Ora não deixando de ser verdade que o
sonho comanda a vida, é porém acordados que damos conta dela, que procuramos
cumprir a nossa vontade, que agimos segundo o nosso entendimento das coisas e
as circunstâncias que nos cercam, fazendo uso do tal livre arbítrio de que vos
falara. Acima de tudo há que manter a coerência, sermos honestos connosco
próprios, não desatando por exemplo a berrar contra o imperialismo capitalista
para depois nos irmos empanturrar de coca-cola. Esta é só uma achega, exemplos
poderia dar-vos aos molhos. Primeiro que tudo há que fazer um esforço mínimo
para entender o mundo que nos cerca, a nível global, regional e local, big is good, but small is beautiful, and little
is pretty frases mui usadas na minha juventude e oriundas dum velho e
milenar provérbio chinês de minha autoria.
Vamos dar lógica a esta arenga e
começar pelo nosso país, onde se produz pouco e cada vez menos, onde os níveis
de produção baixam porque os meios não nos seduzem, os meios de produção não
são apelativos e os tugas debandam, emigram para onde a sua mão-de-obra seja
melhor remunerada, apreciada e valorizada deixando o país cada vez mais pobre
por variadas razões, menos produtores e consumidores, menos potenciais casais,
logo menos meninos, menos filhos que alimentem a mão-de-obra barata, porém fazendo contribuições para a segurança social, SS, afim de assegurar as pensões dos nossos velhos que cada vez são mais, e nem as portas da eutanásia lhes abriram, cousa que
além de os ter poupado a diversos sofrimentos teria aliviado também os cofres da SS.
É todo um castelo de cartas a
desmoronar-se por não se ter olhado com seriedade para a demografia há trinta
ou quarenta anos atrás, e continuamos a não ver nela o essencial. Tentamos
remediar, importar migrantes, o que não é a mesma coisa pois mal se apercebam
que a vida neste jardim à beira-mar plantado não interessa a ninguém, nem ao menino Jesus, disparam em
direcção a outras paragens mais compensadoras. Andámos e andamos engordando
deputados e governantes há décadas para afundarem esta nação na razão directa
da proeminência das suas barrigas e, se a ignorância era um factor a ter em
conta no tempo da outra senhora, não é menos verdade que essa mesma ignorância,
agora apelidada de riqueza e diversidade curricular e instilada na nossa
juventude por professores por sua vez e na generalidade (há excepções) tão
ignorantes quanto ela, faz desta a juventude mais bem
preparada dizem, contudo tão estúpida e ignorante quão as anteriores, parecem
dizer-nos as estatísticas.
Mas voltemos à vaca fria, digo eu que isto são
pormenores, peanuts, e se é verdade que esta juventude não está para lavar
pratos por tuta e meia, está todavia disposta a lavá-los na Suíça ou na
Alemanha, pois lá o tuta-e-meia é muito mais substancial e além disso não está
ninguém conhecido a vê-los e que os possa envergonhar do mister. Alguns
lavando-os com belos diplomas que este povinho suou para lhes proporcionar, o
que só prova que se não são eles os parvos, eles jovens, decididamente somos
nós ao pagar os cursos de que outros irão tirar beneficio.
Esta coisa dos meios de produção não
serem nossos arrasta-nos para a pobreza, a miséria, quem os tem só pensa em si
e ainda que pague impostos, que não na Holanda já agora, o grosso dos lucros
não irá financiar as nossas escolas, nem os nossos hospitais, nem estradas, nem
pontes nem terminais, p’lo que tudo nos cairá em cima, e quando digo tudo, digo
todos os impostos e mais alguns pois há que alimentar estradas, portos e
aeroportos, há que os pagar, que pagar tudo, inclusive as prebendas de quem nos
desgoverna mas consecutivamente elegemos até que nos metam num buraco onde
pereceremos. Como fugir disto, deste ciclo infernal ? Emigrando, ou emigrando
ou lutando, fazendo valer o triunfo da vontade, sendo coerentes, em primeiro
lugar com nós mesmos.
