domingo, 27 de fevereiro de 2011

28 - CHAMAVA-SE ROSALINA...

Chamava-se Rosalina, e, há bem mais de trinta anos foi um dos meus amores de juventude.

Na verdade nem chegou bem a ser um dos meus amores, foi mais uma paixão, ardente enquanto não concretizada, proibida logo que consumada.

Cada vez que dela me lembro, recordo não sei por que analogia, os cristãos atirados aos leões no Coliseu de Roma.

Um dia descobrirei porquê, basta que numa daquelas sextas-feiras de borga a que me habituei com um desusado empenho, me calhe ao lado no balcão ou na mesa, um qualquer psicólogo ou psiquiatra pois só acredito neles ante duas premissas que refuto de imprescindíveis, que quer eles quer eu estejamos bêbedos, o que, quanto a mim é de difícil solução pois que, por muito que beba, nunca ultrapasso aquela linha invisível que só eu vejo, pelo que há mais de três décadas bebo quanto me apetece sem que jamais tenha levado para casa uma tosga, que detesto, tal a má experiência tida com as únicas duas que apanhei ainda jovem e jurei não repetir, o que tenho cumprido.

Mas estou a desviar-me da conversa essencial e com que vos prendi a atenção, a minha paixão pela Rosalina, que, demasiado jovem e medrosa, me prendia com sorrisinhos tão escondidos quanto subtis, denunciadores de que conhecia a paixão com que meus olhos a contemplavam, e ma retribuía, mas sem que me desse oportunidade de com ela falar por um minuto que fosse.

Eu era por essa altura um banal funcionário de um escritório frente à casa dela, que, dado o facto de ser o mais novo na casa e o mais novo de idade, fazia praticamente só recados, tendo, como facilmente poderão avaliar, uma posição invejosa e o futuro assegurado !

Quem não ia nessa eram os pais dela !

A mãe doméstica e sempre espreitando o largo, o pai motorista de uma afamada casa do então capitalismo rural alentejano e motivo suficiente para o fazer inchar perante meros motoristas de camiões de fardos de palha !

Pois se ele até tinha uma farda !

Embora já lhe tenha perdoado a estupidez nunca gostei do raio do homem !

Bem, mas voltemos à vaca fria de cujos pormenores já nem me lembro bem.

Sei que um dia a pretexto de uma necessidade minha, solicitei à Rosalina que me emprestasse o seu estojo de desenho, eu frequentava a antiga Escola Comercial nocturna, estojo que ela prontamente colocou à minha disposição.

Eu não necessitava daquilo p’ra nada !

Mas dois dias depois fiz-lhe entrega do mesmo, com agradecimentos exuberantes e, dentro do estojo, bem colocado e visível, um lindo amor-perfeito exalando ainda um odor de fazer cair para o lado até a portadora do mais empedernido coração !

Como podem ver tinha nessa época artes de conquistador que com o tempo fui perdendo pois a idade tudo dá e tudo tira né ?

Apenas sei que a nossa Rosalina, chegada a casa e tendo ido ver se faltaria algum componente, ou se algo estaria estragado, ao olhar o amor-perfeito deve ter sofrido uma solipampa de coração e, por que razão não morreu, ainda hoje estou para saber, tão afogueada me apareceu de imediato à porta, atirando-me com uns olhos que vieram rolando até mim, quais berlindes do mais lindo e colorido vidro com que alguma vez jogara ao perde paga ! 

E aqui perco os pormenores necessários à veracidade da coisa, remotamente recordo que falámos ás escondidas dos pais, que namorámos bastas vezes no jardim de Évora e na mata pública, que ela corava de cada vez que eu lhe dirigia a palavra, que nunca nos beijámos nem sequer apalpámos, tal a timidez dela e a minha falta de desenvoltura, mal do qual ainda hoje me não livrei e me atrapalha a vida sempre que coisas de sexo vêm à baila, pois que nem com os amigos estou à vontade para as discutir, e me retiro solenemente para o mais afastado canto do balcão remoendo as minhas limitações.

Mas esse é um problema meu que não é para aqui chamado entendidos?

Sei que ás tantas passeávamos guardados por um ou outro dos irmãos dela, até que o supremo juízo dos pais a desviou de mim, moço de recados e safado sem posição nem futuro, almejando aqueles pais, muito honesta e aceitavelmente, um mais promissor futuro para aquela linda e única filha.

Passaram-se anos, o desgosto que tive nem deve ter sido muito pois que nem o lembro, e podia ter aproveitado a oportunidade que se me oferecia para me ter tornado alcoólico, drogado ou coisa assim de acordo com a merda que era, e me teria permitido dizer mal e contestar esta sociedade abertamente e com razões de queixa e de fundo !

Mas não, fui-me esforçando, trabalhando e evoluindo com os anos, como os vinhos, por isso hoje sou o biltre refinado e apurado que vocês conhecem, mas nessa época era um honesto cidadão que até no país e no nosso futuro comum acreditava !

No entretanto a Rosalina, cumprindo o velho sonho dos paizinhos, casou com um esbelto e jovem bancário da terra, enfim, um espécimen que honrou toda a família, que ela trazia pendurado do braço com orgulho, tendo-me constado que só as bodas demoraram sete semanas, pelo que a partir daqui poderemos imaginar a noite de núpcias, talvez sete noites e sete dias, e a lua-de-mel, salvo erro e pela mesma lógica, de sete meses !

Estavam satisfeitas todas as ambições daquela pacata e feliz família, não fora o facto de os olhos de vidro da Rosalina se terem tornado maiores que a barriga, imagino eu, e o bancário ter sido tentado a consumar um desfalque que atirou com ele para o olho da rua e, para desgraça de todos, se ter tornado a vergonha da terra.

Ignoro como me verão hoje aqueles velhos pais que tanto se encarniçaram em ter-me escorraçado da sua porta e da vida da sua única e querida filhinha, sei apenas que, apesar do desbragado por quem muita gente me toma, talvez não tivesse feito feliz a Rosalina, mas a eles decerto não teria desiludido.

A vida é mesmo fodida não é meninas?

Bem… eu agradeço àqueles velhotes tudo quanto fizeram por mim, pois que se não tivessem sido eles talvez ainda hoje estivesse a viver com a Rosalina dos grandes olhos de vidro !

Que sorte a minha ! Fogo !

Obrigado Deus !

(aviso ás almas mais sensíveis; tudo quanto afirmado nesta crónica é pura ficção, baseada na mais solene liberdade de inventar a que eu pudesse ter tido oportunidade de dar corpo !!!! eheheheh !!!! Uma Skol à tua saúde amiga !!!!!!!!!!!!!!!!!!)







