domingo, 11 de agosto de 2013

157 - .................. PANAVISION DREAM .....................




Por trás das pilhas e dos milhares de fardos de aparas de cortiça, debaixo de um alpendre mal enjorcado, o calhambeque. Nunca soube porquê mas só a buzina funcionava, roufenha, soando bem alto mas roufenha. O calhambeque só pó. Mesmo por dentro só pó. Uma D. Elvira sempre presente enquanto eu, brincando ao Zorro e ao Tonto, esporeava Silver na pradaria do quintalão, onde as pilhas e os fardos as montanhas rochosas…

 

Naquele Verão escolhera um chapéu de fita verde por me parecer mais fresca a cor, no início de cada ano a mãezinha comprava-me um chapéu de palha novo na loja do senhor Acácio. Eram milhares de chapéus de palha em pilhas, cada uma com sua forma cor feitio e número de chapéu, número, largura de cabeça, de criança a adulto, pilhas de vinte trinta chapéus e eu sentindo ainda o cheiro da palha nova, o cheiro da tinta nas fitas,

 

o cheiro a naftalina da roupa da cama arredada para baixo por ser Verão, um cheiro que se sentia intensamente por causa das portadas fechadas para evitar a luz e o calor e, embora as portadas fechadas e a penumbra, eu não dormia, cumpria a penitência da hora da sesta mas não dormia nunca, enquanto lá fora a esturrina queimava as montanhas rochosas e eu em cima de Silver perscrutando o horizonte, até que ela chegou,

 

pé ante pé, um dedo nos lábios outro nos meus, um silencio quente, abafado, nem o pregão dos negociantes de cortiça se ouvia, estariam na taberna onde hoje o Restaurante Flor da Pradaria, perdão, da Planície, e

 

nem o resfolgar das maquinas estendendo alcatrão nas ruas da vila se escutava, somente a respiração ofegante dela metendo-se na cama, colando-se a mim na penumbra silenciosa e tropical do quarto, eu fechando finalmente os olhos, não para dormir mas aspirando sem o menor ruído o perfume dela, o cheiro dela e o perfume que jamais esqueci, nunca mais, nos últimos quarenta anos de vida entrei em todas as perfumarias do mundo e nunca mais,

 

o cheiro sim, às vezes, muitas vezes, mas o perfume jamais, e sempre que na lembrança aquele odor no mesmo instante na memória ela, os seios fartos, redondos e cheios, túrgidos, os biquinhos duros e salientes, as auréolas grandes com sabor às da mãezinha quando eu pequenino, e, quando queria montar o Silver e abalar à desfilada pela pradaria e ir embora, ela

 

vais já, tá quietinho, quando acabarmos vais, e se fosse a mãezinha decerto me tinha logo dado soltura para ir brincar, ao principio tive medo e fiquei calado, mas depois, pelos dias fora já gostei, e ficava quietinho e caladinho até ao fim, ainda hoje se baixo as persianas e a penumbra no quarto ouço o arfar acelerado dela, sinto os beijos as mãos e os carinhos dela, eu crescendo em mim sem saber e depois já sabia, e

ao terceiro dia ainda ela se não esgueirara para a minha cama e já eu esquecera o Zorro, e o Tonto, e o Silver e as montanhas rochosas, a aventura aprendida e já tão desejada era outra por eu já a adorar e lhe conhecer os sítios onde ela se rendia e ofegava e tremia, e depois de tremer o abraço dela, o cheiro intenso dela, eu já não brincando nas montanhas rochosas mas brincando nas montanhas dela até conhecer de cor e salteado cada curva cada canto cada reentrância,

 

com o tempo aprendi onde tocar, a mão dela guiando a minha, mete aqui, faz assim, não pares, mais, faz mais, mais depressa, não pares agora, e em vez de matar índios e bandidos empenhava-me em cumprir o que dizia o xerife porque o xerife era ela e eu gostava fazê-la sentir-se bem comigo, primeiro, de sentir-me bem com ela depois,

