sexta-feira, 7 de agosto de 2015

264 - GANIMEDES E A CULTURA ...........................

                                 
Está em pleno a pré campanha, nas televisões, nos jornais, nas redes sociais, e inda que o verão e as férias mal tenham começado, cada palrador já encontrou ou preparou o seu registo de molde a impressionar-nos (como se fossemos uma chapa do negativo de uma foto à la minute), ou pelo menos a captar a nossa atenção, quiçá o nosso interesse, este último coisa cada vez mais discutível de obter. Cada um de nós criará uma imagem estereotipada de cada personagem, eu faço-o, pois facilita-me a sua arrumação em prateleiras mentais e sobretudo influi determinantemente na disponibilidade que concederei a cada uma dessas pseudo carismáticas figuras.

A alguns só tem a gente a ganhar nem os ouvindo, há partidos vivendo há quarenta anos em contradição, outros terão um piadão, pelo que a minha atenção oscilará como uma bolha de nível num nível (ri-me de mim mesmo com esta redundância). Mal as investidas se iniciaram e deu para ver de tudo, pelo que fiquei curioso quanto ao que espero ainda rir. O país está mal, muito mal, mas agora está muito melhor segundo uns, ou um tanto ou quanto pior, segundo outros. Quem assuma a trampa que fez e nos colocou na difícil situação em que nos encontramos é que não o admite nem aparece, com a agravante de, muitos dos que a este buracão nos trouxeram estarem aí de novo, prontos a dar-nos a mão e a salvação, como se nada do que se passou fosse com eles. Há partidos que com a sua inanidade e insanidade, em doze anos são capazes de atrasar uma cidade vinte e quatro.

Um destes dias até sonhei que Mussolini ressuscitara e se candidatava de novo a conduzir a nação à glória plena, e antevi nele o mesmo espírito de corpo, o corporativismo que tantos anos nos alimentou os dias e as vidas, “tudo pela nação, nada contra a nação”. O mesmo porte garboso apesar de ressuscitado, o mesmo ar descomprometido dos kosovares, esses sim, nada têm que ver com a fossa onde nos encontramos, o mesmo ar desinibido do tempo em que as vacas eram gordas e sorriam, a mesma desfaçatez que tão bem demonstrada foi por Bernardo Bertolucci no filme “1900, ou Novecento”, cujo link directo para o Youtube vos ofereço no fim do texto. (Mussolini morreu a 28 de Abril de 1945 às mãos do povo, juntamente com a amante Claretta Petacci na vila de Giulino di Mezzegra no Norte da Itália, fuzilados dois dias antes do suicídio de Hitler).

O meu amigo Ganimedes é que não concorda de todo comigo e está sempre:

- Não sejas parvalhão Baião… Deixa a politica para os políticos… Ainda não reparaste que por cada vez que tenhas razão perdes um amigo meu parvalhão ? …

O que me irrita é o seu ar de sabichão e as reticências, porque conhecendo-o como eu conheço sei o que implicitamente escondem, e ainda que ele se iniba numa mesa onde estamos meia dúzia, senão mais, adivinho-lhe a aspereza da observação e da crítica que implicitamente as reticências ocultam.

Involuntariamente vou observando os movimentos políticos dos personagens e das massas, já não involuntariamente vou anotando, catalogando, classificando, escrutinando, desde há uma dezena de anos a esta parte, a fim de mais tarde dar à estampa um estudo sociológico sobre movimentos de massas e personagens críticos ou cruciais, diria determinantes em cada caso, e faço-o criteriosamente, para ser mais preciso e explícito, desde o “movimento cultural” que arregimentou populações sob uma causa comum dirigida contra a única pessoa que parece não ter percebido a questão. 

