade, musculatura e inerente autoridade, pois o riso não parava havendo quem se babasse alarve e copiosamente. 
Não podemos consentir tal, a nossa integridade posta em causa.
Mas aquela senhora, decididamente não sabia o que era um piolho, nunca teria apanhado uma pulga, muito menos uma carraça ou um chato e então um homem nem pensar ! 
Por certo nunca tivera as canelas arranhadas pelas unhacas de um macho menos atento a esses pormenores ! 
À volta dos quarenta anos, peitinho cheio e ainda firme e redondo, as ancas levemente descaídas, mas não por defeito, sim por feitio, só os pés de galinha emergindo dos cantos dos olhos e a flacidez das carnes pendendo ameaçadora dos braços lhe traíam a jovialidade aparente, ou simulada, há muito perdida e naquele momento vítima das apostas dos presentes.
Virgem, não virgem, tia não tia, alguém um destes dias confirmaria o lado ganhador.
Não sei se a dita senhora terá irmãos ou irmãs, sobrinhos ou sobrinhas, que ali estava uma verdadeira tia, concordei plenamente. 
Aquela senhora jamais cheirou homem, acordou ao lado de uma boca sabendo a pautas musicais e ressacada, segurou a testa de um amor ébrio, esparramado no chão e vomitando a casa de banho toda, incapaz de acertar na sanita, ou se engasgou atrapalhada com a aflição causada por um pentelho entalado na garganta, (para o que há remédio santo, qual… já vos ensino). 
Estávamos perante um “casus rarus” cuja observação dissimulada nunca mais será deixada ao acaso, pode até ser que de tão observada a senhora arranje marido, se é que o quer ou quis alguma vez, mas aquele corpinho tão bem desenhado e em acelerada queda merecia ser aproveitado enquanto vale a pena, ou enquanto é possível.
Não nutro contra as professoras qualquer preconceito, registem, o que ela me pareceu ser. 
Mãos e unhas extremamente cuidadas, uns modos afectados de quem nunca na vida buliu o que quer que fosse, uma boca denunciando imperceptíveis rugas provocadas por quem, qual peixe, a esteja sempre abrindo e fechando, portanto mais habituada a dar ordens e falar que a servir para outras coisas, como sugeriu o Adelino, mas toda a maralha sabe que ele é um porco desbocado. 
Aquela mulher já foi extraordinariamente bonita, e, além de ainda o ser, tem um corpinho e uma postura que o atestam e ainda não a deixam ficar mal. 
Recordo que nem o Euro 2008 congregou por aqueles dias tantas atenções naquele canto de ginásio onde o futuro era ontem !
Pratique exercícios físicos ! 
Que espera ?

(P.S. não esqueci o remédio santo; experimente meter na boca meio papo-seco, inteiro, mastigue-o mal e force-se a engoli-lo assim. Vai ver como leva tudo à frente, não há pentelho que resista ! )

Oh ! Por Deus ! 
Não tem nada que agradecer !






sábado, 12 de fevereiro de 2011

16 - AS AREIAS MOVEDIÇAS DA HISTÓRIA ........

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Com o advento do 25 de Abril e o desenvolvimento do processo revolucionário com ele iniciado, o PREC, os portugueses viraram-se sobretudo para o seu umbigo, tendo inclusive o desenrolar dos acordos de independência das colónias passado a factos passados, a passado. Inicialmente o acordo de Alvor, em Portimão 1975, e mais tarde, em 1991, o acordo de Bicesse, supervisionado pela ONU e regularizando o fim da guerra civil angolana e a partilha do poder entre o MPLA e a UNITA, nunca foram factos que nos tivessem intressado apesar de se revestirem da maior implicação para nós e nosso futuro. Entre outras deliberações este acordo estipulou a realização de eleições livres e democráticas em Angola supervisionadas pelas Nações Unidas e a integração das forças beligerantes dos diferentes partidos numas novas Forças Armadas Angolanas, cabendo ao Estado Português, através das suas próprias forças armadas, ministrar a formação necessária a este novo exército, para o que enviaria formadores e conselheiros militares.

