sábado, 23 de julho de 2011

72 - AO SOM DE UM SONHO...


Passeavam-se abraçados, naquela bruma que a escuridão da ilha de Faro torna mais densa se à beira-mar, num daqueles amplexos de noviços em que a incerteza deixa o aperto por cumprir, pés marcando a areia molhada, até que ela olhando e apontando a lua, aproveitou para lhe pegar na mão, que não mais largou.

 

Ele, volvida a inicial hesitação e a confiança que aquela mão na sua lhe conferia, parou, esqueceu a lua e a si a puxou, num arrebatamento de quem não consegue esconder um desejo velho e amordaçado há muito tempo.

 

Ângela sonhava há anos com esse mundo real e fantástico que a cadência das brisas do Saara trazia até ela. Matemática e sincopadamente essa frustração aparecia com o estio e a canícula de cada ano, tão rigorosamente quanto o seu relógio biológico desde a menarca, coisa que já nem lembrava, lhe encurtava os meses como se de Fevereiros se tratasse sempre.

 

Pois em cada ano e logo pela manhã era vê-los, e ver delirar Ângela, já que um anormal número de motociclistas davam sinal da sua presença, sobretudo da sua impaciência e regozijo ante os menos informados, dando de forma esfusiante conhecimento que algo de grandioso se passava, já que de muitas proveniências ali paravam para uma bica, ou simplesmente para desentorpecer as pernas e abastecer depósitos, na passagem ou percurso rumo à terra prometida e cada vez mais de todos, o mítico Allgarve.

 

Ângela suspirava, dava-lhe gozo e gosto vê-los, vestidos à maneira, montando potentes máquinas, lembrando até aos mais distraídos os cavaleiros de antanho na rota dos peregrinos, dando provas de uma fé que ela não conhecia, de um credo que sofregamente desejava abraçar, de uma irmandade a que há muito aspirava pertencer.

 

Apesar de homem maduro Gilberto sentiu-se tremer como adolescente imberbe, domou um medo enorme que só o desejo há tanto calado superava, sentiu-lhe o corpo quente, o odor inebriante, acariciou-lhe o pescoço descoberto pelo cabelo apanhado, fruiu a maciez sedosa da sua pele, segurou-a pela nuca, procurou-lhe os lábios carnudos que sequiosos buscavam os seus, beijou-a, língua avidamente exigida por outra língua, sentiu nela um frémito que o encorajou e, calmamente, dobraram os joelhos e quedaram-se na areia, as mãos buscando-se na ânsia de se conhecerem, ela arfando ao ritmo da respiração dele cujas mãos a percorriam e encontravam desperta, numa atitude tanto de dádiva e entrega como de premente exigência, até que, conhecidos os segredos e afastados os medos, os dedos dele a sentiram enquanto ela os sentiu e consentiu e a despertaram de um torpor lânguido que quis e prolongou, para finalmente serem saboreados, chupados, sugados por ambos, num ritual ou feitiço ancestral em que o cheiro da fêmea sempre preparou os humanos para o amor carnal voluptuoso, numa ansiedade desmedida próxima da violência masoquista.

 

Casara jovem Ângela, e a assumpção desse papel a privara sempre desse sonho que desde menina acalentava, e a cada ano mais lhe acentuava o saudosismo de uma promessa por cumprir. Gilberto, vizinho, e motard, desde cedo percebeu os sonhos por cumprir naquele rosto, onde os percepcionava mais guardados que escondidos, mais sonhados que vividos.

 

E tão bem percebeu, tão carentes os encontrou nessa vizinha amiga que lhe sussurrou numa palavra terna, cúmplice e compreensiva, o mínimo que ela esperava ouvir de alguém, que os seus mais sagrados sonhos devaneios e anseios poderiam ser escutados e ter eco. Tiveram.

 

Ângela, a meio de um processo de divórcio, logo ali lhe fez jurar quanto bem lhe queria por isso, e que, a fazerem-no, o fariam como dois ladrões, ás escondidas de todos, como num pacto de sangue que nenhuma contrariedade pudesse quebrar.

 

Apenas o cansaço os refreou por breves momentos, aproveitados, qual deslumbramento, para se olharem como quem nunca se vira, e se estranharem como terá sido possível que, vizinhos durante tantos anos, mutua e tão profundamente se tenham ignorado.