            Pessoa que aliás nunca terá percebido nada de nada a não ser que um especifico e peculiar tubo com 20 cm de comprimento estaria coberto e submetido às agruras de um processo degenerativo de oxidação, vulgo ferrugem. Para ser franco, no estudo que elaboro e que pretendo submeter à apreciação dos sábios num futuro mestrado em Sociologia, e que me propus levar avante na nossa universidade, adianto várias pistas, ou hipóteses, todas viáveis, entre elas uma manifestada incompreensão pelo apoio do partido proponente, que reiterada e continuadamente apostou nessa figura, claramente deslocada do seu meio, incompreensivelmente incapaz de se assumir, de se relacionar com as massas, irrevogavelmente sem a mínima tendência ou capacidade de gestão de recursos, entre os quais os humanos, e de quem a história nem virá sequer a lembrar-se. Curiosamente lembrou-se Cavaco e Silva, desse e de um outro a quem são devidos trinta ou mais anos de imobilismo e obscurantismo.

Mas enfim, c’est la vie, parece que certas figuras por mais que se esforcem nunca farão história e rapidamente caiem no esquecimento, e antes que a vaca esfrie continuemos, onde íamos nós ? Na tese de mestrado e nos “movimentos culturais”, coisa que eu vi logo não ser o que parecia, até por, na história, jamais um movimento cultural ter conseguido o que queria, em Évora sim mas só o conseguiu nas suas reivindicações menos claras, quer porque não tivemos a nossa revolução cultural, (tivéramos simplesmente saneamentos), nessa época longínqua, como hoje, já éramos avessos à cultura, incluindo a cultura da tolerância, da aceitação, do respeito, do convívio e da partilha (ficou a da conivência, que como todos sabemos tem trazido imensas excursões a Évora), quer porque por cá a cultura enobrece mas dá de comer a poucos, coisa que Putin sabe melhor do que ninguém, pelo que lamentará não se ter insurgido mais cedo contra o revanchismo acoitado debaixo da perestroika e da glasnost que estraçalharam a mãe Rússia, levando-a a entregar as suas riquezas de mão beijada a uma direita oligopolista com a qual Putin agora se vê a braços.

Foi a fome, e não a cultura, quem despoletou a revolução russa de 1917, ainda que gente maledicente a atribua a uma monumental bebedeira que o exército popular, chamemos-lhe assim, terá apanhado nas caves do Palácio de Inverno em S. Petersburgo, cuja conquista significou um marco oficial na revolução. Bebedeira dizem, sem a qual não teriam sido capazes de quebrar as correntes culturais, cá está a cultura (da submissão) que os ligava à burguesia nobre a quem em estado normal seriam incapazes de desobedecer, tendo sido unicamente debaixo do efeito inebriante dos vinhos franceses e italianos, recheando as ditas caves, que ganharam coragem para fazer à realeza e seus muchachos o que nós deveríamos fazer à troika e seus acólitos. Isto da cultura tem muito que se lhe diga e serve para muita coisa, também na China fora a fome uma vez mais, não a cultura, que despoletou a revolução e a Grande Marcha, inda que mais tarde não tenham desdenhado e baptizado de “Revolução Cultural” tempos de vingança e inveja que ficarão eternamente escritos a negro na sua história. Revoluções culturais só me ocorrem a escrita e o Iluminismo.

Mas encontro-me em condições de garantir-vos, em Évora temos precisa e exactamente 372 pessoas cultas, trezentas e setenta e duas, ou 744, setecentas e quarenta e quatro se contarmos os pés e dividirmos por dois. Não me incluo a mim nestes números, eu era o que estava em cima do cavalo e confesso ter-me esquecido de mim próprio, até por nem ver razão para me incluir no universo em questão. Como disse tenho feito as minhas observações, anotações, catalogações e classificações, num escrutínio que já leva anos, a fim de não colocar em causa a exactidão dos números. Sim, contei-as e bem contadas. Trezentas e setenta e duas pessoas que possamos conotar à cultura tem a minha terra, demorei mas consegui ou penso ter conseguido, foram anos de trabalho de campo activo e exaustivo, anos em que uma completa e extensa metodologia empírica foi posta em prática e elevada à última potência toda a subjectividade permitida pela indução das mais rigorosas classificações e deduções, observadas a partir da enorme variedade que as amostragens obtidas em cada uma das múltiplas categorias analisadas consentiu.