A vontade é algo que se manuseia, ou
somos nós a fazê-los ou o farão outros por nós, Hitler sabia-o, precisava de
carne para canhão, daí que entre muitas outras medidas e métodos para enganar o
seu povo e fazer valer a sua vontade condecorasse com a Cruz Púrpura as mães que parissem muitos
filhos, e elas honradas e envaidecidas tinham-nos que nem
porcas parideiras. Ao prometer dez mil euros por cada filho Rui Rio insere-se
na lógica hitleriana que conduz ao triunfo da vontade, mas esquece que nem ele está
na Alemanha nem nós estamos em 1933, pelo que a sua ridícula, mas tão lógica quão
impossível ideia irá pelo cano. Temos no mínimo que conceder-lhe o mérito por
ter pensado no problema e tentado uma solução, parece que as mães portuguesas
não são tão parvas como julguei e ante uma economia que as exclui fecham as
pernas e tenha filhos quem quiser que elas não, ora aí está uma posição
inteligente, coerente e de louvar.
Fazer filhos destinados a carne para
canhão ou a alimentar contingentes que garantam grosso modo uma mão-de-obra
barata, então façam-nos os excelsos e inteligentes e gordos políticos que
tivemos e temos. Puta que os pariu. Ler Marx é preciso, sobretudo se não formos
marxistas, é preciso ver como manobram os exploradores, capitalistas ou não, e
como devemos furtar-nos a essas manobras. Reparem que nem os Dez Mandamentos
traduzem o pensamento de Spartacus e muito menos se reflectem na totalidade do
direito romano embora uns e outros destes factores sejam mais ou menos contemporâneos.
O imperador Constantino pacificou o império ao instituir o cristianismo como
religião oficial (não exclusiva) mas não tocou no direito romano e se os
mandamentos - Honrarás pai e mãe (e
os outros legítimos superiores), - Não
matarás (nem causar outro dano, no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao
próximo), - Não furtarás (nem
injustamente reter ou danificar os bens do próximo) - Não cobiçarás as coisas alheias, surgem na lei romana tal se deve
unicamente ao facto de já lá estarem. Não houve transposição do Decálogo (a
tábua de Moisés) para o direito romano, houve sim manutenção do que protegesse
e mantivesse os privilégios das classes possidentes romanas, o cristianismo
viria a impor-se mais tarde, após a queda do império romano, mas para ser
franco, foi mais papista que o Papa e, ao invés de conquistar e assimilar, como
os romanos tinham feito, conquistou e destruiu para reconstruir impondo a sua
vontade, a sua visão, a palavra de Deus, tendo sido até hoje o maior destruidor
de civilizações e da liberdade de pensamento, condicionando de melhor ou pior
maneira a filosofia, o materialismo, o modo de ver, viver, no fundo o modo de
pensar de meio mundo de há quase vinte séculos para cá.
A génese dos nossos descobrimentos
levou com ela a bandeira do cristianismo, a palavra dos Jesuítas e da Inquisição, a
censura e o castigo, a morte na fogueira que tudo sacralizava em especial a palavra do
Senhor. A nossa História Trágico-Marítima não está isenta dos horrores que
Pizarro e Cortez praticaram no Novo Mundo, essa parte da nossa história está
escondida, não se incita à sua leitura, ao seu conhecimento, não se editam nem
reeditam as obras sobre ela. Neste aspecto vale-nos Fausto Bordalo Dias cujos
álbuns no dão conta das chacinas e peripécias vividas, acompanhadas de boa
música, Fausto, mais que um cantautor e compositor é historiador, quase o único
historiador actual da nossa História Trágico-Marítima, trágica devido a
ponderosa razão podem acreditar.
Ora como podem ver tudo tem a sua
hora, a sua oportunidade, a sua circunstância. A sociedade de hoje quebrou
normas sociais com séculos e ninguém irá ganhar com isso, onde se vive mais uma
instabilidade real e latente, na instituição casamento, que terá quinhentos
anos e se impôs para ordenar os desvarios, vive-se na actualidade uma brutal
instabilidade, cousa altamente desaconselhada. A vida, a sociedade, os novos
hábitos sociais conduziram ao aniquilamento do casamento, também a sociedade
tem horror ao vazio e perante o vazio a que o casamento foi remetido, tornado
uma fonte de problemas, a sociedade reagiu, e bem, dispensando-o e com a sua
queda um dos pilares principais desta civilização, é ela que soçobra, entra em
decadência, acabará um dia, provavelmente às mãos duma outra civilização cuja riqueza
a nossa civilizada civilização em tempos recuados destruiu, o islão, hoje tão
bárbaro quanto o era o cristianismo ao tempo das primeiras cruzadas. Deus nos ajude.
