sexta-feira, 29 de julho de 2011

75 - SEDE...



Albergas no teu sorriso um mapa de viagem…
Teu olhar perde-se em distâncias prometidas…
Na tua tez, beleza e coragem de jovem pajem,
Tua flor tomo por jazida de riquezas e mistérios mil.

Que oásis... riquezas pareces prometer…
Todavia, dores antigas me travam no redil,
Apesar de ávido, sedento de tua boca beber,
Dessedentar-me, afogar-me em vassalagem,
Num imaginado sabor de donzela anis anil…

Tinem em mim as campainhas do amor alarme,
Relembram-me teu peito ufano e o calvário,
Trabalhos e privações de Ulisses em viagem,
Mas é aí nesse teu selvagem santuário,
Que um dia, incontido, alijarei minha bagagem…

Humberto Baião – Experimentando poesia… 29/07/2011


Flower of Georgia O'Keeffe

quarta-feira, 27 de julho de 2011

74 - DOEM-ME AS CRUZES...



Era, porém doem-me as cruzes…
como se todas as dores do mundo nelas…
e eu, aflito, como se temendo as luzes
que a infinita noite decerto pintará…

Por isso busco a paz calma que, bem lá
em cima dos degraus consigo ter…
qual Hércules que as doze tarefas acabara de fazer
descansando ao sol, olhar vago, morto já…

Foi de festa e alegria o primeiro filho
uma dúzia mais, foi sofrimento…
nem Atlas suportou igual tormento,
entende então o caminho que ora não trilho…

Por isso aqui me quedo, olhos e alma…
beata dançando de um ao outro lado da boca desdentada
calças fedendo… por ter buscado a calma
e ser somente um homem, não Joaquim Caeiro Palma .

Recordando a imagem do meu saudoso avô Joaquim,  Évora em 26 de Julho de 2011   


segunda-feira, 25 de julho de 2011

E À ESQUERDA O SOL ...............................................


Juro-vos que me não lembro inteiramente. (s.e.o.) salvo erro e omissão, a sala tinha quatro grandes janelas à minha direita, altas, eu, tão sumido na carteira que nem lobrigava o largo, à frente o quadro negro, a cruz e as fotos dos presidentes, contou-me o Alvarinho da terceira classe que um presidente de branco, como o chefe da policia de Évora na farda de verão, o outro à civil, com nariz de judeu, tal qual o Abel, e à esquerda, não recordo bem mas decerto o sol porque D. Cristina:

 - O braço bem assente, o punho fechado sobre o lápis, peguem na ponta do lápis só com três dedos, a mão escorregando devagar da esquerda para direita, inclinada, a cair, atenção à luz das janelas, levantar a cabeça, e as janelas da luz eram as da esquerda, e por isso a minha certeza ainda que delas não me lembre

e à esquerda o sol, o recreio, uma palmeira grande, julgo que uma palmeira porque me aconchegava na sombra dos seus ramos caídos que eram grandes e picavam

- Vá agora devagar, com atenção e cuidado, a letra c, que é pequenina e fácil, olhem para o quadro, olhem para mim, vejam a minha mão, quem não for capaz é burrinho, um traço a partir da linha de base, inclinado e a subir, pára a meio do espaço, a curva em gancho em cima, volta e desce, em curva redondinha e acaba com o pezinho no ar

e a minha mão vermelha de responsabilidade e da força com que agarrava o lápis de xisto, os dedos brancos da pressão, os três dedos, o suor da mão na tábua de ardósia, o traço, o gancho, a curva e a perninha, mordi o lábio

já está

e o recreio um quintal de muros altos e do outro lado de um deles as raparigas brincando à cabra cega e ao galo, aos elásticos, à corda

- Meninos ! todos a rezar ! pousem os talheres, mãos postas !
 
e quando era grão ou feijão com arroz eu gostava, só não gostei nunca foi das colheradas do óleo de fígado de bacalhau porque sabia a rançoso e me dava vómitos e ás vezes ânsias por isso fugi da cantina e nesse dia almocei em casa, o senhor Jeremias

- D. Antónia, ainda não se fabrica melhor ou mais moderno que esta Oliva, a senhora vai agradecer-me a hora em que

e em casa o meu pai de pincel na ponta de uma cana comprida pincelando os altos de um cor-de-rosa desmaiado que ainda hoje lembro, e desse cor-de-rosa tive eu duas camisolas de manga curta porque a primeira o Tita ma rasgou numa brincadeira

- Parte do meio, inclina para a direita e sobe, agora para baixo, a direito, e termina sem pé, vá lá, todos, três linhas todas com o número um, certinhos e em sentido

a casa era alta por ficar nos baixos de uma igreja, por cima outra escola, a dos mais crescidos. Quando o sino tocava a minha casa tremia de fé e devoção o meu pai dizia que os toques soltavam a caliça dos tectos que eram altos, só ele com uma cana, um pincel na ponta, era capaz de os caiar. 

Acho que o meu mano mais velho andou ainda nessa escola, depois o seminário, e do seminário trazia desenhos plenos de devoção  e de cores que eu só vira nas revistas da loja do senhor Léca que era droguista e onde o meu mano comprava os mosquitos e os mundos de aventuras dos quais eu lembro os bonecos 

- Vá lá meninos ! os da primeira todos a desenhar os números, três linhas cheias com uns, bem feitos, irei vê-los a todos,. Os da segunda copiam a página do livro com o desenho do menino e das bolotas. E os da terceira preparem tudo e atenção ao ditado, não repito, cuidado para não perderem palavras, toca a trabalhar, não quero ver ninguém parado, tudo a mexer ! Vá lá meninos !