 

porque depois também eu ofegando, também eu numa agitação em crescendo, também eu guiando a mão dela, também eu que embora não dissesse pensava faz assim, e ela fazia, não pares, e ela não parava, mais, e ela fazia mais, faz mais, e ela fazia muito mais, mais depressa, e ela mais e cada vez mais depressa, não pares agora, e ela sabendo sempre onde parar porque se não parasse a brincadeira acabaria,

 

e ao invés de matar índios e bandidos empenhava-me em cumprir bem o ordenado pelo xerife por gostar de fazê-la sentir-se bem comigo, primeiro, de me sentir bem com ela depois, porque ela me ensinou a parar,

 

jamais esqueci o cheiro dela, nem o meu cheiro, nem o perfume que jamais encontrei, e cada vez que um biquinho, uma auréola,

 

recordo-me dela, recordo aquelas férias e aquele Verão, aquele em que deixei de brincar ao Zorro e ao Tonto embora nunca mais esquecesse as centenas de pilhas de fardos de aparas de cortiça, o calhambeque cheio de poeira escondido na sombra do telheiro enjorcado, com a buzina roufenha e, ainda hoje se no tumulto do clamor do trânsito de qualquer grande cidade uma buzina roufenha

 

logo o pensamento na aldeia, naquele verão, nela, nas camionetas dos Farinhas, no cheiro a alfarroba, na relva fresca e na terra molhada do jardim nos fins de tarde e nas amenas e estreladas noites em que, contemplando-a mudo,

 

descobri que me fizera homem e, ainda hoje, de dedo nos lábios em sinal de silencio ou não, aprendi a guardar para mim todos os pensamentos todos os segredos, todas as memórias…

 ...



domingo, 4 de agosto de 2013

156 - FIDELIDADES * por Maria Luísa Baião..............




Foi opção tomada há quase quarenta anos e nunca senti até hoje o mais pequeno arrependimento. Hoje conheço-o por fora e por dentro, satisfeita, saboreio-o com o prazer que só a maturidade permite, sem pressas, no sítio, na hora e do modo próprios, que é como deve ser, até para não enxovalhar as roupas.

Procuro-o, propositadamente por vezes, sei não ser a única, e não me importo. Todo mundo sonha com ele, com isso, especialmente no verão, porque nos faz esquecer este calor incandescente consumindo-nos. Pena que nem sempre isso suceda, por vezes sabe a pouco, e aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e a boca diz ao que vem, uma e outra vez, insaciada.

Existe um prazo para que o desejo aconteça, atinge o auge, o zénite, o perigeu, entre cinco minutos antes do primeiro roçar de lábios até, no máximo, cinco minutos depois. Pavlov chamou-lhe reflexo condicionado, eu chamo-lhe desejo insatisfeito. Seja o que for faz salivar…

Raras ocasiões lhe fui infiel, no máximo dez, ou vinte, o que, para quarenta anos, não é nada.

E fiel?
Quantas ?
Quantos dias ?

Milhares por certo, não me venham portanto com paternalismos serôdios que eu já sou crescida. Para além disso, nos meus gostos e nos meus actos, ninguém manda, que ninguém meta a colher.  

É que é gostoso, não cansa, não engravida, é prático porque não precisamos tirar a roupa, não precisamos sair da festa, dá saúde, alimenta a carne e o espírito. É bom.

Não que ande a sonhar com ele, e até talvez por o ter em casa sempre à mão… mas quando tal não acontece, que desalento, que tristeza, não que esteja grávida, mas o desejo primeiro, a pertinácia depois, e então olha, persigno-me e é o primeiro que aparece.

E que prazer quando ele me delicia, não é o mesmo que com qualquer outro, com qualquer um a coisa é rápida, uma necessidade de satisfazer o desejo, com ele não, com ele a coisa faz-se render, durar.

O primeiro toque costuma ser suave, interrogativo, como que para sondar ou matar saudades, decente. Aos pouquinhos, no entanto, acende-se a labareda e já não há modo de parar, é uma coisa muito nossa, muito pessoal, quase uma maneira íntima de colher o sabor do que se gosta, de dizer mil coisas em silêncio.

