segunda-feira, 17 de março de 2025

829 - FOI AUMENTADO ? E PAGARAM-LHE EM MOEDAS ? NOTA-SE ....

                        


Nesses tempos os animais falavam, havia carreiras de autocarros bem pensadas, eficientes, baratas e rápidas, pelo que era normal os ditos andarem sempre lotados em especial nos picos do verão e do inverno.

 

Uma curiosidade que hoje nos parece absurda, os autocarros desses recuados tempos tinham mais lugares em pé que sentados, sendo comum em dias de chuva, a história de hoje teve lugar num desses dias tenebrosos e as gentes iam acomodadas como sardinhas em lata.


Aperto daqui aperto dali, balanço aqui balanço acolá ou acoli, se eu já ia colado aos vidros traseiros do autocarro, um balanço maior, um apertão valente, uma lomba, uma cova maior e, entalado entre a janela e ela ficara praticamente espalmado.

 

O aperto não fora desagradável de todo, a senhora, de costas para mim, entre trinta a quarenta anos exalava um perfume etéreo, leve e muito agradável que ainda hoje recordo pois o sorvi toda a viagem inspirando-o às golfadas.



Aconchegava-a uma saia casaco de malha leve, conjunto tão harmonioso quão as formas que deixava perceber, dando sentido à sua agradável presença.

 

Consciente ou inconscientemente mas não ingenuamente eu desejava outra e outra lomba, outra cova ou outro tombo que de novo me proporcionasse o ensejo de voltar a sentir-lhe as formas harmoniosas e arredondadas que lhe eram próprias quando, de forma inesperada tal desiderato me surpreende pois ela, talvez buscando contrariar ou contrabalançar o movimento irregular e inesperado do veículo, atirando-a ora para a frente ora para trás ora para os lados. Em mim encontrara talvez a âncora que lhe proporcionasse segurança, não sei.



Sei sim que não se faz isto a um jovem em plena adolescência, não lembro bem a idade exacta que teia na altura nem lembro bem todo o episódio, tão marcante foi para mim, lembro sim ter-me apercebido que a coisa passara a propositada e que, se me era agradável também lho seria a ela pois dei por mim evocando mentalmente a velha anedota de quem teria visto aumentado o vencimento e sido o mesmo pago em numerário com um rolo de moedas…

 

Era inevitável que este tipo de pensamento tivesse acontecido pois se eu lhe sentia as formas de modo tão claro era evidente que ela desfrutaria da mesma sensação, o que fez com que jamais tivesse virado a face à esquerda ou à direita, pelo que apesar da intimidade que consciente, conspícua, deliberada e cumplicemente partilhávamos não me foi possível ver o seu rosto, saber quem seria, se tão ruborizada quanto eu. 



Em boa verdade nem sei a razão dessa minha curiosidade, eu estava intimidado quanto baste, sentia-me inibido, talvez mesmo envergonhado, enterrado ou soterrado em timidez mas, tanto quanto ela explorando maliciosamente a oportunidade surgida pelo que a viagem de vinte minutos, toda ela uma montanha russa em que sexualidade e erotismo nos cegaram, a ambos dever ter parecido nesse dia ter demorado horas ou apenas cinco minutos. 




Ainda hoje é contraditório na minha memória este tema do instante, do tempo, da demora ou da duração que a coisa teve ou levou a processar-se, a consumar-se. Assaltavam-me em simultâneo mil pensamentos, mil perguntas pra as quais não encontrava respostas, sei somente que, enquanto pensava uma sensação de clímax me tomou, tomando as rédeas de mim fazendo-me esquecer de sair na paragem habitual.

 

No problema, o fim da carreira / linha estava próximo e era meu desejo ver-lhe a face, saber quem era ela, de quem se tratava, por quê esta curiosidade nem eu sabia, mas queria satisfazê-la. Queria mas não consegui, a senhorita saiu de tropeção mal o autocarro abriu as portas tendo atalhado entre a multidão que ainda preenchia o espaço.