e ora batia palmas ora batia com o ponteiro na carteira da frente, a do Álvaro, e ninguém piava, todos mais caladinhos que ratos que a D. Cristina não era para brincadeiras e tinha a mão leve para bordoadas no cachaço dos mais renitentes, Eu com ela aprendi a sério e a valer e de um cachação de vez em quando não me livrei, lembro-me bem, porque eu vermelho e me doíam onde mais doem as pancadas, no orgulho

o chefe do meu pai antes do senhor Massano era do norte e comia a melancia enfiando a cabeça toda nela e debruçado sobre uma lata, o que me dava vontade de rir, não cortava talhadas como nós, cortava metades e enfiava o focinho nelas que mais parecia um bácoro, disse uma vez o meu pai depois da abalada dele

D. Cristina, Maria Cristina Calhau Pinto, gostava de mim e eu que ela gostasse de mim, e por ela gostar de mim fazia as letras e os números todos bem feitinhos. Só me lembro ser era alta, vestindo sempre de negro. E no pátio do recreio nem um baloiço, só covas de berlindes e os maiores, não pises aí senão levas uma galheta

um coração de oiro pendia-lhe do peito e por aí sabia quando estava zangada porque o estava sempre abrindo e beijando. E o giz chiava no quadro quando o arrastava, quando ela assim ninguém  piava. 

E ninguém éramos nós, muito mais de cinquenta, e só a quarta classe na outra escola por cima da igreja, mas aí as raparigas e os rapazes estão juntos

a senhora Benvinda veio outra vez queixar-se do cotovelo que as limpezas inflamam, e D. Cristina sente-se lá ao fundo um bocadinho, naquela carteira vaga, descanse um pouquito que bem sei como elas mordem, tenho um joelho que com o frio nem sei se lhe diga

e o Álvaro, sempre o primeiro a acabar as cópias, e ele com o braço no ar, e de caderno no ar, sempre orgulhoso apesar dos outros; - graxista, és um lambe botas da senhora professora, 

e ninguém para jogar com ele ao berlinde no recreio,. E como não, hoje é o director das finanças e já não lhe chamam graxista de merda nem há quem não lhe rogue favores.

- Quando era vivo quem me massajava o joelho era o meu marido que Deus tem que até me davam arrepios

- E nem assim filhos D. Cristina ? foi nessas brincadeiras que o meu Timóteo me deslocou o cotovelo que estou mesmo a ver que sem ir ao endireita isto não vai lá

e depois no ditado dos da terceira classe arrastava na voz para saberem que era para eles

- Mal a folha tombou no chão a raposa, virgula, virou-se de repente para a latada, virgula, repito, virou-se de repente para a latada, virgula, escrevam, 

e acabada a frase fechou entre as mãos e com estrondo o livro da terceira classe, 

- podem sair, 

- os da terceira só saem quando acabarem o ditado, 

e eu, devagarinho, corri para o recreio e, repentinamente eu aqui, recordando-te porque lembrei os cabelos da espanhola que não eras, e eu de dedos em pente, penteando-te até fechar os olhos, feliz,

e foi assim que ainda hoje te lembrei mãe e assim gostaria ainda que pudesse acontecer sempre…
























domingo, 24 de julho de 2011

73 - UMA ESPECIAL EFEMÉRIDE..............................


Correndo se some o ano na contemplação efemérica da pegada do homem na lua. Violado teria sido muitas mais vezes aquele astro mas, como às virgens, só a primeira vez conta, tem valor, vale a pena e se grava na memória. Hodiernamente, a pegada ecológica é que está na berra, na berlinda, a dar, contudo aquela pegada na cinza lunar deixou, em mim, imagens e impressões dificílimas de dissipar.

Pouco mais eu seria na altura que um puto tímido, ao certo apenas recordo ser amante inveterado de batatas-fritas, cujos pacotes, de papel pardo, adquiria nas tabernas junto à morgue do então hospital da Misericórdia, pacotes e qualidade até hoje sem igual. Aquelas sim, eram caseiras, saborosas que nem guloseima, fininhas, salgadinhas e um primor, tudo por uns meros cinquenta centavos, cinco tostões que gaiato algum deixaria de arranjar. Melhores que essas batatas-fritas, só mesmo as favas-fritas da taberna do Chico Fofa, ali à rua de Machede.

Nessa tarde entrara eu atraído pelas favas e por inusual multidão que àquela hora enchia o antro, quedada muda frente à televisão a preto e branco. Custosamente me esgueirei para o balcão gorduroso, mais alto que eu, todavia mestre Chico Fofa desta vez nem foi solícito a debruçar-se sobre o mesmo para inquirir das minhas razões, olho que tinha também ele pregado ao televisor. Mas para o negócio guardava ele o outro olho, e sabendo que dinheiro de criança é pouco mas mais louco quem o não aproveita, lá me lançou um olhar guloso à moeda reluzente entre os dedos da mesma mão em que, sem tirar o olho outro do televisor, depositou o habitual cone de papel pardo recheado de favas-fritas estaladiças.

Olhando ao alto no regresso à rua só vi rostos estupefactos; que era tudo mentira diziam uns, que era o maior feito do homem contra-argumentavam segundos, é tudo encenado, atirava juntamente com o queixo mestre Chico Fofa, senhor de toda a autoridade que o facto de ser dono de uma das poucas tabernas com televisão somado à real e insofismável verdade que ser dos telespectadores mais antigos lhe dava. Verdadeiramente ciente da solenidade do momento só mesmo o senhor Óscar, que me ergueu ao alto e ao colo, e num sussurro que ainda hoje desconheço a quem dirigido; fixa isto miúdo, fixa o momento da chegada à “nova fronteira” pois vai marcar doravante toda a tua vida. Não o entendi claro, nem isso nem o motivo por que quase me atirou ao chão afim de ir correndo atender uma fogosa freguesa reclamando dois quartilhos de feijão-frade. 