Não me poupei, como seria lícito em minha defesa advogar, nem a esforços nem às premissas exigidas durante o dilatado período decorrido, em que examinei e diagnostiquei com honestidade o objecto desse trabalho, que curiosamente nem envolve , engloba será mais correcto, 80%, oitenta ou mais por cento dos que engrossaram os movimentos de massas “pela cultura” a que o trabalho alude. (será então caso para nos perguntarmos que estariam lá fazendo ?)

O meu amigo Ganimedes sabe-lo, por isso me diz reiteradamente que me cinja ao estudo e à tese, mais que isso é comprar inimigos gratuitamente, e di-lo-á certamente com alguma razão. Muitas vezes é ele quem por mim recolhe os dados, formula até hipóteses que posteriormente procuramos comprovar ou comparar com situações idênticas para aferirmos da sua validade, como é dele também, devemos fazer-lhe justiça, a hipótese de o 25 de Abril não ter resultado de um movimento cultural e sim de uma preocupação com o pré ($$$ para os mais novos e ignorantes), sendo que a prova de que nem sabiam o que faziam ou no que se estariam metendo é este resultado à vista de todos e que nem toda a cultura do mundo evitou nem resolverá nos próximos cinquenta anos.

Pena que não tenhamos alguém com a craveira de Putin, que restaure o orgulho pátrio como ele está restaurando o orgulho da mãe Rússia, sim, mesmo ordenando o esmagamento de todos os alimentos importados evitando a colonização da Federação russa pelas empresas imperialistas de fast food. Sim, por vezes é preciso que alguém pise forte inclusive a cultura, para que se possa acorrer a mais graves contingências. Ou era isso ou (assistir como nós), ao atrofiar e definhar da agricultura russa. Até porque não era o russo médio ou médio baixo quem tinha acesso a esses bens nas caras lojas e supermercados das grandes cidades, o russo de que falo e de quem Putin assumiu a defesa intransigente está condenado a uma dieta de batatas e até isso somente quando a neve e o gelo não o impedirem de esgaravatar o chão para as desenterrar.

Lá deixará de ser como aqui, em que tudo chega de fora pelo paquete como diria Eça, populista ou não Putin sabe haver só um caminho, e esse caminho é a cultura, na cultura é que reside a salvação, a cultura dos próprios bens de consumo em doses industriais, a agricultura. Era isso ou a fome, por cá escolhemos a fome.

Em relação ao trabalho em causa adiantarei somente que dos louros que me sejam devidos, somente aceitarei os que exclusiva e comprovadamente sejam fruto do resultado da metodologia usada, e claro, deverão ser-me igualmente creditados os provenientes da originalidade propiciada pela interdisciplinaridade das várias ciências envolvidas e de que me socorri. Tão poucos cultos, pensarão vocês, e estarão a cair no mesmíssimo e errado plano de observação de que ao princípio inquinei.

Lembrai pois a natureza subjectiva mas unívoca do que estava em observação.

         Obrigado parvalhões.



Sinopse:
O filme faz uma retrospectiva histórica da Itália desde o início do século XX até o término da Segunda Guerra Mundial, com base na vida de Olmo, filho bastardo de camponeses, e Alfredo, herdeiro de uma rica família de latifundiários. Apesar da amizade desde a infância, a origem social fala mais alto e os coloca em pólos política e ideologicamente antagónicos. Através da vida de Olmo e Alfredo, o filme retrata o intenso cenário político que marcou a Itália e o mundo nas primeiras décadas desse século, representado pelo fortalecimento das lutas trabalhistas ligadas ao socialismo em oposição à ascensão do fascismo. "Novecento" tornou-se um épico aclamado no mundo inteiro, sendo considerado pela crítica internacional como uma das principais obras do grande cineasta italiano Bernardo Bertolucci.


terça-feira, 4 de agosto de 2015

263 - MUROS .................................................................