Recuando aos tempos anteriores a Bicesse e a Maio de 1991, lembro o muito anterior acordo de Alvor, assinado em Janeiro de 1975 entre o MPLA, UNITA e FNLA e nunca cumprido, a independência de Angola por parte unilateral do MPLA foi assumida em Novembro desse ano e debaixo duma guerra civil iniciada ainda antes do acordo assinado. A independência viria nos dias seguintes e à vez a ser igualmente declarada por cada um desses movimentos. Calcula-se que essa guerra civil tenha sido culpada por quinhentas mil vítimas africanas, viria contudo e mau grado os esforços de Bicesse a terminar somente em 2002.

O acordo de Alvor viu portanto ultrapassado por parte dos angolanos o foco de interesse que Portugal nele depositava, doravante esse nosso falhanço garantiria que fossem quais fossem as condições e os modos de que a descolonização se revestisse ela era dada como certa muito antes de cumprida, porém tal desiderato colocou-a fora do nosso controle por muitas cláusulas que a acautelassem.

Foi assim que ao invés de, nesse momento termos caminhado para Angola, Moçambique, Guiné, Timor e para os restantes territórios em força, a fim de manter o nosso poder negocial e o controle da situação impondo as condições que mais nos interessassem e acautelassem as vidas e o património dos milhares de colonos portugueses e a continuidade da nossa presença, aliás do interesse de ambas as partes como se tem verificado, titubeámos, sem um poder definido engonhámos, ninguém mandava mas todos davam ordens que ficavam por cumprir. O inútil improviso e passa-culpas habitual.

Ao invés da imposição negocial pela força claudicámos, soçobrámos, com consequências desastrosas das quais a população portuguesa nunca teve uma consciência perfeita, tendo mesmo preferido voltar ou devotar comodamente as costas ao problema e continuado o seu PREC, maldizendo e malfadando os que por lá ficaram e os que retornaram, sendo caso para dizer que se não tivessem contado com os milhões de dólares americanos aqui despejados em seu auxilio e geridos pelo IARN, Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais, dificilmente estes teriam sido capazes de refazer as suas vidas, atendendo aos milhares aqui chegados unicamente com a roupa que traziam sobre o corpo.

Mas os reflexos das tímidas e incipientes negociações para a independência das colónias tiveram efeitos mais profundos, menos visíveis por mais longínquos mas indubitavelmente mais condicionantes e determinantes do modo como lhes virámos as costas, com o rabinho entre as pernas e caladinhos que nem ratinhos.

A eclosão do 25 de Abril ditara a estagnação do processo de recrutamento e mobilização, congelara idas e vindas dos batalhões que seriam ou iriam render os que terminavam as suas comissões nas províncias ultramarinas, tacitamente fora ditado um cessar fogo nos cenários de guerra, ninguém a desejava e todos deixaram cair os braços crentes nessas expectativas e os nossos militares circunscrevem-se por iniciativa própria aos aquartelamentos enquanto os guerrilheiros saem das matas a que durante anos tinham sido confinados, confluindo para as cidades, iniciando aí a luta de ascensão pelo poder entre movimentos e dentro de cada movimento, luta que a independência dada sem imposições de força deixara sempre adivinhar ou antever.    

A luta transferia-se gradualmente do mato para as cidades ante o olhar impávido dos nossos militares, maniatados e vendo-a recrudescer, e nem aos nossos compatriotas podendo acudir dado o clima de guerra civil instalado e crescente, mas também por à luz dos acordos e tréguas não lhes serem permitidas ingerências nem sequer disporem de força para as apoiarem ou garantirem caso propositada ou inadvertidamente dela tivessem tentado fazer uso.

Ora esse clima de guerra civil veio precisamente a descambar nisso, numa guerra civil horrorosa e fratricida à qual os portugueses na metrópole fecharam uma vez mais comodamente os olhos e viraram as costas, preocupados e entretidos que andavam com o cerco à Assembleia Constituinte, que teve lugar a uma Quarta-feira, dia 12 de Novembro de 1975, casualmente ou não o dia seguinte àquele em que oficialmente se processou a independência de Angola, preocupados com as conquistas de Abril, com a implantação das suas conquistas, com os direitos a restabelecer e a adquirir, julgando erradamente que o mundo se resumia a este cantinho à beira-mar plantado.  

