terça-feira, 13 de dezembro de 2016

405 - SINES – CAIA em segunda classe ida e volta sff


Reza a nossa história que, quando Dom João II subiu ao trono, cerca de 1481, se ter queixado de seu pai pois este só lhe deixara as estradas do reino, as estradas de Portugal. De um modo exagerado terá dito que praticamente todo o país estava nas mãos das classes nobres, de um modo actual diremos até as estradas estarem nas mãos de parcerias público-privadas, isto é nas mãos da pouco nobre banca. Dom João II tudo fez para tornar mais forte e incontestada a sua autoridade de rei, nós por cá aguentamos como muito bem profetizou há anos Fernando Ulrich.

Actualmente vai por aí grande alarido nos jornais em especial nos alentejanos, relatando a previsão do governo, não passa ainda de uma previsão mas o berreiro é tamanho que mais parece o anúncio da inauguração da obra, gritaria relacionada com a intenção, repito para os mais distraídos, a intenção de avançar com a construção da ligação ferroviária entre o porto de Sines e Caia na fronteira espanhola, perto de Elvas.

Segundo o ministro respectivo, que nem sei quem seja pois desabituei-me de perder tempo com eles; -“este projecto irá dar competitividade ao porto de Sines “. O que o ministro não diz, e os jornais não perguntam nem alardeiam nem esclarecem, é que o porto de Sines já não é nosso, aliás já pouca coisa o será, há muitos anos que um grande operador de contentores de Singapura, uma empresa de dimensão mundial tomou conta do dito cujo.

O itinerário deste percurso será, mais uma vez tiro as palavras da boca do ministro; -“de importância estratégica para Portugal, pois potencia o tráfego e blá blá blá rebéubéu pardais ao ninho” pois é ouvir todas as Tvs e as rádios ou ler os jornais que todos papagueiam a mesma ladainha e não vos vou massar ou maçar ou massacrar com a lengalenga do novo. * Nem sei até que ponto a teimosia na construção do contestadíssimo terminal de contentores do Barreiro tem que ver com a perda de Sines mas vou estar atento.

O que o ministro não disse, nem a comunicação social em geral, é que há alguns anos, quando da assinatura do contrato de concessão Portugal se comprometera a realizar essa ligação ferroviária dentro de um prazo curto, e definido, prazo esse que se fez velho e foi sucessiva e progressivamente adiado e ultrapassado. Contudo, todavia mas porém, os singapuros, cujos olhos estavam a ficar redondos de nada verem de promessas cumpridas, assentaram os pés na parede e prepararam-se para coice duro, que é como quem diz ameaçaram levar Portugal aos tribunais internacionais competentes e exigir deste exaurido país uma indemnização compensatória de perdas e danos na ordem dos triliões, o que finalmente fez acordar o governo de serviço que outro remédio não teve que ajoelhar-se e ir ao castigo.

 Agora prometem-nos tudo e mais alguma coisa, especialmente potencialidades, mas também plataformas, melhoria de capacidades, competitividade internacional, alargamento da influência do Alentejo, vantagens das acessibilidades internacionais, organização em rede, corredores azuis, lógicas de articulação e complementaridade, logística big super plus, economias e eficiências de escala e conjugadas ou o contrário… Aldrabões, não passam de uns aldrabões e vendedores de banha da cobra a quem os singapuros finalmente meteram na ordem e a quem chegou repentinamente a pressa, como quem abala de calças na mão e, na aflição para não se esborretearem todos traçam linhas a torto e a direito, por cima de Évora e tudo que o progresso vem aí ao virar da esquina e não se pode pará-lo nem perdê-lo muito menos encalhar em pequenos pormenores ou ligeiras minudências.

Recordo-vos que o projecto data de 2003 e fora acordado na XIX Cimeira Ibérica da Figueira da Foz, tendo sido reafirmado nas subsequentes cimeiras mas nunca levado a sério e muito menos cumprido, embora fizesse parte do “Eixo Prioritário Nº 16, Sines, Algeciras, Madrid, Paris” eixo primordial da Rede Transeuropeia de Transportes do Corredor Atlântico. O escarcéu levantando em relação ao que vai agora ser finalmente cumprido não é uma ideia nova, é aliás bem velha e o planeado vai finalmente cumprir-se visto termos levado um valente chuto no cu, não tivesse sido assim e teria ficado para as calendas como ficou e vai ficar por muitos anos o celebérrimo TGV.