MUROS ...
I
A brincar alguém ergueu em 1907 um muro de 2.000 quilómetros
Que quase quase de uma ponta à outra da Austrália se estendeu
Por causa da cegueira, do sexo imparável, da reprodução inimaginável
Porém outros muros vieram a erguer-se e bem piores que este
Diria Catroga em seu português venal; Coelhos, mera pentelhice afinal…
                                                                         II
Em muros a sério pensaram Maginot e Siegfried
Porque primeiro foram as valas e só depois outras valas...
E o arame farpado, enovelado, quase quase 1.400 quilómetros contados
Depois destas graças os famosos ninhos de metralhadoras
Que duraram e duraram
Inté se chegar aos automatismos mal fadados
                                                                        III
Então, como se aqueles muros não bastassem
Chegara a hora bendita e desdita da economia
E propagando baixá-las se ergueram por todo lado barreiras monetárias
Cercando as economias galopantes, arbitrárias
Protegendo-as dos furores cegos das forças libertárias
                                                                       IV
Foi então que outro muro intransponível se ergueu
Mas cautela, credo ! Desta vez felizmente em louvor a Deus
Faz lá ao menos uma tentativa… sim, foi aí, foi na Palestina
Como se a sorte fosse uma casa de meninas e
Forçada a dita a rodar de mão em mão, sorte canina
                                                                       V
E por entre o tráfego e o tráfico do México
Demos por ela entalada entre infortúnio e outro muro
Cedo mudou de poiso, abandonou  Tijuana e Conchita
Ora sendo o mal uma firma de investimento em comandita
Cercaram-lhes de redes Ceuta & Melilla, coitaditas
                                                                       VI
P’ra proxenetar uma hungarazita magiar desnataram
Travando a paixão a sírios e a sérvios que, afinal
Para que siervem os siervos dos sérvios ?
P’ra nada servem no final, nem prestam, que desandem…
                                                                     VII
E assim chegámos a Calais, via Lampedusa
Que isto das muertes é destino, e musa
É o espanto de quem tira sortes
É o esperanto a quem sorriu a morte
                                                                     VIII
E, antes c’o horror se espalhe p’los países do norte
Mais muros, mais novelos, mais arames
Estão ameaçados o turismo, os vinhos, os salames
Está apavorada a Europa da temperança
Da idolatria, da idiotia, da tia…
                                                                     IX
Os sobrinhos  Schäuble, Juncker, Dijsselbloem,
Gaspares, Moedas, Marias, Maçães…
Largando caganitas por Portas e travessas não,
Fechai-me esse mar agora ! Fechai-o já !
Virá de imediato, e sem demora a BlackWater de triste memória
Para nos salvar ,   ra ta ta      ra ta ta      ra ta ta      ra ta ta      ra ta ta 
                                                                      X
Que deixem metade deles viva
A esses sortudos deixai ir embora
Levarão choque & terror aos que lá estão
Pregá-los-ão ao mesmo chão que os devora
O medo guarda a vinha, nunca ouviste, e então ?
                                                                     XI
Agora sim, descansa que não dormiste
Aqui não entram drones, nem mirones…
Aqui a história será igualzinha aos nossos informes…
- - - não, à civil, fato de banho, sem uniformes, fim de transmissão, stop- - -

Évora, Humberto Baião, em 04-08-2015
   
                         

sexta-feira, 31 de julho de 2015

262 - THE DECAMERON .............................................

                        

            A linguagem tirou o homem da pré historia, quero dizer, da barbárie, passámos de grunhidos e monossílabos a um pensamento estruturado, passámos a comunicar uns aos outros necessidades, estados de alma, estratégias e tácticas, passámos a comer melhor, mais carne, mais proteínas, mais vitaminas e sais minerais.

Passámos a expressar tudo e mais alguma coisa, a expressar e a dar corpo, a corporizar os sentimentos, quero dizer a amar e a sussurrar-lhes aos ouvidos ao mesmo tempo. Hoje todos entendemos mais ou menos isso, mais ou menos o alcance e a comodidade da linguagem, seja ela conotativa seja denotativa, seja directo ou indirecto o discurso, inda que eu tenha demorado séculos a entender por que razão a Hermengarda ruborizava e se desfazia em risinhos quando no palheiro da quinta do Menino de Oiro eu lhe segredava ao ouvido,

- Ai filha não sei porquê mas enlouqueces-me minha querida santa.