Como estávamos enganados, o cerne do problema nem era Angola ou Moçambique as duas colónias ou províncias ultramarinas mais significativas, aliás a terminologia utilizada, mais para consumo interno do tuga que outra coisa, assim o ditava. Para nós eram províncias ultramarinas, longínquas certamente, mas parte do território nacional e dele inseparáveis. Salazar herdara o país assim e do mesmo modo pensava entrega-lo na hora de passar o testemunho, tratava-se dum património geográfico mas era também um património histórico. Já para o estrangeiro ou para a ONU tratava-se de territórios sob nossa administração e responsabilidade era certo, mas territórios colonizados e que a exemplo do resto do mundo deveríamos entregar, devolver, conceder a independência, a autonomia. Para a ONU tratar-se-ia dum problema interno, razão pela qual nunca admitiu o seu tratamento ou abordagem como se de uma guerra se tratasse ou anuísse enviar para esses cenários os seus capacetes azuis.

O termo, a palavra guerra era utilizada somente entre nós e para consumo interno, guerra era coisa que o exterior nunca admitiu, quando muito admitiu estarmos a braços com uma guerra de guerrilha derivada da nossa relutância em conceder a essas colónias a independência a que tinham, direito. Nada mais claro, nenhum país nos declarara guerra nem nós a qualquer um deles, africano ou não, porém, se durante anos, todos os países, com a ONU à frente condescenderam com Salazar tal deveu-se exclusivamente ao clima de guerra fria em que o mundo vivia e ao facto da presença portuguesa em África ser vista como a do bombeiro de serviço.

Ao nosso país foram dadas condições e armamento, dado, vendido ou trocado, unicamente com o fito de mantermos o status quo, isto é conter a “guerra”, a guerrilha, não permitindo que a África austral, ou África meridional se incendiasse, não esqueçamos o Zaire ou Congo, a Zâmbia, o Zimbaué, antiga Rodésia, mais a leste a Tanzânia, junção de "Tanganica" e "Zanzibar" dois estados que se uniram em 1964. São muitos estados e muitas lutas p’la independência, a que devemos juntar uma incipiente e tímida luta de autonomia travada na Namíbia, solo sob domínio da África do Sul, país que não desejava de modo nenhum que esse incêndio deflagrasse. Podemos com algum acerto dizer que Angola estava bafejada, ou melhor ameaçada por um anel de fogo, era um barril de pólvora que podia rebentar a qualquer momento.

Este cenário de revoluções permanentes e de combates diários, este anel de fogo encravado entre Angola, Moçambique e a África do Sul, por causa do qual se fizeram e desfizeram algumas aparentemente inverosímeis alianças *, parecendo flutuarem ao sabor dos interesses do momento pois se faziam num dia e desfaziam no outro para se recomporem no terceiro, estas forças vivas ou ocultas de guerras e as batalhas que assolaram a África a sul do equador, nas quais os portugueses tiveram participação activa forçada ou voluntariamente mas nas quais se deixaram envolver, desenharam um dos períodos mais negros e mais ignorados da nossa história, história remota a que os portugueses cómoda e mentalmente puseram termo em 25 de Abril de 74.


Porém somente nas suas cabecinhas a história parara, por trás dos panos montados os portugueses e a história continuaram de mãos dadas, ou atadas, é esse lado negro e tão invisível quão inverosímil da nossa história pós independência que em parte vos desejo contar, vos desejo dar conta, acautelando que também esta visão é parcial e redutora, é a minha e como poderão facilmente calcular ou inferir, não tenho o dom da ubiquidade. Contudo creio firmemente muito poder contribuir com um testemunho para o esclarecimento e clareza do muito que se passou em África por nossa causa, inda que depois de “nós”. (continua).

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

POR QUE SOU MOTARD, BECAUSE I'M A BIKER ..



15 - BECAUSE I'M A BIKER

( ATTENTION ! TRANSLATED IN ENGLISH AT THE END OF THE PAGE )

15 - PORQUE SOU MOTARD


Passará mais uma quadra estival, e, como habitualmente as estatísticas das operações de segurança na estrada não serão animadoras nem encorajadoras.

Continuaremos morrendo alegremente nas estradas, ainda que não perceba qual a nossa mórbida preferência pelo Verão, Natal ou Ano Novo. Por mim o período que atravessamos será não só o mais agradável como correcto, pois por enquanto quer as forças de segurança quer os bombeiros, não têm ainda que se haver com a praga dos fogos.