27 - SER, QUERER, PERDER, DESISTIR, ESQUECER...



É quando o céu infinito nos parece, e tudo se nos afigura possível, que tempestades desabam, a solidão nos envolve e retira a esperança de mais um dia feliz.

E o mundo, este mesmo mundo que nos alimenta sonhos, ilusões e verdades, também nos lacera e angustia, porque se há sempre uma hora em que guardo para mim todas as emoções, também uma outra em que todos estamos, algumas vezes por um triz, até tu, até eu, temendo essa hora, em que o dia não há-de, como era uso, nascer e correr ditoso.

E sinto-me tolo, sem que saiba que se passa, pois algo houve, ou quê, ou como e quando que não entendi e me pergunto, que se passa, quem travou a tão perfeita harmonia desta bola de neve rolando no firmamento, e repentinamente parou, sem que eu saiba ou alcance o porquê.

Sempre as aves de arribação me toldaram os sentidos, coloridas, graciosas, chegadas antes da Primavera.

E, ou por isso, talvez por causa disso, ou apesar disso, a uma dei guarida e pouso quando surpreendido a encontrei no beiral da vida, enquanto outras ensaiavam voos felizes, circunvoluções sobre as ruínas de um castelo que nunca visitei.
Cansada ? Perdida ?


Certamente o não saberei nunca, imagino que naturalmente tão tresmalhada ou fatigada quanto eu, por isso quisemos ser amigos e fomos, somos, sempre seremos, mas tirem-te a liberdade que provaste e matar-te-ão. Sei-o minha amiga, compreendo, e aceito.

Gaiola não é para aves, e domesticá-las só para alguns eleitos.
Não sou falcoeiro, muito menos o homem que procuras, dediquei-te contudo muito do meu tempo, sei que todos os dias são amor e nada me dava mais regozijo que passar os dedos p'las tuas penas coloridas, suaves, deixar que debicasses os meus lábios, que fixasses em mim esses teus olhos, confusos, intrigados, mas que vi profundos, ternos e meigos.

Vai-te, vai com os teus, sê feliz. Já deixaste na minh'alma recordação imorredoira, um coração grato de amor, uns olhos fixando os céus e procurando, em cada ave voando, distinguir tuas formas e tuas cores, porque afinal uma andorinha houve que sozinha fez a Primavera.

E no mesmo canto da janela dos meus olhos encontrarás, como sempre, alimento e água, um lugar p'ra repousar, um dedo acariciando-te as penas, uns olhos nos teus olhos, um coração batendo em sintonia…

Desta vez sim amiga, não sei, não distingo entre lamento e despedida...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

26 - ESTOCADA...


Que se passou ? Que passou ? A polícia matou ! *

Todos se mexem excitados, correndo cada um para seu lado, evitando as balas, ou não sabendo que evitar foge-se e evita-se qualquer coisa, mesmo que nem se saiba bem o quê. Há que evitar o pior e pior são sempre as dores, o sofrimento, os estragos.

Não pensem estar ouvindo o relato de uma carga policial no Bairro da Fonte, ou numa qualquer favela de um qualquer país latino-americano, estão assistindo, por volta de 2002, ou 3, à abertura de um concerto ao vivo dos “Manu Chao”, em Paris, e ao vibrar de uma multidão, um vibrar rouco, um ronco surdo, que nos colocou a todos em polvoró e ululando felizes sem saber bem porquê.

Assim ficaram os meus neurónios, neurónios modo de dizer, acho que só tenho um, não sei, nunca os contei, sempre me limitei a concordar com o que sobre eles dizem, mas continuo achando ter um apenas, só sinto um percebem ? Superexcitado mas um ! Deste modo se sentiu o meu único, ou, como soa dizer-se, se sentiram os meus neurónios há dias. Não sei se um só se muitos, ou todos, sei que, sendo eu por formação espartano nos desejos que instigo, sujeito e exponho, aspiro ou submeto, ao sentir uma virtual estocada se me excitou porém todo um mundo de conexões que nem sabia estarem ou existirem em mim, pelo que apenas posso desejar que, de acordo com hábitos e uma moral própria há muito praticada, mais adaptada que assimilada, continue o mesmíssimo estóico de sempre perante a dor, o sofrimento, a excitação e a tentação.

Bateram onde dói, e bateram com tal força que temo ser sinal falso aquele desafio que quase o nem chegou a ser, tão rápido foi resolvido, mais parecendo onda morrendo na praia.
Não foi.

Contudo todavia mas porém não foi, e se não largo mão de um certo vídeo, King África, Paquito Chocolatero, é tão-somente por ele ser o que até hoje mais conseguiu identificar com o meu modo de ser, com a música que me encanta, existiu desde o primeiro minuto uma empatia uma alegria espontânea entre aquela trupe e o meu espírito, mudaram a beleza dos meus dias, espelharam em simultâneo em  mim a emoção do turbilhão que sempre são os meus pensamentos sonhos e desejos.

Nunca somos quem nos pensamos, somos para além disso, de tudo que nos imaginamos, e alguns de nós tão grandes, tão imensos, que nunca se nos vê o fim, nem adivinha o futuro. Nessa imensidão sou e me perco, me perturbo, me agito, como se eu fosse muitos, correndo cada um para seu lado, fugindo, evitando qualquer coisa, pois mesmo que nem saiba bem do quê há que evitar o pior e o pior serão os estragos.

Nem sei se dos homens há queixas de matadoras que os procurem dominar ficando-se por aí os seus intentos e vinganças. Sei que me vi num dos primeiros filmes de Almodôvar e como tal me sinto vítima de uma estocada da qual inda não recuperei porque o ferro tocou bem fundo e nem espaço tenho para tais sonhos albergar, quanto mais tentações, desejos ou aspirações acalentar ou permitir-me.

O espartano que há em mim quer nos desejos quer nas tentações a que me sujeito, há muito exigiu, de urgência diria, o mesmíssimo estóico de sempre perante a dor e o sofrimento, tão só por terem batido onde dói, e batido com tal força que nem sei dizer-vos nem contar-vos quão bem me sinto por finalmente ter dado uso a neurónios que nem sonhava haver em mim, nem sonhava existirem, e funcionarem.

E talvez por serem novas as suas conexões, andam, vibrantes e aos saltos como átomos numa molécula, provocando em mim visões e miragens ora repentinas ora duradouras, de peixinhos doirados a rosas totalmente azuis, como se a natureza tivesse cambiado as suas cores somente para me agradar e manter em mim a esperança nem eu sei no quê.  