Loucuras de jovens, a verdade é que durante uma hora ou duas regressávamos ao passado como alguns mergulham no futuro, e quem nos ouvisse ouviria os neandertais grunhindo e afogando-se em monossílabos.

Não é presente a que queira regressar, mas não era mau de todo e deixou gratas recordações. A alergia ao pó da palha é que nunca mais me passou e ainda hoje me despoleta a asma, quase me sufocando por vezes.

Não, felizmente ou infelizmente nunca tivemos filhos, ela sim, um lindo casal que o Aurélio lhe deu, por sinal padrinho do meu mais novo e um dos meus melhores amigos embora em termos políticos estejamos nos antípodas, ele na última era glaciar e eu já em Marte… A Hermengarda sim, é fixe, e foi a primeira convidar-me há muitos anos para padrinho da, agora mais velha, a Milinha, que muito me orgulha pois tirou uma licenciatura em Físico-química, um mestrado em Biologia, concorreu a uma bolsa de estudo para fazer nos states um doutoramento em Bioquímica e preparava-se para ganhar um concurso a que concorrera, ela e mais dezassete mil e quinhentos eborenses, aqui em Évora, para vendedora balconista da rede de padarias da Panificadora Eborense, quando me remeteu um sms muito estranho:

- Padrinho ! Eu não disse sempre que Évora seria o meu futuro ? Está garantido ! Não caibo em mim de contente temos que falar !

Já o Aurélio e a Milinha, muito excitados, me tinham telefonado quase de seguida para eu aparecer lá em casa, pois a minha afilhada estaria com um super dilema, acabara de ganhar um concurso para balconista, recebera um e-mail esquisito e agora hesitava entre uma padaria e a NASA…

E falámos todos, do e-mail que ela sem esperanças enviara com o currículo, anexando uma solicitação de concurso à vaga para o doutoramento em Bioquímica, e da mirabolante volta que o correio lhe trouxera. A realidade é que a Milinha recebera em menos de dois dias uma resposta de espantar, era convidada a trabalhar no Astrophysics Research Projects of NASA, sendo-lhe em simultâneo concedido tempo para efectuar o doutoramento. Alegando modéstia ofereciam-lhe ainda um vencimento de 12.500 dólares, sujeito a contestação ou a discussão. Mas a surpresa das surpresas surgiu quando passadas horas e devido a uma melhor tradução da Katia reparou que o vencimento era mensal e não anual como ela inicialmente pensara. Benditos 26 aninhos….

Contudo, todavia, mas porém a minha retórica de hoje vem a propósito de amigas e amigos and familiares que tenho espalhados por essa Europa fora, Londres, Suíça, Suécia, Noruega e Allgarve, e because as palavras, sempre a palavras. A linguagem, ainda que sem palavras pode perder-nos, como aconteceu há dias com o jogador Nuno Silva ao chegar ao Jaén Futrebol Real Clube que o contratara, todo orgulhoso e envergando uma camisola onde estava estampada toda a sua ignorância, quero dizer a carinha laroca del caudillo Francisco Franco, figura senão odiada pelo menos abominada em toda a Espanha. Estes percalços são fruto da estupidez, não basta a um jogador de topo saber dar chutos numa bola, um pouco de cultura, um mínimo de história ter-lhe-ia evitado o infeliz deslize e a assumpção televisionada de uma ignorância maior que o número que calça…

E já que vem à baila a Tv direi eu também não basta aos nossos políticos abrir a boca ou tomar atitudes que lhes denunciam essa tal de ignorância com maior clamor que os sinos do Carmo e da Trindade, e o mesmo poderemos dizer de David Cameron, sobre quem recai a agravante de ser Prime Minister e ter supostamente sido educado nos melhores colégios protestantes e nas melhores universidades laicas. O modo como se expressou em relação aos emigrantes foi o mesmo com que Hitler anos atrás começara a sua saga contra os judeus, e todos sabemos como essa coisa acabou…

Doravante todo o grupelho neonazi ou nacionalista por essa Europa fora sentir-se-á moralmente autorizado a malhar nos emigrantes, muitos verão as suas casas, barracas, rulotes ou contentores incendiados, muitos serão simplesmente linchados por hordas de fanáticos, todos se sentirão perseguidos e até algum policia mais confiante e ortodoxo, encorajado pelo pensamento liberal de Cameron nem pensará duas vezes antes de enfiar uns balázios ou fazer cair o cacete sobre o crânio desprotegido de um qualquer desgraçado cuja culpa não é maior que os pecados que também esta Europa tem deixado pelo mundo.