Não a vi, não a fiquei conhecendo, pelo que nunca a reconheci apesar das muitas viagens que repeti naquela carreira e horário, houvesse ou não motivo válido para a apanhar. Ruborizados ambos, de pudor á flor da pele, terminámos a nossa agradável e inconsequente aventura sem a troca de um sorriso, agradecimento ou cumprimento, sem sabermos se voltaríamos a ver-nos, e não voltámos. 




A vida tem por vezes episódios destes, curiosos, surpreendentes, irrepetíveis, tantas vezes inexplicáveis porém prenhes de um significado nebuloso que, apesar disso não se desvanecem e duram e perduram na memória toda uma vida. 




Quem seria ela ?

Felicidade, são os meus votos. 








 

sexta-feira, 14 de março de 2025

828 - APROXIMAI DE MIM ESSE CÁLICE ...

 


Ainda estremunhado olhei-me no espelho e disse logo para comigo que não, que assim não poderia ser, teria que me escanhoar sem demora nem receio da lâmina, com esmero mesmo já que, se havia situações em que as faces ásperas sugeriam tentação sendo alvo de extremosa atenção, outras havia que exigiam precisamente o contrário, um barbear cuidado e faces lisas, macias, que não despoletassem nela aquela gargalhada estridente, um encolher-se repentinamente refugiando-se no riso solto e descontrolado que lhe era tão próprio, tão familiar, o riso de quem quer mas, vamos lá devagar, devagarinho sim ?

 

Com quem quer que fosse, onde quer que fosse e quando quer que fosse esta barba máscula nem sempre assim era acolhida, por isso todo o homem deve saber, tem mesmo que saber quando e como, com quem deve ou não, quando sim e quando não, tudo dependendo das circunstâncias. 


Já José Ortega y Gasset * o dizia há cem anos ou mais, “qualquer homem é sempre ele mesmo e as suas circunstâncias”, por isso anda lá com a coisa ó chouriço e afia a Gillette antes que as coisas descarrilem no melhor dos momentos e quando menos se espera, isto é precisamente quando cai mal qualquer interrupção por mais pequena que seja pois aquele momento é sagrado, não se deve interromper quem quer que esteja bebendo da fonte da juventude nem afastar dele aquele cálice **

 


Não o cálice de cicuta, antes a taça de um delicioso encantamento e o momento dessa maravilhosa hora em que os astros, qual prodígio divino, se alinharam para que se cumprisse a palavra que o Senhor Deus deixara escrita “amai-vos e multiplicai-vos” para que os amantes, cegos e embriagados, quando não esfomeados, se dessedentassem e matassem a fome de amor que impele o mundo.

  

Oh ! Como tantas vezes o difícil é acordar calado, quando na calada da noite eu te relembro e, por vezes até dormindo lanço um grito estridente, agudo, sibilino e desumano, modo de quem quer ser escutado já que o silêncio me atordoa e, mesmo assim atordoado eu fico atento a qualquer momento, a qualquer chamamento.

 


Por tudo isso eu quero, eu desejo ardentemente esse cálice de sabor a pêssego e que tragarei como quem bebe uma dessas bebidas energéticas que apagam todas as dores e tormentos, que engulo sôfrego como se a minha labuta mo exigisse incondicionalmente e tal me adoce a boca, me encha o peito de turbilhões no silêncio da cidade para a qual sou invisível,  nem me escuta, uma cidade para quem a realidade é uma outra realidade, moralista, fundamentalista, quantas vezes preconceituosa, urbe adorando a mentira, a força bruta, o desamor, o desapego, tudo quanto torna o mundo pequeno e onde quaisquer factos consumados fora dos cânones são severamente criticados, proibidos, condenados, castigados.