A estocada primeiro, o silêncio depois, como se sapiente carrasco soubesse precisamente onde remexer e instalar inquietação, obrigam o estóico espartano que sou a ser paciente, a aguardar, sem sobressalto nem inquietação o que os dias e os Deuses entenderem ofertar-me, ficarei grato. Até lá, havendo quem aproveite as férias para pensar, aguardarei contudo que findem para sobre o fenómeno me debruçar, procurando entendê-lo, ou interpretá-lo sem alarme, desassossego ou perturbação que me tolham a presciência do porvir, calmamente o aguarde, calmamente o incarne, calmamente o acolha.

Será como auguro?

Ou dada a estocada estará cumprido o objectivo ?

Como será ?


* https://youtu.be/emhRyBsa47w


quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

25 - SÓ UMA PROFESSORA MAIS, MAIS UMA ? ...


      

 Chutei, como se os corresse a pontapé, uma dezena de livros de diversos autores políticos com que esbarrava amiúde e vulgarmente me estragavam o dia, a noite, ou pelo menos o momento. Uma insinuação de gripada que me assaltou com os frios trazidos e uma neura inconfessável que leva já quase um mês de duração, quebraram-me toda e qualquer disposição para o que quer que seja, ou fosse.

 A ameaça de gripada tem sido tratada com mezinhas caseiras, muito medronho, ou ponche, em canecas bem quentes e cheias, e idas bem cedo para vale de lençóis de modo a suar bem e expurgar o maligno. A neura, essa, duvido que algum dia me passe, mas isso são contas de outro rosário.

 Meto-me na cama normalmente com um livro, adoentado ou não, é hábito velho que duvido alguma vez abandone, a minha gata não preciso chamar, muitas noites mal me estendo e já ela está a meter-se pela roupa aconchegando-se a meus pés. É um amor aquela gata, e como não morri após tantos anos de fumaça, não será ela a acabar comigo decerto, para mais vacinada e tratada a tempo e horas, cuidado que nem comigo mor das vezes tenho.

 Na balbúrdia da minha raiva, tirei ainda a tempo do lixo, um livreco que andaria pelas estantes há uns bons quinze anos, inacreditável mas vero, vos afianço. Não estivesse eu a extrair dele uma leitura tão ternurenta e confesso nem me acudiria ao espírito dar-vos conta deste corriqueiro pormenor que, aparentemente, vos interessará tanto como aos anjinhos.

 No momento em que professores e professoras, mantêm com as ministras uma tão áspera refrega sobre a avaliação, a descoberta desta obra de Luísa Dacosta, “Na Água do Tempo” – Diário, Quimera, 1992, e que congrega notas suas, dispersas, desde os anos cinquenta e creio, de toda a sua vida de docente do ensino básico, caiu que nem mel na sopa.

 Antes de mais deixem-me que vos diga denunciarem as suas notas uma inteligência, sabedoria e intuição e sensibilidade extremas, coisa que sobremaneira aprecio numa mulher, de raro que a coisa me é dada a observar. Dos homens nem falo, se fosse para vos falar de estupidez ficar-me–ia por mim e teria sobejamente matéria mais que suficiente, também fui professor e nunca pensei aligeirar as culpas que carrego.

 Mas esta mulher transpira ternura, maternidade e doçura por todos os poros, o que deixa transparecer ter antevisto muito, e descrito ainda mais, tanto tempo antes de muitos de nós, coisas com que por vezes nem sonhámos, o que se torna simplesmente desarmante. Os relatos de episódios das suas aulas e da sua vida, modo de ser e mentalidade, avivaram na minha memória a presença da D. Cristina, minha professora primária em S. Miguel, ou melhor, Regente, e de quem guardo igualmente gratas recordações.

 Muito mais que a trampa de livros de pedagogia e didáctica que me forçaram a ler, professorezecos e zecas que nem consigo lembrar, mais valia que este livro tivesse sido de leitura obrigatória no decorrer dos cursos de ensino, pois que não ensina, mostra, não desfia regras e normas, forma, não venera teorias e abstracções idiotas, educa. Que pena não ter aqui e agora para a conversa a minha amiga Petra, também ela professora do básico, e com quem de quando em vez me alargo em conversas sobre o vasto campo de acção do ensino de criancinhas de sonho, como ela lhes chama.

 Voltemos à Luísa Dacosta, cuja existência ignorava mas agora conheço de cor e salteado, também graças à Net, Luísa a quem humilde e decerto tardiamente deixo o meu agradecimento e testemunho, pela pessoa que é, pelo tanto bem espalhado sem esperar daí mais que a grata recompensa de se saber útil aos demais, pela consideração que com a sua postura fez reflectir sobre todas as mulheres mas, e sobretudo, pelo amor inquestionável que fez verter da sua vida e com o qual tantas crianças terá abençoado.

 Eu dar-lhe-ia nota vinte, nem imagino como, com este modelo de avaliação, seria ela classificada.

 Afinal esta ameaça de gripada teve para mim uma vantagem notória.

Mas o resto?

  Ai o resto!

 Que merda de vida…

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

24 - SENTIDOS E EMOÇÕES...


Meu tio Sofio, já velhinho mas nem tanto como pensarão, convocou toda a família com aviso de recepção, para que não faltássemos à comemoração das suas bodas de platina. Não sei quantos anos ele tem, e muito menos quantos comemora de casado, dado que está decididamente brincando...

O que sei, porque chegou em carta registada, é a data da sua morte.

Meu tio Sofio tem um cancro terminal que alimenta e o devora há vários anos. Desta não é para brincar, os médicos recomendaram-lhe o tratamento das partilhas e heranças enquanto vivo de molde a poupar depois trabalhos aos que ficam. Diligente, ele tem-se esforçado ao máximo, com o mesmo e rasgado sorriso com que sempre enfrentou, palavras dele; - “ a puta da vida”.

Desta vez, para comemorar as bodas e a sua partida próxima, promete uma festa de arromba e uma maldição sobre os faltosos. Não vou arriscar, o fato preto com que casei ainda me serve, servirá para a festa e algum tempo depois para o funário.

Só quem conhece meu tio Sofio acreditará nesta história, a primeira que conto de verdade de uma pontinha à outra. Invejo-o. Não porque vá morrer, mas pelo espírito com que enfrenta a coisa. Bazófia não me tem faltado e sempre me tenho comparado em muitos aspectos ao meu tio Sofio. Deixa ver se na hora H mantenho a mesma firmeza e disposição. Talvez ele tenha perto de oitenta anos, ou nem tantos, mas garanto que já viveu pelo menos centena e meia.

Ainda jovem navegou para Angola em defesa daquela nossa colónia e por lá ficou após ter saído à peluda. Bom mecânico de equipamento pesado, facilmente garimpou lugar na Diamang Dundo, a sociedade mineira da Lunda e a maior empresa da África portuguesa, onde, nesse lugar remoto, se poderiam ver as maiores máquinas mecânicas, com quatro, dez ou vinte rodas. 