Para quem não saiba o senhor Óscar, um jovem de iniciativa, detinha na rua e talvez na cidade a mais bem apetrechada mercearia. Talhas para o açúcar, para as leguminosas em semente, para a farinha e o farelo, a alfarroba, cevada, aveia, uma moderna bomba manual para o azeite, um facalhão guilhotina para o bacalhau, e, surpresa das surpresas, um jogo de quartos e quartilhos em plástico multicor como na terra alguém jamais vira. Era enchê-los, passar o rolo da lei sobre os mesmos e estava justamente aviado o freguês. Voltou, voltou para pegar-me, eu babado de ranho e de nódoas das favas-fritas, ele a sussurrar-me não ter havido fronteira mais difícil de conquistar do que aquela. Gravei !

Gravei e durante anos rememorei as suas palavras. Anos mais tarde aprenderia o que era a fronteira, os caramelos de Badajoz e os passeios a essas coisas associados. Levaria anos até que a expressão “desafio de Kennedy à exploração da última fronteira” acordassem em mim as sábias palavras do senhor Óscar, comerciante empreendedor e inovador como seria hoje apelidado. Solícito era, e também um paz de alma, um colosso de beatitude ateia sem igual e forte como um touro ou assim parecendo aos meus olhos de menino. Depois… bem… depois conheci muita gente, muitas fronteiras, a de Berlim, a de ferro, outros povos, muitos povos, muitas pessoas, conheci Eça, conheci Camilo, Almeida Garrett, tantos outros, e tudo tão relativo, tão dúbio, tão movediço que olhava em meu redor e nem uma linha, uma fronteira, um objectivo, um desígnio, uma bóia…

Sinto saudades de quando criança, dos braços fortes do senhor Óscar, das certezas do senhor Óscar, das profecias do senhor Óscar, das favas-fritas do Chico Fofa, das tabernas junto à morgue, das batatas a cinco tostões, do mundo firme no seu eixo, da certeza de ao leme um homem sábio, do bibe da escola em minúsculos quadradinhos azuis e brancos, do Chafariz D’El-Rei, do professor Pulga, do Ford Cortina cujo verde limão me deslumbrava, do conta quilómetros que marcava mais de cem e me fazia idealizar as fronteiras que atingiria,. Vou pedir à minha avó Inácia dez tostões, comprar um pacote de batatas e outro de favas-fritas e espreitar o braço forte do Senhor Óscar fazendo descer a guilhotina do bacalhau que gemerá ao ser cortado, eu sei, eu vi, tantas vezes vi que já nem me lembro nem sei o que foi feito do Luther King.

 

sábado, 23 de julho de 2011

72 - AO SOM DE UM SONHO...


Passeavam-se abraçados, naquela bruma que a escuridão da ilha de Faro torna mais densa se à beira-mar, num daqueles amplexos de noviços em que a incerteza deixa o aperto por cumprir, pés marcando a areia molhada, até que ela olhando e apontando a lua, aproveitou para lhe pegar na mão, que não mais largou.

 

Ele, volvida a inicial hesitação e a confiança que aquela mão na sua lhe conferia, parou, esqueceu a lua e a si a puxou, num arrebatamento de quem não consegue esconder um desejo velho e amordaçado há muito tempo.

 

Ângela sonhava há anos com esse mundo real e fantástico que a cadência das brisas do Saara trazia até ela. Matemática e sincopadamente essa frustração aparecia com o estio e a canícula de cada ano, tão rigorosamente quanto o seu relógio biológico desde a menarca, coisa que já nem lembrava, lhe encurtava os meses como se de Fevereiros se tratasse sempre.

 

Pois em cada ano e logo pela manhã era vê-los, e ver delirar Ângela, já que um anormal número de motociclistas davam sinal da sua presença, sobretudo da sua impaciência e regozijo ante os menos informados, dando de forma esfusiante conhecimento que algo de grandioso se passava, já que de muitas proveniências ali paravam para uma bica, ou simplesmente para desentorpecer as pernas e abastecer depósitos, na passagem ou percurso rumo à terra prometida e cada vez mais de todos, o mítico Allgarve.

 

Ângela suspirava, dava-lhe gozo e gosto vê-los, vestidos à maneira, montando potentes máquinas, lembrando até aos mais distraídos os cavaleiros de antanho na rota dos peregrinos, dando provas de uma fé que ela não conhecia, de um credo que sofregamente desejava abraçar, de uma irmandade a que há muito aspirava pertencer.

 

Apesar de homem maduro Gilberto sentiu-se tremer como adolescente imberbe, domou um medo enorme que só o desejo há tanto calado superava, sentiu-lhe o corpo quente, o odor inebriante, acariciou-lhe o pescoço descoberto pelo cabelo apanhado, fruiu a maciez sedosa da sua pele, segurou-a pela nuca, procurou-lhe os lábios carnudos que sequiosos buscavam os seus, beijou-a, língua avidamente exigida por outra língua, sentiu nela um frémito que o encorajou e, calmamente, dobraram os joelhos e quedaram-se na areia, as mãos buscando-se na ânsia de se conhecerem, ela arfando ao ritmo da respiração dele cujas mãos a percorriam e encontravam desperta, numa atitude tanto de dádiva e entrega como de premente exigência, até que, conhecidos os segredos e afastados os medos, os dedos dele a sentiram enquanto ela os sentiu e consentiu e a despertaram de um torpor lânguido que quis e prolongou, para finalmente serem saboreados, chupados, sugados por ambos, num ritual ou feitiço ancestral em que o cheiro da fêmea sempre preparou os humanos para o amor carnal voluptuoso, numa ansiedade desmedida próxima da violência masoquista.

 

Casara jovem Ângela, e a assumpção desse papel a privara sempre desse sonho que desde menina acalentava, e a cada ano mais lhe acentuava o saudosismo de uma promessa por cumprir. Gilberto, vizinho, e motard, desde cedo percebeu os sonhos por cumprir naquele rosto, onde os percepcionava mais guardados que escondidos, mais sonhados que vividos.