 

Por tudo isso prefiro inventar os meus próprios pecados e, se tiver que morrer que seja vagueando no meu próprio caminho, nesse caminho onde me perco perdendo o juízo e a cabeça por ti, onde contudo poderão encontrar-me embriagado, extenuado, mas feliz ...


https://www.youtube.com/shorts/hjttxaNxZj4


https://www.youtube.com/watch?v=fFvt1mfYKoA

 

** https://blogs.correiobraziliense.com.br/aricunha/o-homem-e-suas-circunstancias/





sexta-feira, 7 de março de 2025

827 ZELENSKY, EU, NÓS E A SOLUÇÃO FINAL ...

 


QUER QUEIRAM QUER NÃO, A GUERRA É A SOLUÇÃO …

  


      A propósito de Zelensky, actor, palhaço ou presidente, herói, o personagem deixa tema á escolha e até eu, que comecei por não ir à bola com ele, agora me penitencio dessa minha avaliação e aceito não estar certo quanto ao lugar onde o colocar mas reconheço que não posso alimentar uma dualidade de critérios e me sinto confundido quanto ao patriotismo, coragem e heroicidade do homem, digo deste senhor.

 

        Tão confundido ando, e tão incerto quanto ao lugar e em que prateleira o colocar que, há uns dias, um meu amigo se serviu dessa minha duplicidade/hesitação para me alegrar a manhã zombando-me e zurzindo-me a torto e a direito. E se dantes era a minha gata Mimi pulando em cima de mim para lhe ir abrir os estores e dar a paparoca, ou a Rádio Comercial e as suas manhãs musicais a acordarem-me e alegrarem-me, desta foi ele, esse amigo de reinar, de adorar o sol, a praia, a paz, o bem-estar e do lirismo.

 

     Chamava-me ele numa mensagem matutina a atenção para o que dizia ser a minha fixação pela guerra, ora só posso deduzir que o ingénuo seja um admirador do sol. Verdade que muitas vezes a refiro, não que a defenda ou a aprecie, porém, e dado que ela se impõe desde que há homens neste planeta não enterro a cabeça na areia. Para além disso gosto de ser claro, faço questão que não confundam o que digo ou o que defendo, não volto atrás nas minhas opiniões a menos que a razão me demonstre estar totalmente enganado, caso em que as revejo, corrijo e altero, o que felizmente acontece poucas vezes.

 


         Como deixei claro atrás não defendo a guerra nem aprecio, porém ela é uma realidade e em simultâneo uma constante transversal a todos os lugares do mundo e a todo o tempo histórico. Já na pré-história o homem resolvia muitos dos seus problemas à traulitada, caso exemplar do Otzi, do homem de Grauballe, do de Lindow, e até hoje se mudanças houve elas se deveram e se concentraram no aperfeiçoar das técnicas e das estratégias a adoptar. A guerra sempre foi vista como um recurso, por vezes o único, por vezes o primeiro, outras vezes o último. É um assunto tão sério que se considera a extensão natural da diplomacia, isto é, se não vai a bem vai a mal, mas irá, e assunto tão sério, tão fulcral, tão importante que a partir de Georges Clémenceau e Carl von Clausewitz a decisão de guerrear deixou de ser deixado em exclusivo nas mãos dos militares, passou para as dos políticos, o que, a julgar pelo que sabemos, não nos deve deixar nem mais descansados nem mais confiantes.

 

        Há várias considerações a considerar, ou, para não cair em redundâncias, vários assuntos a ter em conta, ou vários aspectos, como queiram. Raras nações terá havido ou haverá que não tenham nascido da guerra, e Portugal não foi excepção, D. Afonso Henriques guerreou a mãe, é sabido e é dos livros. A liberdade sempre foi conquistada por meios guerreiros, a revolução francesa não foi um piquenique, nem tão pouco o nascimento da América, digo dos USA, primeiro contra o domínio colonial inglês e depois contra a escravidão do homem.