Gostos não se discutem, o que vale a pena discutir são os “cavalos” e os “air bags” das nossas máquinas, cada vez mais potentes e seguras, pois não queremos, na estrada, ser ultrapassados por qualquer artola, ou morrer ao volante de um veículo infame, mais para burro que para Ferrari, o que em nada dignificaria uma morte tão digna como a que todos certamente ambicionamos.

Para nós, pelo menos nesse momento, só o melhor.

Mas o tempo não está para paleio macabro, vou mas é aproveitar estes dias de sol e dar um passeio.

Tenho já saudades da sensação que a adrenalina provoca em mim, e não são os cigarros nem o atravessar das passadeiras que me fazem vibrar.

Tiro a mota da garagem, acciono o start e deixo-a ronronar enquanto o motor aquece.

Parece-me bela ainda, tal como no dia em que, apaixonado, a fui buscar ao stand. Há algo de subtil nas suas linhas, e não é somente o seu aerodinamismo que me cativa, antes a silhueta.

Experimentem observá-la do posto de pilotagem, tem algo de feminino que não sei explicar, as medidas são as de uma modelo de topo, género 86 – 45 – 86, não brinco, o depósito, largo e bojudo lembrando um peito generoso, esconde um motor potentíssimo, alma que a anima, que me anima, o banco ou selim, estreito e escorreito, para que me possa cingir bem nela como quem abraça uma mulher pela cintura, a traseira de ancas largas, albergando um pneu de medidas soberbas e base de muita tracção e segurança neste tipo de veículo.

Fato desportivo vestido, ajusto o capacete e parto sem destino.

Como é diferente de um carro, um carro é um sofá com rodas, bem pensado esteve aquele anúncio na TV que assim os retratou, efectivamente nunca um carro me seduziu, nem o porte nem a velocidade. Sou aliás condutor cauteloso, respeitador, cortês, nunca buzino nem faço gestos menos próprios a quem quer que seja, e lembro-me que atrás de uma bola vem sempre uma criança, respeito religiosamente o código e os limites de velocidade, sou mesmo um condutor exemplar.

Mas como é diferente a mota, como todo eu fico diferente, há quem vá para o rio pescar, ou quem vá ao futebol, ao cinema, ou beber uns copos para libertar o stress da semana.

Gosto de andar de mota, sem destino tantas vezes, sentir o vento, a velocidade, a vertigem.

Instintivamente busco as estradas largas, bom asfalto, algumas curvas, 120 em segunda, 180 em terceira, 220 em quarta, 280 em quinta, 300 em sexta, tenho mais motor que estrada, mais velocidade que o necessário, a 180 rolo pacatamente em velocidade de cruzeiro, a mota ainda parecendo parada.

Tudo que seja menos de 200 quilómetros/hora não dá para aquecer, só a partir dos 220 a estrada se altera, fica mais estreita, afunilada, como quem olha até a vista a perder, uma linha de caminho de ferro.

É aí que está o paraíso, é a partir daí que as sensações valem a pena, é a partir daí que a adrenalina entra em ebulição, é aí o limite mínimo das sensações que se procuram, é nessa faixa estreita entre os 230 e os 300, que o milagre acontece.

Que o expliquem psicólogos e psiquiatras, que o perceba a Prevenção Rodoviária, que o entenda quem saiba ou for capaz, eu não sei, não compreendo, não entendo, que torna o homem-máquina um monstro ? o risco ? a vertigem ? o desafio ? a inconsciência ?.

Mas se eu até sou um cidadão exemplar !

Acelero quanto posso, curvo perigosamente nos limites, travar a estas velocidades é erro crasso, o joelho quase a raspar o chão, abro a perna dobrada para o lado em que curvo, é um freio aerodinâmico precioso, o corpo tombado sobre a mota equilibra as forças em presença e contraria a força centrifuga, o tronco deitado sobre o depósito diminui a resistência ao vento e baixa o centro de gravidade, os sentidos alerta, os olhos, como um radar, perscrutam a estrada muitos metros adiante observando minuciosamente tudo, os reflexos apurados antecipando tudo.

Homem e máquina são um só, nem uma mulher consegue tal simbiose, nem prolonga no tempo e no espaço tal comunhão.

É uma sensação medonha, avassaladora, viciosa, viciante, a dependência é total.

Porque somente o tabaco, o álcool, as drogas, são socialmente condenados? quem acode ao monstro que vive em mim ? em nós ?.