 

E tão bem percebeu, tão carentes os encontrou nessa vizinha amiga que lhe sussurrou numa palavra terna, cúmplice e compreensiva, o mínimo que ela esperava ouvir de alguém, que os seus mais sagrados sonhos devaneios e anseios poderiam ser escutados e ter eco. Tiveram.

 

Ângela, a meio de um processo de divórcio, logo ali lhe fez jurar quanto bem lhe queria por isso, e que, a fazerem-no, o fariam como dois ladrões, ás escondidas de todos, como num pacto de sangue que nenhuma contrariedade pudesse quebrar.

 

Apenas o cansaço os refreou por breves momentos, aproveitados, qual deslumbramento, para se olharem como quem nunca se vira, e se estranharem como terá sido possível que, vizinhos durante tantos anos, mutua e tão profundamente se tenham ignorado.

 

Então, como quem tenta recuperar tempo e oportunidades perdidas, foi dela a vez de o perceber e sentir como quem ás apalpadelas tacteia o caminho, lhe sentir a pulsação, ofega de ímpeto e desejo, lhe conhecer intimidades, agora dela, o provocar e aquecer com o hálito quente, titilar c’a ponta da língua, sorver com avidez, medindo e sustendo a compreensível agitação dele, parando e recomeçando de modo a não parar de vez, delirando ambos, sequiosos ambos do que não tinha fim e temiam perder, sofregamente enredados, ternamente entregues, esquecidos e conquistados.

 

A lua movia-se no céu, transladando o tempo pelo qual não deram, capazes mesmo de jurar ter ele parado ali, para eles, para que se dessedentassem de anos de carências, frustrações, desejos reprimidos ou insatisfeitos, de alheamentos feitos e sofridos, fingimentos, fugas, mentiras e desculpas.

 

Então, quando tudo ameaçava ruir por qualquer deles ser incapaz de se conter um minuto mais, suavemente o travou como quem acalma uma criança a quem tiraram um brinquedo, lhe sussurrou ao ouvido ternas palavras cujo eco ouviu repercutido nela mesma, o conduziu como e onde quis, lhe ofereceu o peito como altar e o deixou embriagar-se de si mesma, até ao momento em que o recolheu nos braços como se tivera asas, soergueu e, entreabrindo as pernas, o tomou nas suas próprias mãos como quem cuida do desaparecido Graal, a si o guiou e em si o recebeu enquanto no céu uma estrela cadente, talvez um cometa, registou a simultaneidade daquele momento de clímax que hão-de recordar vida fora como se vivido à luz ou ao som de um sonho porque na ponte e na marginal, os roncares dos motores mais não eram que um suspiro longínquo confundido com música celestial.





sábado, 16 de julho de 2011

71 - ORA VEJAM SÓ O QUE EU PERDI ...


Dedico as duras e contritas palavras que se seguem a uma querida amiga, esquerdista e liberal, absurda e contraditoriamente as duas coisas ou excepcionalmente uma terceira opção, parva, a fim de que ela guarde para memória futura o meu vero testemunho, já que é normal insurgir-se contra mim sempre que eu, de forma despicienda, trato os bois pelos nomes.

Como vocês todos (as) já perceberam pendi para a escrita, forma de ocupação por excelência (esta palavra traz-me à memória conotações negativíssimas...), longe porém de ter sido a minha primeira paixão ou vocação, ainda que cedíssimo o gosto pela leitura tenha sido em mim inoculado pelos motivos que no texto sessenta e três vos contei.

A minha primeira chama foi a Lúcia, de grandes tranças, olhos verdes, e com quem prazenteiramente repartia os solavancos do autocarro, àquela hora sempre abarrotado de gente do bairro à cidade.

Viajar com a Lúcia naquela carcaça apinhada e resfolgando a cada paragem era para mim o máximo, era musica celestial e, talvez por isso, em mim uma queda para a musica, a que meus pais procuraram dar corpo inscrevendo-me na Escola de Musica da FNAT, Federação Nacional para a Alegria no Trabalho, nome que mais tarde me soaria demasiado pan-germânico, cousa em que penso não me ter enganado já que actualmente tem a designação de INATEL.

Assim fui aprender o solfejo e a dedilhar um instrumento, muito cedo, ou muito novo, sob a batuta do Maestro Ismael, mais musico da alma que do ouvido, que me tomou como aprendiz de eleição e, não fora o papá um dia ter-me arrancado ás suas garras, o Maestro Ismael teria em mim tocado clarinete e pífaro, oboé e flauta… sem que o meu medo o constrangesse quanto o constrangeram os socos deixados de presente pelo papá e que dessa forma brusca me arrancaram ás suas garras afiadas e monstruosas, atirando-o por terra soluçando o seu próprio sangue, dentes e lágrimas.

Cena violenta para uma criança dirão, mas na realidade bem depressa esquecida pois dali, do antigo Palácio do Barrocal, nos dirigimos directamente a casa do “estafeta” Semião, bem pertinho por acaso, buscar a viola ou violão que o papá e eu ternamente escolhêramos num catálogo de venda por encomenda.

Tamanha emoção depressa me faria esquecer tanta violência, e à escolha do violão, com uma bela imagem de uma ainda mais bela morena bem moreninha, não terá sido inocente ao meu pendor pelos bronzeados, moreninha mais parecendo bamboleando-se à sombra de verdejante palmeira em praia paradisíaca sob um sol que dava vida a todo aquele envernizado panorama.

Maior que eu, o violão, não a morena, com um braço que meus tenros dedos eram ainda incapazes de abarcar, ficou para sempre, tal qual o solfejo, remetido a uma aprendizagem futura que nem as Novas Oportunidades abriram.

Passaram-se anos, esqueci, cresci, e mais tarde, pelos meus dezasseis ou dezassete anos, numa providencial boleia para Lisboa, outro Ismael havia de me prometer mundos e fundos, apalpar-me as pernas e, de olhos esbugalhados o deixei, órbitas ameaçando saltar fora, mais parecendo um peixe morto, mal me viu sair antes do fim da viagem e na primeira ocasião que se me deparou.