É óbvia a falta de transparência com que tudo é feito e tratado na nossa peculiar democracia, democracia onde tudo corre mal e os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, onde os governantes clamam por imigrantes e emigrantes como clamam por mais nascimentos quando afinal se deve à sua proverbial estupidez o simples e visível facto de passados quarenta anos estamos literalmente pior que à data do bambúrrio do 25 de Abril. A prova disso é que de superavit passámos a dever muito, devemos demais, temos menos vergonha e mais burlas, menos futuro mas mais indiferença, menos moral e mais egoísmo, menos ética e mais ignorância, menos dinheiro e mais pobreza, menos PIB e mais miséria, menos emprego e mais arbitrariedade, menos esperança mais prepotência, menos riqueza e mais oportunismo, menos gente mas mais estupidez, menos oportunidades e mais oportunistas, menos empresas estatais mas mais corrupção, menos lucros e mais roubos, menos país e menos dignidade, mais divida e mais desigualdade.

Decididamente esta democracia não só está a matar-nos como nos fica caríssima e, quer o aceitemos quer não, é um dos grandes fiascos das gentes portuguesas, um bluff, um engano, um falhanço espectacular, um caso grave de incompetência e irresponsabilidade, uma autêntica mistificação, vivemos numa simultãneamente completa ausência e necessidade de equidade, será caso para perguntar se o fascista seria mesmo o outro… 





domingo, 11 de dezembro de 2016

404 - ESTENDIDA AO COMPRIDO * by Luísa Baião


               O meu filho tem dois cães muito meigos muito giros que, volta não volta me pede para acolher, como de netos se tratasse e sempre que o momento o impeça de os levar com ele. Como adoro os ditos cujos e a coisa vem a desejo, nada me importo com isso, mau grado o tamanho dos mesmos, assim para burro, mas um enlevo.

Calhou-me em sorte guardá-los no dia em que vim de férias e pelo fresco da noite saí com o meu marido, cada um com um p’la trela, ele c’o cão, eu c’a cadela. Como a noite estava fresca pisámos o jardim das canas e à boleia de lérias trocadas com alguns amigos rumámos à praça grande na mira das esplanadas. Entretida na conversa não me apercebi a tempo que o meu marido chamava e que a cadela, apressada, resolveu logo acudir. Dá-me tal puxão na trela, qual locomotiva em marcha, que me estatelou no chão onde sem eu saber como acabei por me ver estendida e, como devem calcular, c’a dignidade ofendida.

Embora tal não me alivie não fui nesse dia a única a ver-me estendida ao comprido, assim jazia também o CIEA, Centro de Inovação Empresarial do Alentejo. Nessa mesmíssima tarde e ao pôr em dia a escrita quanto à leitura de jornais reparei que, sem quaisquer propósitos, publicara o Diário do Sul a quinze do corrente, páginas centrais, 16 e 17, três notícias que o acaso alinhou e me levaram a esta singela conclusão acerca da qual vos convido a dedicar cinco minutos de meditação sobre o nosso fatalismo e o tempo que entenderem de requiem por todas nós, alentejanas e eborenses.

Numa dessas notícias afirma-se que mais de 50.000 empresas portuguesas se encontram neste momento em risco de falência, vinte por cento do total nacional, reportando ao mais recente inquérito promovido pela AIP. Outra, em caixa, colocava a nu o facto de a distribuição total do rendimento em Portugal ser a que apresenta maior disparidade entre os países membros da CEE, o que faz de nós os campeões da desigualdade, com os portugueses mais ricos a ganhar quinze, quinze vezes mais que os compatriotas mais pobres !

A última, bem, a última era a que nos dizia directamente respeito pois se tratava de uma convocatória do CIEA para a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária, com um único e curioso ponto na ordem de trabalho; “a dissolução”, pura e simples, assim sem mais nem menos, a frio, de tal modo que apesar do calor que se tem feito sentir, estremeci com um arrepio.