Nem eu nem tantos outros nos lembrámos ainda de ir escrevendo o epitáfio, mas seria bom que não fossemos apanhados desprevenidos, como tantas vezes acontece na estrada, apesar de cautelosamente anteciparmos tudo.

                    



    One more summer season will pass, and as usual the statistics of road safety operations will be neither encouraging nor encouraging.

    We will continue to die happily on the roads, even if you don't understand our morbid preference for Summer, Christmas or New Year's. For me, the period we are going through will be not only the most pleasant but also correct, because for the time being both the security forces and the firefighters do not have to deal with the plague of fires.

    Tastes are not disputed, what is worth discussing are the “horses” and the “air bags” of our machines, which are increasingly powerful and safe, as we do not want, on the road, to be overtaken by any toy, or to die behind the wheel. of an infamous vehicle, more for a donkey than a Ferrari, which would in no way dignify a death as dignified as the one we all certainly aspire to.

    For us, at least for the moment, only the best.

    But the weather is not for macabre talk, I'm going to enjoy these sunny days and go for a walk.

    I already miss the feeling that adrenaline causes in me, and it's not the cigarettes or crossing the treadmills that make me vibrate.

    I take the bike out of the garage, hit the start and let it purr while the engine warms up.

    She still looks beautiful to me, just like the day I, in love, went to pick her up at the stand.     There's something subtle about its lines, and it's not just its aerodynamics that captivates me, it's the silhouette.

    Try to observe it from the cockpit, there's something feminine that I can't explain, the measurements are those of a top model, gender 86 – 45 – 86, no kidding, the tank, wide and bulging reminding a generous chest, hides a very powerful engine, a soul that animates it, that encourages me, the seat or saddle, narrow and slender, so that I can gird myself well in it as if hugging a woman by the waist, the back of wide hips, housing a tire of superb measurements and basis of a lot of traction and safety in this type of vehicle.

    Sports suit on, I adjust my helmet and leave without a destination.

    As it is different from a car, a car is a sofa with wheels, well thought was that TV ad that portrayed them, in fact, never a car seduced me, neither the size nor the speed. I am, moreover, a cautious, respectful, courteous driver, I never honk or make gestures less appropriate to anyone, and I remember that a child always comes after a ball, I religiously respect the code and speed limits, I am really a driver exemplar.

    But as the motorcycle is different, as I am all different, there are those who go to the river to fish, or those who go to football, to the movies, or have a few drinks to release the stress of the week.

    I like to ride a motorcycle, with no destination so many times, feel the wind, the speed, the vertigo.

    Instinctively I look for wide roads, good asphalt, some curves, 120 in second, 180 in third, 220 in fourth, 280 in fifth, 300 in sixth, I have more engine than road, more speed than necessary, at 180 I roll peacefully in speed cruising, the bike still seems to be stopped.

    Anything less than 200 kilometers an hour cannot heat up, only after 220 does the road change, it gets narrower, funneled, as if looking at the sight to lose, a railway line.

    That's where paradise is, it's from there that the sensations are worth it, it's from there that the adrenaline comes to a boil, that's the minimum limit of the sensations you seek, it's in that narrow range between 230 and 300 , that the miracle happens.

    Let psychologists and psychiatrists explain it, let Road Safety understand it, let anyone who knows or is able to understand, I don't know, I don't understand, I don't understand, what makes the man-machine a monster? the risk ? the vertigo? the challenge ? unconsciousness?.

    But if I am even an exemplary citizen!

    I accelerate as much as I can, I corner dangerously at the limits, braking at these speeds is a blunder, my knee almost scrapes the ground, I open my bent leg to the side I bend, it's a precious aerodynamic brake, the body lying on the bike balances the forces in presence and counteracting the centrifugal force, the trunk lying on the tank reduces wind resistance and lowers the center of gravity, the senses alert, the eyes, like a radar, scan the road many meters ahead observing everything minutely, the reflections determined anticipating everything.

    Man and machine are one, neither a woman achieves such symbiosis, nor does she prolong such communion in time and space.

    It's a horrible, overwhelming, addictive, addictive feeling, the dependence is total.

    Why are only tobacco, alcohol and drugs socially condemned? who comes to the monster that lives in me? in we?.

    Neither I nor many others have yet thought of writing the epitaph, but it would be good if we were not caught off guard, as so often happens on the road, despite cautiously anticipating everything.