 

Então, como quem tenta recuperar tempo e oportunidades perdidas, foi dela a vez de o perceber e sentir como quem ás apalpadelas tacteia o caminho, lhe sentir a pulsação, ofega de ímpeto e desejo, lhe conhecer intimidades, agora dela, o provocar e aquecer com o hálito quente, titilar c’a ponta da língua, sorver com avidez, medindo e sustendo a compreensível agitação dele, parando e recomeçando de modo a não parar de vez, delirando ambos, sequiosos ambos do que não tinha fim e temiam perder, sofregamente enredados, ternamente entregues, esquecidos e conquistados.

 

A lua movia-se no céu, transladando o tempo pelo qual não deram, capazes mesmo de jurar ter ele parado ali, para eles, para que se dessedentassem de anos de carências, frustrações, desejos reprimidos ou insatisfeitos, de alheamentos feitos e sofridos, fingimentos, fugas, mentiras e desculpas.

 

Então, quando tudo ameaçava ruir por qualquer deles ser incapaz de se conter um minuto mais, suavemente o travou como quem acalma uma criança a quem tiraram um brinquedo, lhe sussurrou ao ouvido ternas palavras cujo eco ouviu repercutido nela mesma, o conduziu como e onde quis, lhe ofereceu o peito como altar e o deixou embriagar-se de si mesma, até ao momento em que o recolheu nos braços como se tivera asas, soergueu e, entreabrindo as pernas, o tomou nas suas próprias mãos como quem cuida do desaparecido Graal, a si o guiou e em si o recebeu enquanto no céu uma estrela cadente, talvez um cometa, registou a simultaneidade daquele momento de clímax que hão-de recordar vida fora como se vivido à luz ou ao som de um sonho porque na ponte e na marginal, os roncares dos motores mais não eram que um suspiro longínquo confundido com música celestial.





sábado, 16 de julho de 2011

71 - ORA VEJAM SÓ O QUE EU PERDI ...


Dedico as duras e contritas palavras que se seguem a uma querida amiga, esquerdista e liberal, absurda e contraditoriamente as duas coisas ou excepcionalmente uma terceira opção, parva, a fim de que ela guarde para memória futura o meu vero testemunho, já que é normal insurgir-se contra mim sempre que eu, de forma despicienda, trato os bois pelos nomes.

Como vocês todos (as) já perceberam pendi para a escrita, forma de ocupação por excelência (esta palavra traz-me à memória conotações negativíssimas...), longe porém de ter sido a minha primeira paixão ou vocação, ainda que cedíssimo o gosto pela leitura tenha sido em mim inoculado pelos motivos que no texto sessenta e três vos contei.

A minha primeira chama foi a Lúcia, de grandes tranças, olhos verdes, e com quem prazenteiramente repartia os solavancos do autocarro, àquela hora sempre abarrotado de gente do bairro à cidade.

Viajar com a Lúcia naquela carcaça apinhada e resfolgando a cada paragem era para mim o máximo, era musica celestial e, talvez por isso, em mim uma queda para a musica, a que meus pais procuraram dar corpo inscrevendo-me na Escola de Musica da FNAT, Federação Nacional para a Alegria no Trabalho, nome que mais tarde me soaria demasiado pan-germânico, cousa em que penso não me ter enganado já que actualmente tem a designação de INATEL.

Assim fui aprender o solfejo e a dedilhar um instrumento, muito cedo, ou muito novo, sob a batuta do Maestro Ismael, mais musico da alma que do ouvido, que me tomou como aprendiz de eleição e, não fora o papá um dia ter-me arrancado ás suas garras, o Maestro Ismael teria em mim tocado clarinete e pífaro, oboé e flauta… sem que o meu medo o constrangesse quanto o constrangeram os socos deixados de presente pelo papá e que dessa forma brusca me arrancaram ás suas garras afiadas e monstruosas, atirando-o por terra soluçando o seu próprio sangue, dentes e lágrimas.

Cena violenta para uma criança dirão, mas na realidade bem depressa esquecida pois dali, do antigo Palácio do Barrocal, nos dirigimos directamente a casa do “estafeta” Semião, bem pertinho por acaso, buscar a viola ou violão que o papá e eu ternamente escolhêramos num catálogo de venda por encomenda.