Lembro-me ainda quando o mesmo Diário do Sul, há uns anos, publicitou a constituição desta instituição que julguei, como os seus estatutos então divulgaram, ser a chave, o motor, a alavanca sinergética do que nos faltava e infelizmente continua a faltar. Esperei que dessa vez fosse de vez e que em harmonia com outras instituições de que a cidade se orgulha, como a SODERA, o NERE, a UNESUL, a Associação Comercial do Distrito de Évora, o ODA, Observatório do Desenvolvimento do Alentejo, (se esqueci algumas, que me desculpem o lapso), a coisa fosse mexer, andar, que é como quem diz, desenvolver-se, assumir, como os estudiosos gostam de afirmar; “massa crítica” que permitisse quebrar a “inércia” detectada, a diagnosticada aversão ao risco, a ausência de espirito empreendedor. Enfim, tive esperanças que dessa vez estivessem completos os ingredientes necessários ao tão prognosticado caldo de cultura empresarial de que Évora carecia, e carece.

Temi então que os meus desejos não passassem de boas intenções, sabido como tudo se move tão lentamente por aqui e acreditei que dessa vez seria a vez de Évora, podem pois acreditar quanto lamento e desilusão  essa convocatória me provocou. Embora não faça parte do número de associados do CIEA, como eborense desejo fazer saber e sentir quanto lamento o desmembramento deste Centro de Inovação e de estudos, cujo trabalho não consegui acompanhar mas que a exemplo das outras instituições acredito ter sido esmerado e particularmente profícuo.

Não é justo que se iludam os eborenses, que não lhes sejam dadas condições para o seu próprio desenvolvimento, que se lhes tolham os meios de assumpção da sua realização. Este não é mais que um triste exemplo de como as boas intenções não faltam, nem chegam...

Se a minha vontade esmorecesse a cada contrariedade, há muito não estaria viva, por um lado, ou os projectos que abracei teriam atrofiado, por outro. È preciso teimar e querer... para vencer.


* Escrito por Luísa Baião numa quarta-feira, ‎23‎ de ‎Julho‎ de ‎2003, ‏‎pelas 13:35h e publicado por esses dias na coluna Kota de Mulher, Diário do Sul, Évora.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

403 - A BIZINHA DA BIZINHA POETINHA * ...........


Caíam as seis da tarde neste Dezembro frio quando entrei no Café Sportif para atestar e me aquecer c’uma bica antes de rumar a casa. Um tipo que eu nunca vira, simpático aliás, vendo-me entrar bafejando e esfregando as mãos cedeu-me o espaço dele junto ao balcão apinhado e:

- Faz favor amigo, à vontade, parece que vem com frio, já agora sabe dizer-me se a sua vizinha está melhor ?

- A minha vizinha ? Qual delas ? Tenho algumas dez ! Respondi eu.

- A poeta - disse-me ele um tanto ou quanto indiscreto, surpreendido com a cara de curioso que lhe mostrei.

- Por acaso é editor dela ? Ou espera entrevistá-la ? Para ser franco nem a sabia doente...

- Sou amigo, e estou em cuidados, o senhor já reparou que o carro dela não sai do mesmo lugar vai para mais de dois dias ?

- É amigo ? Peço desculpa, é que nunca o vi por estas bandas, a minha vizinha tem um furo no carro homem, se você espreitar a roda do lado do passeio verá que está vaziíssima. Apareça lá com um macaco que ela agradecer-lhe-á, digo-lhe isto porque tenho evitado sair pela garagem não vá ela aparecer-me à frente em robe chinês e com uma chave de rodas na mão.

Emborquei a bica quando acabei de falar mas ao pousá-la já o não vi, saiu cedo, com um frio destes, onde iria ?

Gosto do café Sportif, de vez em quando e ao fim da tarde costumo passar por lá e confessar-me, em especial nos dias frios, tem uma óptima garrafeira de aguardentes velhas e visquis. Nesse dia entrei e pedi a bica como normalmente, mas quando pedi a queijada habitual o Sr. Paulino muito solícito e de missal na mão disse-me não não. Olhei-o surpreendido.

- O cafezinho tá pago por uma menina prendada mas o bolinho não senhor Baião.

- Qual prenda amigo Paulino ?

- Não é prenda é prendada amigo Baião, refiro-me concretamente àquela fulana que costuma aqui vir com beltrana e o cumprimentam sempre efusivamente não se recorda amigo Baião ? Da última vez que aqui estiveram vinham com a tal sicrana em que a gente, enfim percebe-me, até lhe deixaram dois livrinhos de poesia que a semana passada lhe devolvi.

Bem, resumindo a história, lá tive que pagar a trampa da queijada, nem são muito boas sequer... Há horas em que a gente por causa de um bolinho perde a fé nas pessoas.