A sensação continua a ser a mesma de sempre, a vontade igual, o sabor idêntico, não vejo portanto motivos para parar ou reduzir. Gente insonsa sempre disse que o que é bom e sabe bem, ou faz mal ou é proibido, pois, sim abelha, se tiver que morrer ao menos que morra feliz.

Há muitos anos era delicodoce, hoje continua doce e delicado. Dantes era predicado, hoje verbo, sujeito, acção, emoção e torvelinho. Chego a temer que seja um sonho, que venham buscar-me desse sonho, de me ver encurralada num sonho.

Já lã vão dezenas de anos, experts do marketing mudaram-lhe o nome, gente que nada sabe pensando que sabe tudo há-de acreditar que a fidelidade assenta nisso. Nada mais falso, a fidelidade é algo mais profundo.

Há um abismo imenso entre o que pensamos o que sentimos e o que fazemos, e eles não sabem, nem nunca saberão.

Poucas vezes lhe fui infiel, mas às vezes calhou, às vezes longe de casa, onde dele nem sombra, às vezes calhou. Mesmo contrariada, já tem acontecido, afivelo um sorriso irónico, peço-lhe perdão e zás, lá vai, e lá calha.

Claro que estranho, claro que não é a mesma coisa, por isso volto à minha fidelidade, à minha preferência, ao meu gosto. Os tempos mudam, os hábitos ficam e fazem o monge.

Agora chamam-lhe "Supermaxi", e numa dobradinha como dizem os brasileiros, ou numa dupla, como nós dizemos, promovem-no a super por um lado e a maxi por outro, como se a etimologia ou a semântica tivessem muito a ver com o gosto gelado da baunilha e do chocolate.

    Aceito que a nível mundial esse nome possa impressionar alguém, que venda mais, muitos mais gelados que "Delicô", como se chamava e não tinha tradução possível e portanto nenhum significado especial, pelo menos para mim.

Mas tendo-lhe sido mudado ou não o nome a minha fidelidade estava jurada.

Não havia nada como aquele gelado da Olá.  

 In Diário do Sul, Kota De Mulher, – Évora,  por Maria Luísa Figueiredo Nunes Palma Baião, Publicado em 18-07-2005, pag. 4 




quarta-feira, 24 de julho de 2013

155 - REMEMBRANCE THE PAST ............................



                                                                                             
Mal o astro despontava e lá estava ele nos degraus colhendo-o, o calor enxugando-lhe o mijado nas calças de saragoça, amareladas da urina, do sol e do tempo

eu nas férias e a manhã soalheira ainda, com a figueira grande lá em baixo depois do quinchoso, onde o sol nos apanhou pendurados dos figos, eu, o cianito, o telmo o xico, o zé, talvez o humberto o meu padrinho e acho que também o fernando, a memória não me é nítida já

ainda lá mais em baixo o roxo, lavadeiras e roupa estendida sobre as flores que atapetavam os campos e a corar

tremia e babava-se aquecendo-se ao sol, não naquela altura, mas hoje pressinto-o como um trambolho para a família, pois nem uma criança exigiria tanto trabalho ou atenção

chegada de itália a tia paquita, os chocolates todos derretidos num saco, o sol abrasando. 

transladaram o avô palma para a sombra.

nem sei como cabiam todos, tantos, naquele carrinho onde o meu tio seisdedos custava a entrar. 

- Para onde me fui ?

perguntava ele, atarantado do avc, atropelando as sílabas e agarrando-se ferozmente ao cajado polido pelos anos, arrastando a perna inerte

- Para onde me fui vocêses ?

o nero abanando a cauda e erguendo-se a custo, seguindo-o fielmente numa preguiça de pasmar

pasmava-se de vê-los, o burro branco trotando chapada acima, o zé de equilibrista em cima dele fazendo de cristo-rei, os pés fincados em cima da albarda como os pés das bailarinas de cisne

- Olhem p’ra mim ! hão-de ver se fazem igual ! é o fazem !