Tamanha emoção depressa me faria esquecer tanta violência, e à escolha do violão, com uma bela imagem de uma ainda mais bela morena bem moreninha, não terá sido inocente ao meu pendor pelos bronzeados, moreninha mais parecendo bamboleando-se à sombra de verdejante palmeira em praia paradisíaca sob um sol que dava vida a todo aquele envernizado panorama.

Maior que eu, o violão, não a morena, com um braço que meus tenros dedos eram ainda incapazes de abarcar, ficou para sempre, tal qual o solfejo, remetido a uma aprendizagem futura que nem as Novas Oportunidades abriram.

Passaram-se anos, esqueci, cresci, e mais tarde, pelos meus dezasseis ou dezassete anos, numa providencial boleia para Lisboa, outro Ismael havia de me prometer mundos e fundos, apalpar-me as pernas e, de olhos esbugalhados o deixei, órbitas ameaçando saltar fora, mais parecendo um peixe morto, mal me viu sair antes do fim da viagem e na primeira ocasião que se me deparou.

Ocasião perdida, penso eu rindo-me ao observar a solidariedade e coesão que entre olhares de peixe morto se estabeleceu nos dias de hoje, que o mais certo era eu ter não só o apartamento prometido, como o Porche, e um lugar de administrador na Casa Pia, apresentador de Tv ou ministro…

Vejam só o que eu perdi…

Enjoei Lisboa, os anos de tropa que fiz na “briosa” como voluntário (fui fuzileiro naval), mostraram-me o lado bom e o mau da espécie humana. De tal modo que ainda hoje para mim um paneleiro é um paneleiro e nada a acrescentar, mau grado as criticas abertas dessa tal amiga tontinha, cujas tonturas na realidade só começarão no dia em que algum dos seus filhos ou filhas sejam molestados por um destes monstros, que tanto clamam por direitos iguais e me deixam sem saber se todos com os mesmos direitos ou se todos nós igualmente direitos e tesos para gáudio dessa matilha.

Já nos twenties, ou twentyager, aluno universitário, e ainda um desses cabrões se faria a mim, numa noite em que fora solicitar livros e subsídios de estudo ao balcão do meu sindicato, onde ele mourejava, ali à praça maior por cima do Banco Português do Atlântico.

Como ia dizendo, ali mourejava o Moio, ou Alqueire, já nem recordo o nome, mas recordo, e bem, a joelhada que lhe dei quando da genuflexão que fez  ao implorar-me e beijar-me as mãos, os pés, e o mais que eu tivesse deixado, tudo à vista de um cofre que abrira para me dar o mísero subsidio, mas sob a promessa de virem parar ás minhas mãos todos aqueles maços de notas que nem me arregalaram os olhos.

Arregalei-os sim quando momento e circunstâncias me recordaram o papá e, com a coragem induzida e uma joelhada bem assestada, joguei longe e aos trambolhões o ultimo Ismael que me arregalou os seus olhos de peixe morto.


Hoje sei dos casos pelos jornais, o João Pedro e a Mãe, o embaixador, o Rei Ghob, o padre Frederico, outros padres, o Castro, outros Castros, são meros exemplos de indivíduos desviados, tarados, possessos, desnaturados, bichas, debochados, gays, panascas, paneleiros, devassos, promíscuos …  perigosos… desta vez a polémica envolve um inquérito a vários professores de uma escola de música do Funchal que, "alegadamente"  dariam notas de acordo com favores sexuais obtidos de menores.... e eu fico matutando, quanto valerá um carinho nas coxas lisinhas de uma garotinha ou no peito de um adónis ainda imberbe? treze? e uma carícia no pi-pi ou na pilinha? quinze? e uma festinha por mãozinha inocente..... dezoito ? e o clímax na boquinha ? vinte ??? meu Deus... quantas vocações perdidas... e eu é que sou uma besta...



sexta-feira, 15 de julho de 2011

70 - O NOME DELA ERA GI, SIMPLESMENTE GI...


Sempre gostei de flores, gostará ela também? E de quais? Certo é não sermos excepção à regra. O que eu procurei no “Gifs Flash do ORKUT”, um ramo inimitável de rosas que a fizesse vibrar e lhe desse testemunho do meu querer, e esta porcaria de pc volta a colocar-me mal, volta a não funcionar, tudo parece rebelar-se contra esta tão inesperada quão inusitada amizade.