Conquanto perante o senhor Paulino mostrei-me surpreendido mas agradado. Costumo frequentar o Café Sportif, não sou habitué mas passo por lá de vez em quando, é agradável, fica perto de casa, o senhor Paulino é uma simpatia, ele e a esposa, e as casas de banho têm um chão que se pode lamber. Pena a televisão sempre tão alta e o senhor Paulino ultrapassar as barreiras do bom conversador e espetar-nos uma seca mal nos descuidemos, quem sabe se por ser licenciado em direito, talvez seja por isso, o que sei é que transforma o mais pequeno assunto num processo cível e depois, sendo a justiça lenta o assunto naturalmente arrasta-se… Tem dois ou três gatinhos que ronronam por ali e já me conhecem, gosto deles e eles gostam de mim, mal me vêem ocupam uma cadeira na minha mesa, talvez por eu cheirar a gatas, mais concretamente à minha Mimi que só falta mijar-me em cima para marcar a sua posse, o dono é dela e acabou-se.

No entretanto falamos, quer dizer desconversamos, ou tergiversamos, porque eu e o senhor Paulino estamos bem é embirrando, pelo que lhe atirei:

- Pois é amigo Paulino, se a nossa dívida começar a ser paga nem pedrinhas os portugueses vão ter para comer...

- Ó amigo Baião primeiro há que sair do euro, pelo menos é o que ouço dizer aí na televisão.

- Sair do euro amigo Paulino ? Então e passamos ao escudo de novo ? E fazemos a operação contrária e a divida será de imediato multiplicada por 200,482 não era esta a cotação quando aderimos à moeda única ?  Estamos metidos numa camisa de onze varas amigo Paulino, os nossos políticos não souberam erguer esta democracia, as nossas elites não conseguiram fazer-se respeitar nem respeitaram o Zé povinho, nem sequer souberam fazer a pedagogia desta democracia, só souberam fazer trampa... Estamos a empobrecer alegremente e vamos todos a caminho da miséria generalizada, há cada vez mais ricos e cada vez mais pobres, é a desigualdade generalizada quando afinal não é preciso não é forçoso que alguns vivam pior para que todos vivam decentemente... Bastava organização... Organização social... Funcionou na Europa durante mais de 50 anos... E agora admiram-se por se levantarem os nacionalismos claro !

- Pois é amigo Baião, lá porque a esquerda claudica o povo não deixa de exigir visão e liderança, neste momento a nossa pobreza de liderança é tanta que até eu votaria em Salazar mas isso já você sabe naturalmente, ou já sabe ou já intuiu... E digo-lhe mais, olhando a espuma dos dias passados, da semana que passou que acabou, em que Fidel e Salazar foram colocados em dois extremos opostos mas ninguém se lembra que um atrasou o país, a ilha, 50 anos, enquanto o outro o desenvolveu 40 anos, ninguém parece lembrar que um foi-se abaixo com a turbulência dos dias da guerra fria e o outro aproveitou as vagas desse mesmo mundo para subir mais alto, um quebrou e cedeu ante o bloqueio e não foi capaz de usar a diplomacia mas que o outro fez da diplomacia uma arte e fez-se vingar na maioria dos casos em que se meteu, como me pareceu aberrante um ter prendido e matado milhares enquanto o outro nem uma milésima dessa parte mandou “arrecadar ou apagar” sendo caricato que o primeiro tenha sido considerado um herói e o outro um fascista desprezível, é caso para dizer estar a vida pejada de arbitrariedades...

- Não deixa de lhe assistir a razão amigo Paulino mas este povo cega-se a ele mesmo enfiando os dedos nos olhos... tivéssemos nós uma direita inteligente, actual e culta e outro galo cantaria, até a esquerda seria outra... 

- Boa tarde apesar do tempo !

 - Olá boa tarde, que tem o tempo amiga ? Se é para pesar o tempo vais precisar de um bom barómetro amiga.

- Já o apesei, está muito apesado para o meu gosto.

- Olha,  tens um bom remédio, mete a mão na balança...

 - A balança, ainda continuo à espera que ma devolvas, já lá vai um mês ...  sem ela bem me deu trabalho a trafulhar... por causa da ASAE ...

 - Esses gostam muito de chatear a malta só para mostrar serviço.

 - Isso isso !  Mas eu dei-lhes a volta cá c'uma pintarola que nem imaginas !