Quando militar, e porque os aerogramas do Movimento Nacional Feminino permitiam gratuidade na correspondência e resposta certa, arranjou, como outros magalas da época, uma madrinha de guerra na metrópole. Maria Ana se chamava ela, e nem sei como calhou começarem a corresponder-se sem jamais se terem visto, e sem que a escrita fosse o forte de qualquer deles.

Acho que o Movimento Nacional Feminino incentivava as moças na metrópole a não negarem apoio moral ás nossas tropas no terreno. Acho, e quase tenho a certeza. Conheceram-se por carta, por aerogramas, trocaram fotos, julgo que ainda a preto e branco, e tantas cartas trocaram que esgotaram o baralho e ás tantas iniciaram-se com um outro de tal modo viciado, que lhes mexeu nos sentidos e revirou as emoções. Tão viciado que se enamoraram, pediram em casamento e casaram, por procuração, sem que alguma vez se tivessem visto, tocado ou falado.

Ele lá, ela cá, que só depois de casada rumou a Angola para se juntar ao marido e exercer no Hospital da Lunda, já que era enfermeira de profissão. Foi um casamento feliz do qual resultou o meu primo Sandro, bom rapaz e bom “vivant”, prova provada de que saiu ao pai, pai que antes de todos retornou a Portugal, e, ou antes ou já depois, não recordo, correu mundo como mecânico especializado de equipamento pesado e granjeou imensos conhecimentos, amizades e fortuna pelas Arábias, Israel, Egipto, Jordânia, África do Sul, Estados Unidos e Brasil, entre os que recordo, embora tivesse havido mais.

Mas esta crónica não é sobre os países que meu tio Sofio conheceu, é sobre um casamento com décadas e que a tudo sobreviveu apesar de ter tido origem num modo tão informal. Discussões sempre houve algumas, que eu saiba sem consequências, e divergências nem lembro, pelo menos que tenham sido de fundo. Agora sim é que ninguém cala a minha tia Maria Ana que lhe não perdoa ir-se embora assim sem mais nem menos, sobretudo sem o consentimento dela.

Falei há dias com eles pelo telefone, e juro que nunca os tinha visto tão animados com uma festa. Eu tentando manter uma conversa sóbria e formal, ainda que sem qualquer êxito !

– Berto! Não faltem ouviste ! E traz a tua boina das farras ok ? E não faltem que não vos perdoaremos !

– Deste lado do bocal eu ria para eles e chorava para mim.

Por muito alegre que seja jamais igualarei no espírito e na atitude a displicência de meu tio Sofio perante a vida e sobretudo ante a morte.

E chamavam-lhe na família um mulherengo, imaginem !

Acreditem que é verdade.



23 - UMA QUESTÃO DE NEURÓNIOS......................


Costumo afirmar, na brincadeira, e somente junto do meu círculo de amizades íntimas, que sou um santo. E nem me admira que não abram a boca de espanto, conhecem-me… Dir-vos-ei o que lhes disse a eles tantas vezes já, que somente não uso a auréola, não porque a não tenha, mas por ser incómoda, por demasiado pesada e me ficar ligeiramente apertada, o que ao fim do dia se torna extremamente doloroso, mas sobretudo por ser demasiado exuberante e dar imenso nas vistas, razão pela qual a guardo na bagageira do carro para não enferrujar, mas estar sempre à mão.

Ninguém desconhece quantas vezes ser a brincar que as verdades se dizem, por isso os amigos são para mim tão condescendentes quanto o melindre da questão o exige. Até eu já me convenci do facto, em tantas ocasiões uma mera suposição é afirmada que se converte numa verdade aceite, sobretudo quando sou eu mesmo quem melhor me conhece as virtudes e os defeitos, e cujo saldo reputo de singularmente positivo e me incita a superar-me a cada dia que passa.

Por vezes, muito remotamente, uma ou outra alma lá reconhece pública ou pessoalmente que sim, que se não sou santo andarei lá muito perto. Agradeço, intuo a responsabilidade inerente, que assumo ou assimilo, e continuo a minha saga procurando não desiludir quem quer que seja e mostrar-me digno da confiança em mim depositada. Vem isto a propósito de uma estranha ajuda solicitada por amiga minha, nem jovem nem mulher madura, a Beatriz, pedido a que anui não tanto por me considerar à altura do repto, mas por ter já há muito constatado não primarem as pessoas, na generalidade e actualmente, por predicados que bons anos atrás faziam parte da formação ou do saber de qualquer um.

Queixa-se ela não conseguir atrair sobre si as atenções de um macho e jovem adulto por quem se apaixonou, mau grado os esforços que tem desenvolvido nesse sentido, só faltando mesmo declarar-se-lhe, coisa que ela não quer fazer por entender dever ser o macho a detectar os sinais e a tomar então a iniciativa. Não vou aqui discutir feminismos nem machismos, igualdades de direitos ou de géneros, apenas evidenciar um pensamento e os inerentes comportamentos, atendendo a que estão em causa os caracteres e personalidades dos envolvidos, a Beatriz e o Bernardo, nomes fictícios mas que para o efeito servem perfeitamente.

Há muito me dera conta que, pelo lado masculino existe um deficit de cavalheirismo, de etiqueta, de romantismo, para não dizer mesmo até educação e formação, coisa que mal nenhum faria a que homem fosse e por certo deixaria as damas felicíssimas. Não, isso não acontece, e ao invés, infelizmente, chegam-me quotidianamente queixas de falhas de educação raiando a alarvice, o que, convenhamos, nada dignifica os machos das nossas urbes. É certo que eles também protestam quanto à falta de feminilidade actual do sexo oposto, ao deficit de sensualidade, ao abuso pelas mulheres de terminologias pouco dignas do seu estatuto, enfim, penso que também os compreenderão. Verdade que falo de generalidades, excepções sempre haverá ou tudo estaria negro mas, o que me chega aos ouvidos, mais não é que fruto do analfabetismo funcional e da iliteracia que tanto teimam vingar entre nós e onde, para nosso azar, encontraram terreno fértil. 

           Amiga com quem por acaso uma vez abordei a questão falou-me em neurónios, que, ou não funcionam, simplesmente não existirão ou terão as conexões tão falhadas quanto um fusível queimado. Talvez ela tenha razão, eu é que não entendo nada de entomologia, de electricidade ou electrónica, e de neurologia ainda menos.