Por este andar não demorará muito que regressemos aos monossílabos e aos grunhidos e arrastemos as Hermengardas pelos cabelos para que possamos fazê-las nossas, a qualquer preço enquanto a Europa há mais de dez anos que se atasca em contradições, não resolve problema nenhum mas todos os dias nos arranja novos…




quinta-feira, 30 de julho de 2015

261 - CUTILEIRO ..........................................................


Afinal quem vai ganhar ? O ambiente que já se vive na pré campanha mais parece de festa, e claro que nós melhor até que no reino da Dinamarca, pelo que acho ser impossível desgraça maior, contudo confiemos, inda que seja de toda a prudência manter um olho no burro e outro no cigano, ou no árabe, ou no romeno, no ucraniano, no vadio, no drogado, no desempregado, no preto, and so on…

O céu está limpo, as nuvens negras desapareceram, a manhã aqueceu e a esplanada ficou agradável, bebo uma bica para me reconfortar da Exposição do amigo João Cutileiro, “Árvores do Conhecimento Com Alguns Frutos”, à Igreja de S. Vicente, de onde acabei de sair e na qual nem cinco minutos me demorei, espera o artista  que o fruto da dita lhe vá parar às mãos, está bem está ...

Cinco ou seis árvores de pedra, coisa pequena, coisa miúda, e tal qual o publicitado, produto de mãos hábeis e da mente rica criativa e lúcida de Cutileiro, por aí nada a dizer, nem da montagem, cuidada como sempre, nem sei se alguém faria melhor com o pouco que lhe meteram nas mãos, parabéns portanto à organização, pois o que me deixou meditando no artístico Cutileiro foi o seu estado de espirito, o que me conduz a outro desvio colateral nesta conversa, os parabéns à Associação Cultural Colecção B, que o soube cooptar, sabido ser Cutileiro um artista de peso, e de regime, um artista que sempre fez trabalhos essencialmente para determinado partido, obras grandes e melhor pagas. Lembro o designado “Falo”, um amontoado de pedregulhos ao cimo do Parque Eduardo VII e que um tal partido alegadamente terá pago bem, perdão, um partido não, supostamente a CML pagou, suponho que bem e a tempo e horas. Bem mais próximo de nós, temos o “Arco do Triunfo” ali às Portas do Raimundo, que deve ter sido pago a peso, sendo precisamente a questão do peso, peso institucional enquanto mandatário de campanhas e não só, o que verdadeiramente me atira para uma outra vereda colateral…

Os tempos vão maus, só cortes, as instituições públicas contam os tostões e o artístico amigo Cutileiro tem um estaleiro para gerir, armazéns, matérias-primas, gruas, monta-cargas, energia, combustíveis, rendas, provavelmente vencimentos já que acolhe lá uma catrefada de vocações que não acredito vivam somente do ar, portanto há que diversificar a oferta, descobrir-lhe novos nichos, torná-la acessível a outros espaços, a outras bolsas mais moderadas que os cofres ou contas bancárias de quaisquer municípios amigos, torna-la menos volumosa, e pesada, a fim de caber numa entrada, numa sala, na caixa de uma carrinha, na mala de um carro, ou até capaz de ser levada embrulhada debaixo do braço. Um novo conceito de arte ao portador e ao domicílio, um impulso no binómio da produtividade versus rentabilidade.

Portanto parabéns às produções Colecção B, que o cooptaram e parabéns ao amigo Cutileiro que teve visão para prever a quebra no mercado da arte e soube magistralmente delinear com a antecedência necessária e exigida uma estratégia salvífica (peditório para o qual já dei), de que a exposição que visitei é um genial instrumento, multiplicado em S. Bento de Cástris e a multiplicar em centos de sítios, assim os Deuses lhe propiciem longa vida, inspiração e compradores porque é aí que bate o galho, já que falávamos de árvores e jardins e todos sabemos que a cavalo dado não se olha o dente.