 - Imagino pois, imagino que quando foram ver se a balança estava aferida e lhe prantaras um penso rápido.

- Pois pois ! Penso mais depressa do que falo.

 - É sempre um bom método.

 - Descartes nem falava !

 - Esse só pensava, só cogitava.

 - Ya, a esse bastava-lhe pensar... agora por mais c'a gente se ponha a pensar não acha modo de dar volta à vida ...

 - Nem a pensar, nem a trabalhar.

 - Calma aí, o meu primo Horácio tem dado umas palmadas numas seguradoras com uns esquemas que ele lá sabe e tem-se safado bem, e se bem as pensa melhor as faz... há que saber trabalhar diz ele.

 - Mas não te deu a receita pois não ? Deve ser segredo de família.

 - Dar deu, a coisa até é simples, a Luisinha é que nã me deixa meter no negócio, arrendas uns palacetes mobilados à burguesia do norte, mandas lá um avaliador fazer a coisa por alto, a seguir fazes um seguro de tudo e é só dar a palmada e esperar que a seguradora te pague os milhões levados... O Horácio tá rico, até a mulher anda tomando aulas de dicção que ela nem falar sabia e agora é uma senhora, arrendou na Garraia um armazém para guardar o material palmado... e daqui a uns tempos vai vender o que  roubou coitado... escorre-lhe por todos os lados... até já dá mecenato aos partidos...

- Que estavam a dizer de Salazar e do Fidel, quando falarem desse homem desse grande português ponham-se em sentido, não esqueçam que com ele foram quase 5 décadas de "orgulhosamente sós" mas que mantivemos o orgulho, agora desde pretos a chinocas devemos a toda a gente e nada é já nosso. Isto aventou para o balcão a Mariazinha que não se coibia de uma boa intromissão.

- Ora finalmente alguém que me compreende ! Alguém que patilha a minha opinião ! - Regozijou-se o senhor Paulino – E pensar que toda a vida a família me afastou da prima Ermelinda que tinha uma pensão no Beato... casei bem na mesma mas se sou um tipo opinioso a ela o devo ... e nunca lhe fiquei a dever nada ! Saibam vocês que a esses dois há mais semelhanças a separá-los que diferenças a uni-los... Gosto tanto de expressar a minha opinião como de ouvir quem a reitere, bem atirado minha senhora.

- Não há ditaduras festivas, por muito bem que se saiba dançar a rumba ou por muito rum que o fígado aguente. – Disse o Ismael que estava mortinho de bêbado e mortinho por se meter na conversa - Era só, mas é engraçado como se revoltam todos contra Salazar, que nem matou nem metade dos que Fidel "encomendou a Deus" e rezam a um bandido que oprimiu o povo e o fechou na ilha durante mais de 50 anos...

- Amigo Ismael não se deve falar de Cuba nem de Fidel, se não se leu Guillermo Cabrera Infante, o primeiro entusiasta da revolução e o segundo a virar-lhe as costas... Disse a Mariazinha tentando colocá-lo à margem da conversa.

- Sei bem do que falo, em Cuba a merda ta escondida, e nem falaria de Cuba e de Fidel se não tivesse lido esses e muitos outros, Dulce Loynaz, José Lezama, Reinaldo Arenas, Heberto Padilla, e o outro, Camilo Cienfuegos, e Huber Matos e os outros, tantos outros...E já agora diga-me então a senhora quem foi o primeiro ?

- Esses também foram para Miami ? – atalhou o Murta que sofre de um complexo de esquerda velho e apuradíssimo.

- Não, foram fuzilados alguns e exilados outros pelo teu bandido bem amado... – Ripostou o Ismael visivelmente irritado com a intromissão pela esquerda.

- É por estas e por outras destas que virei as costas á nossa esquerda... A mais estúpida do planeta... E que após o 25 de Abril depois de 40 anos de merda ainda acha que o país está bem...  mais valia que o parvalhão do Otelo e os outros tivessem ficado quietos e estaríamos decerto melhor... Portugal não passa dum país de palermas governado por sacanas ! Ferveu a Cilinha encostando-se ao balcão.

- Topem-me isto ! Vociferava o Galhardas espumando dos cantos da boca com a irritação, - A Dívida Pública Portuguesa aumentou num só mês (Outubro de 2016) mais de 12 mil milhões de euros ! E fica tudo quietinho e caladinho.

