Muitos anos depois
apareceram os canitos de louça deitados nas chapeleiras dos carros, quase
todos com a língua de fora abanando a cabeça com as oscilações dos percursos,
como se tivessem acabado uma correria
Posteriormente as
almofadas feitas com as tampas plásticas das garrafas, revestidas e por sua vez forradas a croché em divertidas e variegadas cores, mas quando essas modas
pegaram já o meu tio Francisco tinha baqueado, pelo que nada teve que ver com
elas, com a das bonecas dançarinas sim, mas essa foi uma moda ainda muito mais
antiga que muita gente nem lembra já
A Gerónima, que topa
tudo à légua, deu uma cotovelada ao Ribeiro lançando o queixo de velha na
direcção do Dr. Hernâni, estacionando o jipe onde é hábito e que, ao contrário do
costume ficou dentro dele, ao telefone, ou então foi para não dar de caras com
a loira vamp e ex do Branquinho, a qual, como já vai sendo normal, ainda o jipe não tem parado
e já ela lhe forja a espera, diária e matematicamente ainda que não seja catedrática, simplesmente tem um lar para velhos aqui próximo, ao
lado da clínica “Personel”, o queixo de velha mandou-me um tal olhar que nem sei
como não entrei em combustão espontânea
Faz clínica em
consultórios de outros médicos amigos, como o cuco com os ovos, atalhou o Braz,
como se se parasitassem, tem que ser porque dantes ele com eles na rua das Naus e agora eles
com ele aqui nas Hortas Novas, alguém parasita alguém está-se vendo, e chupado
já eu fui uma carrada de vezes nas consultas, custam os olhos da cara, metade
daquele jipe é meu
O facultativo não
desligou nem interrompeu a chamada, meteu marcha-atrás e enfiou o jipe na
transversal, que dá menos nas vistas, e a ex do Branquinho rodou sobre os
calcanhares. O que chamou a atenção da Tomásia foram os sapatos vermelhos Prada
de salto alto uns 30cm, pois a vamp desatou num equilíbrio difícil em direcção à
transversal
Do meu lugar não vejo a
Avenida dos Plátanos, mas sopra-me o Venâncio que olhe de esguelha o fulano da
caixa aberta, lá está, só pode ser para carregar a ruiva da rua de trás, não,
não anda a pintar bem a manta de certeza quero dizer anda decerto senão por que
viria ele carregá-la e descarregá-la nas traseiras da rua dela com este calor ?
ao Venâncio e à Gerónima pouco ou nada escapa
Gosto deste café, da mesa e da montra com o vidro grande, e da esplanada, o sol só bate aqui
à tarde que é hora a que eu não venho e toda a manhã tem sombra ou ar
condicionado, é contudo a panorâmica sobre o cruzamento das avenidas que a
malta aprecia, não tenho lugar penhorado, mas ninguém me ocupa a cadeira
preferida ou há logo discussão, já sabem como elas lhes mordem quando ocupam o
meu lugar, mas isto agora está impossível, só desempregados e pensionistas,
passam aqui os dias, as vidas, agarrados a uma bica que fazem durar a manhã
inteira
O Teles abana a cabeça e
vira o jornal para nós, o rácio reformados / activos passou de 5,6 em 1974 para
1,9 em 2010, e se considerarmos a Caixa Geral de Aposentações, o número desce
para 1,57, é um estudo actual ! frisa
Logo o alarve do
Maurício contrapõe ter tomado conhecimento esta manhã, ao investigar uma
idêntica notícia, dum outro peculiar estudo, a média de dormidas em Évora baixou
embora o número de visitantes tivesse aumentado, cifrava-se em 2010 em 0,8
noites por visitante, o que quer dizer que Évora se pode ter tornado a cidade
da queca, afirmou peremptório com um brilhozinho nos olhos, o maralhal vem,
janta, dá uma volta digestiva para criar ambiente vendo as luzes dos
monumentos, vai pá cama, tic toc, cai para o lado e abala cedo....