E por falar em cavalos, o amigo Cutileiro, e outros, que tirem o cavalinho da chuva pois os tempos estão mudando e não voltarão atrás, se bem que continuemos promovendo, homenageando, louvando e premiando precisamente os mesmos, precisamente aqueles que nos trouxeram até aqui, até este buraco onde soçobramos com merda até ao pescoço, lamento muito o amigo Cutileiro e outros, mas as pessoas não comem pedras, tal como não comem TGV’s disse o outro, que hora a hora se contradiz e nem sabe o que diz…







quarta-feira, 29 de julho de 2015

260 - ALL THE ALLENTEJO .......................................

               
              No momento em que, sem hesitações lhe espetaram o facalhão na garganta eu arrepiei-me, e, ainda que a faca não tenha sido enfiada até ao cabo o sangue jorrava em golfadas, e arrepiei-me de novo ao sentir rodarem a faca, como se fosse em mim que a forçavam, arrepiei-me uma terceira vez quando a faca, digo o facalhão, foi retirado e atrás dele mais sangue jorrou ainda, esguichava-lhe e escorria-lhe pelo pescoço quando o meu pai lhe procurou o buraco da primeira facada com os dedos aí introduzindo outro facalhão, de lâmina brilhante e muito mais larga que a primeira, havia que alargar o golpe e sangrá-la depressa.

A tudo isto eu assistia encostado à parede, melhor, colado à parede, enquanto ela gemia, já só gemia, estrebuchara imenso, mas dois homens fortes tinham-lhe colocado os joelhos na barriga para se firmarem e agarraram-lhe com denodo os membros bem atados. O pior tinha sido a atrapalhação do meu pai, mangas arregaçadas, o suor ensopando-lhe a testa, fácies tenso deixando antever os dentes, pequeninos, as mãos pingando sangue, escorrendo sangue, gritando aos homens, ordens curtas, precisas, um último grunhido, minha mãe aparando o sangue num alguidar de barro, a avó Inácia doseando o sal para que não coagulasse, coalhasse ou a rechina não sairia boa, a tia Aia picando a salsa e os alhos para a parte destinada a coalhar e a ser cortada em cubos miudinhos e transformada num petisco.

Homens acudiram à forquilha e aos tojos que, ardendo musgariam a marrã a fim de, com raspadeiras improvisadas lhe retirarem as cerdas, o lume foi chegado às patas e os cascos arrancados fumegantes, eu e outros miúdos lutámos por eles para lhes roermos o sabugo, a marrã inteiriçada, depois lavada até ficar luzidia, dependurada em dois postes atados em X e aberta, os intestinos caindo no chão, as miudezas aventadas para outro alguidar e
repentinamente perdem-se-me as recordações, por que raio não sou capaz de lembrar quem eram os outros gaiatos se era com eles que eu brincava, e tanto que eu brinquei, sumiram-se-me as lembranças, só as recupero em casa, a salgadeira aberta, mantas de toucinho, a perna para presunto pintada com pimentão e colorau, punhados de sal, cheiro a pimentão, muito pimentão na carne, e lá vou eu com a tia Aia p’ra casa da avó Inácia pois em dias assim só atrapalharia e nem vagar havia, nem vagar nem ninguém para tomar conta de mim.

Um dia seria destemido como o meu pai, destemido e convencido, o melhor e mais rápido a matar e abrir porcos no Alentejo, onde por enquanto somente brincava mas a cuja magia me estava habituando, descobrindo e deslumbrando, até com os mimos que me prodigalizavam todos quantos me rodeavam, especialmente a avó Inácia e a tia Aia.

Tantas vezes me disseram ser o Alentejo impar que acabei acreditando, os pais, os avós, tias e tios, até a avó Inácia, com quem em miúdo passava longos períodos de férias na aldeia. A tia Aia também me fizera acreditar em tal, e seria injusto esquecê-la.