É este o "grande" sucesso do Governo da geringonça...
Devemos viver num país de palermas, só pode ser !
Topem-me a evolução da dívida líquida:
Dezembro de 2010 : 158.736 mil milhões de € (boletim 04/2013)
Dezembro de 2011 : 170.904 MM€ (boletim 04/2013)
Dezembro de 2012 : 187.900 MM€ (boletim 04/2013)
Dezembro de 2013 : 196.304 MM€ (boletim 04/2014)
Dezembro de 2014 : 208.195 MM€ (boletim 01/2016)
Dezembro de 2015 : 218.093 MM€ (boletim 03/2016)
Setembro de 2016 : 224.307 MM€ (boletim 10/2016)
Outubro de 2016: 236.774.835.815 MM€ (boletim 11/2016).
(Fonte: Instituto de Gestão do Crédito Público)

              - Tomem e embrulhem.... isto não vai acabar bem....

- Olha quem chegou, nina peço desculpa pois só a tinha visto uma vez e precisamente aqui, na igreja do Sr. Paulino ! Por isso no outro dia não a reconheci ! Você nem o véu levava !

- Reconheceu pois ! Perguntou-me: - é a Inês não é ? Tirei-a pela pinta ! – Eu nesse dia já tinha vendido as pitas todas e levados os camelos a passear... O véu era desnecessário.

- Pois o véu, ó bizinha cuidado com esta nina, anda nas aulas de dança do bentre da professora Amélia Mendonza !! sabia ?

- Pois saiba que não ando mas tenho pena porque adoro dança do ventre. E o bizinho da mãe bizinha também gosta ?

- Claro que gosto, ou gostei, na minha idade a musica é outra ! Eu agora gosto muito é de saltos para a mesa e de pulos para a cama !

- Quem é a pequena Baião ? – segredou-me o Ismael dando-me uma cúmplice cotovelada nas costas.

- Uma pequena que conheci há uns anos, tinha um bazar à entrada do Hotel Palestina, aos anos que não a via – respondi-lhe entre dentes. - teve um negócio de dança do ventre mas com a falta de corrente a toda a hora acabou por arrumar as botas... não sei para onde foi depois – acrescentei.

E foi assim com um súbito e despropositado desvio da conversa que me vi livre do esquerdista do Murta, do salazarista do Ismael, do chato e cuscas do Paulino e dos três gatos dele, do Galhardas e da Mariazinha, da bizinha e da filha que diga-se em abono dela e da verdade acabou por pagar a queijadinha, pelo que antes que me pedissem para mudar a rodinha ao carrinho sumi-me pela porta do fundo nem disse água vai nem água vem, deixando-os a discutir o sexo dos anjos precisamente no momento em que entrava pela frente o chato do engenheiro Arcanjo. Sumi-me mesmo na hora H que o tipo é um crava do caraças.

Bom Natal ! 



* ATENÇÃO, NOTA IMPORTANTE - Este texto não é totalmente original, todo ele é constituído por retalhos retirados de um outro texto e de diálogos mantidos pelo autor com outras personagens na plataforma Facebook. O alinhamento, colagem e escolha dos comentários e dos parágrafos que os mesmos vieram a constituir, foi sim alvo duma disposição deliberada e uma escolha criteriosa do autor do texto. Os nomes dos envolvidos foram por cortesia naturalmente alterados. Obrigado.

domingo, 4 de dezembro de 2016

402 - A ESPERA ... por Maria Luísa Baião * ................


Foi ansiosamente aguardada. Todo o meu mundo durante muito tempo girou em volta dessa espera. É verdade que quem espera sempre alcança, mas o tempo, que não passava, e a situação, que nem atava nem desatava. Nunca imaginei que a espera pudesse ser desesperante, ou quase.

Os meus estados de alma alternavam entre o júbilo, a alegria pelo momento aguardado e a tristeza pelo lento evoluir do tempo, esse tempo que quanto mais desejado mais intolerado se tornava. Eu andava já stressada, eléctrica umas vezes e cansada outras, de tanta energia colocada nas coisas, em tudo. E o tempo, e a demora demolindo as minhas resistências.

Sou ágil a pensar e a agir, mas nessa situação, impossível de controlar, tornei-me mesmo agressiva, insuportável, quando não precipitada. Nem as primeiras chuvas, nem o cheiro grosso a terra molhada, realidades que normalmente depositam no meu espírito, como rios extravasando os leitos, um aluvião de paz, me cercearam a emoção vivida. Uma emoção profunda e velha de tanto usada e abusada.