Ocasião perdida, penso eu rindo-me ao observar a solidariedade e coesão que entre olhares de peixe morto se estabeleceu nos dias de hoje, que o mais certo era eu ter não só o apartamento prometido, como o Porche, e um lugar de administrador na Casa Pia, apresentador de Tv ou ministro…

Vejam só o que eu perdi…

Enjoei Lisboa, os anos de tropa que fiz na “briosa” como voluntário (fui fuzileiro naval), mostraram-me o lado bom e o mau da espécie humana. De tal modo que ainda hoje para mim um paneleiro é um paneleiro e nada a acrescentar, mau grado as criticas abertas dessa tal amiga tontinha, cujas tonturas na realidade só começarão no dia em que algum dos seus filhos ou filhas sejam molestados por um destes monstros, que tanto clamam por direitos iguais e me deixam sem saber se todos com os mesmos direitos ou se todos nós igualmente direitos e tesos para gáudio dessa matilha.

Já nos twenties, ou twentyager, aluno universitário, e ainda um desses cabrões se faria a mim, numa noite em que fora solicitar livros e subsídios de estudo ao balcão do meu sindicato, onde ele mourejava, ali à praça maior por cima do Banco Português do Atlântico.

Como ia dizendo, ali mourejava o Moio, ou Alqueire, já nem recordo o nome, mas recordo, e bem, a joelhada que lhe dei quando da genuflexão que fez  ao implorar-me e beijar-me as mãos, os pés, e o mais que eu tivesse deixado, tudo à vista de um cofre que abrira para me dar o mísero subsidio, mas sob a promessa de virem parar ás minhas mãos todos aqueles maços de notas que nem me arregalaram os olhos.

Arregalei-os sim quando momento e circunstâncias me recordaram o papá e, com a coragem induzida e uma joelhada bem assestada, joguei longe e aos trambolhões o ultimo Ismael que me arregalou os seus olhos de peixe morto.


Hoje sei dos casos pelos jornais, o João Pedro e a Mãe, o embaixador, o Rei Ghob, o padre Frederico, outros padres, o Castro, outros Castros, são meros exemplos de indivíduos desviados, tarados, possessos, desnaturados, bichas, debochados, gays, panascas, paneleiros, devassos, promíscuos …  perigosos… desta vez a polémica envolve um inquérito a vários professores de uma escola de música do Funchal que, "alegadamente"  dariam notas de acordo com favores sexuais obtidos de menores.... e eu fico matutando, quanto valerá um carinho nas coxas lisinhas de uma garotinha ou no peito de um adónis ainda imberbe? treze? e uma carícia no pi-pi ou na pilinha? quinze? e uma festinha por mãozinha inocente..... dezoito ? e o clímax na boquinha ? vinte ??? meu Deus... quantas vocações perdidas... e eu é que sou uma besta...



sexta-feira, 15 de julho de 2011

70 - O NOME DELA ERA GI, SIMPLESMENTE GI...


Sempre gostei de flores, gostará ela também? E de quais? Certo é não sermos excepção à regra. O que eu procurei no “Gifs Flash do ORKUT”, um ramo inimitável de rosas que a fizesse vibrar e lhe desse testemunho do meu querer, e esta porcaria de pc volta a colocar-me mal, volta a não funcionar, tudo parece rebelar-se contra esta tão inesperada quão inusitada amizade.

Não embarco nos pensamentos negativos que me assaltam, estou a ficar irritado, não costumo descontrolar-me, nem lembro já quando isso tão surpreendente quão aberrante e contra natura amizade.  Aconteceu a última vez, mas esta Gi dá-me cabo da paciência, precisará meter férias para escrevinhar uma resposta ? Mandar uma mensagem por pequena que seja ? Que razão me assiste ? Talvez nenhuma ! Não é ela maior e vacinada ? Não é ela independente, inteligente ? Não defende ela o seu mundo com unhas e dentes ?

Não posso irritar-me, descontrolar-me, e logo pela manhã, o excesso de calor, excesso de gente e de carros, excesso de restaurantes sempre excessivos na falta de modos e profissionalismo, a minha actual falta de paciência fazendo com que os abomine, que os ache inexpressivos, exagerados, começando logo nos preços, exagerados na exigência de moedas e eu sem trocos, que se lixe o café, que se lixem todos !

Estou sem paciência, pachorra como por aqui se diz, hoje tudo é exagero, devia era fugir daqui, dar um passeio pela costa, a costa ainda me seduz, todo aquele mar a perder de vista, um mar de impressionantes e caprichosas ondas, uma delícia para mim, miro-as até onde logro espraiar o olhar.

Pois pois, romantiza filho, logo eu fugido a uma bica em Setúbal, iludido, enganado, não, não, não tenho que pensar para mim meu Deus o que eu fiz ! No que eu me meti ! Enchi-lhe a cabeça de sonhos, desassosseguei-a,

- EU NÃO SABIA QUE TINHA ESTE PODER !

mas que culpa tenho ?  E será que tenho ? Não, não fui eu, digam-me não ter sido eu, ela não é parva, eu não medi o alcance das palavras foi o que foi, e afinal o que fiz eu ?

Agora empato, não sei como sair desta, ela não é parva, tudo que eu disse não teve a mínima importância, ela não se deixará levar, então por que não me acalmo ? Porquê esta sensação de culpa ?

Não é ela maior e vacinada ? Não é ela independente, inteligente ? Não, não fui eu, digam-me que não fui eu, ela não é parva, eu não medi o alcance das palavras mas ela não é nada parva, e então o que é que eu fiz ?