Não recordo a Editora, mas procurem
na net ou nos livreiros, a “História Do Casamento”, livro interessante, a
história do casamento desde os seus primórdios pré-históricos, em que as
mulheres se encarregavam de manter o fogo perene que afugentava as feras e
grelhavam os nacos de carne arrancados às carcaças de diversos animais,
enquanto em simultâneo, como mães faziam pelos seus rebentos e pelos do clã,
num maternalismo cooperativo e comum. E ainda arrebanhavam lenha e se ocupavam
de outros pormenores. Era o tempo, ou foi o tempo das sociedades matriarcais,
enquanto o homem caçava, agricultava, construía, desde instrumentos para a caça
e pesca às rudimentares habitações e utensílios. O sexo era livre por esses
tempos, a promiscuidade era uma questão de sobrevivência, os ciúmes ainda não
tinham sido inventados nem causavam a catrefa de mal entendidos e desaguisados
a que hoje estamos habituados. Todos eram filhos de todos, pais de todos, mães
de todos, e, a crer na história viveriam relativamente felizes. Mas o aumento
da população e do número de filhos de todos acarretou dúvidas e questões novas,
às quais havia que dar resposta, pelo que mais ou menos em meados ou finais da
Idade Média, a Igreja, a única instituição com força, para não dizer a única de
pé após as trevas originadas pela queda do Império Romano, e a única
disseminada por todo o mundo ocidental, então a única parte do mundo que
contava para alguma coisa pois o resto era selvajaria.
A Igreja ia eu dizendo, pôs ordem na
feliz rebaldaria vigente e daí até os padres e respectivas paróquias terem
começado a efectuar um registo de quem era filho de quem e quem casado com quem
foi um ar que lhes deu, e do púlpito, a pregação começou a ser outra, ameaçando
com a ira de Deus quem não cumprisse, obrigando o rebanho a manter-se ordeiro
no novo redil então construído, criado ou inventado. Foi assim mesmo, sem
salamaleques nem paninhos quentes. Entre a plebe foi o acto do casamento
institucionalizado pela igreja (acreditem, isto é história, não são tretas)
pois já ninguém sabia de quem eram tantos filhos, tantos pais e tantas mães,
tendo ao longo de séculos sido as populações instrumentalizadas, mentalizadas
para esse estado civil superior, o dito casório, e do qual já quase ninguém
hoje lembra ou conhece as origens.
Aceitemos que o casamento enquanto
tal era já anteriormente vivido ou praticado, mas somente entre as classes
superiores, as ditas classes possidentes, realezas e senhores feudais, coroas e
dinastias, por causa das heranças, fortunas, terras, e mesmo assim só o
primogénito se safava com a herança, as mulheres seriam felizes se tivessem a
sorte de casar bem, com linhagem, e era-lhes imprescindível levarem um bom dote
ou não valiam nadinha, os filhos segundos iam para cardeais ou bispos ou membros
da corte, com tenças e lugares importantes, bem pagos, com terras dadas pelo
rei, os condados, e daí foi um passo até aos duques, barões e merdas do género
(foge cão que te fazem barão, para onde se me fazem conde...) Olhem hoje são só
boys…
Em boa verdade nunca o Zé-Povinho
tinha sido tão feliz ! Até que o lixaram com o casamento, com a mulher única e
a responsabilidade conjugal, com as ameaças de não ir para o paraíso, com a
excomunhão e o tanas, enquanto os pregadores, de Monges a Cardeais e até Papas,
se abotoavam com os melhores pedaços de mulherio que podiam, desde freiras a
beatas !
E até com as criancinhas quando
calhava….
Tudo isto enquanto os mais exigentes
mais intolerantes e moralistas mantinham amantes e rameiras, alcoviteiras e
barregãs ! Permanentemente animados e
entusiasmados, nem todos eram casados ou amigados e o casamento como hoje o
conhecemos nem sequer tinha nascido por esses dias…
Os séculos provaram contudo que ainda
que caro esse embate que as cruzadas permitiram ou forçaram, esse encontro
ainda que violento de duas civilizações, a europeia e a do islão, deu frutos. A
longo tempo e a longo prazo constataram os europeus quão atrasados cultural e
civilizacionalmente estavam em relação aos vencidos que pela força tinham subjugado.
Tal qual acontecera com os Romanos em relação aos Gregos, viria a acontecer
agora, os Europeus tomaram-se de brios e não quiseram cultural e
cientificamente ficar atrás da civilização islâmica, que venceram mas com a
qual muito aprenderam.
Pois meus amigos chegámos finalmente ao
fim, ao entroncamento, à estação ou ao apeadeiro da nossa conversa e por agora é
tempo de terminar. Até à próxima e cuidem-se.
Eu mesmo, 13 de Maio de 2004, auditório do Diário do Sul.