 

       A este último propósito e dada a imoralidade que neste mundo se tornou epidémica e transversal, talvez esteja na altura de outra guerra como a IIWW, libertadora,… Tal qual a revolução russa de 1917, que contudo o pretendeu ser mas não foi. Andamos perdendo demasiado tempo com o acessório e estamos a descurando o essencial, ninguém imagina o que era a vida do povo russo antes dessa revolta de Outubro, os abusos, a desconsideração, a fome, a miséria, a iniquidade, a desigualdade obscena, um pouco à imagem de hoje, poucos com muito, com demasiado, e muitos sem nada, espoliados até nos direitos que nessa época nem sequer eram um sonho, embora tenha sido aí que esse e outros sonhos começaram.

 


     Ninguém dá nada de mão beijada a ninguém, a guerra é uma constante na história do homem e do mundo. Curiosamente durante séculos e séculos foi sobretudo aos guerreiros que se abriram os caminhos da glória e todos os outros. Aos melhores, na Grécia e em Roma tornaram-nos chefes, presidentes, imperadores, não quero cansar-vos mas vejam um dos últimos casos conhecido, o que aconteceu com Eisenhower, com Churchill, aliás com Churchill há uma história curiosa que muita gente desconhece. Durante a IGG fora ele o estratega da tomada dos Dardanelos, operação conhecida como a Campanha de Galipoli, um épico falhanço das forças armadas vitorianas que Churchill assumiu como seu, dado ser ele o Primeiro Lorde do Almirantado, qualquer coisa como Ministro da Marinha, ou Comandante do Estado-maior da Armada, derrota que todavia se deveu à incompetência de generais e almirantes do British Army e da Royal Navy.

 

      Muitos lhe vaticinaram então o fim da carreira politica e militar, o caso era sério e ele sabia não ser para menos, muitos navios afundados, muitas centenas de homens dizimados, todo o seu prestígio estava em causa, demitiu-se de imediato e antes que a sua cabeça fosse exigida numa bandeja, e que fez ele depois de se demitir ? Recolheu-se no conforto material do Parlamento ? Refugiou-se na rectaguarda confortável de uma qualquer universidade ? Nada disso, alistou-se na guerra e pediu que o enviassem para a linha da frente.

 

      Podendo abusar de subterfúgios não meteu cunha nenhuma para que o inscrevessem nos abastecimentos, ele sabia ser na guerra e à sua frente (da guerra) que o homem sempre se superou, superar de superação, no sentido moral, ético, filosófico, ontológico. Claro que sabemos não ter morrido apesar dos muitos riscos que correu, e até conhecemos o fim desta história, ganhou-a. Voltou a merecer a confiança dos ingleses de novo e, surpresa das surpresas, quando Neville Chamberlain fazendo a triste figura que fez colapsou (cá batemos palmas ao Passos Coelho e ao Costa que ajoelharam perante a troika), foi a ele Churchill que o povo inglês entregou a difícil tarefa de enfrentar o nazismo. Guterres e Barroso deviam ter estudado bem esta parte da biografia de Churchill…

 


         Uma constante da historia é que aos artistas e literatos, e aos sábios, raramente honram com mais que a velha coroa de louros que os gregos instituíram há mais de três mil anos como o mais alto louvor, contudo aos guerreiros sempre foram concedidos os maiores encómios e para eles guardados os melhores lugares, olhe-se para a história de Israel, para não irmos mais longe, e veja-se como os lugares de presidente e de primeiro-ministro têm sido preenchidos, e por quem.