Agora empato, não sei como sair desta nem como nela me meti, mas empato e alego falta de tempo, de disponibilidade, e empato. E mais empato quanto mais vontade tenho de correr até lá e cobrar aquele abraço prometido, tenho é medo de a encarar, as mulheres inteligentes sempre me meteram medo, e se ela faz o mesmo ? Se espaçou as mensagens para me arrefecer ? Se as tornou mínimas para me afrouxar ? Para travar estes meus ímpetos ilógicos de um amor serôdio ?

Passei ontem o dia tratando do jardim fronteiro à casa. Arranquei ervas, alguns arbustos em excesso, para quê ? Para arranjar espaço para as flores, trazidas daquele viveiro/estufa ali aos Canaviais a fim de alegrar solenemente as minhas chegadas a casa. Tudo porque ela não escreve e isso desespera-me, e cuidar das flores é ajudar-me a passar o tempo que a resposta tarda em chegar. É isso !

É por isso que ela fala pouco ! É por isso que as mensagens são pequenas sabendo ela eu detestar tal ! Está a colocar-me no lugar, está a colocar-me à distância, ela sabe como lidar com estes desvarios, com parvos como eu, quem o não sabe sou eu, não entendo mesmo nada de mulheres, são para mim um cada vez maior mistério, serão sempre.

E as flores, que flores ? Flores alentejanas com certeza, daquelas que vimos alegrando os nossos campos agora que a Primavera vai chegar e se antecipa. Tudo se antecipa, o tempo anda como gosto de dizer cambalhotando os meus dias, só uma mensagem dela se não antecipa, flores amarelas, violetas, rosas, lilases e vermelhas, brancas e azuis, porque é assim, com estas cores que pintamos quando meninos ou apaixonados o Arco-íris.

Um aroma salutar e alegre inebria-me, fará mesmo com que o carteiro se demore um pouco descansando da labuta, a minha amiga Gi não manda cartas nem flores, flores que me vou habituando a tratar, cada uma pelo nome próprio e de família, terei que estudar de novo a botânica das roseiras de todo o mundo, o que não consegui até aqui. Talvez um dia traga do Algarve uma amendoeira, talvez venha a contribuir para preservar a espécie, talvez debaixo dela falemos do que devíamos ou não devíamos fazer, talvez... Mas que fiz eu ? Que estou a fazer ? Que nos estamos fazendo ?

Estou incapaz de imaginar a beleza do Algarve na Primavera, nada de excessos, de excessivo só mesmo aquele mar de pétalas branco-rosa tornando exuberante a mesma paisagem que no verão se nos mostra árida, seca, agreste. Como estes dias, como estas horas, crestadas pelo desespero de um sinal. Olho o céu esperançado, como se dali viesse pelo éter o fluxo virtual que aguardo ansiosamente, vejo aves voando para sul, aves de arribação a quem os equinócios traçam os rumos. Só a mim falta um solstício.

Contristado, e pela primeira vez na vida sem um rumo que me guie, recolherei com a alma por preencher porém desperta ao meu jardim. Se me deixassem encheria toda a cidade de flores, flores e mais flores, de todas as cores e espécies até alguém notar-me teimando pela vida e reparar que não, ainda não estou maluco. 

quarta-feira, 13 de julho de 2011

68 - NÃO TE LAVES JOSEFINA, ESTOU A CHEGAR...



Não é segredo para ninguém quanto os professores se esforçam por desencantar variadas estratégias e mnemónicas que motivem os alunos a conceder-lhes alguns minutos de atenção.

Uma vez, há muitos anos, ainda inexperiente, caí na asneira de abrir uma aula com a frase que dá o titulo a esta crónica, (habitualmente começava a aula com uma frase polémica mas marcante), claro que tive uma imensa dificuldade para os levar onde queria, precisamente à história e vida de Napoleão Bonaparte.

 A história de Josefina é verídica, Napoleão, que após as campanhas guerreiras que o afastavam de casa por longos períodos chegava sempre carregado de saudades, quando se encontrava a somente dois a três dias de distancia de Paris, enviava um estafeta da sua confiança com o polémico recado a Josefina.

Enfim, gostos e aromas não se discutem, o que discuto sim é uma notícia inserida numa edição do Expresso que não recordo, na qual, falando sobre comunicação social, nos dizia J.M. Nobre Correia; “ Há um exercício que os portugueses adoram, dizer mal do país e dos seus compatriotas. / Num colóquio internacional... um dos participantes evocou modestamente a questão do analfabetismo, da iliteracia e do nosso baixo nível cultural geral...”.

Nobre Correia falava de portugueses e da comunicação social portuguesa, por quem repartia as culpas.

Reparemos então que, enquanto na estranja evoluída das chefias aos profissionais e quadros superiores dos mais variados se formam nas chamadas Escolas Superiores, algumas mesmo Escolas Superiores de Administração, por cá é vulgar terem obtido um curriculum oferecido pelos lugares que o partido vai disponibilizando, quando não, terem estudado no Chapitô. Isto na pior das hipóteses, pois na melhor pode acontecer ser-lhes proporcionado um exame num fim de semana, por fax ou, aconteceu recentemente, ser castigado com nota dez….

Há quem boline na Europa das Luzes e a quem muito provavelmente tenham oferecido o canudo nos idos de setenta e na esteira da espuma do PREC ...               

Como diria eu num dia de boa disposição, o que mais custa é pagar-lhes as actuações, e tanto mais nos custa quanto bem caríssimo vamos ter que pagar, durante bastos anos o riso que nos roubaram…

Que responderiam se lhes perguntassem porque não se fez em mais de trinta anos o que nunca fizeram e agora se propõem fazer em escassas dezenas de meses?

Passariam por mentirosos ? Por idealistas ?

Não seria uma pergunta, seria uma paródia, paródia que faz diariamente delirar um pagode delirante, perdoem-me a redundância, delírio que deixa todos os nossos dirigentes, do político ao chefe e ao patrão, enxovalhados e chamuscados.