Não embarco nos pensamentos negativos que me assaltam, estou a ficar irritado, não costumo descontrolar-me, nem lembro já quando isso tão surpreendente quão aberrante e contra natura amizade.  Aconteceu a última vez, mas esta Gi dá-me cabo da paciência, precisará meter férias para escrevinhar uma resposta ? Mandar uma mensagem por pequena que seja ? Que razão me assiste ? Talvez nenhuma ! Não é ela maior e vacinada ? Não é ela independente, inteligente ? Não defende ela o seu mundo com unhas e dentes ?

Não posso irritar-me, descontrolar-me, e logo pela manhã, o excesso de calor, excesso de gente e de carros, excesso de restaurantes sempre excessivos na falta de modos e profissionalismo, a minha actual falta de paciência fazendo com que os abomine, que os ache inexpressivos, exagerados, começando logo nos preços, exagerados na exigência de moedas e eu sem trocos, que se lixe o café, que se lixem todos !

Estou sem paciência, pachorra como por aqui se diz, hoje tudo é exagero, devia era fugir daqui, dar um passeio pela costa, a costa ainda me seduz, todo aquele mar a perder de vista, um mar de impressionantes e caprichosas ondas, uma delícia para mim, miro-as até onde logro espraiar o olhar.

Pois pois, romantiza filho, logo eu fugido a uma bica em Setúbal, iludido, enganado, não, não, não tenho que pensar para mim meu Deus o que eu fiz ! No que eu me meti ! Enchi-lhe a cabeça de sonhos, desassosseguei-a,

- EU NÃO SABIA QUE TINHA ESTE PODER !

mas que culpa tenho ?  E será que tenho ? Não, não fui eu, digam-me não ter sido eu, ela não é parva, eu não medi o alcance das palavras foi o que foi, e afinal o que fiz eu ?

Agora empato, não sei como sair desta, ela não é parva, tudo que eu disse não teve a mínima importância, ela não se deixará levar, então por que não me acalmo ? Porquê esta sensação de culpa ?

Não é ela maior e vacinada ? Não é ela independente, inteligente ? Não, não fui eu, digam-me que não fui eu, ela não é parva, eu não medi o alcance das palavras mas ela não é nada parva, e então o que é que eu fiz ?

Agora empato, não sei como sair desta nem como nela me meti, mas empato e alego falta de tempo, de disponibilidade, e empato. E mais empato quanto mais vontade tenho de correr até lá e cobrar aquele abraço prometido, tenho é medo de a encarar, as mulheres inteligentes sempre me meteram medo, e se ela faz o mesmo ? Se espaçou as mensagens para me arrefecer ? Se as tornou mínimas para me afrouxar ? Para travar estes meus ímpetos ilógicos de um amor serôdio ?

Passei ontem o dia tratando do jardim fronteiro à casa. Arranquei ervas, alguns arbustos em excesso, para quê ? Para arranjar espaço para as flores, trazidas daquele viveiro/estufa ali aos Canaviais a fim de alegrar solenemente as minhas chegadas a casa. Tudo porque ela não escreve e isso desespera-me, e cuidar das flores é ajudar-me a passar o tempo que a resposta tarda em chegar. É isso !

É por isso que ela fala pouco ! É por isso que as mensagens são pequenas sabendo ela eu detestar tal ! Está a colocar-me no lugar, está a colocar-me à distância, ela sabe como lidar com estes desvarios, com parvos como eu, quem o não sabe sou eu, não entendo mesmo nada de mulheres, são para mim um cada vez maior mistério, serão sempre.

E as flores, que flores ? Flores alentejanas com certeza, daquelas que vimos alegrando os nossos campos agora que a Primavera vai chegar e se antecipa. Tudo se antecipa, o tempo anda como gosto de dizer cambalhotando os meus dias, só uma mensagem dela se não antecipa, flores amarelas, violetas, rosas, lilases e vermelhas, brancas e azuis, porque é assim, com estas cores que pintamos quando meninos ou apaixonados o Arco-íris.

Um aroma salutar e alegre inebria-me, fará mesmo com que o carteiro se demore um pouco descansando da labuta, a minha amiga Gi não manda cartas nem flores, flores que me vou habituando a tratar, cada uma pelo nome próprio e de família, terei que estudar de novo a botânica das roseiras de todo o mundo, o que não consegui até aqui. Talvez um dia traga do Algarve uma amendoeira, talvez venha a contribuir para preservar a espécie, talvez debaixo dela falemos do que devíamos ou não devíamos fazer, talvez... Mas que fiz eu ? Que estou a fazer ? Que nos estamos fazendo ?