Sou extrovertido, e confiante, diria que demasiado confiante (até há quem diga que sou um convencido), talvez por ter nascido aqui, nesta terra de xisto e fragas lascadas, de espaços abertos e campos extraordinariamente iluminados, amplos, resplandecentes, melhor dizer reverberantes se quiser ser fiel à memória da tia Aia, ela chamava-lhe a marca da terra.

A tia Aia colocava marcas em tudo, desconhecia a gramática, nunca ouvira falar de adjectivos, tinha contudo um modo muito próprio de catalogar o mundo, eu, por exemplo, nunca fui só Berto, eu era o Bertinho querido umas vezes e o Bertinho lindo outras, tal como as flores das giestas no campo não eram somente bonitas, eram celestialmente bonitas pois Deus decerto as quisera diferentes de todas as outras, e para melhor.

Já provaram vocês o mel alentejano de abelhas que sobretudo se alimentem destas flores de giesta e esteva ? E já repararam como em relação aos demais o gosto é desigual, para melhor ? Repararam como nem coalha no inverno ? O único que não coalha ? A tia Aia tinha razão, Deus colocou uma marca no Alentejo, aliás várias marcas, até o perfume dessa flor não se limitava a ser agradável, ele era, na tabela da tia Aia, indelevelmente agradável e inesquecivelmente inolvidável.

Custa-nos crer como neste cenário de horizontes largos o homem se deixou aprisionar durante séculos, custa-me aceitar que não tenham partido daqui todas as revoluções, não aceito que a submissão, que o cante alentejano tão bem exprime seja ainda hoje uma das nossas marcas, porque aqui, nestes campos lindos e que, como adjectivaria a tia Aia, luxuriantes, onde a ausência de solidariedade campeia, a única coisa que, mau grado o paredão de Alqueva parece não se deixar submeter é a natureza, que, alheia à luta dos homens se renova em cada primavera e, ao contrário de nós, gente, humanos, prima por manter ainda a diferenciação do carácter das suas estações bem marcado, ao invés do indígena, que aos poucos e em quarenta anos se transformou num camaleão gelatinoso, ou, como diria a tia Aia, em lindíssimos e gelatinosos camaleões, inda que sendo bichinhos que ela, que jamais saíra daqui, vez alguma tivesse visto.

Visto ou ouvido, estas vastas terras aplanam a alma e injectam nos seres vírus de bonomia, estado anímico que a tia Aia, sempre mexendo, adjectivaria de letargia, no que pacificamente lhe concedo toda a razão. Aqui o tempo não anda para a frente, não avança, regride, olhemos as nossas vilas aldeias e cidades e comprovemo-lo, um paraíso perdido, um vazio no tempo que nem Einstein previra mas que agora, mentes brilhantes, vendem aos turistas em pacotinhos de fins de semana, disso se encarregarão os operadores turísticos e para tal a GenuineLand preparou os nativos alentejanos cujo céu, livre de poeiras e fumos, vendemos em pastilhas  de noites de breu com um sabor estrelado através da Dark Sky Alqueva.

A novidade aqui passa só e somente por essas adjectivadas e exageradas promoções, os publicitários sempre foram excessivos, e não o foram ou são somente com este Alentejo, lugar onde procuram, ou alguém força, estabelecer novas tradições com mais rapidez que aquela com que enterram as velhas. Pôr em pé o misticismo Endovélico no Alandroal, obrigar-nos a todos a olhar o balão como pategos no Dark Sky, ou tentar tapar o buraco que a desertificação abriu na peneira com o projecto GenuineLand, embasbacando perante as centenas de empregos, milhares de empregos que estas coisas geram, tá-se mesmo vendo, é andar brincando com o Alentejo.

Brinca-se no Alentejo e no país, agora até promovem e homenageiam quem mais brinca.

Brincalhões …

Foto 1 – A arma usada na matança.
Foto 2 – Monsaraz no horizonte.
Foto 3 - O horizonte visto de Monsaraz.
Foto 3 – Afloramentos de xisto perto da ribeira de Lucefecit.