quando vinham à aldeia as trupes de saltimbancos esses sim faziam, faziam maravilhas de equilibrismo no arame

abalei dali a correr, porque não aguentei ver aquilo, e o que me horrorizava era ver os cágados sem patas esperneando no alguidar, quando voltei aquilo eram o xico peixeiro mais o tio seisdedos e uns quantos alarvemente em redor do petisco das patas dos cágados que o pescador trouxera da ribeira da guadiana

para onde fui depois nem eu sei, porque a manhã estava a meio e nuvens carregadas naufragaram o radioso do dia que na Arreigota era de ceifa, e onde o meu pai aflito e minha mãe aflita, e o meu pai

- Fica aí enchendo este balde de espigas e não saias daí que já venho, o pai não está longe

e antes do pai vir um choro, um choro fininho que era um choro de criança e o bebé, acabadinho de nascer, ficou a chamar-se meu mano e só me lembro dos três, os quatro agora, a caminho da vila, de mim da mãe e do meu mano novinho em folha todos no burro, o meu pai com pressa, de arreata retesada, e do tecto da casa maduro de melões dependurados de redes de ráfia, e no chão melancias, caiadas de branco para durarem até janeiro sem chocarem

só passados muitos anos fui capaz de ver a imagem que o futurismo me gravara na mente, um emblema dourado no cilindro verde que espalmava a estrada preta e dizia "Coolfield Road Roller", gravado no flanco do monstro que bufava e gemia sempre que lograva mexer-se, e que do alto da vila eu contemplava dia a dia na estrada em recta que se estendia a perder de vista pelo mar da planície em que a aldeia era navio e, quando crescido, e grande, e na marinha, decifrei finalmente as bandeiras que nela arvoravam quando em festa, e as cores de uma diziam comandante a bordo, de outra perigo, por em festas haver pólvora nos paióis destinada ao fogo preso

nesse ano de festas deixei de ver a estreia de easy rider por toda a família estar lá embarcada já e me esperar, eu na carreira até às terras d’el-rei, dali em diante à boleia num velho ford que não passava dos setenta e me deixou a uma légua do telheiro, pelo que meti a direito, subi a encosta e quando finalmente na vila apelava a banda à morte do touro na arena, já tal nem me impressionou como os cágados sem pernas esperneando no alguidar e cheirando tão mal depois de mortos que os cães não se acercavam, e, talvez porque eu já grande nunca mais me lembrei do

- Para onde me fui vocêses ?

talvez o avô tenha morrido enquanto eu na caça com o pai, talvez tenha morrido quando morreu a violeta, eu com a dor nunca mais a esqueci, nem sei se ele o avô palma, como aconteceu com ela, foi enterrado numa encosta solarenga junto com um ramo de flores silvestres

não voltei a vê-lo nos degraus onde eu brincava ao sol e ele enxugava as calças de saragoça coçadas, porque depois de crescido a saragoça nunca mais, e a bombazina sim, ele eram tudo calças de bombazina que vinham de contrabando de espanha

cresci muito nessas férias em que o fogo de artificio estoirou mais forte que em qualquer outra aldeia em redor, e em que conheci a gafanhota, a minha primeira paixão, que havia de suscitar em mim mais interrogações que as que tivera atrás do monte de molhes de feno no lugar da arreigota, em que enchi o alguidar esperando o meu mano novinho em folha, e mais que em todas as minhas vidas anteriores, tantas, tantas que esqueci o

- Para onde me fui vocêses ?

e folheando um velho álbum lá estamos, ao centro o meu mano manel da arreigota, novinho em folha, e que mais parece uma menina, tais os caracóis, à esquerda a prima luísa maria palma e à direita eu, com um brinquedo de lata na mão, os três em pose frente a uma manta de quadrados estendida de improviso p'las tias aia e joaquina na entrada do tugúrio do xico peixeiro, na minha mão a camioneta da carreira em que a mãezinha, muito branca, chegou vinda da operação ao coração, em coimbra, e sim mãezinha tive saudades, e medo, sim mãezinha eras linda como até hoje não vi, e de ti recordo-me, não me recordo é do

- Para onde me fui vocêses ?