Acho que nunca houve o bom senso de alinhar em programas que poderiam ter contribuído positivamente para a elevação do que agora, felizmente e por enquanto ainda consideramos uma paródia, tempo virá em que nem a água do banho seremos capazes de pagar…

Napoleão tinha as suas razões, nós as nossas, não podemos é esquecer o contexto ou o cenário em que se desenrolarão as cenas dos próximos capítulos, aí chegados até a vontade de rir esqueceremos, e o delírio passará a alucinação e demência.


… Texto de Maria Luisa Baião, publicado no Diário do Sul em 2003





segunda-feira, 11 de julho de 2011

67 - Fantoches...



A expressão fantoche, hoje aqui trazida à baila, nada mais significa que aquilo que o texto sobre ela diz e os dicionários de língua portuguesa sobre a mesma elucidam. Qualquer comparação com a realidade é pura ficção e está muito longe do meu pensamento ao produzir o texto, espero que não suscite confusões nos vossos espíritos.

Sobre a palavra “fantoche” diz-nos o Dicionário Prático Ilustrado, da Lello, um dos melhores, que fantochada se refere a cenas ridículas, e que um fantoche não passará de um autómato, ou boneco que se faz mover por meio de cordelinhos, daí a expressão “mexer os cordelinhos”, indivíduo que não se pode sob pretexto algum, acrescentaria eu, levar a sério.

Já o Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Selecções, volume II, uma referência a nível mundial, é mais completo na designação, mais abrangente, nele surgindo, para além das impressões já apontadas, expressamente designada por “fantoche”, pessoa que fala e procede conforme vontade alheia, títere, sendo neste, ou sobre este último atributo que iremos fazer incidir o nosso texto de hoje, já que títere, segundo o mesmo dicionário, não passa de um boneco que imita gestos humanos, marionete, palhaço, bufão, indivíduo que se deixa levar por outrem, que age por inspiração ou a mando de outrem, ou de outros interesses acrescentaria eu. 

Muito mais precisa é a designação que nos é dada pelo Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa, das publicações Alfa, igualmente uma edição das Selecções do Reader’s Digest, 1º volume. Segundo ela, fantoche é um homem que para além do já dito, não pode nem deve vez alguma ou por um único segundo ser tomado a sério.

Na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Verbo, volume 8, são dedicadas a “fantoche” quase duas páginas! E quem quiser porventura ficar a saber mais que o condensado neste texto, deve consultá-la. Extensa e precisa, como acabei de vos esclarecer, e para além de tudo o dito e feito atrás, caracteriza todos os “fantoches”, entre outras coisas, como vivazes, maliciosamente astutos, com natural tendência para o improviso e valendo-se de recursos que não pouco os têm desvirtuado, todavia muito populares e com grande poder de comunicação com o povo.

Segundo esta enciclopédia os “fantoches” têm gozado de apoio oficial em Portugal. Contudo nem só na nossa terra existem ou existiram “fantoches”, é praga que está espalhada por todo o mundo. Estou a lembrar-me de um fantoche famoso, … sobre o qual muitos livros e filmes têm sido feitos, o “Último Imperador”, ou “Sete anos no Tibete” para citar apenas os de certo mais lidos e vistos pela população portuguesa.

Relatam eles a vida de Pu Yi (1906-1967), último imperador da China, que foi destronado aos vinte e seis anos, em 1932, quando da invasão japonesa, levado para a Manchúria, igualmente invadida e conquistada por estes últimos, e ali ficou, um “imperador fantoche” às ordens dos conquistadores, até que em 1945, outra guerra os venceria, a II Grande Guerra Mundial, e a Pu Yi dada a possibilidade, após julgamento e cumprimento da sentença, a possibilidade dizia eu, de uma vida normal, como um cidadão normal, coisa que ele nunca foi nem conseguiu ser.

É uma história triste a deste homem vale a pena lê-la.

Todos temos os nossos fantoches de estimação, também eu tenho o meu fantoche de estimação. Não nutro por ele aliás qualquer tipo de consideração, coisa que ele de todo não merece nem parece precisar. Tem mais de 30 anos de idade e por certo há-de morrer sem um arrobo de vergonha ou de dignidade, pois que se a tivesse, há muito que teria guardado na mala das quinquilharias o seu corpito de marionete.  

Por cá vai andando e empatando, como outros empataram, e eu, e todos, tolerando (os) sem vontade ou sem força para o (os) atirar para o lixo, destino que lhe (lhes) está reservado historicamente e sem apelo nem qualquer misericórdia, mais cedo ou mais tarde, quer tenham tido um curriculum oferecido, estudado no Chapitô, ou lhes tenham oferecido o canudo nos idos de setenta... 
              
O que mais custa é pagar-lhes as actuações, e tanto mais custa quanto bem caro vamos ter que pagar o riso que nos roubaram…     

sábado, 9 de julho de 2011

66 - QUANTO MAIS PRIMA ..................




Não consigo ver ou ler obra de Jorge Amado sem que me lembre de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, tudo por uma analogia muito simples, um facto que traz em bolandas toda a minha família alargada, o regresso a este nosso cantinho à beira-mar da minha estimada prima Michele, agora Michele Legrand.

Regresso devido às frustrações induzidas nos franceses por Sarkozy que, segundo Michele, (ela adorava José Sócrates) nada mais acrescentou à grandeza da França que a beleza de Carla Bruni, beleza em que ninguém vai ferrar o dente, em contraposição com as reformas que ninguém queria nem aceitava mas que revoltaram e enganaram todos os franceses, os quais, como acontece por cá, naturalmente acabaram por as engolir...

Perante este cenário e manifestações quase diárias que a enfastiavam, ela que nunca soubera nem quisera saber o que fora domingo ou feriado, reformou-se assim que pôde e antes que fosse demasiado tarde...