Estou incapaz de imaginar a beleza do Algarve na Primavera, nada de excessos, de excessivo só mesmo aquele mar de pétalas branco-rosa tornando exuberante a mesma paisagem que no verão se nos mostra árida, seca, agreste. Como estes dias, como estas horas, crestadas pelo desespero de um sinal. Olho o céu esperançado, como se dali viesse pelo éter o fluxo virtual que aguardo ansiosamente, vejo aves voando para sul, aves de arribação a quem os equinócios traçam os rumos. Só a mim falta um solstício.

Contristado, e pela primeira vez na vida sem um rumo que me guie, recolherei com a alma por preencher porém desperta ao meu jardim. Se me deixassem encheria toda a cidade de flores, flores e mais flores, de todas as cores e espécies até alguém notar-me teimando pela vida e reparar que não, ainda não estou maluco. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

68 - NÃO TE LAVES JOSEFINA, ESTOU A CHEGAR...



Não é segredo para ninguém quanto os professores se esforçam por desencantar variadas estratégias e mnemónicas que motivem os alunos a conceder-lhes alguns minutos de atenção.

Uma vez, há muitos anos, ainda inexperiente, caí na asneira de abrir uma aula com a frase que dá o titulo a esta crónica, (habitualmente começava a aula com uma frase polémica mas marcante), claro que tive uma imensa dificuldade para os levar onde queria, precisamente à história e vida de Napoleão Bonaparte.

 A história de Josefina é verídica, Napoleão, que após as campanhas guerreiras que o afastavam de casa por longos períodos chegava sempre carregado de saudades, quando se encontrava a somente dois a três dias de distancia de Paris, enviava um estafeta da sua confiança com o polémico recado a Josefina.

Enfim, gostos e aromas não se discutem, o que discuto sim é uma notícia inserida numa edição do Expresso que não recordo, na qual, falando sobre comunicação social, nos dizia J.M. Nobre Correia; “ Há um exercício que os portugueses adoram, dizer mal do país e dos seus compatriotas. / Num colóquio internacional... um dos participantes evocou modestamente a questão do analfabetismo, da iliteracia e do nosso baixo nível cultural geral...”.

Nobre Correia falava de portugueses e da comunicação social portuguesa, por quem repartia as culpas.

Reparemos então que, enquanto na estranja evoluída das chefias aos profissionais e quadros superiores dos mais variados se formam nas chamadas Escolas Superiores, algumas mesmo Escolas Superiores de Administração, por cá é vulgar terem obtido um curriculum oferecido pelos lugares que o partido vai disponibilizando, quando não, terem estudado no Chapitô. Isto na pior das hipóteses, pois na melhor pode acontecer ser-lhes proporcionado um exame num fim de semana, por fax ou, aconteceu recentemente, ser castigado com nota dez….

Há quem boline na Europa das Luzes e a quem muito provavelmente tenham oferecido o canudo nos idos de setenta e na esteira da espuma do PREC ...               

Como diria eu num dia de boa disposição, o que mais custa é pagar-lhes as actuações, e tanto mais nos custa quanto bem caríssimo vamos ter que pagar, durante bastos anos o riso que nos roubaram…

Que responderiam se lhes perguntassem porque não se fez em mais de trinta anos o que nunca fizeram e agora se propõem fazer em escassas dezenas de meses?

Passariam por mentirosos ? Por idealistas ?

Não seria uma pergunta, seria uma paródia, paródia que faz diariamente delirar um pagode delirante, perdoem-me a redundância, delírio que deixa todos os nossos dirigentes, do político ao chefe e ao patrão, enxovalhados e chamuscados.

Acho que nunca houve o bom senso de alinhar em programas que poderiam ter contribuído positivamente para a elevação do que agora, felizmente e por enquanto ainda consideramos uma paródia, tempo virá em que nem a água do banho seremos capazes de pagar…

Napoleão tinha as suas razões, nós as nossas, não podemos é esquecer o contexto ou o cenário em que se desenrolarão as cenas dos próximos capítulos, aí chegados até a vontade de rir esqueceremos, e o delírio passará a alucinação e demência.