mas a ti recordo, e do cabelo ondulado, negro, e lindo como tu, e como tu até hoje só vi numa mulher única, e mãe há só uma, sim, não te esquecerei jamais, nem de quando enfiava os dedos em pente nos teus cabelos e te dizia são lindos, amo-te, pareces uma espanhola, e agora nesta eu em pequeno na varanda da casa da vila que dava para a rua do forno, com o zé e o meu mano novinho em folha, nesta foto ainda se vislumbra o teu braço, a tua mão, cuidando de nós, como sempre fizeste, como sempre te lembro, e recordo-me agora, nesse dia mijei em arco para cima da laje do murete da varanda, ficou uma poça que o sol secou, como secava as calças de saragoça do avô palma nos degraus onde se esteirava e eu brincava, e juro mãezinha que quando te lembrar de novo te escrevo outra vez e beijinhosssssssss                                                                                                           
                                                                                                 

Foto: da esquerda para a direita, José Baião, Manuel Baião e eu Humberto Baião, na varanda da casa dando para a rua do forno.    



     


                              
                           
                                                                                                                                                                           

           








 Foto: eu Humberto Baião, o meu mano mais novo Manuel Baião e a minha prima Luísa Palma, que vive em Reguengos, tirada à porta da “casa da inquisição” onde morava o ti Xico Peixeiro.












Foto  Minha mãe, Antónia da Conceição Ventura Palma. 

                                   Foto: Meu pai, Altino José Baião, Guarda Rios em Monsaraz.

              Foto: Lugar do poço da Arreigota, onde nasceu o meu irmão mais novo Manuel Baião.

terça-feira, 23 de julho de 2013

154 - SAPIOSEXUALIDADE ... COM A IDADE ... **

Pintura de Marcelino Bravo - Évora

     

Olá GI ! Vamos lá com mais vagar, tenho andado ocupado com um curso de formação que promovi. Peço desculpa por não ter sido exemplar nas respostas, mas tenho andado atarefado e a coisa envolve dinheiro a receber nem sei quando. OK, avancemos por tópicos, nada tenho contra essa modalidade e será mais fácil racionalizar a resposta.       

Agradeço do coração os teus abraços, bem falta me faziam e bom, muito bom proveito tiveram. Um conforto ou um consolo de quando em vez só nos fazem bem, aquecem a alma e alimentam o ego. Nem costumava dar atenção ao gato Garfield e agora até estou disposto a comprar um para pendurar do retrovisor e dar cheirinho ao carro. 

Obrigado também por me teres compreendido, por não ter perdido a tua amizade apesar de me ter exposto e aberto o coração. Há quem me entenda mal e me apelide de rude e bruto, nada disso, simplesmente sou directo, directo e franco. És uma boa amiga, não desejava perder-te por nada, saber-te longe não me alegra de modo nenhum, contudo acredito que percebas melhor agora a minha expressão “duvido que alguma vez venhamos a estar cara a cara”. 

Senti-me confortavel na resposta que te dera, bem e mal, mal por ter-te longe, bem porque me permitiu soltar-me de mim mesmo como nunca o fizera e por uma vez na vida ter tido a coragem de, parvoíce ou não, me ter confessado. Fez-me bem, sinto-me melhor comigo próprio e finalmente percebi não precisar da aprovação dos outros para me sentir realizado, verdade também não o conseguir sem eles. 

Obrigado por teres aparecido na minha vida, não sei que pancada foi esta mas foi quase instantânea, nunca me acontecera, já nem acreditava em paixões e afinal a vida surpreendeu-me da forma mais invulgar que imaginar podia. Não te estou a pedir nada, nem pedirei jamais, só quero que saibas que, qualquer que seja a opinião que faças de ti mesma, estará mais completa agora ainda que, de forma inconcebível a minha atitude prove que és mulher para arrasar um homem, não tanto pelo que aparentas, (nem te conheço), mas pelo que és, e isso, ou eu já não percebo do oficio ou vi a tua vida de fio a pavio melhor do que se estivesses nua. (aspectos houve que nem toquei mas que registei, descansa, não são em teu desabono, só que quem aprende levando porrada, aprende mais depressa, melhor e com mais proveito, a aprendizagem paga-se, experimenta quaisquer explicações e vê se não desembolsas). 