nem uma
noite inteira aqui passam ... é o que faz termos auto-estrada e proximidade à
capital... nem Vendas Novas nos ganha, a cidade das bifanas, a carne aqui é do
lombo, e recolheu-se entre risos e fungadelas, como é usual nele…
Esta tipa é professora
de certezinha atira a Rosália de punho fechado e indicador estendido como quem
firma uma aposta, todos os dias a
bica aqui, sempre à mesma
hora, afianço, estacionar como ela estaciona invariavelmente o Toyota, assim
atravessado, e a apanhar dois lugares, aposto que é prof, a minha certeza vem
da segurança e das temáticas que emborca ao balcão ainda com maior rapidez que
deglute o café, querem teimar comigo ? já quando eu era professora na
secundária da Sé os primeiros dez a chegar ocupavam os vinte lugares do
estacionamento reservados à escola e quem viesse a seguir que se fodesse
Mesmo
assim, mas a súcia já lhe conhece o desregramento e finge nem a ouvir…
Aparento não o ver, mas
o marau do Constantino é mesmo bisnau, fechou o supermercado por não estar para
aturar gaspares nem gasparelas, nem as calculadoras nem as registadoras que o
obrigavam a mudar e a trocar de seis em seis meses, e de seis em seis meses só
muda de carro, e quem manda nele é ele, e nem está para trabalhar para os outros,
deixou os fornecedores fazerem bicha à porta, alegou falência, e quem quiser
indemnizações agarre-se á pele dos tomates que isto agora é uma democracia, e
medo tinha o pai dele no tempo do Salazar que agora nem fiscais do trabalho,
mas dizia eu, o bisnau é habitué por aqui e aposto como anda com o nariz no
cheiro das enfermeiras do lar ou das recepcionistas da “Personel” que
aquilo são meninas que com esta, ou apesar desta crise, conseguem que a maralha faça fila lá
na rua e nem por isso vejo os galfarros de unhas envernizadas
Mas até esquecia o meu
tio Francisco com quem, dizem, sou extremamente parecido, o único varão de
treze rebentos que minha avó Teodora deu ao mundo, nem cheguei a conhecê-lo
morreu “môde” aquelas
bonecas plásticas que se punham em cima dos televisores quando a televisão
apareceu, mas aí acho que já
o meu tio Francisco não... vocês percebem… a moda ficara, eram quebradas ou
articuladas na cintura, onde tinham as mãos, como as varinas, e ao mais pequeno requebro ficavam balançando, dançando da direita para a esquerda ou da esquerda
para a direita que é o mesmo lembram-se ?
Não cheguei a conhece-lo, carregado de contrabando, e de bonecas, lançou-se à Guadiana e a corrente, ou
o peso... diz-se também que a guarda lhe andava nos calcanhares, ou as duas
coisas juntas, ou as três, a verdade é que só deram com ele três léguas abaixo,
os olhos comidos pelos cágados, deixara noiva na terra e consternação na
freguesia e arredores, onde era muito apreciado, e desde aí que espanholas
dançarinas nunca ninguém mais, e a minha avó Rosalina tomou luto dos trinta e
cinco até morrer por ter digerido mal um luar que o boticário nem lhe
recomendara
O Guedes do banco e a
mulher na mesa do canto, reformados os dois, ela de dedo nos dentes limpando a
caruma, ele olhando o Skoda novo pela montra, nunca lhe conheceram um carro com
mais de dois anos nem menos de seis meses, e não sendo o banco dele, parecia, e
nem sendo dele o stand Rodas Felizes, parecia sê-lo, porque ele e o gerente do
stand e os créditos e as recomendações coiso e tal que até parece que o gerente
do stand mandava no banco mais que o gerente e tal e coiso percebem… a vidinha ta
“deficil” e muito antes da crise o Guedes foi previdente e quem boa cama fizer
nela se deitará né ?
Que a vida é uma
injustiça é, e por falar em justiça entrou o senhor doutor juiz da primeira
instância, Dr. Apolinário, veio à bica que o café desstressa, e metade dos
clientes levantou-se em vénia de chapéu na mão mesmo sem ter chapéu, chamam-lhe
“ o Algarvio “ por ser mais escuro que um marroquino e se julgar Deus, julga, não tem a certeza, porque a
certeza certezinha só os de segunda instância a têm…
Garanto-vos …