Mas que a Beatriz tenha que quase se deitar aos pés do marmanjo por quem se perdeu de amores, ou que ele não vislumbre nela os mínimos sinais de uma paixão, são indicadores preocupantes do modo como o nosso mundo se encontra. Que a Beatriz não possua as inatas e velhas artes de sedução e tenha que se socorrer de mim, celibatário confesso e ignorante nas coisas do amor devido ao tão grande desfasamento prático de que padeço, se bem que me honrem, mostram-me sobremaneira o estado de desespero em que se encontra e o desânimo que sobre ela se abateu.

Aqui declaro por minha honra estar disposto a tentar um milagre, mas a Beatriz e o Bernardo, terão que, em ocasiões alternadas, vir passar comigo as noites de uma dúzia de sextas-feiras e aceitar as despesas por conta. Onde me encontrar saberá ela, há muito frequento regularmente o mesmo bar e associação entre as 22 de sexta e as 2 da manhã de sábado, no mínimo.

Estou pensando seriamente imprimir umas pagelas com a minha imagem, endereço electrónico e nº de telemóvel, que acham da ideia?

                      


domingo, 20 de fevereiro de 2011

22 - MENINA PRECISA-SE...



Como tudo está mudado ! Nunca pensei que volvesse pastelaria ! E tantos anos aqui passados, jamais o tempo me apagará as recordações dessa época. Quase diria terem sido os melhores anos da minha vida. Ali era a minha secretária, acolá a do senhor Justo, coitado, que será feito dele? Olha! Nem de propósito ! A bolsa que trago hoje foi oferta dele ! E que boa tem sido !

Coitado, não aguentou esta crise, e era tão bom homem, sempre carinhoso comigo, se precisava de alguma coisa ou não, e, verdade seja dita, mais nenhum homem reparou, como ele reparava sempre, mas sempre, no baton que trazia, se trazia ou não, e se não trazia porquê ? Que se passava ?

Sempre solícito, se eu estava doente ? Se era desgosto ? Se eram aqueles dias ? Que amor de homem, nada lhe escapava, se eu mudava ou deixava de usar um anel, a mais pequena alteração no rouge, nada lhe escapava, era incrível !

E a megera com quem era casado ? Era e é coitado, nem vale a pena dizer que nunca o mereceu, nem merece, e os olhos que me mandava cada vez que vinha ao escritório, até me arrepiavam ! Que mulher horrível ! Má, ciumenta, desconfiada, nunca vi como aquilo ! O senhor Justo era precisamente o contrário ! Atencioso, carinhoso, merecia melhor, tirando o bafo no meu pescoço, que devido ao tabaco eu detestava, até ao fim nunca tive a apontar-lhe a mais pequena coisa, antes pelo contrário.

“PRECISA-SE MENINA”… precisada ando eu, menina é que ora está bem, há quantos anos isso foi ?

Parece que a minha sorte anda ligada à do senhor Justo, desde que ele adoeceu e fechou o gabinete que não consigo arranjar trabalho, mas servir ? Fosse o senhor Justo o homem que foi se ele alguma vez me deixaria andar a servir ! Era o deixavas !

Recordo tão bem ! Ali era a minha secretária, acolá a do senhor Justo, sempre virados um para o outro, e foram anos, sempre tão meu amigo, confesso que hoje estou arrependida de o ter ofendido, eram outros tempos, se não era uma menina era pouco mais, não devia ter ainda trinta anos, e recusar-lhe o apartamento e o carro que me quis oferecer… hoje acredito que a minha recusa o tenha ofendido, hoje acredito que ele não estava a brincar, que me amava mesmo, jamais o tempo apagará as recordações dessa época, foram os melhores anos da minha vida.

Como o teria feito feliz !

E nem teria sido preciso muito, bastava ter sido diferente da megera com quem é casado, coitado, nem vale a pena dizer que nunca o mereceu, nem merece, nem alguma vez merecerá. Fomos tão felizes, podíamos ter sido tão felizes, amei-o de verdade, tão bom homem, sempre carinhoso comigo, sempre solícito, nada lhe escapava, tão atencioso, tão carinhoso, e eu, feita parva, ainda o ofendi com a minha arrogância, não me perdoo.

Tão felizes fomos aqui !

E já nem há homens como ele, isso não há, não há e há muito tempo ! Ainda lembro aquela vez, era Inverno, já passava das seis, ele estava a vestir-me a gabardina, de repente faltou a luz, e lá fora já noite, e tão escura, os estores descidos, e derrubámos os papéis todos da secretária ! Só no dia seguinte os apanhámos, foi tão bom, foi desde esse dia que vi quanto ele me amava, devia ter deixado o quarto, hoje tinha o apartamento, talvez não estivesse tão mal, tão só, ele sempre quis o melhor para mim, eu é que fui parva.

Olha no que deu a minha mania da independência.

Amei-o, não posso garantir mas acho que a meu modo o amei. Ter-lhe-ia dedicado a vida, mas como, se ele era casado ? Tenho a certeza que a nossa separação, mais que a crise e a falência o prostraram no estado em que está, como teríamos sido felizes ! Foram os melhores anos da minha vida, acabar ao lado daquela megera, que pena, dizer que nunca o mereceu é pouco, nem alguma vez merecerá.

Fomos tão felizes, podíamos ter sido tão felizes. 



sábado, 19 de fevereiro de 2011

21 - PALESTRANDO COM INTENSIDEZ...................



Caríssimos amigos, desejo em primo testemunho expressar quanto me é grato encontrar-me esta noite entre vós, e o prazer que me é concedido pelo facto de no vosso seio ter sido acolhido.

É evidente que a minha presença aqui tem que ver exclusivamente convosco, sois vós o motivo dela, é para vós que me dirijo, humildemente, em atitude de gratidão, de reconhecimento pelo que hoje sou, pelo homem em que me tornei, pelo ser humano em que me haveis transformado, pela felicidade que me haveis trazido.

Recordo, quando ainda pequeno, o deslumbramento que em mim haveis provocado, primeiro com as imagens, posteriormente com a lúdica abstracção da criação delas, partindo de linhas simples que aprendera a decifrar.

É grande como podeis constatar o conforto que sempre, ou desde cedo me haveis prodigalizado, as aventuras proporcionadas, os desafios em que me haveis estimulado a participar, as metas que a cada dia haveis colocado à minha frente para atingir, o saudável e pausado crescimento dessa forma obtido, a maturidade calma e segura cuja culpa a todos vós atribuo e agradeço.

De vós me alimentei a vida inteira, em vós encontrei a fonte da eterna juventude e o pote recheado de ouro da sabedoria. Foi através do arco-íris nele enraizado que, saciado de vós, ousei imitar-vos, pois já me não bastava nutrir-me do que sois, uma vez a necessidade satisfeita exigia que me transformasse, que fosse mais um entre vós, que sempre me haveis rodeado do melhor que sinceridade, amor e amizade podem facultar e, em cujo seio me acolhi, cresci e debutei ainda bem jovem.