 

            Relembremos o caso de De Gaulle, de Kadhafi, de Saddam e, já que em tempos a imprensa não largou a luta de Luaty Beirão em Angola, repare-se como toda aquela macacada assumiu o poder depois da independência. Nem um general sabe ler, nem um conhece uma letra, mas treparam às arvores durante os treze anos de guerras coloniais e mais trinta de guerra civil. Hoje têm as estrelas e detêm o poder, e não são caso único, é o costume, é a praxe em todo mundo, o saque dos despojos, o poder na ponta das espingardas, as fidelidades e os sacrifícios têm que ser recompensados… E quando os povos angolano e moçambicano quiserem libertar-se da tirania dos seus macacos que irão fazer ? Declarar-lhes guerra naturalmente…  

 

             Por falar em macacadas a quem demos ouvidos, quem ouvimos nós a seguir ao 25 de Abril ? Os poetas ? Os escritores ? Os pintores ? Músicos, arquitectos ? Ouvimos Melo Antunes, os Generais Spínola, Costa Gomes, Silvério Marques, Vasco Gonçalves, Galvão de Melo, Soares Carneiro, os almirantes Rosa Coutinho e Pinheiro de Azevedo, foram estes que ouvimos, estes e outros canastrões do género, e como se isso não nos bastasse de seguida demos guia de marcha aos ordenanças, depois ainda se admiram de termos chegado aqui, ou de como foi possível termos chegado onde chegámos…

 


          Na outra face da moeda cientistas, escritores e etc. eram ignorados, até que, pela mão de Alfred Nobel se arranjaram uns dinheirinhos para os parabenizar e honrar. Mas como foi que Nobel arranjou a bagalhoça para tão altruisticamente assim esbanjar ? Cabum ! Com o poder de violentíssimas explosões !  Com material explosivo claro ! Até ali manusear nitroglicerina era assunto sério que anualmente ceifava imensas vidas. Alfred Nobel descobriu uma forma de a estabilizar sem lhe retirar a força destruidora. Criou a dinamite, foi o céu na terra ! Doravante só se morreria, ou mataria, calculadamente e não mais aleatória ou inadvertidamente.

 

            Caricato este caso, contudo, todavia mas porém, de entre todos os nobelizados têm sido mais distinguidos e mais considerados os que surgem ligados a maior força ou capacidade destrutiva, Einstein e a bomba atómica, Edward Teller e Hans Albrecht Bethe e a bomba de hidrogénio, cinquenta vezes mais potente que a anterior, e na generalidade todos os sábios nos ramos da física, da química, da matemática e da física nuclear. Somente atrás desses grandes heróis e guerreiros virão então os Nobel da Paz, da Medicina, da Literatura, da concórdia, da felicidade e do turismo e lazer.

 

         Eu não desejaria vestir a camisola de Zelensky, um homem atormentado com os trabalhos de Sísifo e de Tântalo, um homem que certamente já sabe estar a solução do conflito na continuação da guerra, na guerra, como sempre foi, como é e sempre será pois até quando em vias de conversações de paz os contendores se esforçam ao máximo no seu esforço de guerra lançando ofensivas que lhes permitam alcançar uma posição que lhes permita sentarem-se à mesa desfrutando de uma melhor situação, mais vantajosa, apresentar mais trunfos que lhes garantam sair desses acordos de paz como vencedores. Portanto não sou eu que o digo ou defendo, é a história que no-lo diz, que no-lo conta, a guerra, é a solução, sempre foi e continuará sendo.

 


            O tal meu amigo só tem desculpa porque deve ter passado tempo demais respirando ares e olores que lhe plasmaram na cabecinha a bondade, o altruísmo, a educação, os bons modos, a misericórdia, a dádiva, a entrega, o perdão, o amor, a devoção, a dedicação, a atenção, a deferência, a moral, a ética, enfim, princípios que igualmente partilho mas que nunca moveram o mundo.

 

         Há dois mil anos um tipo, digo um Senhor, apostou em todas essas coisas, e que ganhou com isso ? Nada, népia, nadinha.