Voltou agora, passados quase quarenta ou mais anos, não recordo bem, e voltou para regressar não às origens, pois não consegue habituar-se nem aos nossos descostumes, nem à nossa desarmonia, ela que, libertária, nunca se quedou ante os usos e fusos de cada terra, antes foi lesta, uma vez mais e como sempre na satisfação dos seus desejos, ela que desta vez nem hesitou fazer a trouxa e se prepara para zarpar rumo a uma miríade de ilhas no Pacifico que dá pelo nome de Polinésia e onde será impossível voltar a encontrá-la.

Michele, reformada de décadas de trabalho no Cirque du Soleil, e de amor livre em França, aguarda apenas um concílio familiar para decidir que fazer da sua vida, agora solta de horários e compromissos.

Eu rio-me da conversa,  Michele, que nunca se deixou prender a nada nem a ninguém só pode estar gozando, mas não goza, ta no sério, esperando os cinco maridos que teve ou tem, de cinco uniões apaixonadamente vividas, para o demonstrar três lindos rapazes (os dois mais velhos já homens) dessas amantíssimas uniões das quais resta uma tremenda e para nós inexplicável coesão familiar, daquelas que nem de encomenda se encontram.

É preciso conhecer Michele para a entender.

Miquelina de seu nome, não sei se por isso se por outras razões, a verdade é que demasiado cedo nos fugiu.

Antes de completar quinze anos teimara entrar num convento, sabia a catequese de cor e salteado sem que alguma vez tivesse lido o catecismo, e apenas minha avó Inácia a lograva ver de quando em vez pairando sorridente sobre nuvenzinha ténue que reflectia cores como as bolas de sabão e em que ela, Miquelina, cavalgando-as e vogando nos ares, afirmava estar ou ser tu cá tu lá com Deus e com Nossa Snhora.

Não lhe tendo sido feita a vontade na terra, cedo se despediu de todos sem que pessoa alguma a haja levado a sério, embora na verdade e chegado o Natal tivesse partido com o maralhal de um circo que descera à cidade, inserida na trupe dos malabaristas, arte em que viemos a saber era mestra, inda que, uma vez mais, ninguém soubesse explicar nem o como nem o porquê.

Jamais alguém a vira equilibrar-se numa corda, andar numa dessas bicicletas de duas rodas, nem sequer nas de uma roda só, jogar com pratos, bolas e garrafas ou até deitar facas, lume pela boca e fumo pelos ouvidos.

Desta fase da sua vida ficou-lhe a sensual tatuagem de uma borboleta dois dedos acima do rabo e por causa da qual houvera já um anterior concílio dos cinco maridos, que decidiram por unanimidade que ela não poderia sob pena de excomunhão apagar aquele símbolo, já tornado onírico para todos eles e que tanto os tinha marcado.

Não apagou e mostrou-me mesmo esse “papillon” colorido que tanta celeuma lhe causara ao longo de meia vida, pois Michele acredita vir a viver ainda outros tantos quantos os que conta.

Michele jamais prendeu um homem que fosse, amou sempre como quem respira e, desconfiando que um marido se afastava para outra paixão, tratava-o com todo o carinho e amor possíveis, fazia-lhe a trouxa e punha-o fora com tristeza e lágrimas verdadeiras, rogando-lhe que voltasse logo que essa paixão lhe passasse.

Desta forma juntou maridos e filhos numa comunidade para nós inconcebível, nem sei por que artes mágicas ou hipnóticas fez deles e à vez verdadeiros devotos, pois ao longo de quarenta anos os amou alternada mas nunca simultaneamente, tanto mais que os espera vindos numa carrinha de nove lugares, que trará ao concílio cinco maridos e três filhos de pais diferentes, os quais participarão e julgarão os passos que a companheira e mãe pretende dar, já que nenhum está disposto a abdicar da sua proximidade, sinónimo de desamparo, e há que unir esforços e teimar demovê-la da ideia de zarpar para a Polinésia na companhia dum antigo fuzileiro que conheceu aqui, em plena visita ao templo de Diana, criatura que, como ela, conta cinquenta ou mais anos e regista aventuras em todas as partes do mundo, somente a superando em tatuagens que vão desde “amor de mãe” até ao amor por tantas mulheres e terras quanto o comprimento dos dois robustos braços consente.

Não acredito que Michele alguma vez se tenha deitado numa cama com os cinco, como “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, nem a imagino polígama, mas que soube fazer uma gestão meritória e harmoniosa da sua vida e dos seus amores não lhe podemos negar, a ela devo a fundamental preocupação que inda hoje me anima, o facto de ser tão importante ter de quem gostar como ter quem goste de mim.

Claro que embora com uns aninhos a mais que eu, Michele foi uma das minhas iniciadoras, e com a desculpa estafada do “quanto mais prima mais se lhe arrima”, muito me ensinou enquanto brincámos os dois nos primórdios das nossas adolescências e, enquanto eu a deixava ver a minha se ela me deixasse ver a dela, e ela me deixava brincar com a sua se eu a deixasse brincar com a minha, lá fomos aprendendo, inocentes e traquinas qb, o abc do amor.

Foram tempos inesquecíveis que explicam que seja eu um dos poucos ou dos únicos primos com quem abertamente se dá, tão abertamente que logo à chegada me atirou ;

“Ólá meu artolas ! meu maricas ! Eu é que te trago aqui uma cor que vale a pena ! Nem vais acreditar no que a prima te trouxe desta vez !

E passa-me para as mãos um valioso souvenir, uma embalagem de tinta azul eléctrica para o cabelo, brilhante à noite, da “Garnier, cor 1723RR, Feux Infernal”, ainda não à venda em Portugal e que fará as delicias cá do mano quando das concentrações motard’s, já que quer o azul quer o vermelho vivos que uso, segundo a Michele, não têm nem o brilho nem a originalidade da cor que agora me traz, e nem sequer brilham na escuridão com a intensidade desta.

Desconfio que serei mais um a tentar evitar que a Michele se pire p'rá Polinésia não ? Que acham vocês ?

Uma mente aberta é um tesouro sabem ?

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