Parte de mim está hoje aqui convosco, a outra parte sou.

Muito de mim cresceu à vossa imagem e semelhança, o resto de mim tornou-se naturalmente ou metamorfoseou-se sacramente no que sois, no que somos.

É portanto chegada a hora de reconhecer quão grato me sinto e sou, porque entre vós, porque como vós, partilhando uma avidez, uma ânsia de, a vosso exemplo, outros contaminar ou influenciar, como comigo haveis diligenciado, e único modo de vos compensar ou perante vós quitar tamanha divida e gratidão.

Modesto, tento imitar-vos, singelo, ouso timidamente entre vós estar e permanecer. E nem me conheço mais grata ou maior ambição que esta de me elevar pelo valor e mérito que convosco aprendi a cultivar, a par da humildade e da simplicidade que somente o saber ensina e a luz aponta. 

Convosco em mim as trevas viraram fulgor, as incógnitas soluções, as variáveis certezas, as dúvidas fundamentos, as consequências causas, a insegurança probidade, a hesitação um rumo. Inimaginável se tornaria sem este meu testemunho quanto vos devo e quanto de benéfico em mim resultou de vós.

Jamais renegarei ou esquecerei tudo quanto a vós devo, da meninice ao homem em que me tornei ou me haveis tornado.

E, num tempo em que as amizades leais escasseiam, nunca vós haveis regateado o altíssimo valor que em minha feição sempre experimentei e do qual me servi, numa dádiva que sempre pressenti desinteressada mas cujo merecimento nunca deixarei de reconhecer ou serei capaz de amortizar por muitos anos que viva.

Hoje sinto-me orgulhoso, entre os meus, e, ao sentir-me rodeado por vós, um conforto inexprimível me envolve, e, como que num abraço, vos confesso o reconhecimento de que a minha vida tem sentido, tem causa e consequência, tem motivo validade e razão, porque hoje tenho por adquirida a certeza de ter que ser perante mim e para mim que esta satisfação, esta avaliação de como sou e quem sou tem forma, conteúdo, substância e importância.

Obrigado.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

20 - ESQUECEU-ME...

Esqueceu-me.
Admitindo algum racionalismo na sua atitude, esqueceu-me, pura e simplesmente esqueceu-me.
Ou me esqueceu ou me ignora.
E nem no intervalo desse maldito jogo!
Poderia simplesmente ter-me enviado um “sms”, rápido, apenas um”bj”, eu saberia que estava pensando em mim, que não me esquecera, que não me ignorava.
Mas não.
Nada.
Já consultei a Net mais de 100 vezes nos últimos 60 minutos, e nada.
E teria sido tão fácil, tão simples.
Um só "amarelinho" que fosse, qualquer outro bonequinho ou símbolo simples, acciona-se com um simples teklar, e não, nada, eu teria sabido, ele nem imagina quanta coisa um simples bonequinho pode dizer, ou saberá?
Claro que sabe! Quem não sabe?
Ignora-me.
Pura e simplesmente ignora-me.
E eu para aqui inquieta. Do telemóvel para o PC, do PC para o telemóvel, e nada, e se não me esqueceu o que significa o seu Silêncio?
Sei como adora o futebol, mas o intervalo já passou e nada, e um "sms" ou bonequinho não custam nada a enviar, porque não o faz?
Bem sei que não há entre nós qualquer compromisso, na verdade nem estou certa de ele ter percebido quanto o adoro, com certeza percebeu, que homem não percebe essas coisas?
O carinho com que o mimoseio nas minhas mensagens, as respostas prontas e a disponibilidade que lhe concedo, será que ele não percebe isso?
Admito que me precipitei um pouco ao dar-lhe o meu número de telemóvel, mas para quê interrogar-me, se ele nunca me ligou, nunca uma única chamada, nunca um simples "sms".
A parva devo ser eu, que me empenhei nesta amizade, nela coloquei todo o meu ânimo, a minha esperança, e nem isso ele perceberá?
Esta constância, a assiduidade com que visito a sua página, os corações que lhe mando, é impossível não ter percebido o quanto gosto dele.
Então porque nada me diz?
Nem um "sms", nem um bonequinho, um sorriso, eu ficaria tão feliz!
Será que não sabe isso? Ou simplesmente não me percebeu?
Ou não quis perceber-me? Corresponder-me? Comprometer-se?
Só pode ser isso, foge a um compromisso, ou foge ou tem medo, teme os compromissos, teme-me, e não imagina nem sonha quanto lhe quero, quanto o sonho, quanto o desejo.
Bastar-lhe ia dizer uma palavra, uma palavra só, e a minha alma seria dele, minha alma e eu, toda eu, e não consigo ficar parada, salto do PC para o telemóvel, do telemóvel para o PC, e ele nada, nem um beijo, um bonequinho, nada, esqueceu-me, esqueceu-me ou ignora-me.
Não suporto, ai de mim, hoje não suporto isto!
E o jogo já acabou. Que andará fazendo? Onde? Com quem? Que nem me liga, que nem me liga, nem ao menos um "amarelinho" aquele estúpido!
Podia ter-me se o quisesse, adoro-o, amo-o loucamente!
Mas não, nada diz, nada faz, esqueceu-me, ignora-me, não o suporto!
Já não posso nem vê-lo! O arrogante! O convencido! Já vais ver!
Onde está a tecla DEL?
Tok, já está! fora!
Ai de mim que alívio, foste um sonho mau que tive, coisa que passou por mim, já eras, pois isso, era uma vez, já foi…
Deixa-me acalmar, deixa-me sentar, olha!
Quem será este? Que giro!
Deixa-me ver, que original! “BLUE DREAM”, que engraçado! Que espirituoso!
Quem será?
Vamos ver!
Tok! Já está!
Que lindo!!!!!
Que querido!!!!!!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

19 - DOMINGO..............................................................


Sim, aquele dia começou radiante, como se nas margens de um rio a beleza das cores, a frescura e fragrância dos dias felizes igualasse a cadencia deste coração cansado e enorme, a memória de outras cadencias, de outros dias felizes, deste mesmo ou doutros rios, as mesmas cores, não esfumadas mas intensas, fulgurantes, quase repetição dum inexorável e incansável ritual de celebração da vida, qual hino à existência, sublimação da vida que há em mim e me redime do pior que haja no meu intimo.