Não te preocupes comigo, tudo está bem entre nós, a confirmação da tua amizade me basta, não pedi, não estou pedindo, não quero mais que isso, descansa que não tens à perna mais um melga, tens, bem longe, inofensivo, um homem que se apaixonou pelo teu ser, que se sente feliz por partilhar a tua amizade, feliz por ter voltado a sentir o que já esquecera e acreditava pertencer à idade da inocência. 

Obrigado pelo endereço mail, infelizmente já comprovei que os nossos horários não coincidem, talvez ao fim de semana, não interessa, vamos falando por aqui, mas não me venhas com aquela de que não escreves bem, porque escreves, até por tópicos adorarei, o que sinceramente não gosto é de mensagens que dizendo muito dizem pouco, como as imagens, o que não significa que não esteja grato por tê-las recebido. 

Se apareci menos foi só pelas razões já expostas, não quero que te sintas pequenina, não o és, prova disso é a que te ofereci e não há melhor já que foi a tua grandeza que me cilindrou, tudo o que escreveres para mim será sempre pouco, pelo que não vale lamentares-te por isso, com os erros nem te preocupes, nem os dás nem isso interessa, aqui escreve-se bem e depressa e já é bom não ser como fazemos nos telemóveis ! 

E passa um bom fim de semana, irei passando pelo escritório para ver se tenho mensagens tuas ou se estarás online, não tenho conexão net nem smartphone por opção minha, não sou escravo da tecnologia, (já duvido de mim nesse aspecto), e deixa-me adiantar-te para teu esclarecimento teres-te metido com um bom sacana, não sou santo nenhum, tenho defeitos e virtudes, exponho as virtudes e escondo os defeitos como toda a gente mas não sou tarado sexual, nem pedófilo, nem pederasta, nem louco, apenas um tipo normal nem sempre convivendo bem com a normalidade e furtando essa anormalidade aos olhares exteriores.

Um sacana que se veste não como as fotos apresentam, isso são cerimónias, a propósito as fotos já estão todas legendadas, não sei se recebeste a explicação daquela em que um sujeito me olha de forma estranha, visto-me estilo livre, como gosto e me sinto bem, por vezes com modas que nem sei se o são, nem me interessa tal. Não sou bonito nem feio, não cheiro mal da boca, tomo banho todos os dias e não tenho dívidas nem dúvidas. 

Corri hoje todas as livrarias de Évora, consegui encontrar o único exemplar à venda de um livro que editei, isto porque dizes que não tens um livro de referência mas adoras ler e a meia dúzia de exemplares que a editora me dera por gentileza há muito os esgotei, pelo que agradeço me indiques qual a tua morada postal para to oferecer, coisa em que faço imenso gosto e descansa, depois de o meter na caixa do correio a morada será apagada para sempre, não me julgues capaz de aí te aparecer de surpresa, pelo que podes ficar tranquila quanto a esta solicitação.   

                 
Pintura de Marcelino Bravo - Évora
                                                                                                                                     
                                                                                                 *  https://mentcapto.blogspot.com/2012/01/blog-post.html

** https://mentcapto.blogspot.com/2011/07/70-o-nome-dela-era-gi-simplesmente-gi.html

segunda-feira, 22 de julho de 2013

153 - MEXERICO À LA PLAGE .............



É justo o Justo. Para mim tem sido. Já a mãezinha que Deus tem gostava dele apesar de não muito falador, não muito simpático e, se quero ser sincera, nada prestável.

Tantos anos de vizinhança no prédio e nunca foi capaz de um deixe D. Emilia que eu levo, eu ajudo, ou deixe estar que não me incomoda estou de saída e largo ali no contentor.

Na verdade nem um olhar mais demorado ou um sorriso esboçado. A má fama que o homem tinha no prédio não era de todo desmerecida não.

Parece outro agora. Todo salamaleques para aqui e para ali, todo mesuras, todo ai não me toques, embora pessoalmente não tenha razão de queixa que a mim não deixa ele cair no chão não !

Quem o viu e quem o vê. Mas andou muito em baixo quando da morte da D. Bárbara, coitado.