Momentos houve dando por mim intolerante para com o cheiro das flores, os ornamentos, os livros e os discos, e então, nessas poucas e raras vezes, tombei combalida, soturna e infeliz por não chegar esse momento tão ansiosamente aguardado. Na sala todos os móveis me pareciam taciturnos e austeros, escuros. E eu a distanciar-me de mim mesma, numa tentativa de me alhear de toda a situação, absorta na espera e no desespero. E o tempo sem se apressar, parecendo desejar irritar-me, passando em passinhos pequeninos, eu procurando não chorar, aferindo vezes sem conta relógios e calendários, cujas horas e folhas iam caindo de maneira compassada, regular, demasiado tarde para a minha pressa, para a minha ânsia, para a minha circunspecção.


Eu procurando dominar-me e às circunstâncias, eu a inflar-me de calma e cerimónia, enchendo-me de salamaleques para com as amigas e vizinhas, numa sofreguidão de empatar o tempo e esconder a mágoa difusa e inequívoca que não esquecia um momento sequer. Os físicos embirrando comigo, que tudo estava bem, sob controlo, no tempo próprio. E mostravam-me provas e exames, eu alheia a tudo aquilo mirando constantemente o calendário do relógio e fazendo contas de cabeça, enquanto por civismo e deferência debitava frases óbvias, fórmulas de ocasião, odiando-os por terem razão, olhando-os de soslaio e atirando-lhes críticas pensadas por não me enganarem, por não me iludirem, por não me mentirem.

Era errado pensar assim, mas animava-me, trazia-me um conforto sem alívio, e eu, num débito de reconhecimento e consideração sorria-lhes e agradecia-lhes, concordando.

Um dia houve que após a chuva, manhã alta, ergueu-se uma bruma colada à terra, imersa nessa névoa, enterrei nela a minha solidão e tristeza. Coisa pouca, o ritual de cerimónias instalou-se de novo mal saíram os primeiros sinais de um sol quente, afastando as nuvens. Voltei ao formalismo de um funcionário do ministério dos estrangeiros, diplomacia a quanto obrigas, corri as cortinas mas a bruma não voltou, a névoa não voltou, nem me cegou nem fez esquecer. O coração voltando ao ritmo acelerado que se tornara norma, descompassadamente, indiferente à devastação que ele e a espera talhavam em mim.  


A espera, essa terrível evidência de que nenhum recurso me podia livrar e que tive, uma vez mais, de admitir sem contestar, sem protestar, prostrada já ante uma natureza imutável que nunca lograria alterar. Aceitei os factos, foi como se me deixasse conduzir por mão amiga, impregnei-me de uma solicitude afectuosa e, de quando em quando, passava por baixo das narinas um lenço embebido em água-de-colónia.

Lembro-me de, por vezes sentir frio em pleno verão, um frio enorme dentro de mim como se fora de gelo, o estômago sempre contraído, eu apertando as mãos junto ao peito. Colocava então um casaco sobre os ombros, acendia um pauzinho de incenso e esperava. Esperava que o tempo que não passava passasse, que fosse já amanhã, a semana, o mês seguinte, sentava-me no sofá, a minha gatinha no colo, e adormecia com essa esperança que nos desespera.
  

Finalmente chegou o momento ! Todas e todos corremos acossados para ver o milagre ! Fizemos de magos, telefones e telemóveis tiniram e surgiu ouro, incenso, mirra. À nossa frente o milagre, buscando a mama na avidez da vida, muito cheiinha e muito bonitinha, cabelo escuro, comprido, como as mãos e os dedos, olhos pequeninos perscrutando a existência, a novidade, a beleza de ser.

Os pais chamaram-lhe Leonor, e eu tornei de novo a ser quem era. 
  
                        
* Escrita numa quinta-feira, mais precisamente a 19 de Outubro de 2006, às 15:48:13 e publicada por esses dias por Luísa Baião na coluna Kota de Mulher, Diário do Sul – Évora

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

401 - HÁ FADAS EM ARRAIOLOS, por Luísa Baião*


 Estando um dia bem bonito, o verde campo florido de malmequeres preenchido libertou no ar mil cheiros, desejos e tantos apelos, que acordei em alarido. Assim que o sol despontou invadiu-me a alegria e nada nada demorou pr’a que liberta do enfado, tivesse agarrado o carro e apontando estrada incerta vogando sem qualquer fado, como quaisquer navios perdidos rodando em estrada deserta.