Começou, como sempre começa, como um sonho, em que estou na luz, diviso vagamente um vulto fugidio a que sinto o perfume e a quem, na harmonia de um gesto delicado tento segurar a serena e pressentida presença de que, primeiro apenas o sombreado, mas depois o perfil de um desejo com forma de sonho, cores claras, o mundo repentinamente todo luz, eu, sombra saindo da escuridão, o corpo tolhido, antecipando delírios e paixões, o olhar nascendo de novo destes mesmos sentidos, os mesmos rodopios e devaneios, o mesmo degelo da alma, o corpo bamboleando-se-me, a volúpia das palavras primeiro, o aroma das flores depois e,

quando nem em mim cria, já não sonho, deliro, que repentinamente te abraço, repentinamente te beijo, saboreio nos teus lábios champanhe, agora o delírio e a volúpia sim, mas dos sentidos, lascivos, ébrios, sedentos de boémia, e é noite, mergulho na sombra do astro, e já nem sei se arlequim se querubim, e o teu corpo que parece mexer-se, e nem sei se estes cabelos são meus se teus, afago-me, afago-te a pele morena, a silhueta, depois as tuas curvas e o pecado que tramo, e este sonho em escalada contínua, estas sombras que me cobrem, promessas figuradas que tingem meus olhos, e, perante mim, qual milagre, vagamente tomando forma uma mulher que amo, que começa de imediato a tornar-se carência, imagem debruada a luz mergulhando no esplendor da minha alma.

Parece que em ti tropecei, mas não, não mais a melancolia, a solidão, agora sei não querer habituar-me à tua ausência, tudo que sou também és, tudo que és também sou, agora sei, o mundo somos tu e eu, e mais ninguém, palpitas em mim, nem consigo dormir pois este sonho me leva a perder-me de mim, me persegue como silício vivo e eu, incapaz de fugir a meu fado, de alma sobressaltada e fogo alimentando os sentidos, com este lume em meu peito, imagino-te,

imagino carícias ingénuas, o coração batendo como batia, e eu fremente de desejo, já sem destino nem rota, fugindo ao presente, ansiando o futuro, os sentidos girando, e a abóbada celeste num carrossel, girando, girando, e eu que morreria se não te contasse este anseio, corações mais não são que cinzas e paixões, e vejo claramente na penumbra dos dias com luz, flâmulas e pendões multicores, um mar de rosas, e esta alegria imensa de todo o meu bem querer-te porque por agora a ponte que nos une é esta ausência, e

invento desejos, embriago-me com bacantes, acumulando coragem para conquistar o teu corpo, cobrir-te de abraços, de beijos, saciar estes olhos, vaga-lumes tilintando numa festa, nascida deste sonho, desta inquietude dando largas à loucura que me grita ter o nada que acabar-se, e, meu sangue, latino, pulsando nas veias dizendo-me não haver regras nem limites, só a verdade de mim, homem sincero, e pergunto-me, quando posso gritar tudo isto ?

Onde posso sorrir sem parecer louco ?
Onde gritar a verdade e rir de tudo e de todos ?
Onde e quando só nós ?

Pois agora sei, o mundo somos tu e eu, e mais ninguém ! 

18 - É ISTO QUE ME REVOLTA !!!


Nunca fui capaz de dizer amo-os.
Nunca fui capaz de dizer amo-as.
Amo-vos.
Tão simples, aparentemente tão simples.
Nunca fui capaz de o dizer no plural.
E devia tê-lo dito, tantas e tantas vezes, e não fui capaz.
E como se diz a homens e mulheres que ainda o não são que os amamos? Como o compreenderão eles se o dissermos?
Melhor que o calemos.
Os jornais o afirmam agora, que entre os anos de dois mil e três e dois mil e quatro já exerciam a profissão em unidades de saúde portuguesas, dois mil e oitocentos médicos e mil e quinhentos enfermeiros espanhóis. Actualmente esse número estabilizou numas escassas centenas abaixo. Nada, absolutamente nada tenho ou me move contra os espanhóis. Nada. Mas notícias destas, que ninguém contesta e ninguém abordou para além do seu valor factual, ou meramente informativo, escondem milhares de dramas, milhares de aspirações desfeitas, milhares de vidas por realizar. Hoje, perante notícias destas, tal como ontem, perante uma realidade que ainda continua, os portugueses, os mesmos portugueses com responsabilidades directas no assunto, e também os pais desses homens e mulheres que ainda o não eram ou não são, os professores, todos nós, continuamos contemporizando, e é isso que me revolta!
Quantos jovens cuja média final de curso, inferior a dezoito, por vezes dezassete virgula nove, não puderam cursar medicina devido ao estreito “númerus clausus” estabelecido nessa área?
Quantos jovens portugueses se não realizaram? Quantos se desviaram, tantas vezes sem sucesso, das suas aspirações? Quantos incapazes de sublimar aquela força íntima que teria feito deles talvez outros Egas Moniz? (quem era este? Era português e Ganhou o Prémio Nobel da Medicina no ano não sei quantos).
Quantos não seguiram outros estudos, ou se seguiram, neles falharam rotundamente por falta de vocação? Quantos hoje varrem ruas? Quantos hoje são “caixas” em supermercados? Quantos fazem turnos na AutoEuropa? Quantos portageiros na Vasco da Gama ou na 25 de Abril? Quantos emigraram?
Quantos rumaram a Badajoz e Salamanca, ou outras cidades espanholas, para cursar, com médias irrisórias, médias de gente normal, e não médias que só anormais alcançavam, (mas iguais ou superiores a dez!) o curso de medicina que aqui não lhes foi permitido?
Quantos jovens deixámos foder com a nossa permissividade?
Que futuro para um país que assim fode as aspirações dos seus jovens? Olhemo-nos, a crise é nossa, está em nós, um Serviço Nacional de Saúde que a Cuba de Fidel envergonha todos os dias, listas de espera a perder de vista, a medicina como a nova galinha dos ovos de ouro num país de miséria.
A crise somos nós.
E eu que nunca fui capaz de lhes dizer quanto os amava!
Eu que nunca fui capaz de lhes dizer amo-vos! E devia ter dito! Teria sido tão simples, contudo nunca fui capaz de o dizer, de o escrever em letras garrafais num qualquer jornal, e devia tê-lo feito.
Tantas e tantas vezes penso nisso agora, não ter sido capaz. Porque agora sei como se diz a homens e mulheres que ainda o não são que os amamos, lutando por eles!
Estando com eles! Ao lado deles! Por certo o compreenderão se o fizermos! Pior se o calarmos.
Hoje sei por que abandonei a carreira docente, porque fui incapaz de pactuar, mas calei, calei.
E esse gesto pesar-me-á na consciência a vida inteira. Nada poderei fazer que emende os resultados do meu silêncio, nem este tardio arrependimento, nem esta aparentemente vossa irredutível defesa.
Peçam responsabilidades e satisfações a quem nos ministérios, nos governos, na Ordem dos Médicos, essas entidades sinistras a quem competiria velar pelos nossos interesses, pelo nosso bem-estar, pelo nosso emprego, pelo nosso futuro.
No oeste selvagem, na velha América, naqueles países onde hoje a liberdade e os direitos dos cidadãos são coisa palpável e um bem seriamente defendido, no oeste selvagem dizia eu, por menos, por muito menos, penduravam pessoas nas árvores.
Meditem nestas minhas últimas palavras, procurem conhecer-lhes o alcance, talvez então me prodigalizem alguma razão, porque os nossos jornais e telejornais, esses, continuarão apenas informando, jamais lhes competirá de vez em quando irem questionando estes factos, isso era dantes, no tempo da outra senhora, feito com risco, feito entrelinhas, mas feito com coragem, sentido do dever, da ética profissional, com humanismo.
Tudo adjectivos de que hoje temos conhecimento pelas gramáticas, pelos dicionários e enciclopédias.
É triste.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