 

          Foi crucificado…






sábado, 1 de março de 2025

826 - ADORO MESMO AS ROSAS VERMELHAS

 


 O dia amanheceu luminoso, como quase todos os dias, de um sol amarelo vivo, uma cor de que eu tanto gosto. Também gosto de rosas amarelas, no meu quintal tenho um pé delas, símbolo de franqueza e amizade, porém são para mim um paliativo, placebo que entretém mas não cura, que engana mas não alivia…

 

O que eu adoro mesmo são as rosas vermelhas, de um vermelho sangue aveludado, como o sangue que na minha terra jorra acusador e vermelho do cachaço do touro quando lhe enfiam o escalpelo na nuca e a fera se queda como a minha consciência de menino, que assim ficou desde esse dia longínquo * todavia símbolo outro, símbolo do amor ao bicho, contudo símbolo de todo o amor que sinto.  

 

O meu amor é cor-de-rosa sim, da cor dessas rosas aveludadas que são também a alegria do meu quintal e as primeiras a despontar mas me inibo do colher, até de as fotografar, não vá minh’alma recordar tudo quanto eu quero esquecer.

 

Sim, o amarelo de um raio de sol, é pujança, é vida, raio de esperança, prosperidade, energia, riqueza, alegria, dança,  amizade e abastança, gratidão e importância mas, p’ra mim é também segredo, testemunho de amores por mim mesmo condenados ao degredo, mácula na consciência, pesadelo, grilheta, a vera prova de que a eternidade é logro, ilusão, desilusão.

 

Gosto de ti, sempre gostei e sempre gostarei, tu és a minha rosa amarela, tu serás sempre um espinho que guardo docemente cravado no coração.

 

Beijosssssssssssss

  

* https://mentcapto.blogspot.com/2014/04/183-aficion-friccion.html

 







segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

825 - AO MEU AMIGO FERNANDO CASTRO

 



Meu querido amigo Fernando, mais um Natal e mais uma vez te estou lembrando. Em cinquenta anos poucas vezes nos vimos, mas jamais deixei de te recordar.

 

Não deixa de ser uma época de aleluia este tempo que dedico especialmente aos não presentes, um tempo de meditação e introspecção, um tempo para deixar a todos os amigos de perto ou de longe votos de Boas Festas e de boa vontade entre os homens.

 

Desta vez sei-te mais perto, voltaste para donde fugiste, voltaste do lugar para onde eu fugiria agora se pudesse, se a idade e a saúde mo permitissem ou aconselhassem.

 

E agora que voltaste, que estás por cá, sinto fazer parte do que penso ser a tua desilusão. Vieste dum mundo justo e certamente ficarás constrangido e confrangido com o que, volvidos mais de cinquenta anos te deparaste.

 

Fugiste do atraso para vires chocar passado meio século com um atraso mais aflitivo e que nos angústia a todos, nos perturba, inda que não nos espante, somos homens de boa vontade.

 


Quero pedir-te desculpa, quero assumir perante ti a minha cota parte no estado a que as coisas chegaram, tu abriste os olhos cedo e abalaste, eu acreditei na democracia prometida e fiquei. Eu com o passar do tempo desiludi-me, tu certamente terás sofrido uma desilusão no regresso, à chegada.

 

Culpa minha que, como muitos outros, também votei e acreditei algumas vezes nos políticos venais que temos. Também eu tenho culpa que a tua cidade, a nossa cidade seja a mais pobre e atrasada deste atrasado país, mea culpa, mea culpa, mea culpa… espero sinceramente que me compreendas e me perdoes.

 

Também eu em 79 podia ter ficado na Suíça e não o fiz por acreditar nas promessas de Abril, mais tarde viria a dar completamente razão a José Mário Branco no seu celebérrimo Lp FMI *

 

Uma porra pá, um autêntico desastre o 25 de Abril

Esta confusão pá, a malta estava sossegadinha.

Estás desiludido com as promessas de Abril, né ?

Com as conquistas de Abril !

Eram só paleio a partir do momento que t'as começaram a tirar e tu ficaste quietinho, n'é filho ? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, não é ? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, n'é filho ? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, hã ?