… Texto de Maria Luisa Baião, publicado no Diário do Sul em 2003





segunda-feira, 11 de julho de 2011

67 - Fantoches...



A expressão fantoche, hoje aqui trazida à baila, nada mais significa que aquilo que o texto sobre ela diz e os dicionários de língua portuguesa sobre a mesma elucidam. Qualquer comparação com a realidade é pura ficção e está muito longe do meu pensamento ao produzir o texto, espero que não suscite confusões nos vossos espíritos.

Sobre a palavra “fantoche” diz-nos o Dicionário Prático Ilustrado, da Lello, um dos melhores, que fantochada se refere a cenas ridículas, e que um fantoche não passará de um autómato, ou boneco que se faz mover por meio de cordelinhos, daí a expressão “mexer os cordelinhos”, indivíduo que não se pode sob pretexto algum, acrescentaria eu, levar a sério.

Já o Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Selecções, volume II, uma referência a nível mundial, é mais completo na designação, mais abrangente, nele surgindo, para além das impressões já apontadas, expressamente designada por “fantoche”, pessoa que fala e procede conforme vontade alheia, títere, sendo neste, ou sobre este último atributo que iremos fazer incidir o nosso texto de hoje, já que títere, segundo o mesmo dicionário, não passa de um boneco que imita gestos humanos, marionete, palhaço, bufão, indivíduo que se deixa levar por outrem, que age por inspiração ou a mando de outrem, ou de outros interesses acrescentaria eu. 

Muito mais precisa é a designação que nos é dada pelo Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa, das publicações Alfa, igualmente uma edição das Selecções do Reader’s Digest, 1º volume. Segundo ela, fantoche é um homem que para além do já dito, não pode nem deve vez alguma ou por um único segundo ser tomado a sério.

Na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Verbo, volume 8, são dedicadas a “fantoche” quase duas páginas! E quem quiser porventura ficar a saber mais que o condensado neste texto, deve consultá-la. Extensa e precisa, como acabei de vos esclarecer, e para além de tudo o dito e feito atrás, caracteriza todos os “fantoches”, entre outras coisas, como vivazes, maliciosamente astutos, com natural tendência para o improviso e valendo-se de recursos que não pouco os têm desvirtuado, todavia muito populares e com grande poder de comunicação com o povo.

Segundo esta enciclopédia os “fantoches” têm gozado de apoio oficial em Portugal. Contudo nem só na nossa terra existem ou existiram “fantoches”, é praga que está espalhada por todo o mundo. Estou a lembrar-me de um fantoche famoso, … sobre o qual muitos livros e filmes têm sido feitos, o “Último Imperador”, ou “Sete anos no Tibete” para citar apenas os de certo mais lidos e vistos pela população portuguesa.

Relatam eles a vida de Pu Yi (1906-1967), último imperador da China, que foi destronado aos vinte e seis anos, em 1932, quando da invasão japonesa, levado para a Manchúria, igualmente invadida e conquistada por estes últimos, e ali ficou, um “imperador fantoche” às ordens dos conquistadores, até que em 1945, outra guerra os venceria, a II Grande Guerra Mundial, e a Pu Yi dada a possibilidade, após julgamento e cumprimento da sentença, a possibilidade dizia eu, de uma vida normal, como um cidadão normal, coisa que ele nunca foi nem conseguiu ser.

É uma história triste a deste homem vale a pena lê-la.

Todos temos os nossos fantoches de estimação, também eu tenho o meu fantoche de estimação. Não nutro por ele aliás qualquer tipo de consideração, coisa que ele de todo não merece nem parece precisar. Tem mais de 30 anos de idade e por certo há-de morrer sem um arrobo de vergonha ou de dignidade, pois que se a tivesse, há muito que teria guardado na mala das quinquilharias o seu corpito de marionete.  

Por cá vai andando e empatando, como outros empataram, e eu, e todos, tolerando (os) sem vontade ou sem força para o (os) atirar para o lixo, destino que lhe (lhes) está reservado historicamente e sem apelo nem qualquer misericórdia, mais cedo ou mais tarde, quer tenham tido um curriculum oferecido, estudado no Chapitô, ou lhes tenham oferecido o canudo nos idos de setenta... 
              
O que mais custa é pagar-lhes as actuações, e tanto mais custa quanto bem caro vamos ter que pagar o riso que nos roubaram…