17 - QUIMERA .................................


Estou habituado a vê-la no ginásio.
Seria mais uma entre tantas, e teria passado mesmo completamente despercebida não fossem os gestos, parecendo estudados, parecendo exagerados, parecendo assépticos.
Calhou-lhe ficar mesmo à minha frente e uma tripla tentativa para colocar a toalha em sítio que nunca lembrara a ninguém.
Foi só então que a notei, os modos cerimoniosos, quase teatrais, o nojo em tocar c’os cabelos onde toda a gente toca, a repugnância em apalpar c’as mãos as pegas dos instrumentos tocadas por todos nós.
E imaginei-lhe a náusea sentida pelo suor dos outros, como suportaria ela respirar o mesmo ar ? 
Pisar o mesmo chão?
Normalmente não reparo nas mulheres cuja prática é simultânea com a minha, quer por serem tantas e a atenção se dispersar, quer por ser gente normal, fazendo como eu a sua manutenção, como eu cuidando da sua saúde e beleza.
Não haja facto invulgar e não será despertada a mínima curiosidade. 
Claro que não posso dizer o mesmo de uma cuequinha de cor impressionante ou impressionista estrategicamente deixada à vista precisamente para não lhe sermos indiferentes, (aqui as opiniões do meu grupo de ginastas dividem-se e ainda não chegámos a um consenso), ou de um corpinho divinal deixado mais destapado que tapado num mais que propositadamente escolhido fatinho de treino, ou de um fio dental que mais depressa nos lembra o hálito que possamos ter naquele momento do que estar para começar a Primavera.
São factos a que uma pessoa não consegue ficar alheia, tal a impressão que causam precisamente por pretenderem causá-la.
Não era o caso. 
Esta senhora, chamemos-lhe assim, agia motivada por um excesso de repúdio na partilha de um espaço que é de todos e cujo asseio jamais ocorrera a alguém colocar em causa. 
Havia ali uma nada aparente anormalidade.
São estes extremos que, no “cantinho do suor” põem a malta a falar, eu explico melhor, são estes casos de realce e dignos de nota que, no espaço predominantemente ocupado pelos aparelhos de musculação, num canto do ginásio, onde o pessoal, maioritariamente masculino, nas pausas a que o esforço da prática forçosamente obriga, são estes casos dizia, que debatemos à exaustão e por vezes com algum gáudio e sátira à mistura, debalde as minhas constantes tentativas para elevar a qualidade dos diálogos.
Improvisam-se anedotas sobre o tema ou a personagem em que se “casca”, e já aconteceu, por mais que uma vez, ter que os moderar com base na minha idade, musculatura e inerente autoridade, pois o riso não parava havendo quem se babasse alarve e copiosamente. 
Não podemos consentir tal, a nossa integridade posta em causa.
Mas aquela senhora, decididamente não sabia o que era um piolho, nunca teria apanhado uma pulga, muito menos uma carraça ou um chato e então um homem nem pensar ! 
Por certo nunca tivera as canelas arranhadas pelas unhacas de um macho menos atento a esses pormenores ! 
À volta dos quarenta anos, peitinho cheio e ainda firme e redondo, as ancas levemente descaídas, mas não por defeito, sim por feitio, só os pés de galinha emergindo dos cantos dos olhos e a flacidez das carnes pendendo ameaçadora dos braços lhe traíam a jovialidade aparente, ou simulada, há muito perdida e naquele momento vítima das apostas dos presentes.
Virgem, não virgem, tia não tia, alguém um destes dias confirmaria o lado ganhador.
Não sei se a dita senhora terá irmãos ou irmãs, sobrinhos ou sobrinhas, que ali estava uma verdadeira tia, concordei plenamente. 
Aquela senhora jamais cheirou homem, acordou ao lado de uma boca sabendo a pautas musicais e ressacada, segurou a testa de um amor ébrio, esparramado no chão e vomitando a casa de banho toda, incapaz de acertar na sanita, ou se engasgou atrapalhada com a aflição causada por um pentelho entalado na garganta, (para o que há remédio santo, qual… já vos ensino). 
Estávamos perante um “casus rarus” cuja observação dissimulada nunca mais será deixada ao acaso, pode até ser que de tão observada a senhora arranje marido, se é que o quer ou quis alguma vez, mas aquele corpinho tão bem desenhado e em acelerada queda merecia ser aproveitado enquanto vale a pena, ou enquanto é possível.
Não nutro contra as professoras qualquer preconceito, registem, o que ela me pareceu ser. 
Mãos e unhas extremamente cuidadas, uns modos afectados de quem nunca na vida buliu o que quer que fosse, uma boca denunciando imperceptíveis rugas provocadas por quem, qual peixe, a esteja sempre abrindo e fechando, portanto mais habituada a dar ordens e falar que a servir para outras coisas, como sugeriu o Adelino, mas toda a maralha sabe que ele é um porco desbocado. 
Aquela mulher já foi extraordinariamente bonita, e, além de ainda o ser, tem um corpinho e uma postura que o atestam e ainda não a deixam ficar mal. 
Recordo que nem o Euro 2008 congregou por aqueles dias tantas atenções naquele canto de ginásio onde o futuro era ontem !
Pratique exercícios físicos ! 
Que espera ?

(P.S. não esqueci o remédio santo; experimente meter na boca meio papo-seco, inteiro, mastigue-o mal e force-se a engoli-lo assim. Vai ver como leva tudo à frente, não há pentelho que resista ! )

Oh ! Por Deus ! 
Não tem nada que agradecer !