Extracto da letra de "FMI" por José Mário Branco

 


Claro que me lixei, este país nunca foi nem é para novos, nem para velhos, neste país as oportunidades são para queimar, para perder, por isso se dantes estávamos trinta anos atrasados em relação à Europa agora estaremos cinquenta, talvez mais, há peculiaridades aqui que ninguém já estranha, por exemplo sermos o único país do mundo onde os ladrões não assaltam bancos, aqui são os donos, os banqueiros que os roubam, nós somente somos chamados para pagar os prejuízos, é isto ter juízo ?

 

Talvez até sejamos das poucas cidades e dos poucos países do mundo onde em cinquenta anos não resolvemos um único dos problemas que nos afligiam mas cuidámos de arranjar outros, de arranjar mais, muitos mais. Que desiderato é este que em simultâneo nos cala e anima como se vivêssemos no melhor dos mundos ?

 

Nem sei nem consigo imaginar quantas oportunidades terão sido perdidas nesta cidade e neste país por incúria, cegueira, incompetência, ignorância, arrogância e estupidez das autoridades instituídas e, por que não dizê-lo, dos cidadãos, dos intelectuais, dos sábios, dos académicos, dos eleitores e tutti quanti preenche a fauna da urbe e do rectângulo…

 

Quanta gente pessoalmente irrealizada ? Frustrada nos seus sonhos ? Travada nas suas aspirações ? Quantos caminhos barrados ? Quanta pesporrência ? Prepotência ? Partidarismo ? Seguidismo ? Sectarismo ? Nem Estaline alguma vez terá ido tão longe quanto por aqui, por cá, e é esta a democracia que nos querem impor ?

 


Lamento Fernando, lamento que te tenhas vindo meter na caverna de Ali Babá. Por aqui só há ladrões, tratantes, patifes, agiotas, facínoras, gatunos, biltres, sicários, salafrários, especuladores, usurários e, nem o facto de te teres recolhido e isolado te safará desta cáfila que de há cinquenta anos para cá tomou conta da nação. Quantas vezes não me interroguei já se terá valido a pena aquela madrugada **

 

… que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo …

 

Lamento que o padre Alegria não me tenha dado mais e com mais força, pois decerto te teria seguido as pisadas no ir, não no voltar. Ele bem tentou descobrir vocações para a música entre todos nós, hoje se alguém as tiver o mais certo é que lhas abafem, se não essas, muitas outras.  

 

Adeus caro amigo até que nos vejamos de novo, grande abraço e votos sinceros de Boas Festas.

 

** Sophia de Mello Breyner Andresen

 



2 exemplos ....

https://www.publico.pt/2024/12/15/ciencia/noticia/cientistas-portuguesas-figuram-ranking-melhores-mundo-2024-2114764?utm_content=manhas&access_token=vDLcx1AdRoMmWasROGhi94DPDCZQE6nY%2FfhiW98Q%2BOA%3D&e=da7f79386a&open=true&utm_source=e-goi&utm_medium=email&utm_term=S%C3%B3+24%25+dos+projectos+para+resolver+crise+habitacional+s%C3%A3o+constru%C3%A7%C3%A3o+nova&utm_campaign=55&fbclid=IwY2xjawHNf-hleHRuA2FlbQIxMQABHUzgOoKabHQqCeMbAsSTQxnC0uE8qRFVSBgfF58ga1J5c-Z4CHs2iNrTeg_aem_-Uk_WahVpBIC--s9iPtnwg


 

https://www.publico.pt/2024/12/16/economia/noticia/so-quarto-59-mil-casas-resolver-crise-serao-novas-2115649?fbclid=IwY2xjawHNgAxleHRuA2FlbQIxMQABHdivdWO7QV-y2f-kCPMCP-knRLsn4C9sbZg69UNjmAEVPymN7ijvX3ofgw_aem_Shzp5yAYwXvEKAevE17llQ