Dava pena. Para ser sincera dava pena. Está bem que não era homem que suscitasse simpatias mas sempre bem escanhoado, sempre bem aprumado, um homem que dava gosto ver. Não que alguma vez tivesse pensado nele Deus me livre que sempre fui uma mulher recta.

Mas doeu-me quando depois da D. Bárbara o vi tão atormentado, até mais baixo me parecia o raio do homem. Arrastando os pés, uma ou duas vezes me pareceu que de combalido até os pés arrastava, o Senhor tenha piedade.

Foi numa dessas ocasiões que nem sei como foi que eu, sempre tão recatada, me não contive e lhe atirei um: – Então senhor Roberto, a vida não pára meu vizinho, tem que arranjar forças !

E não é que arranjou ?

Agora mesmo antes da D. Lurdes chegar largou a toalha deu uma corrida e entrou na água que nem peixe e pôs-se ao largo com meia dúzia de braçadas ! Não lhe perdoo é a areia que me largou em cima com a arrancada à Carlos Sá, quando voltar vai ouvi-las vai que eu não sou a D. Bárbara.

Mas contava-lhe eu aquilo foi fogo no rabo do homem. Não sei se levou a sério ou não o que lhe disse mas a verdade é que arrebitou.

O que sei é que desde aí nunca mais esqueceu um bom dia D. Emilia, passadas duas ou três semanas já era Mila para cá e para lá, e deixe que eu levo, ora essa eu carrego, e foi assim que me acudiu à torneira que pingava há anos e me punha os nervos em franja que o meu Álvaro é a coisa mais desleixada que eu já vi, era, que agora até me arrepio só de pensar no estupor do homem e nos anos que o aturei.

Já a mãezinha que Deus tem não gostava dele, apesar de muito falador e muito simpático.

Há coisas que a gente não vê logo não é ?

Nem sei onde é que eu tinha a cabeça.

O Roberto é muito diferente. O outro nunca, pelo menos que eu me lembre, e o Roberto agora é Milinha a toda a hora Milinha isto Milinha aquilo que ás vezes até tenho medo que o santo e bom do homem me gaste o nome.

Mas foi assim, depois da mãezinha falecer.

Já reparara que era jeitoso quando do pingo da torneira, depois calhou o frigorifico ter parado de fazer gelo, e o meu Álvaro que nunca estava em casa quando fazia falta, um dia quando mudava a lâmpada ao candeeiro da mesinha de cabeceira sentiu-se mal, eu aflita D. Roberto não me assuste, senhor Roberto vou-lhe buscar um copo de água deite-se aqui que é o meu lado que eu já lhe trago a água, não faça mais esforço por amor de Deus e deixe-se ficar tapado vizinho Roberto que não há problemas, o Álvaro só vem na sexta feira foi para a Bélgica levar uma carga, ainda me lembro como se fosse hoje, era segunda feira de Carnaval e sexta feira logo de manhãzinha o Roberto pegou nas coisas dele e foi só atravessar o piso para o lado dele, levava outras cores, nunca mais perdeu aquelas cores nunca mais uma aflição daquelas, era qualquer coisa de tensão baixa, ou alta, faz medicação diária mas nunca mais uma crise, nunca mais falta de ar nem uma ameaça de desmaio, e aquelas cores que lhe vê desde que as ganhou que as não perdeu e é isto, uma corrida um mergulho umas braçadas e parece que tem menos vinte anos, ao Álvaro já não suportava o hálito a bagaceira ordinária, a esse a crise arrumou de vez, primeiro foram as prestações do camião a ficar por pagar depois o andar, um dia cheguei a casa e tinha vendido a mobília, passadas semanas os fiadores ficaram-lhe com o andar, nunca mais vi o camião na rua e o que me valeu foi o Roberto, deixa lá Milinha deita-te aqui que é o meu lado, olhe filha para mim esta crise foi uma oportunidade e apesar de tudo e daqueles bandidos do governo a reforma dele tem-se aguentado malgrado os cortes, estamos ali naquela vivenda da marginal, alugámos um quartito duas semanitas e olhe ele vem aí desculpe tenho que me arranjar que ele marcou mesa na marisqueira e detesta que o façam esperar quando mete cerveja e sapateira.



…