Faço isto algumas vezes para fugir ao fastio. Nada tendo a proibir-me libertei-me das grilhetas e quando alguém me chamou era tarde e já corria tanto quanto as borboletas. Corria pl’o Alentejo, pl’o Alentejo que eu amo, campos verdes e floridos, cheiros inebriantes e queridos, da terra que o olhar conquista, paisagem a perder de vista, como em vasto mar oceano.

Rolava despreocupada por uma estrada tão pisada, quando, sobre o alto de um monte me acenou o branco azul do casario deslumbrante. Em consciente desvario virei o rumo rumado e o almoço traçado pr’onde se fixavam os olhos e rumei a Arraiolos, vila que sempre adorei.

Sempre sempre no beicinho, as queijadas de toucinho tão macias, tão gostosas, de chorar e pedir mais. Almocei no Condestável, uns segredos de bom porco e outras especiarias tais. Passeei, calcorreei, ruas agora renovadas, outras inda esburacadas e tentei ver a verdade de conversas apuradas sobre estórias tão diversas como os buracos da praça, silos pr’a cuidados futuros, talhas de tintureiros em apuros** ou simples contos brejeiros de contadores feiticeiros.

Com passos vagos, gestos lentos, me passeei. E do castelo enxerguei quando o olhar semeei, como um sopro sobre as vagas, as searas ondulando, sussurrando histórias de antanho que, ofuscando, convidavam, a ver imagens de armas, de Miras e de Rivaras, de D. Fernando de Bragança o maior de Portugal e abastado senhor. Histórias de então e de hoje, de gentis almas misteriosas, recatadas, habilidosas, em secretas e novas missões arroladas, cujas vidas só o são, por muitas vezes em verdade, nos mais belos contos de fadas.

E, frente a quem dá a vida, num gesto de grande amor sem esperar qualquer outra paga que não seja um mero louvor, pequena fonte verte água e alimenta um espelho dela onde de forma singela se reflecte num mosaico, belo caleidoscópio arábico (?) que honra essa nobre terra.

Descida à vila de novo, labirinto onde mãos de fada cumprem turnos de horas mortas, vi dar à luz milagres extras, partos saídos de mãos destras, cuja beleza nos enleva e em sonhos nos revela ao tocar-lhes de mansinho, o ciciar do carinho com que portas dentro tecem, tapetes que vamos sentindo como janelas abrindo caminho a vidas mais belas. ***

Não vi nessa terra mágica nem mistérios nem segredos, mas vi, como nos degredos, trágica sina da gleba, gestos ledos mas estudados, donde irradia um esplendor que ofusca tristes tormentos passados na gestação dos enredados novelos. Calhou-lhes como fado e em destino tecer obras que glorificam e que sorrindo fabricam c’a gravidade de almas nobres, mas não por certo p’rós pobres.

E ali, a ver se encantam, mesmo à mão de semear, em exposições que nos espantam, como quem nos está a chamar, podemos ver a beleza estender-se numa certeza de quem sem as leis dominar, nos borda em excelsos padrões, geométricas constelações que nós gentios cobiçamos se para casa levamos com um aviso; “ não pisar “ !

E não havia segredos, nada até de espectral, apenas trabalho extremo, obras de alto coturno e a prova de que há na vida quem tenha tido por destino não um ofício de menino, mas ofício virado vício, em que a agulha a trabalhar, vai tecendo no bulício de vocações ancestrais, tapetes de porcelana, cuja marca não engana escultores, pintores ou amores de quem a verdade ama. Acariciei-os de leve, fechei os olhos expectante e ao toque do tapete, os sentidos se me abriram, qual janela mirabolante se expandiram e quis crer, de olhos fechados, mesmo sem ver, que a vida se me revela, e que estar viva, que ter vida, é ainda a coisa mais bela.

  
* Publicado por Luísa Baião em 10-2-003, coluna Kota de Mulher, Diário do Sul – Évora    



 Pode ter existido em Arraiolos um destes complexos tintureiros. 
  Pode ter existido em Arraiolos um destes complexos tintureiros.
Arraiolos complexo tintureiro surgido em escavação.